Artigos Gerais

Monsenhor Rios: uma história de devoção e simplicidade[1]

Monsenhor Rios: A Story of Devotion and Simplicity

Monsenhor Rios: Una Historia de Devoción y Sencillez

Víviam Lacerda de Souza 2
Instituto Federal do Rio de Janeiro, Brasil
José Antônio da Silva 3
Instituto Histórico e Geográfico de Vassouras , Brasil

Monsenhor Rios: uma história de devoção e simplicidade[1]

Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 20, núm. 45, pp. 222-243, 2022

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 16 Mayo 2022

Aprobación: 30 Agosto 2022

Resumo: Buscamos estudar e coletar dados sobre a vida do Monsenhor Antônio Rodrigues Paiva e Rios, no que tange suas ações em vida e as manifestações de ex-voto que potencializam possíveis milagres. Nos valemos da pesquisa empírica, a observação exploratória das práticas folkcomunicacionais para coleta de dados a fim de inventariar o acervo de peças do núcleo de devoção. Utilizamos a fundamentação teórica e a técnica investigativa na busca dados disponíveis em bibliografias, entrevista, buscadores da internet, relatos de língua corrente e vestígios históricos. Concluímos que este processo de folkcomunicação decorre de manifestações de ex-voto que representam crença e fé em um cenário místico que se valida na construção de subjetividades, onde o imaginário religioso se caracteriza uma fonte de sentidos, vínculos sociais e sentimento de pertença.

Palavras-chave: Monsenhor Rios, Ex-voto, Folkcomunicação.

Abstract: We seek to study and collect data on the life of Monsignor Antônio Rodrigues Paiva e Rios, regarding his actions in life and the ex-voto manifestations that potentiate possible miracles. We make use of empirical research, the exploratory observation of folkcommunicational practices for data collection in order to inventory the collection of pieces from the core of devotion. We used the theoretical foundation and the investigative technique in the search for data available in bibliographies, interviews, internet search engines, reports in common languages ​​and historical traces. We conclude that this folkcommunication process stems from ex-voto manifestations that represent belief and faith in a mystical scenario that validates itself in the construction of subjectivities, where the religious imaginary is characterized as a source of meanings, social bonds and a sense of belonging.

Keywords: Monsignor Rios, Ex-vote, Folkcommunication.

Resumen: Buscamos estudiar y recopilar datos sobre la vida de Monseñor Antônio Rodrigues Paiva e Rios, en cuanto a sus acciones en vida y las manifestaciones ex-voto que potencializan posibles milagros. Hacemos uso de la investigación empírica, la observación exploratoria de las prácticas comunicacionales populares para la recolección de datos con el fin de inventariar la colección de piezas del núcleo de la devoción. Utilizamos la fundamentación teórica y la técnica investigativa en la búsqueda de datos disponibles en bibliografías, entrevistas, buscadores de internet, reportajes en lenguajes comunes y rastros históricos. Concluimos que este proceso de comunicación popular parte de manifestaciones ex-voto que representan la creencia y la fe en un escenario místico que se valida en la construcción de subjetividades, donde el imaginario religioso se caracteriza como fuente de significados.

Palabras clave: Monseñor Ríos, Ex-voto, Folkcomunicacion.

Introdução

Buscamos escolher como método de pesquisa para desenvolver este projeto a pesquisa exploratória, meio viável de obtenção de dados sobre o tema escolhido, buscando levantar dados históricos válidos sobre a personalidade de Antônio Rodrigues de Paiva e Rios, o Monsenhor Rios e nesse sentido nos baseamos sobretudo no Inventário do religioso (1875) e de fontes bibliográficas como Coelho Netto (1969) e Machado (2006). Nesse sentido, nos cabe contextualizar o cenário para uma melhor compreensão histórica dos fatos.

O cenário a que nos referimos é o município de Vassouras, localizado no sertão Fluminense, cortado entre as direções de ouro existentes entre os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, Veríssimo (2013, p. 87) relata que:

[...] a origem da cidade de Vassouras está ligada ao ciclo do ouro na região das Minas. A localidade onde surgiu a cidade de Vassouras foi edificada à margem de um dos muitos caminhos que foram feitos a partir das primeiras décadas do setecentos para o escoamento das riquezas das regiões auríferas.

Também conhecida popularmente como “a cidade dos barões” devido aos grandes fazendeiros que comercializavam o café e por sinal recebiam o título de barões, foi marcada pelo grande desenvolvimento econômico vindo das colossais fazendas de café aqui localizadas. Com a exaustão do ouro no início do século XIX, inicia-se a monocultura do café e aos poucos este plantio foi fazendo surgir uma vila com casas, onde posteriormente, no ano de 1820, seria edificada uma capela caracterizando então uma freguesia e em 1823 João Teixeira Gomes e sua esposa Ana Maria do Espírito Santo doam trezentos e sessenta braças das terras de sua fazenda denominada Vassouras para que fosse erguida a igreja matriz e seu patrimônio (VERÍSSIMO, 2013, p. 87-88). Esse fato de Vassouras é retratado como realidade histórica da região, pois “nas terras do Vale do Paraíba o plantio dos pés de café consolidou uma paisagem constituída de vilas que se tornaram, posteriormente, pequenas cortes rurais dos barões do café no século XIX” (ZONNO, 2013, p. 229).

