Resumo: O presente estudo analisa intersecções entre a Comunicação Organizacional e o Folkmarketing por meio de elementos históricos da formação de um constructo voltado ao papel comunicacional como fator de relevante às organizações no quesito imagem. Diante disso, é exposto o caminho trilhado por este campo não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos da América (E.U.A), país que é um dos precursores nessa prática. Demonstra-se de modo incisivo a evolução da Comunicação Organizacional no Brasil nos anos finais do Regime Militar na década de 1980, bem como o novo comportamento do consumidor contemporâneo. É levantado com ênfase o papel desempenhado pelo folkmarketing e sua integração com elementos da seara que envolve a comunicação nas organizações, restando evidenciado ao término do trabalho, o decisivo papel do folkmarketing como estratégia efetiva e afetiva junto ao público consumidor cada vez consciente e exigente no atual cenário da Sociedade da Informação.
Palavras-chave: Comunicação Organizacional, Consumidor, Folkmarketing, Sociedade da Informação.
Abstract: The present study analyzes intersections between Organizational Communication and folkmarketing through historical elements of the formation of a construct focused on the communicational role as a relevant factor for organizations in the image aspect. In view of this, the path taken by this field is exposed not only in Brazil, but also in the United States, a country that is one of the precursors in this practice. The evolution of Organizational Communication in the country in the final years of the Military Regime is incisively demonstrated, as well as the new consumer behavior of that time. The role played by folkmarketing and its integration with elements of the field that involves communication in organizations is raised with emphasis, leaving evidence at the end of the work, the decisive role of folkmarketing as an effective and affective strategy with the consumer public increasingly aware and demanding in the current scenario of the Information Society.
Keywords: Organizational communication, Consumer, Folkmarketing, Information Society.
Resumen: El presente estudio analiza las intersecciones entre la Comunicación Organizacional y el Folkmarketing a través de elementos históricos de la formación de un constructo enfocado en el rol comunicacional como factor relevante para las organizaciones en términos de imagen. Ante ello, se expone el camino recorrido por este campo no sólo en Brasil, sino también en los Estados Unidos, país que es uno de los precursores en esta práctica. Se demuestra de manera incisiva la evolución de la Comunicación Organizacional en el país en los años finales del Régimen Militar, así como el nuevo comportamiento consumista de la época. Se destaca con énfasis el papel que juega el folkmarketing y su integración con elementos del campo que involucra la comunicación en las organizaciones, dejando evidencia al final del trabajo, el papel decisivo del Folkmarketing como estrategia eficaz y afectiva con el público consumidor cada vez más consciente y exigentes en el actual escenario de la Sociedad de la Información.
Palabras clave: Comunicación organizacional, Consumidor, Folkmarketing, Sociedad de información.
Dossiê
Comunicação organizacional, sociedade da informação e o folkmarketing: uma integra- ção de aspectos históricos e estratégicos
Organizational Communication, Information Society and folkmarketing: An Integration of Historical and Strategic Aspects
Comunicación Organizacional, Sociedad de la Información y folkmarketing: Una Integración de Aspectos Históricos y estratégicos
Recepción: 20/05/2022
Aprobación: 03/06/2022
Este paper nos ajuda a refletir de modo analítico-crítico acerca das bases da Comunicação Organizacional no Brasil, o que é muito importante porque dá uma dimensão não só da relevância desse campo de estudos, mas também demonstra o nível de aplicabilidade desta seara do conhecimento no âmbito corporativo. Destaca, ainda, na última seção o papel que o folkmarketing passa a desempenhar neste início de século XXI e como se integra a elementos comunicacionais das organizações, alcançando resultados efetivos no processo de imagem, além de credibilidade corporativas.
É importante destacar, ainda, que o atual panorama vivido, em termos globais, é o da Sociedade da Informação, conforme atesta Castells (1999). Além disso, a cibercultura, base dos estudos de Lemos (2007) também aponta para uma nova dinâmica social por meio da qual a informação em tempo real via web redimensiona as relações nos mais diferentes âmbitos, dentre eles a forma como os consumidores enxergam as organizações e o consumo.
