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Planejamento e orçamento das políticas públicas para o desenvolvimento das comunidades quilombolas
Planning and budgetting of public policies for the development of quilombola communities: an analysis of the Program Promoting Racial Equality and Overcoming Racism
Planificación y presupuestación de políticas públicas para el desarrollo de las comunidades quilombolas: un análisis del Programa Promoción de la Igualdad Racial y Superación del Racismo
Revista Internacional de Folkcomunicação, vol. 21, núm. 46, pp. 144-166, 2023
Universidade Estadual de Ponta Grossa

Dossiê


Recepción: 13 Febrero 2023

Aprobación: 21 Junio 2023

DOI: https://doi.org/10.5212/RIF.v.21.i46.0008

Resumo: Políticas públicas específicas e alinhadas com as realidades das sociedades tradicionais são importantes instrumentos para promoção do desenvolvimento socioeconômico local. O objetivo geral da pesquisa é analisar o Programa de Promoção de Igualdade Racial e Superação do Racismo, sob responsabilidade Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, no Plano Plurianual 2016-2019. A coleta de dados foi realizada por meio de pesquisa documental, durante o período 2016-2019. Os resultados demonstraram que o planejamento contemplou duas ações voltadas para o desenvolvimento local das comunidades quilombolas, no entanto os valores previstos no PPA não foram alocados em sua totalidade na Lei Orçamentária Anual – LOA, o que comprometeu sua execução. A pesquisa constatou que, apesar de ter sido elevada à condição de política de Estado, a execução das ações ainda demanda aprimoramento para garantir às comunidades quilombolas o desenvolvimento necessário para não mais dependerem de políticas paternalistas.

Palavras-chave: Comunidade quilombola, Plano Plurianual, Orçamento, Planejamento, Desenvolvimento Regional.

Abstract: Specific public policies aligned with the realities of traditional societies are important instruments for promoting local socioeconomic development. The main objective of the research is to analyze the Program for the Promotion of Racial Equality and Overcoming Racism, under the responsibility of the Special Secretariat for Policies for the Promotion of Racial Equality - SEPPIR, in the Pluriannual Plan 2016-2019. Data collection was carried out through documentary research, during the period 2016-2019. The results showed that the planning included two actions aimed at the local development of quilombola communities, however the amounts provided for in the PPA were not allocated in their entirety in the Annual Budget Law - LOA, which compromised its execution. The research found that, despite having been elevated to the status of State policy, the execution of actions still requires improvement to guarantee the quilombola communities the necessary development to no longer depend on paternalistic policies.

Keywords: Quilombola community, Multi-Year Plan, Budget, Planning, Regional development.

Resumen: Las políticas públicas específicas alineadas con las realidades de las sociedades tradicionales son instrumentos importantes para promover el desarrollo socioeconómico local. El objetivo general de la investigación es analizar el Programa de Promoción de la Igualdad Racial y Superación del Racismo, a cargo de la Secretaría Especial de Políticas de Promoción de la Igualdad Racial - SEPPIR, en el Plan Plurianual 2016-2019. La recolección de datos se realizó a través de una investigación documental, durante el período 2016-2019. Los resultados mostraron que la planificación contemplaba dos acciones encaminadas al desarrollo local de las comunidades quilombolas, sin embargo los montos previstos en el PPA no fueron asignados en su totalidad en la Ley Anual de Presupuesto - LOA, lo que comprometió su ejecución. La investigación encontró que, a pesar de haber sido elevada a la categoría de política de Estado, la ejecución de acciones aún requiere mejoras para garantizar a las comunidades quilombolas el desarrollo necesario para dejar de depender de políticas paternalistas.

Palabras clave: Comunidad quilombola, Plan Plurianual, Presupuesto, Planificación, Desarrollo regional.

Introdução

A noção de quilombo, comunidades remanescentes de quilombolas ou comunidades quilombolas já foi objeto de profundo redimensionamento pela historiografia, pela antropologia e pela sociologia. No campo jurídico tem sido tema de constante alteração legislativa. Porém, em todas as abordagens tem-se concluído que o processo de marginalização e exclusão continua presente nessas comunidades.

É tempo de discutir sobre as atuais implicações conceituais e políticas, principalmente no que diz respeito ao quadro atual de exclusão social no Brasil (LEITE, 1999) e seu reflexo no desenvolvimento regional.

Nos estudos de Dallabrida (2016), nas sociedades tradicionais rurais, o desenvolvimento está ligado ao território com suas características e especificidades locais, assim como às relações estabelecidas entre ele e os atores sociais. Dessas ligações surgem as noções de identidade territorial e do sentimento de pertencimento que são importantes fatores para o desenvolvimento regional.

Ao defender que territórios são construções sociais, discursivas e materiais que se estruturam em diferentes escalas espaciais, Brandão (2007) alerta que não há uma escala (local, regional ou nacional) mais importante, nem tampouco uma única escala. Por isso, a intervenção de políticas públicas em países complexos, diversificados e desiguais, como é o Brasil, deve adotar abordagens em múltiplas escalas.

A necessidade de uma renovação na relação entre os Estados nacionais e os povos indígenas localizados no território por eles controlado fez surgir a noção de etnodesenvolvimento com duas grandes acepções: (1) o desenvolvimento econômico de um grupo étnico; e (2) o desenvolvimento da etnicidade de um grupo social (STAVENHAGEN, 1985).

No respeito às diversidades, a política de igualdade deve conciliar redistribuição social da riqueza com reconhecimento da diferença racial, étnica, cultural ou sexual, e vice-versa (SANTOS, 2008). No mesmo sentido, afirma Fraser (2006) que a justiça exige, simultaneamente, redistribuição e reconhecimento de identidades, sem reduzir uma a outra, abarcando ambas em um marco mais amplo.

Elaborado dentro deste contexto, o projeto de desenvolvimento consolidado no PPA 2016-2019 do Governo Federal, apresentava como premissa conciliar o crescimento econômico com a inclusão social e incluiu entre suas diretrizes a promoção da igualdade de gênero e étnico-racial e superação do racismo, respeitando as diversidades (SEPLAN/MP, 2018).

Com isso, foi analisada a eficácia das políticas públicas voltadas para as comunidades quilombolas, contempladas no planejamento federal para inclusão e promoção do desenvolvimento dessas comunidades e os recursos orçamentários/financeiros alocados nas Leis Orçamentárias Anuais – LOA’s, para executar essas políticas.

Assim, a pesquisa teve por objetivo identificar e analisar o planejamento e a alocação dos recursos orçamentários/financeiros das políticas públicas destinadas às comunidades quilombolas, por meio do “Programa de Igualdade Racial e Superação do Racismo”, comtemplado no PPA de 2016/2019, em nível federal, verificando, à luz da noção de etnodesenvolvimento, a eficácia dessas políticas na promoção do desenvolvimento socioeconômico dos quilombolas em âmbito nacional.

Comunidades quilombolas

As comunidades quilombolas, desde o período da escravidão até os dias atuais têm sido conceituadas de várias formas, a depender da ciência que o fórmula. Mas, todos eles trazem um aspecto comum: a necessidade de se agruparem para lutar por sua sobrevivência e desenvolvimento.

Para Leite (2000), o quilombo, sendo uma organização, está pronto a definir pleitos com legitimidade e poder de aglutinação; a exercer pressão e produzir visibilidade na arena política; a questionar a função paternalista do Estado e a utilização que fazem os políticos das bandeiras dos movimentos sociais em milionárias campanhas políticas e, também, a propor a revisão das prioridades sociais, através, principalmente, da implementação de políticas sociais voltadas para pleitos considerados mais importantes e representativos dos interesses das próprias comunidades.

Os movimentos quilombolas têm se destacado na busca de seus direitos. Entretanto, para Santos (2019), esses movimentos, frente às relações de poder que interferem na conquista e implementação dos direitos quilombolas, vêm travando diversas lutas na defesa de suas terras e modos de vida e na maioria das vezes agiram sozinhos.

Tal condição, histórica e socialmente sedimentada, contrasta com o discurso presente em trabalhos clássicos, como o de Gilberto Freyre. O autor identificava a existência de integração racial no Brasil por meio da apologia da miscigenação como afirmação da identidade do brasileiro. De acordo com Freyre, não existiria espaço para a admissão da existência da discriminação racial, visto que os trópicos não permitem. A “adaptabilidade”, a “plasticidade”, o “caráter amolecedor”, a “aclimatabilidade”, a “miscibilidade”, entre outros fatores, contribuem para a tese de que a miscigenação “deu certo” no Brasil. Contemporaneamente, a obra de Florestan Fernandes é percebida criticamente, pois as investigações sobre o tema evidenciam a existência de estruturas sociais que dificultam a inserção e mobilidade social dos negros no mundo moderno (CONRADO, 2004).

Impulsionado pelas lutas do Movimento Negro foi incluído no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal do Brasil de 1988 o art. 68, que reconheceu aos remanescentes das comunidades dos quilombos a propriedade definitiva das terras que ocupavam (QUINTANS; GAY, 2014). Na sequência, foram publicados o Decreto Nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos; o Decreto nº 5.051/2004, que enquadra as comunidades quilombolas como povos tribais nos termos da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, que foi ratificada pelo Brasil em 2002 e a Lei Federal nº 12.288 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial.

Desenvolvimento territorial e etnodesenvolvimento

O desenvolvimento territorial é indissociável das condições econômicas, sociais e políticas pertinentes a cada comunidade inserida no território. Brandão () alerta para a necessária promoção de condições mais equânimes no território concernentes a própria efetivação estratégias nacionais e regionais de desenvolvimento. Nesse sentido, as comunidades tradicionais, o que inclui as comunidades quilombolas, devem ser inclusas em políticas públicas que garantam o acesso as oportunidades de desenvolvimento em suas múltiplas dimensões.

Para Sen (2010), o desenvolvimento deve estar relacionado com a melhora da qualidade de vida e das liberdades. O conceito de desenvolvimento ainda comporta várias definições, porém, percebe-se que é um processo de mudança que busca a redução das assimetrias sociais e a sustentabilidade social, ambiental e econômica. Porém, paralelo a esse processo, considerando os limites do desenvolvimento, há a elaboração de abordagens alternativas sobre o desenvolvimento para distingui-lo do mero crescimento econômico. Entre elas, a corrente teórica lationomericana de desenvolvimento - buen vivir, que considera os modelos de vida das comunidades consideradas minoritárias pela sociedade ocidental capitalista como paradigma de qualidade de vida (BLANCO; AGUIAR, 2020).

O estudo do desenvolvimento está intimamente ligado ao estudo do território, principalmente para as comunidades quilombolas rurais, onde o território é elemento essencial no processo de desenvolvimento socioeconômico.

Ao definir território, Dallabrida (2016) o divide em duas dimensões: a primeira como o espaço geográfico sobre o qual o Estado exerce sua soberania; na segunda, o autor entende o território como recorte do espaço geográfico relacionado ao uso e apropriação, onde se manifestam expressão de relações de poder, identidades e territorialidades. Daí surgem as noções de identidade territorial e do sentimento de pertencimento que são importantes fatores para o desenvolvimento.

Brandão (2007) ao abordar a dimensão territorial do desenvolvimento defende que territórios são construções sociais, discursivas e materiais. Desse modo, a análise do território deve se basear na interação entre decisões e estruturas, articulando-se entre microiniciativas e macrodecisões nas diferentes escalas espaciais em que se estruturam e se enfrentam os interesses em disputa no próprio território. Brandão aponta que não há uma escala (local, regional ou nacional) mais importante, nem tampouco uma única escala. A intervenção de políticas públicas em países complexos, diversificados e desiguais, como é o Brasil, necessitam de abordagens em múltiplas escalas.

Trabalhar o desenvolvimento inclui a perspectiva territorial. O pertencer a um determinado local pode estabelecer peculiaridades distintas em grupos aparentemente iguais, com os mesmos desejos de desenvolvimento e, em função disso, produzir resultados totalmente diversos. Assim, a pesquisa se fundamentou nos estudos de Brandão (2007) ao entender que a intervenção de políticas públicas em países complexos, diversificados e desiguais, como é o Brasil, deve ser realizada em todas as escalas (locais, regionais e nacionais). Bem como, nas observações de Dallabrida (2016) que compreende a identidade territorial e o sentimento de pertencimento como fatores importantes para o desenvolvimento.

Desenvolvimento e território são conceitos indissociáveis. Em relação as comunidades quilombolas, o desenvolvimento está relacionado com o território. Essa relação é melhor compreendida com o recurso ao conceito etnodesenvolvimento. A noção de etnodesenvolvimento, enquanto categoria política acionada para reivindicar uma “nova alternativa de desenvolvimento”, surge entre os anos 1970 e 1980 como reflexo de alguns debates realizados em países latino-americanos (VERDUM, 2006). Segundo Batalla (1982), etnodesenvolvimento é o exercício da capacidade social dos povos indígenas para construir seu futuro, sem deixar de lado suas experiências históricas e os recursos reais e potenciais de sua cultura, de acordo com projetos definidos segundo seus próprios valores e aspirações.

Ao escrever sobre etnodesenvolvimento, Stavenhagen (1985) o conceituou como “o desenvolvimento de grupos étnicos no interior de sociedades mais amplas”. Para Stavenhagen (1985), o termo etnodesenvolvimento tem duas grandes acepções: (1) o desenvolvimento econômico de um grupo étnico; e (2) o desenvolvimento da etnicidade de um grupo social. Little (2014), em seu trabalho, discute o conceito de etnodesenvolvimento local no contexto da proposta universalista do desenvolvimento econômico frente ao crescente reconhecimento da diversidade cultural, numa perspectiva antropológica.

Tratando de grupos étnicos, dever-se ter sempre em mente a existência de multiplicidade cultural, assim, desenvolver no sentido de obter somente acúmulo de riqueza, não contribui para o real sentido que o termo desenvolvimento deve ter perante esses grupos. A proposta de desenvolvimento dever-se transmudar para etnodenvolvimento e ser tão abrangente que possa abarcar questões sociais, econômicas, culturais, ambientais e principalmente a garantia de preservação da identidade quilombola.

Políticas públicas para o desenvolvimento das comunidades quilombolas

Na literatura acadêmica não há consenso quanto ao conceito de políticas públicas, sendo possível encontrar várias definições. Os conhecimentos produzidos nessa área vêm sendo largamente utilizados por pesquisadores, políticos e administradores que lidam com problemas públicos em diversos setores de intervenção e nas mais diferentes áreas como: ciência, política, sociologia, economia, administração pública e direito.

Dentre as definições encontradas e bastante utilizadas estão a de Dye (1984), para quem políticas públicas são escolhas que o governo escolhe fazer ou não fazer, a de Peters (1986), que as entende como o somatório das atividades governamentais que impactam ou influenciam a vida dos cidadãos (TEIXEIRA; SAMPAIO, 2019).

Souza (2006) resume política pública como instrumento ou conjunto de ação dos Governos, o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, "colocar o governo em ação" e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no curso dessas ações.

Nesse contexto, é necessário repensar as políticas de promoção da igualdade racial, não apenas do ponto de vista da sua operacionalidade, mas da sua implementação e execução junto às demais políticas públicas, uma vez que as políticas de igualdade racial se revestem de caráter transversal. A transversalidade nas políticas públicas visa reduzir desigualdades em relação a grupos sociais tradicionalmente subalternos, como é o caso dos grupos raciais negros. (DA SILVA LIMA; MARTIGNAGO SALEH, 2014).

Segundo Silva (2011), a transversalidade é mecanismo imprescindível para adequar as políticas públicas à emergência de novos temas na agenda governamental, reforçando a necessidade de aprimorar as políticas de forma a incorporar programas e temáticas específicas, em alinhamentos com suas diversas estruturas setoriais.

O contexto que envolve os povos quilombolas e o reconhecimento de sua identidade é complexo e por isso o seu engajamento na luta pela aplicação de seus direitos se torna cada vez mais importante. Tornam-se plausíveis contínuas posturas de autoafirmação pelas quais possam se impor enquanto sujeitos de direitos na busca de políticas públicas de reconhecimento e de transformação da realidade (DOS SANTOS, 2017).

Santos (2008, p. 194) afirma que “[...] uma política de igualdade centrada na redistribuição social da riqueza não pode ser conduzida com sucesso sem uma política de reconhecimento da diferença racial, étnica, cultural ou sexual, e vice-versa”. Enquanto para Fraser (2006, p. 55-56), a justiça exige, simultaneamente, redistribuição e reconhecimento de identidades, há um caráter bidimensional da justiça que trata da redistribuição e do reconhecimento como perspectivas e dimensões distintas da justiça. Sem reduzir uma a outra, abarca ambas em um marco mais amplo.

Para o desenvolvimento das sociedades tradicionais, a participação do Estado é fundamental. O marco histórico que consolidou a preocupação do Estado brasileiro com o investimento em políticas públicas para as comunidades quilombolas e que sustenta parte da luta dos quilombos no Brasil foi Constituição Federal de 1988 por meio do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucional Transitória – ADCT (do direito à terra), e dos artigos 215 e 216 (que tratam do reconhecimento das manifestações culturais dos quilombolas).

A III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada na cidade de Durban, África do Sul, em 2001, foi um importante momento para consolidar a necessidade de um órgão de poder político voltado para a implementação dessas políticas no Brasil. Aprovou-se um Plano de Ação que, além de fortalecer o processo político para a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-SEPPIR.

A partir de 2004, o conjunto de políticas governamentais voltadas para comunidades quilombolas passa a integrar um programa específico denominado “Programa Brasil Quilombola-PBQ” (PBQ), coordenado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-SEPPIR, e integrado a diversos ministérios (BRASIL, 2012).

O PBQ teve sua primeira dotação de recursos na LOA em 2005, recebendo recursos como programa de governo até 2011. O programa deixou de ter aporte orçamentário a partir do PPA de 2012-2015, não havendo, desde então, a inclusão orçamentária do programa nas LOA’s, o que significa que o programa foi extinto no PPA Brasil Maior. Entre 2012 e 2014, os únicos recursos ainda vinculados ao PBQ foram de restos a pagar, ou seja, gastos empenhados e assumidos pelo governo federal em anos anteriores. Com isso, o programa foi descontinuado, extraoficialmente, desde 2012, quando o governo federal incluiu na LOA o programa Enfrentamento (Superação) ao Racismo e a Promoção da Igualdade Racial (TEIXEIRA; SAMPAIO, 2019).

Nas condições em que viveram e vivem as sociedades tradicionais, não se vislumbram a possibilidade de inclusão e desenvolvimento sem a atuação do Estado por meio de políticas públicas. E, essas, devem ser pensadas, como visto na literatura apresentada, considerando os aspectos étnicos e a criação de instrumentos capazes de preservar as condições peculiares dessas sociedades, buscando a promoção da igualdade social, o combate à discriminação racial ou étnica e o desenvolvimento regional.

Método

Trata-se de uma pesquisa documental com abordagem qualitativa realizada a partir de dados do orçamento federal e de documentos pertinentes às políticas públicas executadas pelo governo federal, tendo por base a metodologia aplicada por Teixeira e Sampaio (2019), fundada na análise de conteúdo (BARDIN, 2009).

O trabalho se restringiu ao estudo das políticas públicas previstas no Plano Plurianual – PPA 2016/2019 e desenvolvidas no âmbito do Programa De Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo, sob responsabilidade da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial-SEPPIR. As ações previstas e executadas no PPA 2016-2019 foram avaliadas em confronto com as realizadas no âmbito do PPA 2012-2015 e as previstas no PPA 2020-2023.

Os dados orçamentários do Programa de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo foram obtidos do orçamento federal (PPA 2016-2019) disponíveis no Portal do Senado Federal, na plataforma Siga Brasil e no Portal da Transparência) que compilam dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal.

Foram utilizadas quatro categorias teórico-analíticas, na análise do material. A estatística descritiva orientou a análise dos dados, gerando as tabelas e os gráficos acerca da execução orçamentária e, com essas tabelas, analisou-se as funções alocativas e redistributivas do orçamento público, bem como o volume da alocação orçamentária expressa as prioridades governamentais.

Resultados e discussão

A inclusão do tema racial como política de governo e de estado no planejamento plurianual caracterizou um grande avanço na luta por inclusão e desenvolvimento socioeconômico das comunidades quilombolas.

O texto constitucional estabelece como instrumentos fundamentais para viabilizar o processo de planejamento governamental o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Essas três leis que regem o ciclo orçamentário são estreitamente ligadas entre si. Elas formam um sistema integrado de planejamento e orçamento. O PPA é o instrumento que baliza a ação governamental e desemboca na programação orçamentária do Poder Executivo (CF/1988).

Segundo Ávila (2016), na elaboração do PPA deve-se levar em consideração os padrões mínimos exigidos pela necessidade do atendimento de demandas da sociedade, bem como os princípios orçamentários básicos, dentre os quais destaca o princípio Orçamentário da Especificação ou Especialização, também chamado de princípio da discriminação, o qual visa vedar as autorizações globais.

A Lei nº 13.249/2016 instituiu o Plano Plurianual para o período de 2016- 2019 e para dar efetividade a essas diretrizes, trouxe em seu anexo a previsão orçamentária para a promoção da igualdade racial, para os quatro anos, no valor total de R$ 160.547.000,00 (cento e sessenta milhões, quinhentos e quarenta e sete mil reais). O Programa de Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo foi incluído no PPA 2016-2019 com 08 objetivos e 10 metas. A definição desses objetivos é de responsabilidade da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, entretanto, algumas metas foram executadas por outras unidades orçamentárias, por se tratar de questões transversais que transitam entre todos os setores do governo.

Em sua obra, Brandão (2007) ressalta a importância da abordagem em múltiplas escalas (local, regional ou nacional) na implantação de políticas públicas em países complexos, diversificados e desiguais, como é o Brasil.

O território é de fundamental importância para a manutenção das traduções, cultura e da identidade negra. Desenvolvimento e território estão ligados quando se trata de comunidades quilombolas rurais. Dallabrida (2016) entende como uma das dimensões de território o espaço geográfico onde seus ocupantes manifestam suas relações de poder, identidades e territorialidades e dessas relações surgem as noções de identidade territorial e do sentimento de pertencimento que são importantes fatores para o desenvolvimento.

Assim, o planejamento de políticas públicas eficazes demanda a fixação dessas comunidades no território que ocupam. As comunidades rurais desenvolvem suas atividades de subsistência nas terras em que estão assentadas desde seus ancestrais, são nelas que garantem sua reprodução física, social, econômica e cultural.

A titulação do território quilombola ocorre em 06 (seis) etapas (Certificação quilombola, Elaboração do RTID, Publicação do RTID, Portaria de reconhecimento, Decreto de desapropriação e Titulação). O percurso entre a primeira e sexta etapas não obedece a prazos pré-estipulados e/ou a um cronograma onde as comunidades possam acompanhar o andamento dos processos em que estão envolvidas.


Figura 1
Situação dos processos de titulação de terras quilombolas 2005-2018
Incra, 2020

Esse longo caminho reflete na discrepância entre o número de processos de titulação abertos no período de 2004 a 2018 e o andamento desses processos até a efetiva titulação.

Os primeiros processos foram abertos em 2004, chegando a 2018, num total de 1.715 (mil, setecentos e quinze), sendo que até 2018 apenas 124 (cento e vinte e quatro) comunidades receberam a titulação de suas terras. O tempo decorrido da abertura do processo até a titulação foi entre 09 (nove) e 15 (quinze) anos.

Os dados da Figura 1, acima, demonstram que mais da metade desses processos sequer, iniciaram a segunda fase da titulação que, é a fase inicial dentro do Incra.

Para as comunidades quilombolas, duas ações orçamentárias específicas dentro do Programa de Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo podem ser destacadas: Reconhecimento e Indenização de Territórios Quilombolas e Fomento ao desenvolvimento local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais, executadas, respectivamente, pelo Incra e pela Secretaria Especial de Programa de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Estas duas ações eram parte de uma estratégia combinada no desenho da política pública para os territórios quilombolas, ou seja, os processos de regularização fundiária deveriam vir acompanhados de ações para o desenvolvimento das comunidades.

Assim, conforme consta dos Objetivos e metas do PPA 2016-2019, “Regularização Fundiária das Comunidades Quilombolas”, subdividido em duas metas: (1) titular 40.000 (quarenta mil) hectares em benefício de comunidades quilombolas e (2) publicar 60 (sessenta) Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID).

Para a efetivação desse objetivo, dos valores globais apresentados na Tabela 1 - Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo – Previsão Orçamentária 2016-2019, foi previsto o montante de R$ 22.666.816,00 (vinte e dois milhões, seiscentos e sessenta e seis mil, oitocentos e dezesseis reais), distribuídos nos quatro anos, dos quais foram executados apenas R$ 14.278.327,00 (quatorze milhões, duzentos e setenta e oito mil e trezentos e vinte e sete reais), conforme se vê na Tabela 1.

Tabela 1
Orçamento disponibilizado para o Incra para a ação: reconhecimento e indenização de territórios quilombolas

adaptado de Portal da Transparência (2020)

Inicialmente percebe-se que a previsão orçamentária foi reduzida em cerca de 43% (quarenta e três por cento) do primeiro (2016) para o último (2019) ano do PPA. Em 2018, apesar da previsão ter sido maior que em 2017 e 2019, foi o ano com menor execução dos valores, apenas 28% (vinte e oito por cento). No total geral, apenas 63% (sessenta e três por cento) dos valores previstos executados.

Ressalte-se que o aumento nos recursos executados no exercício de 2019, refere-se apenas ao pagamento de ordens bancárias judiciais, relativas aos processos de titulação abertos a partir de 2004 e julgados em 2019.

A pesquisa constatou, no detalhamento das despesas, que os recursos aplicados foram retirados de valores alocados para Reserva de Contingências. As Reservas de contingência são despesas orçamentárias destinadas ao atendimento de passivos contingentes e outros riscos, bem como eventos fiscais imprevistos, inclusive a abertura de créditos adicionais (ÁVILA, 2016).

Os dados da pesquisa demonstraram que não se observou o princípio orçamentário da especialização quando da execução dos recursos previstos para o Programa de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo durante os quatro exercícios do PPA 2016-2019.

Cerca de 95% (noventa e cinco por cento) dos pagamentos foram efetuados em função de determinações judiciais dentro dos processos abertos para regularização dos territórios reivindicados pelas comunidades quilombolas, com utilização da Reserva de Contingências, conforme demostrado no Gráfico 1.


Gráfico 1
Valores Pagos por modalidade de aplicação
Portal da Transparência (2021)

A análise dos dados coletados nas LOA’s 2016-2019 evidenciou o declínio das políticas públicas para os quilombolas já no planejamento e a ausência de recursos específicos nas LOA’s corroborou esses dados.

Em consulta ao site da Comissão Pró-Índio de São Paulo, constatou-se que durante o período de 2016 a 2019, foram titulados 09 territórios quilombolas, pelo Incra: 03 (três) em sua totalidade e 06 (seis) apenas parcialmente. O total da área titulada no período de 2016 a 2019 foi de 29.703,225he, aquém do previsto no PPA que foi de 40.000he. Já quanto a previsão de publicar 60 (sessenta) Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação durante o período de 2016 a 2019, não foram disponibilizados dados nas consultas públicas que pudessem medir o cumprimento dessa meta.

Além da previsão orçamentária para reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas, o PPA 2016-2019 contemplou a promoção do etnodesenvolvimento por meio das ações: “Fomento ao desenvolvimento local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais” e “Apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais”. Entretanto, apenas a primeira ação teve recursos orçamentários disponibilizados, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Orçamento disponibilizado para ações voltada para a promoção do etnodesenvolvimento

Adaptada de Portal da Transparência (2020)

A pesquisa evidenciou, também, que não foram disponibilizados recursos orçamentários suficientes para a execução de políticas públicas para a promoção do desenvolvimento socioeconômico das comunidades quilombolas. A partir do encerramento do Programa Brasil Quilombola, o tema racial foi tratado de forma ampla, contemplando todas as diversidades. Não houve, no plano do desenvolvimento sustentável, uma ação exclusiva para as comunidades quilombolas. