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Vence-demanda, transmetodologia e o compromisso científico transformador: diálogos possíveis do campo da comunicação com a obra de Luiz Rufino
Felipe Collar Berni
Felipe Collar Berni
Vence-demanda, transmetodologia e o compromisso científico transformador: diálogos possíveis do campo da comunicação com a obra de Luiz Rufino
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 20, núm. 45, pp. 310-315, 2022
Universidade Estadual de Ponta Grossa
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Resenhas & Críticas

Vence-demanda, transmetodologia e o compromisso científico transformador: diálogos possíveis do campo da comunicação com a obra de Luiz Rufino

Felipe Collar Berni
Universidade do Vale do Rio dos Sinos , Brasil
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 20, núm. 45, pp. 310-315, 2022
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Rufino Luiz. Vence-demanda: Educação e Descolonização. 2021. Brasil. Mórula. 84 ppp.. 978-65-86464-56-6

Recepción: 21 Septiembre 2022

Aprobación: 05 Octubre 2022

“Desaprender é um ato político e poético diante daquilo que se veste como único saber possível ou como saber maior em relação a outros saberes” (RUFINO, 2021, p. 19). A transmetodologia[2] (MALDONADO, 2013) evoca a desaprendizagem como ato de destronamento e rechaço aos saberes canônicos que a colonização científica, epistemológica e intelectual imputou às mais diferentes sociedades mundo afora – impondo o modelo funcionalista como ótica única para a produção de conhecimento, marginalizando todos aqueles saberes e modos de vida que não se encaixam em seu protocolo. Visão esta que circunda o potente diálogo entre o campo da comunicação e o pensamento de Luiz Rufino (2021). Este, em Vence-demanda: educação e descolonização, por sua vez, entende a descolonização como tarefa primeira da educação, defendendo uma ressignificação do conhecimento a partir de um descarte tático e proposital de uma cultura mecânica-instrumental-positivista, baseado em rotinas, fórmulas e métodos a priori, almejando, assim, a construção de recursos investigativos de maneira artesanal, crítica, confluente, transdisciplinar, multidimensional, multicontextual. Nesse percurso, entrelaçando perspectivas com lógicas distintas, o autor assume um compromisso científico transformador, colocando a ciência a serviço da sociedade e construindo conhecimentos úteis e práticos em sintonia com os dilemas da emancipação social.

Ao comungar com a necessidade de desaprender o modelo científico positivista, funcionalista e eurocêntrico, destacamos a ação política de captura e aprisionamento de sentidos, saberes e práticas existenciais pelo modelo hegemônico de se pensar o mundo, fazendo da colonização uma prática de esquecimento daquilo que é particular e de padronização sociocultural, executando o epistemicídio. Segundo Boaventura de Souza Santos (2020, p. 27), essa destruição desmobilizou sociedades “tornando-se incapazes de representar o mundo como seu e nos seus próprios termos, e, assim, incapazes de considerar o mundo como suscetível de ser mudado por via do seu próprio poder e no sentido de prosseguir os seus próprios objetivos”. Assim, Rufino posiciona a desaprendizagem como prática pedagógica, justamente por propiciar a “recuperação de sonhos e no alargamento da subjetividade que foram e são assombrados pelo desencanto” (2021, p. 24). Sua obra, Vence-demanda: educação e descolonização, posiciona a educação como ação de insubordinação contra as faces do colonialismo, justamente na possibilidade de rupturas e fissuras de estruturas de poder que sustentam a organicidade hegemônica social.

O primeiro capítulo versa sobre qual é a tarefa da educação? Nele, Rufino aponta para a descolonização como demanda prioritária da educação, reconhecendo que ela não pode estar a serviço do modelo dominante, tampouco reservada para responder às lógicas e preparar para o mundo que se encontra em ruínas. A educação como radical de vida: “vivo, corporal, vibrante, dialógico, inacabado, alteritário, comunitário, produtor de presença, dúvida, vivência e partilha” (p. 11), indo na contramão das práticas colonizadoras e epistemicidas que aniquila toda vivência que rompe com os contratos de dominação. Um radical descolonizador, comprometido com a diversidade das existências e das experiências sociais.

Desaprender do cânone marca o segundo capítulo da obra. Assume a desaprendizagem como ação tática que contrapõe, desloca e desautoriza o saber que quer ser único; como rebeldia e inconformidade. Rufino repercute aqui a produção do esquecimento como estratégia colonizadora, visto que para o cânone não há espaço para a coexistência de diferentes formas de existir. Desaprender não é negar saberes e presença. Por sua vez, mobiliza o destronamento, ou seja: apostar na “capacidade de recuperação de sonhos e no alargamento de subjetividades que formam e são assombradas pelo desencanto” (p. 24).

O terceiro capítulo, descolonizar é um ato educativo, nos provoca a assumirmos a posição de semeadores de esperança. Para a colonização e seus efeitos não existe cessar-fogo, daí a necessidade de olharem atentos até mesmo ao invisível, atuando de forma ininterrupta na disputa de vida, no direito de existir plenamente, produzindo desvios a partir da inconformidade, rebeldia e lutas. “A descolonização é mais que o fim de uma guerra sacramental nos campos de batalha. É, sobretudo, uma questão de cura” (p. 28).