Diante desses aspectos, torna-se imprescindível não só compreender os primeiros passos da Comunicação Organizacional em território nacional, como avaliar o atual estágio, além de refletir sobre perspectivas desse campo. Eis a proposta aqui trazida. Portanto, a fim de traçar um panorama o mais didático possível, a presente análise está dividida nas seguintes seções, as quais irão facilitar a reflexão ora posta: 1) Revolução Industrial e Propaganda; 2) Comunicação Organizacional nos E.U.A do século XX – breves estudos de caso; 3) “Anos de Chumbo” e a Política Comunicacional Militar; 4) A Reabertura Democrática e o Primeiros Planos de Comunicação Organizacional no Brasil; 5) Consumo Consciente versus Hiper Consumo e o Folkmarketing no Papel de Comunicação Afetiva e Efetiva.
Propaganda vem do termo propagare e tem relação direta com a forma como a Igreja buscava disseminar a fé e conquistar fiéis por meio do badalar dos sinos, como afirma Sampaio (2013). Entretanto, a Propaganda como conhecemos hoje, tem seu início graças à Revolução Industrial e isso está diretamente relacionado ao chamado fator commodity. Devido à transição de uma produção artesanal para a fabricação de produtos por meio de máquinas, os bens ficaram cada vez mais semelhantes. O consumidor não conseguia facilmente distinguir “A” de “B”. É nesse momento que a Propaganda se torna uma atividade estratégica, a qual irá “gritar” para a clientela as qualidades de determinada marca e torná-la conhecida. Uma vez conhecido, o referido artigo teria mais chances de êxito, afinal, as pessoas estão mais propensas a adquirir o que já conhecem, aliás, esse fato ocorre até hoje em plena Sociedade da Informação.
Pendergast (1993) em sua obra-prima: “Por Deus, Pela Pátria e Pela Coca-Cola” defende que a Propaganda Moderna surge nos idos do século XIX graças à marca de refrigerante, pois Asa Candler, o fundador da The Coca-Cola Company e seus executivos, passam a trabalhar uma espécie de aura mágica em torno da imagem da bebida, que começara a sofrer com a invasão de concorrentes com embalagens e mesmo sabor muito similares.
Em vista dos conteúdos ora refletidos, pode-se ratificar que antes mesmo de quaisquer esforços voltados diretamente à Comunicação Organizacional, os quais passam a tomar vulto já na primeira metade do Século XX, como demonstram Nassar e Figueiredo (2006), a Propaganda passou a operar a partir da Revolução Industrial como um instrumento que buscava diferenciar produtos, seduzir clientes e potencializar as vendas.
De uma forma geral, ainda não havia uma prática mais evoluída no que tange ao brandinge a propaganda aparecia como um dos grandes vetores responsáveis pela diferenciação das companhias em um mundo em ritmo concorrencial cada vez mais acelerado em algumas searas, entretanto, concorrência quase nula em outras. Exemplo clássico disso e que entrou para a história é o domínio da Ford Motor Company no setor automotivo na primeira década do século passado.
Henry Ford produziu o Ford “T” – primeiro carro a ser produzido em uma linha de montagem na história. Quando questionado pelos clientes sobre a possibilidade de adquirirem o veículo de uma cor que não fosse o preto, a resposta era basicamente o seguinte: “O Sr. pode ter da cor que quiser, desde que seja preto!” Tal atitude, como diriam Nassar e Figueiredo (2006) era fruto de um mundo sem concorrência, onde a primeira imagem sobre o produto vinha da propaganda; um “espaço mágico” – no qual nada quebra, arrebenta, para de funcionar. Será mesmo?
Apesar de a Propaganda convencional ter vivido momentos áureos ao longo dos séculos XIX e XX, apesar de viver em constante processo criativo de reinvenção, como destaca Stalimir Vieira (2016) em Raciocínio Criativo na Publicidade, vamos refletir a seguir sobre um embrião da Comunicação Organizacional datado da década de 1930 e que já começava a tangenciar as práticas empresariais para um universo que deveria ir além do lucro, como atestam Nassar e Figueiredo (2006) e alcançar imagem, além de reputação, como defende Kunsch (2009, 2016).
Antes de mais nada, justifico essa breve passagem pelo território norte-americano, por compreender que respeitados autores na Comunicação Organizacional vêm dos E.U.A., bem como importantes discussões teóricas e aplicações práticas também. No presente tópico, lanço uma reflexão que inicia ainda nos 1930, quase um século atrás, e demonstra uma política de vanguarda no âmbito da Comunicação Organizacional, cujo foco em meu ponto de vista e em consonância com Nassar e Figueiredo (2006), deve ir muito além do lucro, alimentando uma imagem positiva da organização o que tangencia para uma identidade corporativa centrada na reputação da marca.
A marca de absorventes femininos TampaxTM em plena década de 1930, período em que falar sobre menstruação era um tabu, lançou uma grande campanha nos E.U.A. sobre reprodução feminina, além de aspectos orgânicos do corpo feminino. Em momento algum, conforme asseguram Nassar e Figueiredo (2006) havia uma espécie de campanha publicitária promocional voltada à venda do produto. Estava em jogo algo muito maior e que deve ser perpetuado: a imagem de marca. Essa imagem foi trabalhada de forma ética, responsável e levando informação em Saúde à população feminina. Parafraseando Ogilvy, de fato, a campanha é um atestado de marca de longo prazo.
Nos anos 1960, uma das importantes políticas implementadas pelo então Presidente dos E.U.A., John F. Kennedy, tinha relação direta com a Propaganda. O Chefe de Estado destacava a importância do consumidor para o crescimento do país; do trabalho e dos esforços das famílias norte-americanas em busca do tão sonhado American Way of Life. Em meio aos esforços desses cidadãos para prover o melhor a si e aos seus lares, era inadmissível que qualquer norte-americano fosse enganado por campanhas inescrupulosas que prometessem o que não poderiam cumprir. Consumidor acima de tudo.
O país estava diante de uma verdadeira Política de Estado, na qual não só o consumo era incentivado, mas também a lealdade empresarial perante a clientela. Cada vez mais a Propaganda precisava deixar de ser uma simples arma de sedução para se apoiar em uma imagem que gere credibilidade, confiança, respeitabilidade, o que Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010, 2019, 2021) defendem como os eixos centrais para a fidelização do consumidor.
Um outro breve estudo de caso, baseado em discussões da Harvard Business School (HBS), direciona para o chamado Life Time Value, ou seja, em uma adaptação para o português: o Ciclo do Valor permanente do Cliente. Por meio desse estudo, os pesquisadores, ainda nos anos 1990, propuseram quatro etapa para a fidelização “eterna” do consumidor, a saber: o empregado deveria ser visto como cliente interno e deveria estar feliz com sua atividade; ao ser atendido por alguém feliz – o consumidor final também fica feliz; quando o consumidor está alegre com aquela corporação, ele volta a consumir dela e se torna fiel; uma vez fiel à marca, o consumidor passa a fazer propaganda boca-a-boca para a empresa e, por fim, ele passa a defender a organização como um verdadeiro discípulo.
Fazendo um importante paralelo com as obras de Torquato (2004), Nassar e Figueiredo (2006), além de Kunsch (2009, 2016), o último estudo de caso, o qual traz indícios de uma relação direta entre melhoria do clima organizacional e aumento no faturamento das corporações, é possível inferir um dos elementos-chave da Comunicação Organizacional, ou seja, o diálogo com os colaboradores, as mensagens para os diferentes stakeholders que se apoiam em elementos que vão além de aspectos promocionais e que buscam levar os diferentes públicos a refletir sobre questões de ordem social, humana, ambiental etc.
Após essa breve reflexão em torno de estudos de caso que potencializam o nosso olhar acerca das possibilidades de Comunicação Organizacional trabalhadas em solo norte-americano, direcionamos para um dos períodos mais desafiadores à democracia brasileira, e que, paradoxalmente, direcionou esforços ao campo da Comunicação com o fito de construir uma imagem do país contrária à realidade vivida por grande de sua população.
