Editorial

Processos Folk-midiáticos nos espaços locais e regionais
O legado de Luiz Beltrão aos estudos da Folkcomunicação tem sido constantemente examinado e renovado no âmbito dos processos comunicativos. Presente nos cenários culturais local e regional, representa a diversidade de saberes e a capacidade de resistência cultural no tempo e no espaço dos grupos marginalizados, nas sociedades globalizadas.
É na compreensão dos fluxos de comunicação, amparados nas tradições locais e regionais, que as trocas culturais evidenciam seu aspecto inovador para pensar as expressões da Folkcomunicação como um fenômeno social, que marca a sociedade contemporânea. Os fluxos comunicativos internos permitem um intercâmbio de características e de elementos dos grupos sociais que incorporam referenciais locais e regionais, (re)significando sua cultura a partir de influências dos meios de comunicação de massa e da comunicação popular. Este processo de mediações remete à apropriação simbólica das matrizes culturais, em que as manifestações dos grupos sociais misturam-se ao popular e ao massivo, ao local e ao regional, estabelecendo mecanismos de identificação com outras culturas, em diversificados espaços de interação. E assim, a Folkcomunicação estabelece seus diálogos com a mídia hegemônica, mediando a fronteira cultural globalizada e a cultura popular.
Para possibilitar esses entendimentos, a proposta do dossiê “Folkcomunicação e estudos de mídia local e regional” objetivou contemplar os estudos culturais locais/regionais, representados nas produções jornalísticas e em outras mídias, destacando o valor da cultura e da comunicação dos saberes populares. Em todos os municípios encontramos culturas próprias com as quais a população se identifica e busca resguardá-las, rememorando-as através de festejos, festivais, encontros, pesquisas, cantos, danças e diversas outras formas de reviver a cultura local, conforme é possível observar neste dossiê.
Do sul do país recebemos “Marcas intervencionistas de mudança social em impressos do interior do Rio Grande do Sul: quando o local canta sua aldeia”, um estudo filosófico do pesquisador Geder Parzianello. O artigo analisa o que os veículos têm feito, sobretudo, os convencionais como os impressos e as emissoras de rádio, e contesta o estigma de inferioridade da imprensa interiorana em relação a uma mídia de maior alcance e circulação, visão claramente preconceituosa e estereotipada sobre o jornalismo do interior.
Do mesmo Estado, temos “Comunicação, cultura e oralidade no Batuque Gaúcho: reflexões teóricas sobre o rito de axé de fala como processo comunicacional batuqueiro”, de Sérgio Gabriel Fajardo e Rudimar Baldissera, que tratam do rito "axé de fala" na perspectiva do processo "comunicativo batuqueiro" e suas interfaces folkcomunicacionais.
O artigo “Alô, Comunidade: narrativas folkmidiáticas sobre o Monte Serrat, em Florianópolis (SC)”, de Camila Maurer e Cintia Xavier, apresenta uma reflexão sobre o telejornal local na perspectiva da folkcomunicação, identificando as marcas folkmidiáticas associadas ao processo comunicativo para a promoção das culturas populares.
Focalizando o impacto econômico, social e cultural, “O Festejo de São Marçal: mediações culturais e a legitimação do sotaque de matraca pelas mídias”, de José Ferreira Junior e Caroline Lima Veloso, permite refletir sobre as interfaces entre cultura e desenvolvimento, acrescido pela troca de saberes e do reforço identitário das comunidades na preservação da cultura, tanto local quanto regional.
A pesquisa “Estratégias de referência popular nas eleições municipais de Ponta Grossa/PR em 2020: um debate da folkcomunicação política no contexto local” apresenta reflexões importantes no âmbito da folkcomunicação política e do marketing eleitoral, ainda pouco exploradas nos estudos da área. As marcas da análise (uso de apelidos, pertencimento local, categoria de trabalho) demonstram a originalidade do tema.
“Jornalismo local: estudo da história profissional de jornalistas de São Félix do Xingu e Canaã dos Carajás, na Amazônia Oriental”, escrito por Ingrid Bassie Alexandra Ferreira, sistematiza os processos comunicacionais dos municípios e seus entornos, na região sudeste do Pará, a partir de entrevistas e história oral. A investigação descreve e categoriza os processos de produção da notícia na região citada.
Amanda Noleto e Samantha Carvalho dedicam-se ao estudo do processo de regionalização da TV Meio Norte, no Piauí. O tema é regional, relevante, pertinente e atual. Disponibiliza um histórico bem construído e discussões sobre a TV Meio Norte, as concepções de TV regional e seus intercâmbios entre/com a cultura, o território, as práticas e processos comunicativos, reforçando a importância desse tipo de investigação.
Em “Batalha do Coliseu: uma proposta pós-abissal para uma ecologia de saberes”, os autores Adalberto Araújo Júnior, Itamar Nobre e Francisco de Mendonça Júnior analisam as práticas sociais e comunicacionais nas batalhas de rap (ritmo e poesia) no ambiente universitário, considerando o caso da Batalha do Coliseu, que ocorre no Campus Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal (RN).
O artigo “A influência da TV regional na formação de um território geomidiático”, de Rodrigo Gabriot, explora o caso das cidades de Sorocaba e Jundiaí, no interior de São Paulo, constituídas como região a partir da determinação da área de cobertura de uma emissora de TV regional, mas que desagrada os públicos das duas cidades que avaliam perdas do sentido do local, julgando que a emissora privilegia uma cidade em relação a outra.
“Manifestações culturais midiáticas como vetores à superação de crise econômica local e regional”, de Ana Paula Miranda e Beatriz Dornelles, aponta para o Folkmarketing, desdobramento da teoria da Folkcomunicação, como processo de superação de crises econômicas em espaços locais e regionais, demonstrando alternativas de valor à comunicação das organizações, presentes nas manifestações culturais.
Finalmente, o conjunto de trabalhos disponibilizado no dossiê “Folkcomunicação e estudos de mídia local e regional” retrata os múltiplos processos comunicativos permeados pelas singularidades culturais locais e regionais, evidenciadas nas manifestações populares. Resultados de pesquisas realizadas em diversas localidades do país, os textos analisam a diversidade da cultura popular e os múltiplos processos de comunicação, tanto locais quanto regionais. Temos, contudo, o desafio da continuidade dos estudos trazendo, igualmente, as intermediações Folk-midiáticas da Publicidade, do Turismo, das Relações Públicas, da literatura, das telenovelas, do cinema, as religiosas, entre outras.
A diversidade dos estudos de Folkcomunicação
Além dos artigos que compõem o referido dossiê, a Revista traz ainda quatro artigos gerais que abordam diferentes aspectos da Folkcomunicação. “O mito folclórico brasileiro na era digital: diálogos entre cultura popular, cultura de massa e hibridização cultural”, de Adriele Silva e Ivan Bomfim, parte das relações entre lendas populares, mídia massiva e o fenômeno da cibercultura para analisar a personagem Cuca e suas múltiplas apropriações nas redes sociais. O artigo “Cultura e pandemia: Festejos de São João na cidade de Dom Basílio-BA”, de Antônio Nolberto de Oliveira Xavier e Vicente de Paulo Silva Santos, realiza uma análise da participação da comunidade no concurso de ornamentação das casas “São João Vivo”. A pesquisa documenta a realização do projeto e identifica relações de pertencimento em torno da celebração de São João, mesmo diante do isolamento causado pela pandemia.
A tradição religiosa e as práticas de devoção são tema do artigo intitulado “Monsenhor Rios: uma história de devoção e simplicidade”, de autoria de Víviam Lacerda de Souza e José Antônio da Silva. Em pesquisa sobre os ex-votos de Monsenhor Rios no município de Vassouras/RJ, os autores recolhem testemunhos e observam práticas singulares dos fiéis.
O último texto da seção de artigos gerais, intitulado “A voz solitária e a guinada subjetiva”, de José Carlos Fernandes, estabelece relações entre o jornalismo e a cultura popular ao caracterizar a apropriação do personagem, sobretudo seus depoimentos, como uma estratégia folkcomunicacional presente no jornalismo e na literatura.
A edição contempla ainda uma entrevista com o pesquisador Dr. Jorge Kulemeyer, da Universidad de Jujuy (Argentina), realizada por Luana Caroline Nascimento com a participação de Karina Janz Woitowicz. Autoridade mundial em Antropologia, o professor reflete sobre o patrimônio, o território e a valorização da cultura em um diálogo transdisciplinar.
A RIF apresenta o ensaio fotográfico “Folclore Nu – Desnudando a Cultura Brasileira”, de Andriolli de Brittes da Costa, resultado de um projeto de experimentação baseado em recriações de mitos e lendas populares que reúne fotografia e nu artístico com mitos e lendas do imaginário popular. E, para encerrar a edição, Felipe Collar Berni traz uma resenha sobre o livro “Vence-demanda: Educação e Descolonização”, do educador carioca Luiz Rufino (2021), em que discute a descolonização de modelos científicos e o desafio de exercitar as transmetodologias como forma de se contrapor aos modelos hegemônicos.
Esperamos que os trabalhos que compõem a edição possam promover reflexões e descortinar outras perspectivas da pesquisa em Folkcomunicação. Boa leitura!