Artigos e ensaios

Boi Garantido: folclore e resistência cultural na Amazônia

Boi Garantido: folklore and cultural resistance in the Amazon

Boi Garantido: folklore y resistencia cultural en la Amazonía

Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues 1
Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Adelson da Costa Fernando 2
Universidade Federal do Amazonas, Brasil

Boi Garantido: folclore e resistência cultural na Amazônia

Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 20, núm. 44, pp. 222-242, 2022

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 20/10/2021

Aprobación: 08/12/2021

Resumo: Considerando o espetáculo Auto da Resistência Cultural, apresentado em 2018 pelo Boi-Bumbá Garantido, a agremiação se utilizou da contextura do Festival Folclórico de Parintins, como plataforma midiática, para disseminar um discurso onde a arte figuraria como instrumento de transformação social. Deste modo, o encaminhamento dado pela agremiação foi amplificar as vozes de grupos sociais pertencentes à sua comunidade de referência na busca pela afirmação de suas identidades, na luta por uma sociedade aberta à diversidade e na construção de uma consciência capaz de tornar a humanidade mais justa e fraterna. O objetivo deste artigo é abordar os fundamentos do discurso sobre a resistência cultural, apresentado pelo bumbá durante suas três noites de apresentação, tendo como base os textos direcionados aos julgadores da disputa, as toadas e a Revista Oficial (dispositivos folkcomunicativos) distribuída à imprensa e ao público em geral.

Palavras-chave: Auto da Resistência Cultural, Festival Folclórico de Parintins, Boi Garantido, Amazônia.

Abstract: Considering the show Auto da Resistencia Cultural, presented in 2018 by Boi-Bumbá Garantido, the association used the context of the Parintins Folklore Festival, as a media platform, to disseminate a discourse where art would figure as an instrument of social transformation. In this way, the direction given by the association was to amplify the voices of social groups belonging to its reference community in the search for the affirmation of their identities, in the struggle for a society open to diversity and in the construction of a conscience capable of making humanity more just and fraternal. The purpose of this article is to address the fundamentals of the discourse on cultural resistance, presented by bumbá during its three nights of presentation, based on the texts aimed at the judges of the dispute, the tunes and the Revista Oficial (folk-communicative devices) distributed to the press and to the general public.

Keywords: Auto da Cultural Resistência, Parintins Folk Festival, Boi Garantido, Amazonas.

Resumen: Considerando el espectáculo Auto da Resistencia Cultural, presentado en 2018 por Boi-Bumbá Garantido, la asociación utilizó el contexto del Festival Folclórico de Parintins, como plataforma mediática, para difundir un discurso donde el arte aparecería como instrumento de transformación social. De esta forma, el rumbo dado por la asociación fue amplificar las voces de los grupos sociales pertenecientes a su comunidad de referencia en la búsqueda de la afirmación de sus identidades, en la lucha por una sociedad abierta a la diversidad y en la construcción de una conciencia capaz de hacer a la humanidad más justa y fraterna. El objetivo de este artículo es aproximarse a los fundamentos del discurso sobre la resistencia cultural, presentado por Bumbá durante sus tres noches de presentación, a partir de los textos dirigidos a los jueces de la disputa, las tonadas y la Revista Oficial (dispositivos comunicativos folklóricos) distribuida a la prensa y al público en general.

Palabras clave: Auto de Resistencia Cultural, Festival Folclórico de Parintins, Boi Garantido, Amazonas.

Introdução

O Festival Folclórico de Parintins consolidou-se com uma das maiores manifestações da cultura popular brasileira ao longo dos seus 54 anos de realização. Os espetáculos apresentados pelos bumbás parintinenses encanta turistas vindos de todas as regiões brasileiras e de inúmeros países. A genialidade dos artistas em criar cenários alegóricos gigantescos, coreografias envolvendo centenas de pessoas, figurinos e embalar essa festa com o ritmo envolvente das toadas impressiona os visitantes. No entanto, as apresentações não são compostas apenas de luzes, cores e ritmos. Nos últimos anos, as agremiações tem se esforçado para usar o festival como plataforma midiática, para disseminar um discurso onde a arte figura como instrumento de transformação social. Neste artigo, abordaremos as mensagens presentes nas apresentações do Boi-bumbá Garantido, no ano de 2018.

Ao adentrarmos a questão central deste artigo, faz-se necessário explicitar que nossa abordagem teve como base os conteúdos oficiais produzidos pela agremiação e registrados de forma impressa, digital ou fonográfica. Nossas fontes documentais foram: a coleção de três livros entregue à Comissão Julgadora, como guias explicativos de cada momento das três noites de apresentações; e a revista oficial, distribuída à imprensa com objetivo de reverberar junto ao público o roteiro e os fundamentos do espetáculo e as letras das toadas do CD 2018 do bumbá, as quais foram selecionadas tendo como referência o tema central daquele ano.

A intencionalidade dos bois de Parintins de dar às suas apresentações temáticas específicas tem início no início dos anos 1980. Buscando novos formatos de apresentação, que acrescentassem conteúdos para além apenas do auto do boi tradicional, o Boi Garantido passou a adotar slogans como Meu brinquedo de São João, O Eterno Campeão, O monstro do folclore e muitos outros. Esses slogans se transformaram em temas nos anos 1990. A mudança não foi meramente semântica, enquanto os slogans carregavam mensagens mais genéricas os temas passaram a ser pensados pelos bumbás como balizadores para escolhas de toadas, coreografias, alegorias e momentos cênicos (lendas, rituais e figuras típicas). Apesar de não constar como item a ser avaliado pelos jurados, os temas ganharam cada vez mais importância ao longo dos anos e atualmente os bois realizam eventos exclusivamente para o anúncio da temática que será defendida no ano seguinte.