Torquato (2009) traça importante panorama das Relações Públicas e da Comunicação Organizacional no Brasil desde os anos 1960 até o cenário atual. O estudioso apresenta os esforços dos diferentes Governos Militares, de Humberto Castello Branco a João Figueiredo, para “vender” uma imagem de serenidade e pujança do país.
A tentativa de “construção” imagética, a qual ia de encontro à realidade repressora, de assassinatos e exílio de artistas, além de intelectuais e jornalistas, evidencia um pensamento recorrente na Comunicação Organizacional. O referido pensamento diz respeito à necessidade premente de a Comunicação estar inteiramente alinhada às práticas reais de uma dada organização. Isso significa que por mais bela que seja uma campanha, ela não produz milagres, ela não consegue construir pseudo-realidades.
Falamos de um dos momentos mais emblemáticos da História recente do Brasil, que em nossa análise, amparada nas pesquisas de Torquato (2009) serve como uma espécie de “ponte” que nos leva à reabertura democrática do país nos anos 1980 e, dessa vez, à implantação efetiva de estratégias de Comunicação Organizacional com estudos pioneiros de autores como Kunsch, o próprio Torquato, Wilson Bueno, Nassar e Figueiredo, dentre outros e outras.
Torquato (2009) chega a traçar um importante ponto de contato entre as práticas comunicacionais do Regime Militar a o Ministério da Propaganda da Alemanha Nazista. Não poderia haver exemplo mais representativo acerca da condição sine qua non de que a Comunicação Organizacional deve atuar como a representação de fatos que podem potencializar a imagem, além da reputação das mais variadas organizações, entretanto, não cabe sob quaisquer argumentos que ela seja mero simulacro.
Por fim, urge ratificar que o cidadão do século XXI vive a era da Sociedade da Informação, na qual ela flui em tempo real, possibilitando ao cidadão questionar a postura de empresas e governos (ao menos em regimes democráticos, claro). Portanto, simulacro vira promessa vazia e atitudes irresponsáveis por parte das cias, potencializam a fúria de um consumidor cada vez mais cidadão, como demonstra Canclini (1995) em sua obra consumidores e cidadãos.
Os brasileiros viveram por mais de duas décadas sob regime ditatorial, por meio do qual a censura e a fantasiosa propaganda política imperavam no país. 1985 traz o primeiro Presidente civil depois de um longo tempo e com ele um novo olhar acerca de como sociedade, empresas, políticos deveriam agir. A Comunicação Organizacional nesse contexto é o que discutiremos a seguir.
Após um lento processo de reabertura gradual da democracia e retorno do comando do país para os civis, a população vive uma fase de euforia e de busca por direitos. O número de ONGs crescia e as pessoas não aturavam mais qualquer tipo de censura, além disso, exigiam das empresas uma postura de transparência em relação às diversas relações que estas mantinham com a sociedade, com o governo, com o meio ambiente.
Ainda 1985, em meio ao cenário ora exposto, a companhia siderúrgica Rhodia lança o primeiro plano de Comunicação Organizacional do Brasil, conforme Nassar e Figueiredo (2006). De acordo com os autores, o referido plano arrebentava os guetos internos e adotava uma política de porta abertas à imprensa e à comunidade. A corporação entendia que era esse tipo de comportamento que os stakeholders buscavam após mais de duas décadas sob um regime ditatorial.
A Rhodia criou um jornal interno, deu voz aos trabalhadores, e não só à cúpula estratégica, buscou dialogar com repórteres, sociedade e ao desenvolver boas práticas em diferentes âmbitos, como o ambiental, por exemplo, passou a expor essas práticas para os seus diferentes públicos. O referido comportamento e responsável por atrair uma imagem positiva para a organização, construindo uma identidade centrada na reputação o que traz ganhos valiosos, como assegura Ana Luiza Almeida (2009) ao falar sobre a Resource-Based View, uma espécie de instrumento que analisa o nível de vantagem competitiva das companhias por meio da reputação – ativo intangível dos mais valiosos na atualidade.
