Resumo: Ao enfocar as estratégias de apropriação da cultura popular nas campanhas para a Câmara de Vereadores em Ponta Grossa/PR em 2020, o presente artigo propõe uma análise das formas de nomeação das candidaturas, sustentada na folkcomunicação política. A partir de um levantamento junto à base de dados do Tribunal Regional Eleitoral, são identificados aspectos como o pertencimento ao local (bairro, região ou comunidade), a identificação com determinada categoria de trabalho, o uso de apelidos, entre outros recursos que permitem observar diversos elementos da cultura popular e midiática presentes na disputa eleitoral. Constata-se, por fim, que a utilização de referências da cultura popular, embora não garanta êxito no processo eleitoral, atua na projeção da figura pública de candidatos(as), estabelecendo relações de proximidade com o local e apelo ao eleitorado.
Palavras-chave: Folkcomunicação política, Eleições municipais 2020, Cultura popular.
Abstract: By focusing on the strategies of appropriation of popular culture in campaigns for councilors in Ponta Grossa/PR in 2020, this article proposes an analysis of the ways in which candidates are nominated, based on political folkcommunication. From a survey of the Tribunal Regional Eleitoral database, aspects such as belonging to the place (neighborhood, region or community), identification with a particular job category, the use of nicknames, among other resources that allow observing various elements of popular and media culture present in the electoral dispute. Finally, it appears that the use of references from popular culture, although it does not guarantee success in the electoral process, acts in the projection of the public figure of candidates, establishing relationships of proximity with the place and appeal to the electorate.
Keywords: Political folkcommunication, Municipal elections 2020, Popular culture.
Resumen: Al enfocarse en las estrategias de apropiación de la cultura popular en las campañas para concejales en Ponta Grossa/PR en 2020, este artículo propone un análisis de las formas en que los candidatos son nominados, a partir de la folkcomunicación política. A partir de una consulta en la base de datos del Tribunal Regional Electoral, aspectos como la pertenencia al lugar (barrio, región o comunidad), la identificación con una determinada categoría laboral, el uso de apodos, entre otros recursos que permiten observar diversos elementos de la cultura popular y mediática presentes en la disputa electoral. Finalmente, parece que el uso de referentes de la cultura popular, si bien no garantiza el éxito en el proceso electoral, actúa en la proyección de la figura pública de los candidatos, estableciendo relaciones de proximidad con el lugar y atractivo para el electorado.
Palabras clave: Folkcomunicación política, Elecciones municipales 2020, Cultura popular.
Dossiê
Estratégias de referência popular nas eleições municipais de Ponta Grossa/PR em 2020: um debate da folkcomunicação política no contexto local
Popular reference strategies in the municipal elections of Ponta Grossa/PR in 2020: a debate of political folkcommunication in the local context
Estrategias de referencia popular en las elecciones municipales de Ponta Grossa/PR en 2020: un debate de folkcomunicación política en el contexto loca

Recepción: 13 Octubre 2022
Aprobación: 28 Octubre 2022
Na tradição da ciência política brasileira e dos estudos em comunicação política, bem como na vida de quem acompanha ou se envolve em alguma disputa, a eleição mais difícil de todas é a de vereador(a), pois geralmente, e independente do tamanho do município, o eleitor tem mais de um amigo, familiar, vizinho, colega de trabalho ou escola que participa do pleito. A disputa que envolve milhões de pessoas de forma direta, contudo, é por uma vaga no legislativo local, como ocorre em todos os municípios do País, a cada quatro anos. Obviamente, como a disputa não é isolada, a eleição ao executivo movimenta mais recursos e é, sem dúvida, a que ganha visibilidade midiática (GADINI, 2004), deixando a composição do legislativo a uma questionável situação de segundo plano.
Os dados confirmam o cenário da complexa e imprevisível disputa. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com cerca de 148 milhões de eleitores aptos a votar, a eleição de 2020 registrou 58.208 vagas para vereadores em disputa nos 5.567 municípios de todo o País. No total, apenas ao Legislativo, concorreram 518.330 candidatos e candidatas. Ao executivo (prefeituras locais) foram registradas 19.347 candidaturas em todos os municípios do País (5.567).