Em 2017, após a eleição da diretoria do bumbá para o triênio (2018/2019/2020), foi anunciada uma nova Comissão de Artes. O novo grupo de artistas apresentou o tema Auto da Resistência Cultural para o ano de 2018. O diferencial da temática proposta em relação às apresentadas em anos anteriores pelos dois bois residia em levar para a arena do Bumbódromo a visão da arte como instrumento de transformação social, ou seja, fazer da apresentação do bumbá uma plataforma midiática privilegiada para tratar de temas como a intolerância religiosa, a igualdade de gênero, o racismo, o etnocentrismo e outros muitas vezes tratados superficialmente ou até mesmo invisibilizados no, até então, mote principal das apresentações desde os anos 1990: a preservação da Amazônia e a valorização da cultura indígena e cabocla. Em evento realizado no dia 02 de outubro de 2017, os fundamentos da proposta foram divulgados:

Em 2018, o Garantido renova seu compromisso com a realização de uma brincadeira de São João que se constituiu e que se constitui como um espetáculo de resistência pela arte. Essa é a marca do nosso passado e do nosso presente, porque em nós habita o sentimento do nosso fundador de resistir culturalmente. Defenderemos esse princípio na arena a cada passo de dança dos nossos brincantes, a cada acorde musical das toadas, a cada cena e cenário e cantaremos um mundo harmônico como a nossa Batucada (AUTO, 2017, s.p.).

A partir desse aprofundamento discursivo do Boi Garantido em adotar um posicionamento politizado em suas apresentações, o presente artigo busca refletir sobre as expressões e os dispositivos folkcomunicativos utilizados na festa do boi bumbá em Parintins, pela agremiação pesquisada. Entendemos que o bumbá deixou apenas de ‘brincar de boi’, passando a usar seus espetáculos como pretexto para discutir e veicular mensagens que tornam inteligível, para a comunidade em geral e grupos envolvidos, o debate acerca da resistência cultural e religiosa.

Boi Garantido: Resistência cultural em Foco

Para se falar de resistência cultural é importante salientar que ela nasce do processo discriminatório oriundo dos escravos, do negro que tem um papel considerado massificado na sociedade dos ‘brancos’, isto é, pelos portugueses. Esta era imposta oficialmente pela coroa portuguesa que incluía igualmente a prática de catequização indígena (FREIRE,1963). Essa resistência é a luta de quem defende suas crenças trazidas de modo sigiloso e que ainda nos dias atuais enfrentam preconceito dentro e fora do seu espaço de aculturação.

O fenômeno da resistência cultural da população negra adepta das religiões afro-brasileiras é passível de ser observado em distintos momentos históricos da formação do Estado brasileiro. Inicialmente com o desembarque por meio do tráfico escravista, tal resistência ocorreu através do forçoso processo de sincretização com o catolicismo haja vista que as religiões dos orixás aqui eram enxergadas como feitiçaria e bruxaria. Ademais, o convívio em sociedade com os brancos obrigava-os a incorporar elementos da religião advinda de Roma como própria estratégia de sobrevivência e adaptação, como apresenta Sérgio Ferreti (1998). Tal estratégia foi adotada principalmente pela umbanda, religião genuinamente brasileira, desde os anos de seu surgimento, no início do século XX (PLACERES, 2017, p.16).

Winnie também aborda exatamente a resistência como algo não estático, é que no decorrer do processo, a intolerância religiosa também caminhava, historicamente, até os dias atuais em decorrência desse fator principal, o racismo, levando em consideração seu surgimento na era colonialista. Outra maneira de pensar a resistência cultural era a ideia de se tornar independente do Estado, logo teria liberdade religiosa. Somente em 1890, “através do Decreto nº 119-A de janeiro, ficou proibida a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa. Em tese, consagrava-se a plena liberdade de cultos” (WINNIE, p. 9).

Ao longo de anos a noção de resistência cultural se articulou com o conceito aplicado à ideia de um conjunto de práticas que são veículos das formas de oposição aos poderes constituídos. Mas as análises de sistemas culturais em países que venceram imposições autoritárias (como o Brasil e Espanha) nos levam à compreensão de que os processos de resistências culturais adquiriram outras roupagens e abordagens.

Na medida em que as tradições populares vão se (re) significando isto já é uma estratégia própria de resistência, sobretudo quando entendemos que tais estratégias são adotadas por diversos segmentos da sociedade com o fim de defender um conjunto de práticas culturais. Deste modo, resistir pressupõe a capacidade que detém as culturas para defender os traços distintivos que as marcam, isso implica a capacidade de articular estratégias variadas para manter-se uma história interna específica, com ritmo próprio, como um modo peculiar de existir no tempo histórico e no tempo subjetivo (SANTOS, 2020, p. 2).