Conforme Torquato (2004), governos municipais e estaduais passaram a trabalhar suas imagens, assim como as organizações, essa foi uma das razões pelas quais o pesquisador passou a defender a adoção do termo Comunicação Organizacional, e não Comunicação Empresarial.
Na perspectiva de Nassar e Figueiredo (2006), mesmo antes da evolução da Internet no Brasil, nos primeiros anos na década de noventa, para compreender como as empresas eram vistas por consumidores e pela sociedade em geral, bastava folhear os jornais e revistas. Falava-se sobre desastres ambientais, aliás, o que ocorre também na atualidade, falava-se acerca de corrupção, do desrespeito às leis trabalhistas etc. Em conformidade com esses autores, com os quais concordo, de nada adiantaria investir nas melhores campanhas publicitárias e nos melhores profissionais se o lado ético da empresa for mau.
Diante disso, na visão de Nassar e Figueiredo (2006), além deles Kunsh (2009, 2016), Ana Luísa Almeida (2009) e Halliday (2009), não há espaço para “faz de conta” em relação às boas práticas organizacionais. Para Nassar e Figueiredo (2006) é necessário ir muito além do lucro, mais uma vez minha consonância com esses estudiosos, ou seja, imprescindível adotar boas práticas de cidadania, cultura, respeito socioambiental e por meio dessa postura expor suas ações aos stakeholders.
Ainda sobre Kunsch (2009), é válido expor, mesmo que de modo breve, uma trajetória que se confunde com esse período de reabertura democrática e com o novo olhar organizacional em torno das relações com os stakeholders.A estudiosa é uma das fundadoras da Associação Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas, do curso de Pós-Graduação em - Gestão Estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas da ECA/USP, além de editora da Revista Brasileira de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. Todas iniciativas que têm íntima relação com a nova fase do país e, claro, com as novas realidades vividas por organizações e os diferentes atores sociais.
Para estudiosos do Branding, como Martins (2000) e Carril (2006), a marca é o maior bem intangível das companhias, mais valioso que qualquer outro. Ele passa a ficar cada vez mais denso e valorizado por meio da reputação pela qual uma companhia passa a ser reconhecida, o que pode vir, ainda, por meio de prêmios, certificações ISO ou pelo “simples” fato de disseminar práticas cidadãs que são cada vez mais valorizadas por toda a sociedade.
A sociedade contemporânea, aliás, como já dito antes, é chamada de Sociedade da Informação por Castells (2009) e, em meio a tanto conteúdo em tempo real, essa mesma sociedade passa a assumir uma postura cada vez mais crítica em torno das organizações. Afinal, já faz de um século que Henry Ford esnobava os seus clientes que desejassem um carro na cor diferente daquela que ele estava habituado a produzir, hoje, além vive-se também na era da abundância. Múltiplas ofertas de bens e serviços em uma verdadeira miscelânea de commodities que fazem com que a representatividade da marca seja a principal responsável pela decisão de compra do consumidor.
Em meio ao turbilhão de ofertas, um mundo no qual não existe mais uma imaginária “cortina de ferro”, separando capitalistas e comunistas, como ocorreu até a queda do Muro de Berlim no final do século XX, e sim consumidores super conectados a produtos, serviços, marcas, à opinião de consumidores iguais a eles/elas.
Canclini (1995) há mais de duas décadas já discutia a íntima relação entre a cidadania e o consumo, na qual ele enxerga as escolhas de compra como verdadeiros atos ideológicos do cidadão. Diante disso, defendo que não dá mais para dividir a Terra entre capitalistas e comunistas, no entanto, é possível distinguir entre consumidores conscientes e os adeptos do hiperconsumo os rumos que estão por vir. Mesmo evitando qualquer exercício de “futurologia” e temendo o risco de parecer efusivamente otimista, sustento que a caminhada segue a passos largos rumo a um modelo de consumo consciente, o qual cobra das organizações uma postura de cidadania em todos os âmbitos de sua atuação.