O quarto capítulo cruza Exu e Paulo Freire. A aposta do “cruzo” na contraposição do esquema dicotômico mobilizado para dar conta da ânsia pelos caminhos retos. A aposta pelas potências das esquinas, no conflito, nas justaposições, no diálogo e na diferença. As encruzilhadas não são como espaços de fronteira, mas “como caminho, campo de possibilidade, travessia no tempo/espaço que nos refaz e nos coloca a fazer da vida um encavado diálogo com o outro” (p. 40, grifos nossos). Luiz Rufino assume Exu – orixá, entidade, compadre, mensageiro, comunicador – como expressão anti/pós/des/de/contracolonial, como radical educativo explicativo do mundo, existência dinamizadora através do caos. Freire vai para a encruzilhada trabalhar na dialogicidade, na existência de “ser mais”, nos contextos de experiências múltiplas, na travessia para a liberdade.

No capítulo que sucede, Rufino propõe a gira decolonial, ao assumir a descolonização não como um conceito, mas “uma prática que integra a emergência pela cura e pela liberdade, que batalha pela dignidade do existir” (p. 50). Qual seria a função da gira? “Confluir múltiplas presenças e saberes em prol do cuidado dos seus e do vencimento das demandas postas” (p. 54). Para vencer o carrego colonial, a gira.

A escola dos sonhos, que dá sentido ao sexto e penúltimo capítulo, não comporta a arquitetura do projeto de modernidade vigente. Ou seja, compreende a escola não como lugar meramente reprodutor de conhecimento e de dominação, mas enquanto espaço que coaduna a luta, a gira, a presença, a esperança e o movimento como lugar de disputa de vivências e experiências. O encantamento como pedagogia: que não vislumbram respostas únicas, que exercita a capacidade de transitar, que rompe com o encarceramento mobilizado para dominar.

O último capítulo, Guerrilha brincante, repercute o corpo, memória, afeto, comunidade, partilha e inacabamento de si, isto é, a própria existência como ato brincante. No projeto de modernidade, o adulto não brinca. Se colocar em movimento, partilhando em comunidade, mobilizando memória e afeto, brincar é descolonizar. “O princípio do corpo, palavra, troca, prazer, beleza, festa, caos, revolução e quizumba, o que move toda e qualquer criação e tudo que é inapreensível, é também o princípio brincalhão que habita as esquinas do existir” (p. 72). O corpo em movimento rechaça ser domesticado.

A obra de Rufino se apresenta como importante marco provocativo para as ciências sociais e humanas. Observando desde o debate da comunicação, apostamos no imbricamento com a perspectiva transmetodológica, que aparece como uma opção epistêmica instruída a colaborar na caminhada. Por apostar numa epistemologia viva, crítica, diversa, transdisciplinar, multicontextual e multicultural, revelando ser capaz de interpelar, refletir, compreender e produzir saberes críticos em relação às problemáticas comunicacionais que estão em jogo no cotidiano social.

Desaprender o cânone é uma metáfora que nos provoca a reconhecer o quão limitado é o modelo positivista-tecnicista-eurocêntrico-imperialista, perspectiva que interpela não só a ciência, mas muitas outras estruturas socioculturais que dão sentido e fundamentam as ações, pensamentos e modos de experimentar o mundo. Limitado e perigoso, visto que conhecimento é poder, poder gera dominação e dominação leva ao extermínio de comunidades, tradições e filosofias. Exercitar as transmetodologias é se contrapor ao modelo dado de ciência, é rechaçar a prática extrativista do conhecimento, é não enquadrar nossas problemáticas de pesquisas em esquemas e modelos prontos, tampouco excluir de forma prévia qualquer tipo de sentimento, energia, afeto, vislumbre, encantamento com o fazer científico.

Luiz Rufino é pedagogo, doutor em Educação e professor da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Carioca, filho de cearenses, é jogador de capoeira, curimba e tem nas rodas e ruas sua principal fonte de inspiração e interlocução com o conhecimento. É autor, dentre outros, de Pedagogia das Encruzilhadas (2019), Fogo no Mato, a Ciência Encantada das Macumbas (2018) e Encantamento: sobre política de vida (2020), esses dois últimos assinado junto de Luiz Antonio Simas.

Ficha Técnica:

Título: Vence-demanda: Educação e Descolonização

Autor: Luiz Rufino

Editora: Mórula

Ano: 2021

Número de páginas: 84 p.

Tamanho: 12 x 0.7 x 19 cm.

ISBN: 978-65-86464-56-6

Material suplementario
Referências
MALDONADO, A. Efendy. A perspectiva transmetodológica na conjuntura de mudança civilizadora em inícios do século XXI. In: MALDONADO, Alberto Efendy; BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins do (Org.). Perspectivas metodológicas em comunicação: novos desafios na prática investigativa. Salamanca-España: Comunicación Social Ediciones y Publicaciones, 2013, p. 31-57.
RUFINO, Luiz. Vence-demanda: Educação e Descolonização. Rio de Janeiro: Mórula, 2021.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
Notas
Notas
2 Assumida como “la combinación, confrontación y mezcla de métodos y teorías en perspectiva creativa, y en interrelación con las ciencias sociales, las ciencias del lenguaje, las ciencias humanas, las ciencias en general y los saberes ancestrales de los pueblos” (MALDONADO, 2015, p. 205).
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