Por óbvio, a mão de obra empregada nas fazendas era de origem escrava, sendo uma das principais bases para o apogeu da cidade do café. Tal mão de obra era fruto do tráfico negreiro, comprada pelos cafeicultores ou adquirida pelo mercado interno frustrado pelo período de ciclo do açúcar. É nessas condições de barbárie e desigualdade, relatada por meio da estrofe de um jongo, compreendido como uma manifestação da cultura africana que traz em versos curtos, metafóricos, quase como uma crônica, a vida dos escravos de Vassouras nas fazendas cafeeiras. “Martins (2013, p.112) esclarece que o jongo é um elemento que propiciava ao escravo, dentro do possível, extravasar toda sua angústia, sua dor e seu sofrimento”:



[...] Ô ô,com tanto pau no mato Embaúba é coroné Com tanto pau no mato, ê ê om tanto pau no mato [...]

Fuente: Martins (2013, p.112)

É nesse contexto que Antônio Rodrigues Paiva e Rios surge com atributos de remição e caridade, transformando-se em uma verdadeira fonte de manifestações populares que se perfazem por ex-votos expressos por meio de um processo chamado folkcomunicação. Para esses estudos nos embasamos principalmente nos teóricos Luiz Beltrão (1980), Scarano, (2004), José Marques de Melo (2008), Jorge González (2008), Yuri Parente Aragão (2015) e outros. Sob o pensamento da beatificação e canonização do monsenhor, recorremos ao Código de Direito Canônico (1983) e Soares (2007 e 2019).

A figura do Monsenhor Rios

Antônio Rodrigues de Paiva, o Monsenhor Rio nasceu em 1806, em Congonhas, MG e finalizou sua jornada de devoção no ano de 1875, aos 69 anos de idade. Filho de João Gonçalves Rios e Francisca Maria Roza, Monsenhor Rios desde jovem demonstrou vocação sacerdotal e ao apostolado.

Aos 25 anos conclui seus estudos em Filosofia e Teologia no seminário de Mariana, onde foi ordenado sacerdote. Após o início no sacerdócio ordenado, Monsenhor Rios empregou intenso esforço à vida religiosa, sendo identificado pela sua magnanimidade.

Por vinte e dois anos empenhou-se como vigário de Bananal (SP), de onde foi transferido para Desengano (atual Distrito de Barão de Juparanã – Valença – RJ). Após, deslocou-se para a cidade de Vassouras (RJ), onde atuou como vigário, de acordo com o Livro Tombo do Arquivo Paroquial Dr. Joaquim José Teixeira Leite. Sacerdote de vida simples e piedosa, era um exemplo constante da Fé e da Esperança a todos aqueles que ouviam suas mensagens. Em Vassouras Monsenhor Rios viveu até a data do seu falecimento aos 09 de janeiro de 1875, com 69 anos de idade.

Antônio Rodrigues Paiva e Rios, o Monsenhor Rios (Figura 1), desde muito jovem demonstrou vocação apostólica, ocorrência que se estendeu na cidade de Vassouras.

Monsenhor Rios
Figura 1
Monsenhor Rios
Paróquia Nossa Senhora da Conceição Vassouras, RJ.

O vigário, observando o cenário de desigualdade enfrentado pelos escravos, não ficava indiferente ao que acontecia nas fazendas de café. Em vida, o Monsenhor Rios foi notabilizado por dar leitos de morte dignos aos escravos, prática que era destinada unicamente aos integrantes sociais de classes elevadas, revelado assim a sua sensibilidade para questões sociais do seu tempo e deste modo, relacionando sua fé com a vida.

No dia nove de janeiro de 1875, Monsenhor Rios falece aos sessenta e nove anos. No entanto, ainda em vida o religioso pediu que no dia de seu óbito gostaria de ser sepultado em cova rasa, sem esquife e envolto em mortalha de algodão, assim como aqueles que após anos de humilhação houvera velado dignamente. Monsenhor Rios também desejou ser enterrado ao meio do cemitério da Irmandade Nossa Senhora da Conceição da Freguesia de Vassouras, vez que destacou princípio que carregou por toda a vida: a igualdade.

A professora Lielza Lemos Machado, em seu livro “Vassouras, recanto histórico do Brasil (2006, p. 64),” declara que “Monsenhor Rios, homem de vida simples e doce, respeitando o seu pedido, não teve esquife. Foi sepultado em cova rasa, apenas envolto em uma mortalha, à esquerda da Capela do Cemitério da Conceição”.

Quero que o meu testamento mande dizer por minha alma missa de corpo presente juz todos os sacerdotes desta freguesia e que meu corpo seja s envolto em vestes sacerdotais na forma do ritual humano e que seja sepultado no cemitério desta cidade abaixo do último degrau da escada que segue para o cemitério geral do lado direito (ARQUIVO DO TJRJ/IPHAN, 1875, FL. 2).

Consta no Arquivo do TJRJ/IPHAN (1875, fls. 3-5), além de muitas menções referentes a pagamentos, que o inventariante Antônio José Fernandes foi escolhido pelo Monsenhor Rios – Ântônio Rodrigues de Paiva e Rios e em determinada parte do documento encontramos os dizeres:

Declaro que possuo bens como uma casa e benfeitorias e algumas cabeças de gado em terras do Barão de Juparanã, Sítio do Desengano e outros em Ferreiro de Valença, alguns escravos (contamos oito e pelos seus nomes podemos dizer que eram seis homens e duas mulheres), todos registrados na Collectoria de Valença.

Conforme informações coletadas da obra da jornalista e historiadora Lielza Lemos Machado (2006) no mesmo ano de morte do vigário desdobrou-se uma flor na cabeceira de sua sepultura (Figura 2). A flor tem aspecto carnal, vermelho vivo, com formato de coração e quando tocada exala forte odor de e libera líquido vermelho-sangue.