A fim de concluir esta etapa com mais um exemplo, cabe expor uma ação da Odebrecht nos anos 1990. Essa ação o “ABC da Cidadania”, uma tentativa de alfabetizar os operários nos canteiros de obras. Era uma forma de apresentar positivo à sociedade em meio a escândalos que historicamente ferem a imagem de empreiteiras. Desde que os investimentos sejam feitos de forma consistente em conjunto com outras boas práticas, a Comunicação Organizacional opera como um vetor de valorização da imagem institucional o que gera efetivamente brand equity. Na sequência, um pouco mais sobre consumo consciente – hiper consumo e a integração do folkmarketing a esses comportamentos.
- Mamãe, a torneira está vazando!
- Ah, mamãe está ocupada. Espera um pouquinho...
Mãe e filha de nove anos estão em um supermercado de uma grande rede nacional em uma capital do país e a garotinha observa entristecida que a torneira do setor de hortifrúti jorra sem parar... A mãe parece não ter dado muita atenção à menininha.
A menininha não fica muito satisfeita e procura um funcionário, que diz: - Que bonitinha! O tio vai consertar.
No sábado seguinte, mãe e filham retornam mais uma vez ao mesmo supermercado: como você acha que estava a torneira?
Isso mesmo, você tem toda a razão: ela continuava jorrando sem parar...
A menina, cutuca a mãe e diz: - Olha lá, mamãe...A torneirinha continua vazando. Seria bom eu colocar no Facebook, Instagram, Twitter...
Esse foi um relato passado por mim por uma ex-estudante de graduação durante nossas aulas de Marketing na Graduação. Adorei o enredo e pedi-lhe licença para contar sempre que possível, afinal, estamos diante do futuro, ou melhor de um presente que evolui a passos largos: o consumo consciente.
É esse tipo de postura que faz com que os estudos iniciados por grandes pensadores/as como Torquato, Bueno, Kunsch e outros importantes nomes, além de Vera Giangrande ombudsman do Pão-do-Açúcar até meados da década de noventa, ganhe ainda mais pertinência.
Mesmo com um teor empírico, vindo de uma agradável experiência docente, o relato da mocinha nos leva ao encontro de importantes estudiosos como Lemos (2007), que demonstra a cultura na qual estamos inseridos por meio da rede e como ela modifica por completos as relações sociais.
Vera Giangrande ficaria certamente chocada se o caso em questão tivesse ocorrido em uma unidade Pão-de-Açúcar, preocupada que era com a imagem institucional. O relato nos aproxima também da força exercida por sites colaborativos, como o Reclame Aqui o Trip Advisor, ou mesmo um outro canal de teor bem mais incisivo e até um pouco chocante: o “Canal do Otário”.
Todos esses sites, além das próprias manifestações de consumidores nas páginas do Instagram das cias., em suas fanpages ou mesmo no velho, mas jamais ultrapassado, boca a boca, revelam o quanto os consumidores não só estão ávidos por seus direitos, como também exigem que as marcas adotem posturas de cidadania.
Em países de economia madura, nos quais há relativamente pouco distância entre os estratos sociais, os chamados bens de consumo aparente, como veículos, por exemplo, representam bem menos para o consumidor do que em países emergentes, nos quais o fosso que divide camadas sociais é gigantesco e ter um automóvel de determinada marca ou modelo é – via de regra – mais importante do que o cuidado com a emissão de poluentes.
Mesmo diante desse quadro, estudos como os aqui apontados, especialmente no tocante à Canclini (1995) trazem pistas seguras em torno de um olhar voltado a valores que vão bem além do símbolo de status representado por uma determinada marca. O consumidor consciente busca fazer da sua compra um verdadeiro ato de cidadania, ou seja, o fato de optar pela marca “A” em detrimento da marca “B” está relacionado ao fato daquela adotar práticas de responsabilidade socioambiental, jamais adotar ou ser cúmplice de atitudes homofóbicas, racistas ou coisas do gênero.