Com cerca de 240 mil eleitores (239.611, de acordo com o TRE), Ponta Grossa é o quarto maior colégio eleitoral do Paraná. Atrás, em números, apenas dos municípios de Curitiba, Londrina e Maringá. Na eleição de 2020, participaram da disputa ao executivo municipal cinco chapas (PSD, PSC, SD, PT e PSOL).
A eleição municipal de 2020 em Ponta Grossa/PR contou com 456 candidatos e candidatas registradas junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná na disputa por 19 vagas no legislativo local, o que representa o equivalente a 24 candidatos por vaga. Embora, obviamente, pelas regras da legislação eleitoral, não se trata de um cálculo direto na relação total de inscritos por vagas em disputa. Apenas para comparar: na eleição anterior (em outubro de 2016), quando a Câmara elegeu 23 vereadores, Ponta Grossa registrou 521 candidaturas ao legislativo.
É preciso lembrar que a eleição de 2020 foi a primeira em que os partidos não contaram com as tradicionais coligações na disputa ao legislativo local, reduzindo ao menos um pouco as situações em que bastava ter uma votação mediana, sem importar com a votação da legenda partidária, para garantir eleição de determinada candidatura. As vagas foram, assim, ocupadas pela média de votação dos partidos, considerando votos válidos em proporção ao número de vagas disponíveis na disputa (19 vereadores em PG) e, a partir daí, garantindo a escolha direta de candidatos com mais votos nominais. No registro junto ao TRE, cada partido poderia inscrever até 150% do número de vagas disponíveis (no caso de PG, apresentar 28 candidaturas), respeitando o mínimo de 30% com mulheres na chapa.
É neste contexto de disputa local que certas práticas de marketing eleitoral são colocadas em prática, na expectativa de conquistar o voto de eleitores (GADINI, 2006). O uso de apelido, apropriação de termos populares, codinome de figura artística ou midiática, marca de atividade profissional, para além de nomes familiares que buscam se manter nos espaços políticos, são práticas correntes em disputas municipais, há várias décadas, nas mais diversas regiões e municípios do Brasil. O sistema eleitoral, que elege a pessoa e pouco se sustenta na representação partidária, como é o caso brasileiro, abre espaço para que candidatos e candidatas, das mais diversas legendas, apostem algumas fichas (tempo e recursos financeiros) no uso de nomes que poderiam se destacar na expressiva quantidade de participantes da disputa.
O presente estudo, de caráter documental, toma por base a disputa eleitoral de 2020 no município de Ponta Grossa, Paraná, ao poder legislativo, identificando nomeações, apelidos e outras marcas identitárias utilizadas na campanha local, a partir de uma leitura da Folkcomunicação (BELTRÂO, 2001; 2004) que compreende situações cotidianas em que o uso de expressões da cultura popular opera como estratégia de comunicação.
A análise da investigação constata que a ampla pluralidade de nomeações, ao menos na disputa de 2020 em Ponta Grossa/PR, não registra o esperado êxito no resultado eleitoral da disputa. A conclusão, contudo, não parece preocupar os sujeitos inscritos no Tribunal Regional Eleitoral, tanto que a mesma prática é recorrente e não exclusiva da política regional. Trata-se, pois, de uma manifestação de ativismo midiático (TRIGUEIRO, 2008) utilizada para estabelecer o vínculo com o local no cenário político do Brasil do século XXI.
Os estudos de folkcomunicação política compreendem o processo de utilização de referências da cultura popular pelos partidos e organizações políticas, bem como as práticas de comunicação popular elaboradas por agentes e grupos sociais com viés de crítica, opinião ou contestação política.
De acordo com Barros (2007, p. 84),
[...] essa sub-área da Folkcomunicação pretende analisar o conteúdo político das mensagens produzidas e difundidas pelos agentes da folkcomunicação e também as apropriações feitas pelos agentes políticos em relação às expressões culturais das classes subalternas e dos segmentos culturalmente excluídos da sociedade brasileira.
Tal abordagem pode também se aproximar dos estudos de folkmarketing[3] (LUCENA FILHO, 2008), que compreende a produção de discursos baseados nas culturas locais por parte das organizações (neste caso, políticas) como forma de estabelecer relações com o público e produzir sentimento de valoração e pertencimento ao local.