Flor de carne
Figura 2
Flor de carne
Sant'Anna (2011)

Affonso Romano de Sant’Anna (2011, site), escritor e poeta brasileiro, fez um relato sobre o curioso caso:

[...] É que nos haviam dito que ali floresce uma flor de carne. Cemitério, carne, flor. Muito estranho. Mas como Vassouras é uma cidade cheia de lendas e naquele cemitério tem a fina flor da nobreza imperial, lá fomos. [...] O cemitério é atrás daquela praça linda, daquela igreja no topo da colina, depois de uma alameda de gigantescas e sombreadas árvores. Havia nos dito que a tal flor irrompe de uma sepultura sempre em novembro. Os mais fatalistas dizem que ela brota exatamente no 2 de novembro, dia dos mortos. O fato é que ela aflora na sepultura do Monsenhor Rios, só ali. Então lá fomos nós cemitério adentro. Passamos por um coveiro e lhe perguntei onde estava a flor de carne, se havia muita para visitá-la. Ele apontou o local, eu lhe perguntando se estava tudo calmo no cemitério, ele dizendo que tudo estava calmo demais. [...] Pois o nosso Monsenhor saía a cavar fundas sepulturas para esses infelizes. E vai que um dia ele também morreu. E vai que, daí a algum tempo, nasceu na sua sepultura essa flor que fui ver. Flor de carne. Tem cheiro, quer dizer: não odor, fedor de carne podre. Se vocês entrarem no Google podem vê-la. Parece um repolho. E tem cheiro não se sabe se de carne de escravos ou do Monsenhor. Da vida morta, de morte viva? [...]Como é que essa flor veio da Ásia para cá? Veio no vento? Ou um pássaro ou alma penada a trouxe? [...] É uma planta pequena. Parece um coração. Ela lança uma haste de 30 ou 50 centímetros. […] Saímos do cemitério. Lá fora a música e a poesia nos esperava. Outros mistérios.

Sobre o caso, há relatos de Coelho Netto fazendo menções espantosas:

Esse padre, prestando-se na morte a ser o degrau dos vivos, impressionou-me suavemente, e eis porque me abalancei a visitar o horto sereno de Vassouras - seu cemitério. Quis ver de perto esse túmulo relicário que abre caminho para a morada dos humildes (COELHO NETTO, 1969, p. 263).

Ainda segundo o mesmo escritor (COELHO NETTO em texto de ANDREIA PIT, site, 2020), houve um caso em que o coveiro responsável por tratar das sepulturas e do cuidado do cemitério tampou a abertura no chão por onde a flor de carne surgia uma vez por ano, a fim de dar aparência de esmero à sepultura. Após um período, observou-se que daquele buraco que havia sido reparado com cimento surgia uma haste folhosa, que rompia o solo com sua delicadeza e surgia ainda nessas circunstâncias.

Atualmente observam-se inúmeras placas de milagres de ex-votos atribuídos ao Monsenhor Rios e neste estudo, nos propomos a investigá-las a fim de compreendermos o processo folkcomunicacional decorrente.

Os ex-votos

Quando o assunto são as manifestações de ex-voto relacionadas ao religioso (Figura 3), Dourado (2007, p. 117) diz que a origem etimológica do termo ex-voto vem do latim: ex (por causa e em virtude) e voto (obrigar-se, prometer em voto, oferecer, dedicar, consagrar). Nos reportamos à Scarano (2004, p.16) que em seus estudos sobre as pinturas em madeira (que se aplica nessa pesquisa), pontua que o ex-voto é a manifestação de uma religiosidade, pois afirma que há uma relação direta entre o crente e uma Divindade, se constituindo um símbolo concreto para assinalar um favor recebido. Compreendemos então a designação erudita onde podem ser enquadrados nossos milagres e promessas. As oferendas feitas aos santos de particular devoção ou especialmente indicados por alguém que obteve uma graça ou milagre implorado, como um testemunho público de gratidão. Também Aragão (2015, p.61), relaciona o ex-voto ao “elemento próprio da cultura religiosa popular vinculada ao catolicismo romano no Brasil. É uma peça, uma pintura, um quadro que é colocado numa igreja ou santuário para pagamento de promessa ou para agradecer alguma graça alcançada.” Já Brandão (1986, P. 16) afirma que “a religião dá nome as coisas e torna até mesmo o incrível, possível e legítimo.” Melo (2008, p. 84), ainda acerca do assunto, pondera que trata-se de uma manifestação folclórica compreendida como expressão artística que além do sentido explícito da demonstração de fé religiosa embute um sentido implícito – “expressão (…) tantas vezes discordante e mesmo oposta ao pensar e ao sentir das classes oficiais e dirigentes.”

O princípio do fundamento do ex-voto cristão é o milagre, a ideia de que Deus está disposto a ouvir e responder ao pedido dos fiéis, daqueles que crêem. O ex-voto brasileiro é, por isso, também conhecido, até    mais conhecido como promessa ou milagre, abarcando as duas vertentes: a do pedido e a da resposta favorável.

Aos olhos dos humanos, o ex-voto é um legítimo e válido veículo de troca de bens e apresenta ainda outra variável: é uma paga, paga simbólica, feita por aquele que recebeu a graça. O    pedido, ao partir do crente, ergue-se até a divindade, depois volta ao crente em forma de graça e ele paga a promessa feita, ofertando-lhe um ex-voto.

O suplicante crê na existência de uma entidade propiciadora e está certo de que ela ouve seus pedidos e está disposta a responder-lhes. Admite também a ideia de que essa entidade deseja uma paga concreta que sirva para perpetuar o benefício recebido (SCARANO, 2004, p. 35).