Como sustentam Nassar e Figueiredo (2006), reitero, de nada adianta investir na melhor propaganda, nos melhores profissionais, se o lado ético e cidadão da marca vai mal. Não há mais espaço para a “mera” propaganda, e sim para a Comunicação Organizacional que estabelece pontes internas, quebrando guetos e dando a voz para os diferentes níveis da organização ao passo em que faz das atitudes de cidadania um composto do DNA organizacional, o qual ela – a empresa – precisa externar para o mundo, muito além do lucro, e sim com o desejo de estimular futuras gerações a dotarem tais práticas, mesmo que elas pareçam – enquanto nativas digitais – estarem nos ensinando uma série de coisas, as quais não são o futuro, mas sim o presente das organizações.
É nesse contexto que o folkmarketing assume um papel de relevância ao buscar uma proximidade com a realidade cultural de um dado público consumidor, quebrando eventuais barreiras comunicacionais ao passo que busca se integrar à realidade daqueles consumidores.
Imprescindível refletir, ainda, acerca dos ensinamentos propostos por Halliday (2009), na qual a estudiosa é incisiva ao afirmar que a Comunicação Organizacional deve ser uma espécie de radiografia do DNA corporativo, e não um simulacro. A visão da pesquisadora vai ao encontro do que também é defendido por Nassar e Figueiredo (2006), além de Kotler e Keller (2006), ou seja, o consumidor não aceita mais lidar com empresas desonestas, além disso, o primeiro passo para a construção de uma imagem que seja sinônimo de reputação é a integridade. O que for de encontro a tal comportamento, é contraditório; não se sustenta.
Assim, as estratégias de folkmarketing para se tornarem elementos que geram valor às companhias, devem seguir os ensinamentos de Lucena (2011), estando em total consonância com as cobranças do atual cenário de consumo consciente, no qual os consumidores cada vez mais cônscios dos seus direitos buscam integrar-se às marcas que defendem causas relevantes, sendo a identidade local uma das mais valiosas nos diferentes mercados do planeta.
O folkmarketing na perspectiva de Lucena (2011) é uma atividade comunicacional adotada por entidades públicas e/ou privadas que visa a criar uma identificação com seu target, por meio de uma linguagem identitária atraente. O que o consumidor deseja ver e ouvir, valorizando ainda as culturas rurais.
A Terra é um gigantesco mercado formado por indivíduos que se identificam com diferentes signos e mantêm comunicação horizontal a partir de elementos típicos de cada vivência e ambiente. Mesmo com essas dicotomias e distintas visões de mundo, sustentamos que independentemente do credo, da etnia, da profissão, todos esses sujeitos buscam fugir da dor, do sofrimento e ser felizes, conforme atesta Schweriner2. Ainda conforme o estudioso, esses cidadãos acreditam que um dos principais meios capazes de atingir esses anseios é o consumo.
Ora, o consumo é, óbvio, desempenhado no mercado, e o Marketing é o estudo desse referido mercado, sempre em ação. As companhias giram em torno do consumidor a fim de persuadi-lo acerca do quão felizes eles se tornarão ao adquirir suas mercadorias; ou, o quão capazes de minimizar a dor e o sofrimento os seus produtos e serviços são.
Uma vez que a sociedade contemporânea está inserida, em maior ou menor grau a depender das políticas de inclusão ou mesmo de abertura democrática de cada país, na era da informação, as companhias tentam se aproximar do consumidor por intermédio de estratégias comunicacionais capazes de aproximar o indivíduo da realidade em que vive.
A mensagem adapta-se a cada realidade cultural por uma série de fatores, dentre os quais merece destaque o fato de vivermos uma era de abundância de produtos e serviços, que torna boa parte das mercadorias commodities – que em meio ao excesso de ofertas disponíveis perdem o seu valor. Esses produtos não rompem muitas vezes as barreiras que o consumidor próprio cria pela vastidão de informações e alternativas de consumo com as quais se depara.
Cada vez mais as marcas buscam fugir do padrão commodity da atividade mercantil atual através de projetos identitários que a permitem interagir com a clientela através de símbolos típicos de cada cultura, a exemplo das latas de Leite Moça Nestlé, cuja personagem aparece vestida de “matuta” no período junino não só nos supermercados, mas também em materiais promocionais nas ruas de Caruaru, buscando atrair a simpatia e a identificação aqui apresentadas, como demonstram Procópio e Patriota (2016).
Ainda no entendimento desse autor, o caso Nestlé é apenas um exemplo dentre tantos, que mobilizam estes pesquisadores a aprofundar as reflexões sobre a folkcomunicação e a compartilhar com a comunidade científica interessada nessa seara da Comunicação, cada vez mais relevante em meio à diáspora vivida pelo homem pós-moderno.
O folkmarketing torna-se, desse modo, alternativa comunicacional efetiva. Afetiva! Essas estratégias passam a definir ações promocionais de companhias de diferentes tamanhos e perfis. Integra-se aos princípios da comunicação organizacional e passa direcionar as ações das companhias em torno de uma tríade tangencia mais e mais a vida em sociedade neste princípio de século: o consumo, a comunicação e o acelerado processo de urbanização ao redor da Terra – em países ricos e pobres.
Mesmo com o aparente desvio, além do tom ensaístico em primeira pessoa, é imprescindível destacar uma experiência vivida por este autor, a qual em nossa percepção reitera o peso da Comunicação Organizacional, além dos componentes de folkmarketing para as organizações. Ao menos para organizações que buscam criar uma imagem saudável perante os seus diferentes públicos de interesse.
Há cerca de quatro anos a convite de uma colega professora, que havia assumido a Presidência da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil – ADVB – Seção Pernambuco, Verônica Dantas, participei de uma solenidade de premiação de Luíza Helena Trajano, CEO do Magazine Luíza.
Trocamos cartões de visitas ao final da palestra, conversamos um pouco e eu saí, enquanto professor de Comunicação e ferrenho defensor das boas práticas de cidadania por parte das companhias, completamente apaixonado por aquela senhorinha de um pouco mais de 1m50cm, de sorriso e fala cativantes.
Enquanto a gente conversava, ela falava sobre a sua preocupação com um e-mail recebido na noite anterior, na chegada ao Recife, no qual por meio do seu canal direto – Fale com a Presidente – um consumidor se queixara do atendimento em uma de suas centenas de lojas. Ela dizia: - Não é um só consumidor, isso pode se espalhar e não quero que ninguém trate mal os meus clientes. Eu trato bem todo mundo...
Luíza falava, ainda, sobre a sua campanha “meta a colher”, através da qual ela buscava coibir a violência contra a mulher, da qual uma de suas colaboradoras foi vítima, falava também com entusiasmo de suas jornadas de ideias com os colaboradores, dos incentivos financeiros à formação universitária de seu pessoal etc... Havia ali diante de mim, práticas relevantes de Comunicação Organizacional, olhando para dentro da cia. e para os colaboradores. Resolvi conversar com ex-aluno, gerente do Magazine Luíza em um dos maiores shoppings de Pernambuco e perguntei se Luíza era realmente como havia demonstrado na palestra, com um sorriso, ele falou sobre como as estratégias fluíam, assim como a comunicação e o respeito aos colaboradores.
A campanha em questão, a qual ganhou repercussão em veículos de imprensa de todo o país, além de milhares views no YouTube, em vídeo protagonizado pela própria Luíza, nos deparamos com um velho ditado popular, fruto de tempos ultrapassados: “Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.” Elemento folkcomunicacional que é a cada dia revisto em prol da defesa das mulheres em todo o Brasil e que na estratégia de Luíza Helena, ganhou ares de íntima integração entre Comunicação Organizacional e Folkmarketing. A referida estratégia uniu olhares, atenção, interesse dos seus diferentes stakeholders, agregando ainda mais valor à marca Magazine Luíza.
Diante dos aspectos ora expostos, gostaria de reiterar o papel dos autores que embasam o presente estudo e ajudaram a sedimentar a Comunicação Organizacional no país, tornando-a uma área vibrante e que quando está aliada às boas práticas empresariais e às estratégias de folkmarketing pensados pelo gigante de sorriso cativante Severino Lucena (2011) aproxima os diferentes atores do consumo cidadão.