Assim, o verbo resistir é definido como expressando a capacidade que têm os seres animados e inanimados de opor-se frente a um outro sistema de forças, mas o ato de resistir é, também, descrito como a capacidade que têm esses seres de lutar em defesa de algo (FERREIRA, 1975). Em síntese, resistir é tanto significativamente o resultado da ação de opor-se a algo, mas, também, o conjunto de estratégias utilizadas para defender uma posição, um lugar ou um conjunto de práticas culturais.

Por isso que é possível dizer que os grupos que tradicionalmente estavam alijados do poder encontram as possibilidades para empreender, a partir de sua base local, um processo resistência que visa, entre outras coisas, integrar o seu legado cultural ao projeto de construção da identidade (SANTOS, 2020, p. 2)

Os processos de resistências culturais engendrados pelas estruturas da cultura popular são preservados pela memória coletiva e funcionam como canais e dispositivos específicos de identificação. Essas identificações consistem em reações defensivas contra as condições impostas quer sejam por sistemas autoritários, quer seja pelas transformações globais, quer seja pelos processos de colonização e racionalização engendrados pela modernidade tardia.

Vivemos em um mundo onde suas condições facultam o surgimento de novas identidades que tem fragmentado o indivíduo moderno, abordado até aqui como um sujeito unificado. Ou seja, a chamada ‘crise de identidade’ é parte de um amplo processo de mudanças que está deslocando as estruturas e os processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (SANTOS, 2020, p. 2).

A identidade é entendida como um conjunto de repertórios de ação, de língua e de cultura que permite a uma pessoa reconhecer sua vinculação a certo grupo social e identificar-se com ele. Isso não depende somente do nascimento ou das escolhas realizadas pelos sujeitos, pois no campo político das relações de poder, os grupos podem fornecer uma identidade aos indivíduos (SANTOS, 2020, p. 2). Fala-se de identidade referindo-se a uma coisa acabada, mas falar de identificação é referir-se a um processo em andamento, já que identificação é contextual e flutuante.

Folclore e comunicação popular

Identificando a vinculação estreita entre folclore e comunicação popular, Beltrão apresenta como resultado de vários estudos a folkcomunicação, definida como “o conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e meios direta ou indiretamente ligados ao folclore” (BELTRÃO, 1980, p.24).

Melo (2005) diz que a teoria da folk é o aprimoramento do pensamento do sociólogo Paul Lazarsfeld e seus discípulos da Universidade de Columbia. Os cientistas norte-americanos estudavam os líderes de opinião nos grupos primários. O fundador da folkcomunicação dimensionava a influência coletiva de agentes folk no seio de comunidades periféricas; ele é responsável por descodificar as mensagens dos meios de comunicação de massa, traduzir os símbolos e depois transmitir em uma linguagem mais inteligível, capaz de ser compreendida pela comunidade.

Para Melo e Gobbi (2007) essa forma artesanal de comunicar é objeto de estudo que fica entre a fronteira da Comunicação de Massa e o Folclore. Contribuindo com essa disciplina, Alves, Fraga e Penaforte (2016, p. 3) mostra que essa forma de comunicar pode ser através de gestos e símbolos como "desenhos no chão, frases dos para-choques, tatuagens, etc.”. Outros exemplos de veículos folk são citados agora por Souza, Giudici e Mendes (2015): Das conversas de boca de noite, nas pequenas cidades interioranas, na farmácia ou na barbearia; da troca de informações trazidas pelo chofer de caminhão, pelo representante comercial ou pelo ‘bicheiro’, ou, ainda, pelos versos do poeta distante, impressos ou folheto que se compra na feira (SOUZA, GIUDICE, MENDES, 2015, p. 4 apud BELTRÃO, 1965, p. 9); e ainda outros dispositivos folkcomunicativos como as toadas, cordel, festas populares e outros.

De acordo com Hohlfeldt (2002), a Folkcomunicação não é apenas o estudo da cultura popular ou do folclore, mas também o estudo dos procedimentos comunicacionais pelos quais as manifestações da cultura popular ou do folclore se expedem, sociabilizam-se, convivem com outras cadeias comunicacionais, sofrem modificações por influência da comunicação massificada e industrializada ou se modificam quando apropriadas por tais complexo (HOHLFELDT, 2002).

Neste sentido, com base nas definições de Beltrão, podemos identificar, de uma forma geral, a folkcomunicação como a comunicação que emana do povo, que valoriza as mais variadas formas de manifestações no âmbito comunicacional, como por exemplo, a festa do boi bumbá de Parintins que alicerça o encontro de um povo para a celebração de sua fé e comunicação de sua cultura, suas tradições, suas opiniões, seus fazeres e saberes, sua identidade.

Beltrão (1980) destaca que esse processo comunicacional, seus diversos formatos, suas expressões e canais, acontece de forma artesanal e, é realizado, principalmente, por meio de um agente-comunicador, por ele denominado de comunicador de folk. O comunicador folk tem a personalidade dos líderes de opinião identificada nos seus colegas do sistema de comunicação social: “os líderes agente-comunicadores de folk, aparentemente, nem sempre são ‘autoridades’ reconhecidas, mas possuem uma espécie de carisma, atraindo admiradores e seguidores” (BELTRÃO, 1980, p. 35).