Em vista disso, Dourado (2007, p. 119) explica o cenário da necessidade de comprovação científica, interesses políticos ou relevância dos assuntos de acordo com interesses comerciais para ganhar caráter de validade para difusão midiática: “cada povo tem sua maneira de se manifestar e expressar seus dramas ou alegrias e juízos de valor para tentar se comunicar de forma alternativa, já que nos meios oficiais a voz das camadas miseráveis não reverbera.”

Esse fluxo folkcomunicacional inerente ao devocionário popular pressupõe, de acordo com Melo (2008, p. 84-85), peças de mensagens explícitas e alguns conteúdos de mensagens camufladas quando não há detalhamento dos fatos; os comunicadores enquanto pagadores de promessas e suas fontes inspiradoras; os intermediadores que interferem na etapa da produção e comercialização das peças que demonstram o ex-voto; o mostruário enquanto meio de comunicação onde as peças são dispostas, no caso em questão, no cemitério; os efeitos provocados pelas manifestações na sociedade explicitando suas funções socioculturais e influência como instância retroalimentadora de novos fluxos devocionais. Sobre isso, no que diz respeito ao Monsenhor Rios, há uma demonstração na real comunicação de propagação de mensagens e retorno delas observado em termos de mais devotos. Também as apropriações desse sistema folkcomunicacional pelos meios de comunicação massiva, como observado nas matérias televisivas, difusão em materiais impressos, fóruns de cultura e valorização do turismo religioso na região do Vale do Café, onde Vassouras se situa. Outro detalhe a se destacar condiz ao potencial persuasivo dessas mensagens de ex-voto e divulgações midiáticas que corroboram com o potencial milagreiro do Monsenhor Rios e contribuem para a potencialização de suas ações de modo a angariar mais e mais devotos.

Inventariamos as peças de ex-voto a que tivemos acesso, de modo a efetuar as seguintes descrições: ao iniciarmos o levantamento das manifestações de ex-voto relativas ao Monsenhor Rios, nos deparamos com placas dispostas no túmulo do religioso e manuscritos em um caderno de registros que fica à disposição dos fiéis dentro da capela do cemitério. Em observação e análise do material percebemos que as mensagens manuscritas se referem sobretudo ao sentimento de gratidão a pedidos atendidos ou seja, graças alcançadas, as quais se destacam principalmente aquelas relacionados à saúde, muitas destas, doenças permanentes e duradouras. Não foi possível entrevistar os devotos, pois nos manuscritos não haviam dados que viabilizassem um possível contato para averiguação das motivações religiosas, socioculturais ou político-econômicas. Assim como também esse acesso direto aos devotos nos permitiriam compreender melhor seus mediadores ou mesmo sua fonte inspiradora com relação ao processo de negociação com o “santo.” No entanto, com as mensagens que pudemos ler, assim como todos os demais indivíduos que também escreveram suas mensagens e as registraram num caderno de domínio público e acesso a todos em termos de leitura, há um movimento persuasivo no momento em que se apoia uma ideia ou uma crença, assim como outros também apoiaram e isto fica disponível a todos e só confirma o que se crê e assim contribui para a comprovação da veracidade das informações e consequente poder de difusão do potencial milagreiro do sujeito aqui investigado. Averiguamos publicações sobre o assunto Monsenhor Rios e indagamos pessoas da comunidade envolvida que nos valeram de verdadeiras fontes de história oral, a exemplo do coveiro.

Se tratando das placas, destaca-se que muitas pessoas passam pelo Cemitério de Nossa Senhora da Conceição da Freguesia de Vassouras, no dia dois de novembro, Dia de Finados, para visitar túmulos de parentes, amigos e grandes personalidades vassourenses, como Eufrásia Teixeira Leite e outros. Boa Parte dos visitantes aproveitam a ocasião para cumprir suas promessas, rezar por graças recebidas e depositar em um lugar muito especial do cemitério, no túmulo do religioso, suas placas de agradecimento por graças alcançadas pela intercessão do Monsenhor Rios. E diante de tantas manifestações de ex-voto dos fiéis atribuídas ao monsenhor, existe a possibilidade de abertura de um processo de Beatificação.

Mensagens de exvotos depositadas no túmulo do Monsenhor Rios
Figura 3
Mensagens de exvotos depositadas no túmulo do Monsenhor Rios
Cattelan (2013).

É importante destacar que a discussão do tema e os aspectos levados em conta neste estudo vão além de outros estudos já realizados sobre a temática, pois ao sistematizarmos a história de vida e santidade do Monsenhor Rios (ainda não reconhecido) em termos folkcomunicionais, buscamos os elementos básicos - dados para a elaboração da abertura do processo de beatificação para posterior canonização do religioso. Trata-se da ciência da comunicação contribuindo em uma ação real de uma lei prevista pela igreja que norteia os caminhos para declarar uma pessoa beata ou santa na igreja católica. E de acordo com João Paulo II (1998), em 14 de setembro de 1998 disse em um documento que “a fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. (…) O cientista está bem cônscio de que a busca jamais termina; remete sempre para alguma coisa que está acima do objecto imediato dos estudos, para os interrogativos que abrem o acesso ao Mistério.”

Desse modo, vale esclarecer melhor sobre o processo de beatificação a que nos referimos anteriormente ao qual a ciência da comunicação e os estudos folkcomunicacionais sobre o Monsenhor Rios tendem a contribuir.