No presente texto, a análise volta-se à identificação das práticas populares presentes na nomeação dos candidatos e das candidatas às eleições ao legislativo em 2020, em que são observadas estratégias oriundas da Folkcomunicação política. Não há estudos que confirmem a eficácia da estratégia da nomeação como prioridade na forma de apresentar uma candidatura, mas é fato que, em disputas marcadas por reconhecidas desigualdades de condições, principalmente no que diz respeito aos recursos financeiros disponíveis e ao acesso do horário de propaganda, o apelo ao uso de referências que podem se diferenciar na escolha eleitoral leva, a cada nova disputa, candidatos e candidatas a lançar mão de variadas nomeações, termos ou expressões que remetem à cultura popular e mídia massiva. Em outras palavras, o estudo apresenta um levantamento de candidaturas à vereança identificadas por referências a personagens folclóricas (não apenas em nível local), atividade profissional, apelidos ou que remetem a eventuais similaridades com figuras da cultura midiática.
Nem toda eleição é previsível, apesar das regras que determinados grupos dominam em relação às próprias candidaturas e ao espaço dos adversários. Total de votantes, valores e investimento (recursos humanos e financeiros), votos válidos, média de coeficiente partidário, estratégia de campanha, votos na legenda e votos obtidos por uma determinada candidatura, todos os indicadores contam ao final do cálculo para garantir a eleição de uma ou mais cadeiras na Câmara Municipal. É neste contexto que se pode situar e compreender a escolha de nome de urna pelas candidaturas como mais um detalhe – não definidor, mas por certo com alguma margem de influência – que pode contribuir no sucesso de campanha.
No presente texto, foram destacados nomes que não se limitam ao uso do nome oficial do ou da candidata, mas acrescentam ou substituem por algum adjetivo, referência profissional de trabalho, ocupação, identificação religiosa, apelido, dentre outras variações. Oportuno situar que, dos 19 eleitos em 15/11/2020, 11 já estavam na Câmara no mandato anterior ou retornaram (depois de quatro anos fora), restando, pois, apenas oito que foram eleitos a um primeiro mandato no legislativo municipal de Ponta Grossa.

Como se vê, eleitores e eleitoras de Ponta Grossa elegeram, em 2020, dois ‘doutores’ (médicos graduados), um ‘soldado pastor’, uma ‘missionária’, um ‘farmacêutico’ e um proprietário de ‘farmácia’. Os demais ficaram na referência nominal, em geral deixando a legenda partidária com pouco espaço de expressão nos materiais de divulgação. ‘Valtão’ marca, na apresentação da candidatura, um misto de nome e, em tese, sugere alguma proximidade aos ‘conhecidos’. Joce Canto carrega o sobrenome familiar de um ex-prefeito local e ex-deputado estadual (Jocelito Canto, entre 1997 e 2000). A candidata eleita pelo PSOL (professora Josiane Kieras) fez campanha por um mandato coletivo, formado por quatro integrantes: ‘Josi Mais Coletivo’.
Oportuno situar que, na eleição municipal de 2020 em Ponta Grossa/PR, entre os eleitores aptos a votar, foram às urnas 76,98% dos votantes (184.464) no primeiro turno (em 15/11/20), enquanto 23,02% (55.147) não compareceram. E, dos votantes, 6,75% (12.451) votaram em branco, 5,33% (9.834) anularam o voto, restando 87,92% (162.179) votos válidos para vereador. Para prefeito, foram 89,75% (165.556) votos válidos, 4,24% (7.830) brancos e 6,01% (11.078) nulos.
E qual o perfil dos candidatos e candidatas às eleições locais de 2020 em Ponta Grossa? Pelas informações disponíveis no TSE, o nível de escolaridade de candidatos a vereança de PG em 2020 teve a seguinte composição: 2,1% de candidatos(as) não informam instrução escolar e apenas declaram ler e escrever, 5,5% têm ensino fundamental incompleto, 33,5% com ensino médio incompleto, 12,2% com ensino fundamental completo, 4,0% registram ensino médio incompleto, 34,2% com ensino médio completo e 8,5% das candidaturas possuem ensino superior completo.
Na maioria dos casos, e diante de uma concorrência abertamente desigual – em que alguns candidatos partem de um mandato e apenas buscam reeleição, outros contam com aparato financeiro, empresarial e demais recursos importantes na disputa – algumas candidaturas apostam na criatividade de nomeação para se diferenciar entre as centenas de concorrentes. Vale quase tudo na escolha do nome de urna para se destacar entre as imagens e criar alguma identificação com o eleitor.
O apelido, que geralmente identifica mais facilmente uma pessoa antes e mais que o próprio nome e sobrenome – seja por alguma qualidade, perfil socialmente conhecido, marca popular ou mesmo característica depreciativa – também é usado por muitos candidatos em eleições no Brasil, seja em disputas locais (prefeito e vereador) ou nas gerais (governador, senador ou deputados estaduais e federais).
A nomeação diferente pode funcionar, assim, a depender da circunstância e da visibilidade atingida no curto período eleitoral, como estratégia de projeção e campanha de marketing eleitoral. Como ocorre em muitas cidades do País, em Ponta Grossa, a cada eleição local, destacam-se determinadas candidaturas pela nomeação, adereço de campanha, objeto, logomarca ou mesmo música que faz a trilha sonora da apresentação ao eleitor. Nem sempre dá resultados efetivos com a eleição, mas pode abrir espaço para futuras disputas ou mesmo para ‘negociar’ o capital simbólico obtido para disputar espaço em cargos comissionados na gestão seguinte ou mesmo para trocar de legenda com alguma vantagem, geralmente, em forma de estrutura com recursos de campanha.
O presente estudo apresenta uma análise de Folkcomunicação política, destacando as candidaturas ao poder legislativo local na eleição de 2020 em Ponta Grossa que registram identificação (de urna) que vão além do nome e sobrenome pessoal. As informações completas estão disponíveis no registro de cada candidatura junto ao sistema digital do Tribunal Superior Eleitoral[4], onde se pode conhecer cada candidatura com todas as informações públicas disponíveis.
Um(a) candidato(a) não precisa cadastrar o nome oficial como identificação de urna. A legislação permite usar codinome, apelido, sobrenome ou alguma outra referência, ao lado do número (três dígitos, além do código da legenda partidária, que tem dois dígitos, pelo cadastro nacional junto ao TSE). O nome não pode, contudo, conter ofensa, ataque ou desrespeito explícito a outra pessoa, organização ou candidatura.
Fora isso, a escolha é livre e, pois, é comum – e histórica, no Brasil – a opção por termos que levam eleitores a identificar mais facilmente determinada candidatura, seja um nome de bairro, função ou atividade profissional, apelido, compromisso familiar, religioso, dentre outras referências. Não tem explicação conceitual a respeito, mas por certo, diversas estratégias que levam a pessoa a ser reconhecida levam a tais escolhas.
Na avaliação do professor Joviniano de Carvalho Neto (em entrevista para Lilian Marques, 2014), tais escolhas se devem a diversos fatores. “Às vezes é o nome que ele (candidato) é popularmente conhecido ou algo ligado a uma função que ele exerce”. E, completa, por vezes, “é também um apelido” e “outra razão é o esforço de chamar a atenção dentro de uma brutal concorrência". E, ainda, pode ser uma oportunidade para “chamar a atenção do eleitor, que pode usar o voto como forma de protesto". Nas diversas situações, fato é que envolve um diferencial que, além da criatividade, pode funcionar também como estratégia de marketing eleitoral.
Já o cientista político Jorge Almeida (em entrevista ao repórter do jornal A Tarde, Anderson Sotero, 2014) explica que tais formas de identificação expressam uma irreverência no processo político. "Há pessoas que são conhecidas só pelo apelido e o usam porque querem ser identificados”. O pesquisador alerta, entretanto, que algumas escolhas ‘esdrúxulas’ geralmente não funcionam na disputa eleitoral, pois apenas um nome diferente não assegura voto, embora possa ter eventuais resultados positivos, quando se trata de pessoa ou personagem já conhecida do público e com algum grau de empatia coletiva.
Ao pautar a mesma prática e estratégia, a publicitária Nathalya Brandão (em entrevista para Jullie Pereira, da Amazônia Atual, 2014), alerta que a escolha de um nome ‘exótico’ pode funcionar, mas também pode virar piada na eleição. Trata-se de uma opção que precisa ser muito bem pensada. “Tem que ver o outro lado porque pode virar uma piada, só gastando tempo e dinheiro”, avalia. A explicação é simples: o nome, como o número, a cor e a logo da legenda funcionam como marca de campanha, que se não foi planejada é ignorada ou até pode virar motivo de piada. “Uma marca, como qualquer uma do mercado, precisa de missão, visão e valores”, diz, ao lembrar que o nome transmite uma mensagem e proposta que um candidato apresenta e defende. Segundo ela, “normalmente, os vereadores já vêm com esses nomes das comunidades e um dos objetivos da publicidade é gerar identificação”.
O que revelam as principais referências (nomes, apelidos ou profissões) na eleição municipal de Ponta Grossa em 2020? Um levantamento dos resultados da eleição ao legislativo municipal indica que as escolhas por nomeações diferentes estão longe de atender expectativas da maioria das candidaturas. Mas, claro, a aposta é livre, pois não implica em recurso financeiro algum. Na tabela abaixo, destacam-se, por aproximação de categorias, as principais atividades ligadas ao trabalho e a outras formas de identificação que marcaram os registros de nomes de urnas de candidatos e candidatas na Cidade.

Em primeiro lugar, há que se considerar que a eleição foi atípica, em boa medida remota ou virtual, devido à pandemia do Covid-19, que limitou a circulação das pessoas. As próprias candidaturas, em diversas situações, atuavam nos limites de condições de segurança sanitária, com pouca exposição física e contato junto aos eleitores em espaços abertos.
A própria redução das atividades comerciais e de serviços presenciais restringiu a apresentação de propostas e conversas, como era habitual em disputas anteriores. Sem escolas, diante de espaços culturais, religiosos e recreativos fechados ou com funcionamento parcial, a circulação de pessoas também levou inúmeras candidaturas a apostar em contatos prévios já mantidos via redes presenciais de trabalho, lazer, ensino e demais relações de sociabilidade.
Além disso, o uso das redes sociais se tornou uma extensão do espaço de propaganda política, embora com potencial de alcance questionável junto ao eleitorado. Algumas experiências envolvendo o pleito de 2020 demonstram a intensificação do uso da linguagem das mídias sociais como prática de ação política. Trein (2021), ao analisar os stickers no Whatsapp, remete aos processos informais e digitais, não vinculados aos tradicionais modelos de comunicação, que estão reconfigurando as disputas políticas.
Pode-se dizer que, tanto nas tradicionais estratégias de campanha, marcadas pela presença no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, produção de ‘santinhos’ dos candidatos, jingles, entre outras formas de comunicação, como também no ambiente desterritorializado das redes, confirma-se a busca por desenvolver formas de identificação sustentadas no local, no pertencimento a um determinado grupo ou categoria profissional, entre outras variações que acionam elementos da cultura popular nas disputas em todo país.
Talvez, a contextualização devido à pandemia também pode ajudar a situar e compreender a presença de candidaturas identificadas ou lançadas a partir de instituições tradicionais que marcam o cotidiano da população, como a escola, saúde, religiosos, militares, profissionais do trabalho, estética, comércio e oferta de serviços autônomos. Além, é claro, da aposta em nomes de famílias conhecidas (com relação secular e condições financeiras), dentre outros apelos para tentar uma aproximação com eleitores.

Um importante mecanismo de identificação costuma estar associado ao pertencimento a um território. De acordo com Beltrão (2004, p. 57), “uma região é o palco em que, por excelência, se definem os diferentes sistemas de comunicação cultural”. Este recurso é acionado por candidatos ou mesmo lideranças comunitárias para estabelecer relações de proximidade baseadas na demarcação geográfica (de um bairro, comunidade ou região da cidade ou do Estado). Para Beltrão (2004, p. 57), “conhecer uma região é pré-requisito ao diálogo que se deseja manter com os seus habitantes”, o que remete ao compartilhamento de vivências e experiências próprias de um determinado lugar.
Pelo levantamento do presente ensaio, constata-se que as nomeações que apelam às marcas e características da cultura popular como estratégia de marketing eleitoral, em parte, confundem-se com expressões e referências que dialogam com situações locais, principalmente indicações geográficas (como associar nome de candidatura pela localização de moradia ou trabalho): Daniel Vila Romana, Lucimara do Los Angeles, Luciano do Treze de Maio, Ferrugem do Guaragi, Joce do Santa Paula, Tailana de Bairro, Nivaldo do Costa Rica, Marcelo do Dom Bosco, Carlos da Coronel. Todas as candidaturas aqui citadas usam e ‘colam’ ao menos um termo de bairro, núcleo habitacional, comunidade, loteamento urbano ou vila de Ponta Grossa, fortalecendo o vínculo identitário com o território de origem.[5]
Outro aspecto que remete a um tipo de vínculo com o eleitorado e se destaca na disputa às eleições municipais de Ponta Grossa diz respeito à atuação profissional ou papel social dos(as) candidatos(as). Professor, policial (civil, bombeiro ou militar), médico (‘dr’), agente comunitário de saúde, farmacêutico, além de diversas nomeações que remetem às organizações ou atividades profissionais que tais candidatos exercem são algumas das estratégias de identificação em urna que representantes de diversos partidos arriscaram no registro às eleições à Câmara Municipal em 2020.
Tal estratégia pode ser associada ao papel assumido pelo agente folkcomunicacional ou ativista midiático, caracterizado por Trigueiro (2006) como alguém que transita entre as redes de comunicação interpessoal e as redes midiáticas. A atuação como interlocutor cultural, aqui atribuída a candidaturas que se valem de certo prestígio no seu grupo ou comunidade de referência, tem como propósito a expectativa de converter o reconhecimento social em votos.
A dimensão de proximidade ao eleitor também pode ser verificada em ‘apelidos’ que associam características do perfil de algumas candidaturas, provavelmente a partir de qualidades ou indicações de algum conhecimento público prévio. É o caso de nomes de candidatos que tentam firmar características, em tese, já conhecidas por determinados grupos, regiões ou setores do eleitorado local. Paulão/PSDB, Valtão, Baixinho, Jefinho, Quinzinho, Ratinho, Paulinho Ceguinho, Jocelito Zoinho, Luizinho PG, Alfredinho da Massa, Waltinho, Betinho Barbeiro, Mariazinha, Marcos Batatinha, Palhacinho Pop, Edivar Jeguinho, Paulão/MDB, Robertinho, Fabiano Piazinho, Gauchinha, Valdir Negão, Luisinho e Renezinho são exemplos evidentes de uma prática que busca criar relações de intimidade ao recorrer a uma nominação de uso informal.
É o que, aqui, o texto indica como “tamanho pode ser referência”, que remete a um total de 23 registros com algum termo de grande (3 situações) ou pequeno (20 nomeações), apontando para marcas estratégicas por alguma identificação coletiva com potenciais eleitores. Iniciativa que, guardadas as proporções, não deixa de apontar para um traço estratégico popular em busca do voto do eleitor.
Entre candidaturas com nomes que levam apelidos, referência a qualidades, características de perfil ou mesmo eventual similaridade com figuras folclóricas ou do campo da mídia e do entretenimento, pode-se destacar algumas nomeações registradas na eleição municipal de Ponta Grossa em 2020 ao poder legislativo.
‘Nego Maé’ (DEM), ‘O Lampa’ (MDB), ‘Vilma Black White’ (PROS), ‘Ceará’ (MDB), ‘Sassá’ (DEM), ‘Jamaica’ (DEM), ‘Satélite’ (PROS), ‘Banha’ (PRTB), ‘Pelêgo’ (Avante), ‘Chico da Mega’ (PSL), ‘Dona Célia’ (DEM), ‘Bolacha’ (PSB), ‘Guerreira’ (DEM), ‘Purga’ (PT), ‘Simprão de tudo’ (PSD), ‘Fia’ (PSC), ‘Cigano’ (Avanti), ‘Samurai’ (PROS), ‘João Big Mão’ (PTC), ‘Tio Bastião’ (PROS), ‘Ana Bahiana’ (PT) e o ‘Borracha’ (PTC) são algumas candidaturas à vereança registradas com apelido na eleição de PG em 2020.
Entre as nomeações que apelam para personagens da cultura (midiática ou popular), pode-se citar o ‘Frajola’ (PDT), ‘Vó Genebalda’ (PROS), humorista em emissora radiofônica local, ‘Evaldo O Sherek’ (PRB) e o ‘Lopatiuk’ (PSD), candidato há várias eleições, que usa o ‘Piu Piu’ (passarinho de desenho animado) como imagem de campanha.
Alguns candidatos usam apenas o sobrenome como nome de registro de urna. Este foi o caso do ‘Paris’ (Patriota), ‘Luder’ (Avanti), ‘Cadene’ (Avanti), ‘Dalago’ (Patriota) e ‘Joel Story’ (PTC). Outros nomes derivam de atividades ou características associadas ao cotidiano, como ‘Noel Cadeirante’ (PSD), ‘Lincoln do Pedal’ (PRB) e ‘Lourival do Pedal’ (PDT). E, por fim, teve candidato que apostou na propagada onda de direitização supostamente impulsionada pelo bolsonarismo e registrou nome de urna na mesma via, como ‘Kleiton Direita Ponta Grossa’ (PRB).
Todos os casos registrados revelam o processo de apropriação de referências populares como uma estratégia de folkcomunicação política, à medida que participantes do pleito recorrem a elementos da cultura popular e midiática para projetar uma identificação coletiva, seja pelo recurso de nomeação, pela comunicação visual utilizada na figura de candidatos(as) ou mesmo pelos símbolos e expressões que acionam.
Como se pode verificar pelos resultados da votação (referente ao primeiro turno, de 15/11/2020), que elegeu os 19 integrantes da Câmara Municipal de Ponta Grossa ao mandato 2021-2024, embora com reconhecida criatividade - em alguns casos pela exposição de características plurais e diversificadas, ou mesmo com alguma margem de ousadia -, fato é que a maioria absoluta das nomeações pouco (ou, talvez, quase nada) interfere nas escolhas de eleitores ao voto de vereador e vereadora. Inclusive porque muitas das nomeações sequer conseguem chegar a conhecimento da maioria da população que vota, ficando restritas aos cenários e espaços – de trabalho, bairro ou círculo social – de alcance modesto, que limitam a possibilidade de adesão e identificação.
Pelos dados das votações obtidas por criativos nomes de candidatos, ao que tudo indica, no máximo, o alcance opera como mecanismo de marketing, mas no limite de uma ‘pré-identificação’ localizada, sem força e projeção eleitoral para além dos circuitos imediatos. E, ao mesmo tempo, sem espaço de visibilidade e exposição no horário eleitoral (em rádio e TV), que limita a aparição em poucos segundos nos 35 dias de exibição de programações diárias, tais candidaturas acabam mesmo apenas contribuindo para reforçar as estatísticas de legendas que apostam na eleição de conhecidas ‘figuras’ públicas que contam com mais recursos, investimento e principalmente apoio partidário, seja em finanças ou acesso ao horário de propaganda no rádio e televisivo.
Alguma ponta de expectativa em viralizar nomeações exóticas tampouco se tornou realidade, ao menos na disputa ao legislativo local na eleição de Ponta Grossa em 2020. O interesse na remota possibilidade de contar com o voto de ‘protesto’, diante da estafa com os vícios do sistema eleitoral vigente, sequer ajudou em apostas aleatórias ou imprevisíveis.
E, por fim, é possível que várias das candidaturas – sempre inéditas – com arriscadas nomeações criativas e até experimentais tenham aderido às propostas de disputa motivadas por direções partidárias que, na primeira experiência de disputa eleitoral sem coligações de legendas, como funcionava até então, desde o final do regime militar (1964-1985), investiram na tática de convencimento de pessoas simples, dispostas e participar do processo, mesmo que, em certos casos, com pouco domínio e conhecimento da complexidade do sistema eleitoral. A aposta, nestes casos, situa-se na necessária soma de votos à legenda do partido, capaz de assegurar eleição de algumas poucas e conhecidas personagens que controlam tais organizações políticas na Cidade, Região, Estado e País.
Trata-se, enfim, de uma série de situações que remetem às estratégias de apelo às expressões ou marcas cotidianas da cultura que, na perspectiva de centenas de candidatos e candidatas à Câmara Municipal de Vereadores em Ponta Grossa 2020, poderia funcionar como dispositivo folkcomunicacional com eventual vantagem ou contribuição na busca pelo voto de setores da população. Se funcionou em disputas anteriores, ou mesmo se efetivamente ajudou determinadas candidaturas na referida eleição, embora não se pode concluir, possivelmente, a apropriação de aspectos populares serviu para que muitos eleitores pudessem associar tais figuras e imagens nos momentos de apresentação da campanha eleitoral. De todo modo, trata-se de um debate e perspectiva reflexiva que diz respeito e interesse aos estudos e pesquisas em folkcomunicação.