Para Amphilo (2011) os folkcomunicadores são especialistas em folclore e cultura popular, traduzem o habitus, o modus vivendi, a doxa de determinadas culturas e etnias. Em outro viés, Schmidt (2006, p. 4) configura o agente folk como um mediador entre quem comunica e o receptor. Ressalta Amphilo (2011) que essa função exige do agente "um envolvimento intenso com a comunidade e ágil com o mundo externo".

Para Melo (2007), o agente-comunicador informa a audiência folk, por meio do canal que mais se identifica e sabe usar. Conhecendo as técnicas, o agente folk terá domínio para argumentar, logo irá convencer a audiência, fazendo com que o púbico veja na mensagem o seu modo de vida. Ele precisa saber quais os meios de expressão que as comunidades utilizam, além de conhecer e dominar a linguagem específica, haja vista que cada ambiente gera seu próprio vocabulário. Isso é possível segundo Melo e Gobi (2007) por ele geralmente pertencer ao mesmo nível social, mas isso não quer dizer que líderes de opinião nunca estão completamente incorporados à sua comunidade.

A folkcomunicação, então, faz parte de uma das dimensões da comunicação popular, em seu viés que aborda a questão da inclusão social, de transformação social; da necessidade de uma mídia cidadã, da promoção de festas populares e religiosas, visando a projeção, desencadeia outros processos, como a procura pelo turismo religioso, cultural, regional, movimentando a economia das cidades (AMPHILO, 2013). A folkcomunicação tem por objetivo maior o desenvolvimento regional, a inclusão e transformação social, a compreensão das mensagens populares e a promoção da integração e da paz (MORAGAS, 1981, p.65).

Portanto, a teoria da folkcomunicação se ocupa das dinâmicas presentes no processo de comunicação, reconhecendo múltiplas formas de expressão utilizadas pelos grupos sociais. Luiz Beltrão dedica seus estudos à compreensão da folkcomunicação como um processo artesanal e horizontal. Para ele, as mensagens folkcomunicacionais, à semelhança da comunicação interpessoal, “são elaboradas, codificadas e transmitidas em linguagens e canais familiares à audiência, por sua vez conhecida psicológica e vivencialmente pelo comunicador, ainda que dispersa” (1980, p. 28). Além de reconhecer as expressões folkcomunicacionais (comunicação através do folclore) como meios informais de comunicação (as toadas, as festas, revistas artesanais), utilizados por grupos considerados marginalizados, a folkcomunicação também envolve os intercâmbios entre a cultura de massa e a cultura popular, em um processo dialético de aceitação, negação reinterpretação das mensagens pelos grupos sociais.

Resistência pela arte

A sinopse do tema de 2018 do Boi Garantido, apresentada em 2017, nos revela a intenção de abordar a temática da resistência cultural tendo como referência a trajetória de vida do fundador do bumbá e sua atuação de resistir por meio da arte. A opção vai ao encontro do que postula Santos, que preconiza que “os processos de resistências culturais engendrados pelas entidades da cultura popular são construídos por meio da articulação com seu entorno” (2018, p. 5). A resistência é contra “as condições impostas quer sejam por sistemas autoritários, quer seja pelas transformações globais, quer seja pelos processos de colonização e racionalização engendrados pela modernidade tardia” (SANTOS, 2018, p.5). Logo, o discurso do espetáculo volta-se às tradições do boi, mas o atualiza ao incorporar a resistência a problemas que afligem pobres e índios, negros e outras minorias que sempre fizeram parte da comunidade de referência da agremiação.

Já em junho de 2018, a revista oficial do Boi Garantido traz em seu texto de abertura a opção de abordar discurso temático centrado na resistência cultural tendo como base três eixos/atos. O Auto da Resistência Cultural é uma trilogia que trata, artisticamente, da “Identidade, da Diversidade e da Consciência” como resultado do processo da resistência negra e indígena, contra a segregação opressora da colonização europeia” (GÓES, 2018). A opção dramatúrgica se confirma nos três livros da coleção entregue aos jurados do festival no mesmo ano: “resistir culturalmente significa afirmar identidades, lutar por uma sociedade diversa e construir uma nova consciência capaz de transformar o mundo” (RODRIGUES, 2018b p. 2). A revista oficial traz a fundamentação da subdivisão do tema em três eixos:

Resistência e identidade são homônimas desde o nascimento da humanidade. A Amazônia surge do entrechoque do invasor europeu com índios e negros africanos. Somos fruto de uma cultura mestiça, um povo oriundo de matrizes étnicas milenares e diferentes, que tiveram trajetórias igualmente diversas na formação do país. Ao nativo e às pessoas escravizadas na África e trazidas ao Brasil, a única opção foi resistir contra o etnocídio, a invisibilidade social, a perda das tradições e afirmar suas identidades. [...] A diversidade é um dos principais mecanismos que permitem a proliferação e a manutenção da vida, seja na Amazônia ou em qualquer outro lugar do planeta. A normalidade reside em ser diferente, na diversificação reside a força motriz que impulsiona a humanidade e dinamiza a cultura. A diversidade e a resistência oriunda da trajetória das várias etnias presentes na formação social e cultural da região, trouxeram novas cores para se juntar ao verde da hileia amazônica. [...] O Garantido fará apresentações que buscam contribuir com o despertar de uma consciência capaz de transformar o presente e projetar um futuro de liberdade, justiça e solidariedade. Ao dar formas e movimentos ao universo mítico dos índios e tocar os corações mais sensíveis com as representações singelas do nosso folclore, os artistas da Baixa do São José realizam um auto que dá vez e amplifica as vozes dos povos da floresta nos permitindo refletir sobre a aldeia global à partir da Amazônia (RODRIGUES, 2018a, p. 8).

O enunciado aponta para uma tentativa de tratar na arena do Bumbódromo o papel da resistência cultural no enfrentamento de três problemáticas contemporâneas decorrentes das transformações globais nas estruturas políticas e econômicas: a luta pela identidade, aceitação da diversidade e consciência pacifista. “A tarefa exclusiva da arte é a de tomar posição nas lutas de seu tempo, da sociedade, das classes sociais; de favorecer a vitória social de uma determinada tendência, a solução de um problema social” (LUKÁCS, 1967). A proposta do espetáculo se alinha com a de Lukács, de utilizar a arte como instrumento de transformação social para mover mentes e corações.

A luta pelo direito de ‘ser’

As relações entre identidade e resistência foram o cerne do subtema desenvolvido pelo Boi Garantido na primeira noite de apresentação no 53º Festival Folclórico de Parintins. A concepção de Hall (2006) de que a identidade não é algo estático, mas algo que se forma e se transforma continuamente mediante as relações com os sistemas culturais que nos rodeiam (RODRIGUES, 2021, p. 123) serviram de base para a sustentação teórica do discurso do bumbá. A argumentação está centrada no fato das lutas pela afirmação de identidades nacionais e étnicas em todo o mundo aflorarem em razão de mudanças político-econômicas globais (WOODWARD, 2000). Exemplo destes ‘levantes identitários’ podem ser encontrados na Amazônia, onde os povos indígenas e quilombolas na Amazônia se mobilizaram para resistir à perda dos seus modos e ser e de viver. Nos livros entregues aos jurados, podemos constatar um alinhamento à causa do respeito as inúmeras práticas culturais frente ao processo de globalização:

Em sua primeira noite de apresentação no Festival Folclórico de Parintins de 2018, o Boi Garantido celebrará a resistência de diversas etnias para que suas identidades não sejam apagadas da história. Os povos indígenas foram os primeiros a resistir à perda de suas identidades com a chegada do colonizador. Na Amazônia, um dos símbolos dessa resistência foi o cacique Manaó, Ajuricabra. Preso, acorrentado e a caminho da capital da província do Grão Pará, ele preferiu imortalizar-se ao se atirar no encontro das águas dos rios Negro e Amazonas do que viver no cativeiro. Ajuricaba compõe o panteão de heróis nativos oriundos das nações que integravam a grande Pindorama, a mítica terra das palmeiras onde reinava a liberdade antes da chegada do invasor. Os negros africanos trazidos compulsoriamente ao Brasil para servirem de força de trabalho escravo na colônia também resistiram. Das senzalas eclodiram movimentos de libertação como o liderado por Zumbi, que fez do Quilombo dos Palmares território dos sonhos de igualdade e de manutenção de identidade. A Cabanagem fez da Amazônia palco de uma revolução negra e indígena por uma sociedade sem segregação social e igualitária. Graças essa resistência, os afrodescendentes possuem referências para continuar a luta por igualdade e toda a cultura brasileira está impregnada pela herança africana (RODRIGUES, 2018b, p. 3).

A apresentação fez referência a mártires negros e indígenas e a um movimento revolucionário na Amazônia. De acordo com o livro dos jurados (RODRIGUES, 2018b), foram encenados quadros onde nomes como Zumbi5 dos Palmares, Chico Mendes6 e o cacique Ajuricaba7, bem como uma encenação da Cabanagem8, foram exaltados e apresentados como símbolos de resistência pelas identidades. A escolha destes personagens e do momento histórico da revolução cabana buscou usar a memória como fator aglutinador em torno de atos de resistência, pois memória e história estão intrinsecamente ligadas (BODART; MARCHIORI, 2011). Para os autores, a memória é “elemento primordial para a construção da identidade, esta também acaba acompanhando as mudanças que se desenrolam ao longo da história” (BODART; MARCHIORI, 2011, p. 79).

A contemporaneidade do discurso leva em conta que mesmo diante da liquidez das identidades (HALL, 2006) eclodem em várias partes do mundo movimentos de afirmação/resistência identitária (BAUMAN, 2005). O subtema busca trazer estas questões para os cenários brasileiro e amazônico (território geográfico e cultural do discurso temático do Boi Garantido), isso quando em meio ao espetáculo faz referências às bandeiras de autoafirmação de movimentos de etnias indígenas, quilombolas e de minorias que fizeram e fazem parte da comunidade de referência do Boi Garantido. Nesta esteira, o roteiro da apresentação entregue aos jurados (RODRIGUES, 2018b) trouxe em seus quatro principais quadros: Celebração Folclórica. Auto da Resistência Cultural10; a Lenda Amazônica11 Ajuricaba – história e resistência12; a Figura Típica Regional13 Caboclo Artesão14; e o Ritual indígena15O Sonho de Kainipaye-ro16.

Em defesa da diversidade

A correlação da resistência cultural e a problemática das diversidades étnica, cultural e religiosa17 permearam tematicamente a segunda noite de apresentação do Boi Garantido em 2018. A Comissão de Artes do bumbá amparou-se nos seguintes conceitos de diversidade e etnia:

Entendemos como diversidade tudo o que é diferente, que não se assemelha, não é homogêneo. A palavra ‘diversidade’ tem significados diversos, pois é oriunda do latim, diversitate, que significa dessemelhança, diferença, algo que não é igual. Para compreender bem mais o sentido de etnia, iniciamos apresentando a etimologia de uma palavra de origem grega – ethnos – que se refere a um grupo ou povo, que pode se dividirem comunidades com semelhanças fundantes em sua estrutura cultural: consanguinidade linguística, culturais e sociais (VIANA; LINS, 2018, p. 3).

O discurso considerou a diversidade cultural como a diferença entre culturas (JUNQUEIRA; KADLUBITSKI, 2011) e defendeu que é necessário resistir culturalmente para que não haja hierarquização de valores ou discriminação. Na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, em seu artigo 1, ela é entendida como um patrimônio: “Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade” (UNESCO, 2002, p.2). Logo, a abordagem do binômio resistência e diversidade no espetáculo deu-se a partir de um olhar crítico para as discriminações de referenciais culturais negros e indígenas, que foram tratados de forma secundária em relação aos europeus na formação cultural brasileira (SANTOS, 1996). A sub temática da noite foi apresentada no livro dos jurados da forma abaixo:

Acreditamos que a diversidade mexe, muda e transforma a construção histórica de uma sociedade. As religiões de matrizes africanas, as crenças dos povos indígenas e outras formas de crer oriundas de várias partes do mundo compõem um cenário religioso multicolorido no Brasil. Por isso, é necessário resistir culturalmente contra a intolerância religiosa, uma das mais antigas formas de discriminação e preconceito. Os ritos e celebrações indígenas, os batuques dos terreiros, as orações dos caboclos sacacas e as promessas enriquecem a cultura brasileira. Celebraremos hoje também a diversidade oriunda da trajetória de resistência das diversas etnias que contribuíram com a formação social e cultural brasileira e da Amazônia. Em nosso espetáculo, a resistência e a diversidade cultural estão representadas nas lendas de seres encantados, como a Matintaperê, nas danças tribais e nas referências aos folguedos juninos, que preservam na sua apresentação modalidades de danças com raízes indígenas, africanas e dos povos europeus. Exaltaremos as diversas formas de ser, crer e de agir e em favor de uma sociedade justa e diversa (RODRIGUES, 2018c, p. 2).

A diversidade religiosa ganhou destaque na apresentação em relação a outros aspectos da diversidade cultural (RODROGUES, 2021, p. 126). A toada que serviu de suporte musical ao primeiro quadro da noite, a Celebração Folclórica As cores da Fé18, expôs um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade na atualidade: “O Boi Garantido celebra as cores da fé,/ contra a intolerância religiosa,/ em nome da diversidade!” (DIAS; KENNEDY; MOURA, 2018). A mesma estrutura alegórica da celebração transformou-se na arena e concorreu ao item Figura Típica Regional O caboclo sacaca19, “uma figura humana, tipicamente amazônica, que representa as diferentes crenças que compõem a identidade cultural religiosa dos povos da floresta” (RODRIGUES, 2018c, p. 25).

A diversidade religiosa e a intolerância também fazem parte do cotidiano de Parintins. Um mapeamento que vem sendo realizado em 2013, aponta para a existência de aproximadamente 200 espaços religiosos na cidade (SILVA FILHO; SILVEIRA, 2015), divididos em católicos, evangélicos e afro-brasileiros. “No que diz respeito às afrorreligiões, parece que foram progressivamente afastadas do núcleo urbano central e empurradas para situações de invisibilidade” (SILVEIRA; BIANCHEZZ, 2019, p.63). Em razão disso, dois dos quatro principais quadros cênicos da noite foram dedicados à temática da diversidade religiosa, onde o discurso presente na apresentação buscou sensibilizar os expectadores para o pensamento de que “a tolerância religiosa é antes de tudo uma exigência de sociedades civilizadas e o progresso da razão abranda a ignorância, os preconceitos e o fanatismo” (CARDOSO, 2003, p. 130).

Os outros dois quadros da apresentação voltaram-se para as crenças e os ritos de iniciação dos povos indígenas. Neste aspecto, o discurso temático dá às religiões das sociedades indígenas a mesma importância das demais existentes no mundo, isto por considerar que estas respondem às mesmas necessidades, desempenham os mesmos papéis e dependem das mesmas causas, ou seja, servem perfeitamente para manifestar a natureza da vida religiosa (DURKHEIM, 1989). Dentro desta proposta, a Lenda Amazônica Matintaperê20 e o Ritual indígena Iniciação Marupiara21 foram os quadros que completaram a apresentação do Boi Garantido em sua segunda noite.

Consciência para um novo mundo

O ato final do espetáculo Auto da Resistência Cultural sintetiza todo o tema defendido pelo bumbá, pois traz a perspectiva de que a obra de arte deve contribuir para que o espectador tome consciência de sua realidade e seja convidado a transformá-la (SARTRE, 1999). O subtema foi apresentado no livro dos jurados dessa forma:

Em 2018, renovamos o nosso compromisso com a realização de uma “Brincadeira de São João” alegre, emocionante e que busca contribuir para a construção de uma consciência transformadora. Nossas inspirações veem da coragem e do amor de Chico Mendes pelos povos da floresta, dos encantados como o Gigante Juma, que se levantam em defesa da natureza, e do trabalho dos irmãos Villas Boas e do cacique Prepori Kaiabi na construção do Parque Indígena do Xingu. Em nós habita o sentimento do nosso fundador de resistir culturalmente em busca de uma sociedade aberta às diferenças e onde a liberdade e vida sejam os bens mais valiosos (RODRIGUES, 2018d, p. 3).

O texto introdutório do subtema Consciência e Resistência aponta para uma concepção de “a arte não é apenas uma consequência de modificações culturais, porém o instrumento provocador de tais modificações” (BARBOSA, 1998, p.11) e o artista um “porta-voz da sociedade” (FISCHER, 1987, p. 51).

A estratégia discursiva da apresentação foi abordar nos quatro principais momentos da apresentação referências a personalidades, acontecimentos e crenças vinculadas à ideia central da necessidade de construção de uma nova consciência capaz de mudar a sociedade (RODRIGUES, 2021, p. 127). O discurso e a teatralização decorrente deste foram concebidos entendendo que a função da arte é criar consciência, uma consciência da verdade, uma consciência do mundo, “não necessariamente verbal ou verbalizável, sistematizável” (BOAL, 2001, p. 33). O autor considera as diversas formas de organização das coisas empreendidas pela arte, que não somente usa palavras, mas silêncio, cores, sons, ações humanas, no tempo e no espaço, uma vez que a “comunicação estética é a comunicação sensorial e não apenas racional” (BOAL, 1996, p. 13). Os quadros apresentados foram: Celebração Folclórica Consciência e Tradição Cultural22; Lenda Amazônica Juma, o guardião da floresta23; Figura Típica Regional Seringueiro da Amazônia24; e o Ritual indígena Kuarup, a festa dos mortos25.

Considerações finais

O espetáculo Auto da Resistência Cultural realizado pelo Boi-bumbá Garantido em 2018 fundamentou-se na proposta de usar o 53º Festival Folclórico de Parintins como plataforma midiática para ecoar um discurso em favor do respeito às identidades, da celebração da diversidade e pela construção de uma consciência capaz de tornar o mundo mais justo. As fontes documentais citadas demonstram que em meio à toda energia que emana da arena do Bumbódromo de Parintins, onde as luzes, as danças, as encenações e os cenários (alegorias) fascinam e emocionam os espectadores, a agremiação buscou fazer reverberar e fixar nas mentes e corações mensagens oriundos do clamor da comunidade de referência do bumbá e de outras que sofrem igualmente com o racismo, a segregação, a pobreza, a intolerância e a invisibilidade social. Para tanto, lançou da pesquisa para fundamentação dos conceitos que serviram de base para a concepção sem abrir mão do conhecimentos tradicional que emana da comunidade. A resistência cultural foi a tônica do referido festival.

É preciso atentar para estas dinâmicas comunicacionais que envolvem a cultura popular, de modo a compreender as transformações das manifestações culturais, bem como a presença e o tratamento das festas populares nos meios de comunicação e o uso de dispositivos folkcomunicativos dos mais variados para comunicar, denunciar, veicular tradições e modos de vida.

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Notas

3 Termo utilizado em Parintins para designar os turistas.
4 A Comissão de Artes do Boi Garantido tem a função de pensar, planejar, fundamentar e coordenar a execução das apresentações do bumbá no Festival Folclórico de Parintins. Seus integrantes em 2017/2018 eram: Edwan Oliveira, Fred Góes, Roberto Reis, Marialvo Brandão, Allan Rodrigues, Marcos Moura, Wilson Nogueira, Emerson Brasil, João Fernandes e Hellen Picanço (RODRIGUES, 2018a).
5 Zumbi, também conhecido como Zumbi dos Palmares, foi um líder quilombola brasileiro, o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial. Zumbi nasceu na então Capitania de Pernambuco, em região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, no estado de Alagoas.
6 Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes foi um seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista brasileiro. Lutou a favor dos seringueiros da Bacia Amazônica, cuja subsistência dependia da preservação da floresta e das seringueiras nativas.
7 Ajuricaba foi um líder da nação indígena dos manaós no início do século XVIII. Revoltou-se contra os colonizadores portugueses, negando-se a servir como escravo e tornou-se um símbolo de resistência e liberdade.
8 Cabanagem foi uma revolta popular e social ocorrida durante o Império do Brasil de 1835 a 1840, influenciada pela revolução Francesa, na antiga Província do Grão-Pará comandada por: Félix Clemente Malcher, Antonio Vinagre, Francisco Pedro Vinagre, Eduardo Angelim e, Vicente Ferreira de Paula.
9 Estrutura alegórica que serve como cenário para a apresentação dos itens avaliados relacionados com o auto do boi, a saber: Amo do Boi, Sinhazinha da Fazenda, Boi-bumbá e Vaqueirada.
10 A Celebração Folclórica Auto da Resistência Cultural apresentou um resumo dos fundamentos do tema Boi Garantido de 2018 ao celebrar a resistência cultural das etnias que compuseram a formação do povo brasileiro.
11 Item de avaliação, segundo Regulamento do Festival Folclórico de Parintins, trata-se de ficção que ilustra a cultura dos povos da Amazônia dentro do contexto folclórico do Boi-Bumbá de Parintins.
12 A lenda fez referência a um dos momentos mais dramáticos da resistência indígena na Amazônia: o mergulho histórico do líder intertribal e cacique da tribo Manaó, Ajuricaba. O guerreiro foi líder de uma das maiores guerras indígenas de resistência na Amazônia ao chefiar a celebre Confederação Ameríndia da Amazônia, que fez perigar o domínio lusitano nesta parte do Novo Mundo.
13 Item de avaliação, segundo Regulamento do Festival Folclórico de Parintins, é o símbolo da cultura amazônica, na sua soma de valores a partir dos elementos que compuseram a sua miscigenação.
14 A Figura Típica defendeu que a resistência cultural pela arte está presente nas obras dos caboclos artesãos na Amazônia. O Caboclo Artesão de Parintins é reconhecido internacionalmente pelas suas habilidades como pintor, escultor, aderecista, cenógrafo e construtor de grandes alegorias.
15 Item de avaliação, segundo Regulamento do Festival Folclórico de Parintins, constitui-se como recriação de rito xamanístico, fundamentado através de pesquisa, dentro do contexto folclórico do boi-bumbá.
16 A resistência cultural identitária por meio dos ritos é mote do Ritual “O Sonho de Kainipaye-ro”. É um ritual de transcendência espiritual do Pajé, realizado pelos Araweté. A vida dos Araweté é toda orientada pela antropofagia mítica dos povos indígenas do tronco tupi, que, milenarmente, se impuseram a necessidade de serem devorados pelos “deuses canibais” para se tornarem, também, um deles.
17 A diversidade religiosa é um dos aspectos da diversidade cultural.
18 Na Celebração Folclórica As cores da fé está representado o direito de ser diferente, sem aceitar, entretanto, as desigualdades sociais advindas com os males dos preconceitos da colonização.
19 O Sacaca nem é Pajé nem Pai de Santo, mas um humilde curador popular, com o dom de curar através de forças espirituais e ervas medicinais. Segundo os Sacacas, os espíritos dos antigos Pajés da Amazônia, vivem em cidades encantadas no fundo dos rios, onde habitam seres fantásticos de cores e formas que só eles, os Sacacas, podem ver: os bichos do fundo.
20 A lenda tem origem na herança cultural indígena, repassada pela tradição oral, que alimenta o imaginário não só dos povos da Amazônia, mas de todo o Brasil. Segundo a lenda, a Matinta é uma velha senhora que se transforma em “rasga- mortalha”. Invisível e em metamorfose no meio da noite, ela se manifesta sempre numa grande ventania, provocada por suas asas.
21 O rito de iniciação é necessário para que os meninos sejam preparados para enfrentar as provas da vida real e terem sorte na caça, na pesca e no amor. O ritual é encerrado com a superação das provas pelo iniciado, que recebe das mãos do pajé um cocar de penas de arara vermelha e a marca da lua nova na testa como prova de que se tornou um novo guerreiro da tribo.
22 A celebração trouxe o conceito de que a tradição é o processo dinâmico das ações espontâneas de consciência que levam ao aperfeiçoamento humano, através das manifestações culturais. Foram exaltados, nesse quadro, Ariano Suassuna e Câmara Cascudo, que representam essa consciência em nível nacional; sem esquecer Oswald e Mario de Andrade, atuantes no processo de resistência cultural do modernismo; e os baianos Gilberto Gil e Caetano Veloso, no tropicalismo. Em referência a nomes de Parintins, a consciência pela tradição cultural, através da arte e da literatura, foi representada pelo Mestre Lindolfo Monteverde e pelo professor, poeta e escritor Tonzinho Saunier, que tanto contribuíram para a valorização das tradições culturais que hoje enriquecem o Festiva Folclórico de Parintins.
23 O Gigante Juma é uma lenda da etnia Cawahiva, que, como outros seres míticos indígenas, com o tempo deixou de ser o “monstro” que aterrorizava os povos da floresta e virou um ser protetor da natureza, usando o gigantismo de sua forma para assustar e até castigar aqueles que depredam as árvores e os animais.
24 O Seringueiro da Amazônia é fruto da transfiguração de nordestinos, índios e caboclos, cujo legado histórico está na identidade cultural dos povos da floresta. O quadro exaltou o legado de Chico Mendes.
25 O Kuarup é um dos rituais mais emblemáticos do mundo indígena, realizado pelas etnias da área cultural do Alto Xingu. A proposta cênica foi recriar o Kuarup realizado em 2003, quando todas as etnias se reuniram para homenagear Orlando Vilas Boas, considerada a maior honraria indígena já feita a um homem branco. O Kuarup - realizado com todo vigor e anualmente - é uma demonstração de que a resistência cultural no Xingu está viva e sempre vigilante.

Notas de autor

1 Jornalista, escritor e professor do Curso de Jornalismo da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mestre e Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia. Líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação Cultura e Amazônia (Trokano). Membro da Comissão de Artes do Boi-bumbá Garantido de 2018 e 2019. Correio eletrônico: allan30@gmail.com.
2 Sociólogo, professor do Curso de Comunicação Social/Jornalismo do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia/UFAM. Doutor em Ciências da Religião/PUC GO. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano). Diretor Regional Norte da Rede Folkcom. Correio eletrônico: acostaf@ufam.edu.br.
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