Quanto ao processo de beatificação e canonização, o código de direito canônico de 1983 não trata diretamente, pois já se encontrava regulamentado pelo Motu próprio Sanctitas Clarior (19 de março de 1969) e pela segunda parte da Constituição Apostólica Sacra Rituum Congregatio (08 de maio de 1969). O Cânone 1403 diz:“§ 1. As causas de canonização dos Servos de Deus regem-se por lei pontifícia especial. § 2. Além disso, a essas causas aplicam-se as prescrições deste Código, sempre que nessa lei se faz remissão ao direito universal ou se trata de normas que, pela própria natureza da coisa, afetam também essas causas”. O andamento do processo das causas de beatificação e canonização se desenvolve mediante um magno procedimento de averiguação de certos fatos cuja verdade deve ficar acreditada. Por isso, a norma de remissão do §2 do cân. 1403 é coerente com esta natureza procedimental. O procedimento que se deve seguir nas causas de beatificação está recolhido na Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister e nas Normas da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos (LINO, 2020).

No entanto, em termos organizacionais, Soares (2007, p.10) diz que “o Código de Direito Canônico talvez seja o maior exemplo deste movimento organizador e racionalizante dentro da Igreja. Nele está fundamentada a base da organização burocrática e ritualística da instituição.” Esse manual para canonizações também é observado como um documento base na composição de um padrão, cujo papel é instruir qualquer leigo sobre a instituição de um processo de beatificação ou canonização (e não necessariamente restringindo a religiosos). Portanto, na forma do Direito Canônico (Título IV, 2022.), as Dioceses têm autoridade para abrir um processo de beatificação, mas, no entanto, o Cânone 1403 diz que:

§ 1. As causas de canonização dos Servos de Deus regem-se por lei pontifícia especial. § 2. Além disso, a essas causas aplicam-se as prescrições deste Código, sempre que nessa lei se faz remissão ao direito universal ou se trata de normas que, pela própria natureza da coisa, afetam também essas causas.

Para o processo de beatificação[4] e canonização[5] o católico que morreu em sofrimento deve preencher os seguintes requisitos: ter fama de santidade em opinião popular generalizada, espontânea e constante sobre martírio ou vida virtuosa, milagres realizados de modo a estimular a veneração do povo; exercício heroico das virtudes cristãs; ausência de obstáculos insuperáveis que o impeçam a canonização como calúnias (LINO, 2020).

Soares (2007, p.5) afirma que sobre os processos de beatificação para posterior canonização, existe uma importante característica: “o santo surge a partir de uma série de etapas bem definidas, reconhecidas pela igreja e estabelecida por uma sequência hierárquica para os seres divinos.” As razões que decorrem o processo em fase inicial – beatificação - são encaminhadas a um bispo postulador que exerce função enquanto uma espécie de “advogado da causa,” pois investiga -se a vida do candidato a beato para certificar seu testemunho de santidade, identificar méritos, virtudes ou o martírio, suas circunstâncias da morte em detalhes minuciosos. Segundo Soares (2019), o bispo da diocese onde um processo é aberto, fica responsável por conduzir e supervisionar todos os passos dessa primeira etapa, independente do teor da investigação: virtudes ou martírio do candidato. Essa etapa se compõe por pequenas investigações e procedimentos protocolares específicos, a exemplo da investigação do culto devocional a ele atribuído na cidade. O bispo é ainda o responsável por escolher e nomear pessoas que serão encarregadas para as funções no caso, de maneira a supervisionar todo o seu desdobramento. Ou seja, o candidato a santo, ganha o título de “servo de Deus”, o que quer dizer que o processo de beatificação foi aceito pela Congregação (SOARES, 2007, p.5). Para se tornar Beato é necessária a comprovação de um milagre ocorrido por sua intercessão. Uma vez concluída esta etapa com parecer positivo, declara-se a pessoa Beata. Outra etapa do processo é o milagre propriamente dito para a canonização e este tem, impreterivelmente, que ter ocorrido após a beatificação. Comprovado este milagre o beato é canonizado e o novo “santo” passa a ser venerado universalmente (SOARES, 2007, p. 5-6). E conforme o Título IV do Código do Direito Canônico (2022), “o procedimento que se deve seguir nas causas de beatificação está recolhido na Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister e nas Normas da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos.”

Portanto a representatividade manifestada por meio de ex-votos e sobretudo pelas propagações realizadas pela comunicação popular, crenças e tradições já consolidadas, são válidas para tratar o fato aqui investigado pelo âmbito conceitual da folkcomunicação.

A Folkcomunicação nas manifestações populares relacionadas ao Monsenhor Rios

A Folkcomunicação é uma teoria conceitual que surge no Brasil, na década de 80 a partir dos estudos científicos de Luiz Beltrão. Compreendida como uma comunicação dos marginalizados, essa teoria compreende “o conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, ideias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados, urbanos e rurais, através de agentes e meios direta ou indiretamente ligados ao folclore (BELTRÃO, 1980, p.24).” Sendo assim, longe das manifestações convencionais e meios comunicacionais ortodoxos, a folkcomunicação é uma comunicação feita pelo povo e para o povo. Trata-se do modo peculiar, às vezes considerado um tanto rudimentar para emissão e recepção de mensagens, mas que possibilita o processo de decodificação e reprodução da informação de modo satisfatório. É a aplicação prática por meio de metodologias simples e alternativas, ou seja, maneiras de comunicar e reproduzir conteúdo exatamente como acredita-se que deve ser, por meio de cartas, bilhetes, desenhos, fotos, folhetos, panfletos, imagens e outras tantas possibilidades. Uma comunicação observada como artesanal que se forma em diversos grupos sociais à margem dos meios comunicacionais hegemônicos.

Percebe-se que os elementos inerentes à cultura popular, os quais se valem da comunicação alternativa e peculiar, exclusa do circuito midiático convencional ou das manifestações expressivas socioculturais tradicionais, sendo elas hegemônicas ou elitizadas, caracterizam-se um objeto de folk. No entanto, é importante esclarecer que a Folkcomunicação não se perfaz um estudo da cultura popular, mas sim dos meios e procedimentos de comunicação nesses cenários onde se insere o folclore, ou seja, os conhecimentos difundidos pela tradição por meio da oralidade.

Beltrão (1980, p. 22) apontou, inclusive, a ideia de que meios de comunicação tradicionais como cinema e televisão seriam alvo de muitas críticas diante de propostas falsas ou reproduções que induzem a certa alienação, utilização de recursos contrários às normas éticas e aos direitos humanos. E depois de muitas pesquisas, finalmente chegou-se ao consenso de que os meios midiáticos de massa, antes considerados influentes no processo de decisões a aceitação de novas ideias não passava de um mito.

Deste modo, a antropologia e a sociologia são áreas que estudam as formas de comunicação comunitária para a transmissão de mensagens culturais, pois os instrumentos difusores da informação nas mãos das camadas populares ganham espaço em muitas manifestações coletivas, dentre elas as de caráter religioso e místico como os ex-votos ao Monsenhor Rios.

Gobbi e Fernandes, (2013, p.16) elucidam os gêneros da Folkcomunicação nas visões de Luiz Beltrão e Marques de Melo, sob as divisões da Folkcomunicação enquanto informativa para toda informação oral e escrita e opinativa no que tange o resgate de tradições e festas populares. Nesse sentido, as pesquisas decorrentes dessa área também foram classificadas em gêneros: Folkcomunicação Oral que combina canal e código, Folkcomunicação Musical, Folkcomunicação Escrita, Folkcomunicação Icônica (denotação dos signos de linguagem) e Folkcomunicação Cinética. Posteriormente a Folkcomunicação escrita foi redenominada de modo ampliado para Folkcomunicação Visual, de modo a incluir não apenas expressões manuscritas, mas também as impressas e pictográficas, ou seja, todas aquelas captadas pela visão.

Há também o momento em que as classificações de Folkcomunicação Oral e Musical, antes dissociadas, fundem-se apenas em Folkcomunicação Oral, observado que ambas se valem do canal auditivo por meio do código verbal e musical para expressão de ideias e opiniões; assim como os gêneros Icônico e Cinético que passam a ser incorporados dentro dessas classificações.

Deste modo, podemos compreender as manifestações de folkcomunicação relacionadas ao Monsenhor Rios enquanto expressões de folkcomunicação Oral no formato de lenda ou narrativa ficcional envolvendo um ser físico já falecido e que passa a se caracterizar por algo sobrenatural, inserindo nesse contexto o ato da saudação e/ou homenagens ao Monsenhor Rios, além do sermão enquanto discurso religioso que encampam a crença do “santo milagreiro”, as ladainhas ou orações curtas com suas evocações e respostas repetivas, as rezas benditas com seus cantos religiosos acompanhados de procissões devotas e visitas ao santuário do monsenhor sediado no interior do cemitério, em sua própria lápide.

A situação em questão, também se aplica à folkcomunicação Visual no formato escrito para as cartas anônimas manuscritas ou digitadas sem assinatura do emissor, para as cartas devotas que evocam pedidos de favores, curas, milagres e graças alcançadas. Assim como o formato impresso de graças alcançadas por meio de placas, quadros, cartas, fotos e outras manifestações de ex-voto. Ainda nesse gênero se enquadra o formato epitáfio para a inscrição tumular do Monsenhor Rios.

Outro gênero identificado é o da folkcomunicação Icônica e seu formato devocional para os ex-votos representados por objetos diversos depositados como oferta de gratidão por uma graça alcançada ou manifestação de fé e crença no referido “santo milagreiro”, o que se caracteriza um processo de construção de tradição. Por fim, o formato funerário que envolve as flores depositadas no túmulo, a própria lápide, a reprodução da estória da mortuária que cobriu o corpo do Monsenhor Rios e o túmulo erguido em memória do religioso.

Percebemos o quão relevante culturalmente se faz uma manifestação popular na construção de crenças que se propagam pela comunicação boca a boca, pelas expressões de ex-voto ou mesmo difusão midiática dos fatos, pelo repasse de informações de geração em geração que se consolidam em forma de tradição, o que é notoriamente constatado no caso do Monsenhor Rios. Esse fato é muito bem explicado por Trigueiro (2008, p. 35-36) quando diz que os comunicadores folk (neste estudo os devotos) atuam com maior quantidade e qualidade de informação de acordo com seu mundo cognitivo, o que é relevante ou irrelevante para seu grupo social ou aqueles que partilham das mesmas crenças e sentimento de perteça. Quanto maior for o campo de interesse e de intersecção entre emissor e receptor da mensagem, maior será o nível de recepção na esfera folkcomunicacional. Esse processo, segundo Schmidt (2006, p. 12), se perfaz um rico sistema com raízes bem arraigadas independentemente das características de seus agentes produtores, pois encontra-se em relação tênue com a cultura, a conduta, os rituais e outros tantos elementos inerentes das classes integradas da sociedade. Para ela (SCHMIDT, 2006, p. 13),

Folkcomunicação é então, o estudo dos procedimentos comunicacionais pelos quais as manifestações da cultura popular ou do folclore se expandem, se sociabilizam, convivem com outras cadeias comunicacionais, sofrem modificações por influência da comunicação massificada e industrializada ou se modificam quando apropriadas por tais complexos.

Portanto, nos cabe dizer que apesar das exposições midiáticas em matérias televisivas que enfatizam o Monsenhor Rios sobretudo associado a curiosidades acerca da dita “flor de carne,” a difusão do tema contribui para a expansão do conhecimento sobre o Monsenhor Rios, mas não interfere no modo de produção dos ex-votos ou às crenças em si, as quais mostram-se atreladas ao potencial milagreiro do religioso e não à espécie vegetal e suas peculiaridades no contexto. Temos então a noção de que a notícia televisiva relacionada ao monsenhor Rios se constitui por fragmentos da realidade folkcomunicacional para causar um impacto passional forte, angariar telespectadores sob critérios de noticiabilidade. Corroborando com essa constatação, Coutinho e Bara (2012, p. 141-143) compreendem a mídia televisiva enquanto contribuição para um senso de pertença a uma comunidade de âmbito nacional que precisa pensar a apropriação de elementos e traços da cultura popular como as narrativas folkcomunicacionais de ex-voto, pois a TV têm em seu escopo o registro de ilustrações de fatos enquanto reproduções da realidade a partir de uma seleção para o dimensionamento da notícia nos moldes deste meio comunicacional.

Compreendemos que as repercussões sobre o monsenhor ocorrem principalmente por meio de comunicação boca-a-boca sobre as crenças, ou mesmo pela leitura individual dos manifestos em placas no túmulo ou no livro de manifestações manuscritas. Cabe a cada pessoa, no seu íntimo, em seu coração e mente, a real crença no potencial de realização de milagres do Monsenhor Rios, o que caracteriza a construção da subjetividade e para essa construção, considera-se o processo investigativo do potencial devoto sobre a vida e as ações do religioso que o colocam ou não no patamar de “bom homem, bom cristão” e então, a partir dos supostos milagres que realiza pós morte, um “santo.” A essas questões podemos inserir a religião católica e seus dogmas ensinados a cada geração que são inerentes à vida de crença e prática dos fiéis a partir de rituais, formas de conduta, de assimilação e interpretação dos fatos cotidianos, tal como suas construções de elos e vínculos a partir de um sentimento de pertencimento cristão e devocional, o que podemos resumir em pertença.

Avaliação das expressões de ex-voto enquanto elemento de gratidão e fé

Feitas nossas considerações conceituais nos cabe a averiguação das manifestações presentes tanto no túmulo do religioso quanto no Livro para Registro de graças alcançadas pela intercessão do Monsenhor Rio (MITRA DIOCESANA DE VALENÇA, 2019).

De acordo com a Tabela 1 observa-se um total de 192 manifestações de ex-voto, as quais foram verificadas entre os dias 10 e 12 de maio do ano de 2022. Das 52 placas dispostas no túmulo do Monsenhor Rios, algumas possivelmente foram datadas em ano anterior ao de 2019, pois 17 delas encontram-se apagadas em razão das ações do tempo. Observou-se que outras placas do mesmo material utilizado para a manifestação, a exemplo da pedra granito, datadas no ano de 1994 estão em perfeitas condições de identificação da mensagem. Apenas uma placa não fazia menção a agradecimento de graça alcançada e sim, um pedido de perdão aos inimigos daquele fiel. Em relação ao Livro para registro de graças alcançadas pela intercessão do Monsenhor Rios, observa-se que do total de 140 ex-votos, muitas manifestações de graças alcançadas são atribuídas diretamente à Deus ou a Jesus Cristo e uma, em específico a Eufrásia Teixeira Leite, uma benfeitora do município de Vassouras. Dessas manifestações de ação de graças, temos as que se incluem pedidos diversos, em sua maioria relacionados à saúde e um especificamente, de perdão. Muitos agradecimentos à sobrevivência pós-COVID-19, cura de doenças diversas, por conquista de casa própria e presença física na cidade de Vassouras. Outras manifestações estão implícitas na assinatura do fiel no livro.

Tabela 1
Local de disposição do ex-votoNúmero total de manifestaçõesTipo de manifestaçãoData da manifestação
Cemitério de Nossa Senhora da Conceição – túmulo no Monsenhor Rios52 placas34 placas de ação de graças e 01 de pedido de perdão aos inimigos. 17 placas com mensagens apagadas pelo tempo.1994 a 2021
LIVRO para Registro de graças alcançadas pela intercessão do Monsenhor Rios140 manifestações manuscritas47 manifestações de agradecimento, sendo 10 com inclusão de pedidos. 73 manifestações registradas somente com o nome do fiel. 19 manifestações de pedidos por graças.2019 a 2022
Elaboração própria (2022)

Em entrevista a A.C.S. (2022), coveiro responsável pelo cemitério Nossa Senhora da Conceição, desde o ano de 2005, alguns fatos sobre as manifestações de ex-voto foram relatados de modo a corroborar ainda mais com a relevância mística do Monsenhor:

Essa história do padre já é antiga. Eu, quando cheguei aqui, realmente tinha muitas placas. Igual você vê, hoje tem poucas. Tinha muitas de bronze, entendeu? De metal, alumínio, essas coisas. Todas fixadas na parede aqui. Agora, a quantidade certa que eu vou te falar...ah, deve ter sumido por volta dumas cinquenta placas mais ou menos. Na verdade, teve um roubo aqui no cemitério. Esses artigos de metal, bronze, teve uma época que roubou muito e esse roubo também calhou de cair aqui e não é só aqui que teve, pois acontece em vários cemitérios do Brasil inteiro e eu creio que roubaram aqui entre trinta e poucas a cinquenta placas. Isso foi nos meados de 2000, acho que foi entre 2007 e 2008.

Sobre o livro de registro de ex-votos A.C.S. (2022) pontua que existiu um livro anterior ao que analisamos nessa pesquisa e ele também foi extraviado aproximadamente no ano de 2017.

Esse livro ficava aqui na capela do cemitério, um livro antigo com vários registros de pessoas que agradeciam milagres do padre. Relatavam as suas graças recebidas e infelizmente passou alguém aqui e levou o livro. O livro sempre fica exposto na capela pra pessoa que vai ali no padre, agradece as suas graças alcançadas e registra no livro, entendeu? Mas o livro também carregara. Infelizmente carregaram, tá? O livro que sumiu foi agora, não tem muito tempo. Deve estar fazendo uns dez anos. Não tem tanto tempo assim não.

Contudo, há de se convir que a importância do Monsenhor Rios na crença local, sobretudo como intercessor junto à Deus, visto que os fiéis assinalam graças alcançadas e pedidos em um livro (Figura 4) cuja própria capa já demarca que se destina ao Monsenhor Rios, o que descarta interpretações equivocadas. Outro fato relevante condiz à necessidade de assinalar sua gratidão, seu nome ou pedido, o que contribui para o registro e propagação dessa fé sob forma de folkcomunicação.

Livro para registro de graças alcançadas pela intercessão do Monsenhor Rios
Figura 4
Livro para registro de graças alcançadas pela intercessão do Monsenhor Rios
Imagem própria dos autores (2022)

Em síntese, todas as manifestações estudadas nessa pesquisa nos levam ao caminho dos símbolos, significados e representações, ao imaginário construído a partir do sistema religioso e um universo de crenças, fé e misticismo que perpassam do devoto para outros que fazem parte de uma rede social. Contexto onde se ancoram pensamentos comuns que contribuem significativamente para um sentimento de pertença a uma fé, a uma divindade, a um religioso intercessor de pedidos, anseios, frustrações, dor e sofrimento. Uma vez que os males são abrandados ou solucionados, tudo se transforma em gratidão expressa e caracterização de milagre por parte daquele que crê. Podemos ainda, empregar nesse levantamento de ex-votos inventariados a tipologia de Jorge González (MELO, 2008, p. 86-88), pois temos ex-votos discursivos que descrevem o milagre por meio da escrita em cartas, bilhetes e placas. Pela classificação morfológica de Beltrão (1980, p. 24) lidamos com o suporte das placas e manuscritos. E assim podemos dizer que o Monsenhor Rios se constitui na crença do sujeito/devoto, um ser subjetivo, compreendido como aquele que se adentra no íntimo, entende o que se passa em cada particularidade e, a partir disso, com seu viés intercessor, promove o alívio, o acalento, a saída, a solução.

Considerações finais

Diante de todo o exposto observamos que durante e após sua vida substancial, o Monsenhor Rios demonstrou virtudes alheias aos demais, compreendendo caminhos de humildade, sobriedade e piedade, o que possibilitou o desempenho de obras admiráveis, servindo de testemunho aos demais clérigos. Também compreendemos que o ex-voto demonstrado nesta pesquisa e suas respectivas repercussões se validam na construção das subjetividades, considerando os referenciais antropológicos do Monsenhor Rios. Pontuamos que a partir das práticas do ex-voto com suas representatividades e significados para os fiéis e para a comunidade a que pertencem, o imaginário religioso se perfaz uma fonte de sentidos evidenciando formas peculiares de assimilação dos vínculos sociais, das condições de vida e do sentimento de pertença. Concluímos ainda, que frente ao sujeito - devoto em sofrimento, seja por motivos de saúde ou outros, há reações de busca de cura, salvação ou outras razões para seus males por meio da intercessão dos poderes divinos, do sagrado, num elo entre Monsenhor Rios X Deus/Jesus Cristo. Portanto, os vínculos sociais construídos entre o devoto e a figura do Monsenhor, apesar de não implicarem subjetivamente no processo de vida, são reforçados pelas obrigações de dar, receber e retribuir, o que se caracteriza uma conduta ética, algo aceitável em termos de bom comportamento de tal modo a acolher o sujeito e sua comunidade em uma rede social que gera sentido à existência pessoal e permanência do legado do Monsenhor. Sendo assim, Monsenhor Rios jamais será esquecido, pois seus fiéis mantêm viva sua memória por meio da Folkcomunicação e desta maneira o imortalizam enquanto “milagreiro” que ainda não canonizado, para quem crê nele, “santo” ele é. Temos então, elementos para o início de um possível processo de canonização do Monsenhor Rios, embasado sobretudo nos fenômenos folkcomunicacionais existentes.

Referências

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Notas

1 Trabalho apresentado na III Jornada de Folkcomunicação e V Encomtins 2022.
4 A beatificação é, portanto, o reconhecimento feito pela Igreja de que a pessoa a quem é atribuída foi fiel aos ensinamentos de Jesus Cristo, que se encontra junto de Deus, em que está em estado de graça, e pode interceder por aqueles que lhe recorrem em oração (APAC Viçosa, 2022, site).
5 Compreendido como etapa final de um processo que dá origem a um santo.

Notas de autor

2 Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, Licenciada em Artes Visuais, Mestre em Educação, Administração e Comunicação; e Doutora em Comunicação Social. Docente de Marketing do Instituto Federal do Rio de Janeiro e coordenadora de extensão do campus Engenheiro Paulo de Frontin. Coordenadora do projeto “O sabor do Marketing e das vendas na cozinha. Membro do Grupo de estudos de texto, discurso e ensino - GETEDE e responsável pela linha de pesquisa Marco- Marketing e Comunicação. Correio eletrônico: viviamlacerd@bol.com.br.
3 Licenciado em Filosofia, Sociologia, Bacharel em Teologia, Especialista em Bioética e Mestre e Doutorando em Direito Canônico. Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Conceição e Provedor da Irmandade Nossa Senhora da Conceição da Freguesia de Vassouras. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Vassouras – IHGV. Correio eletrônico: janthonius@uol.com.br.
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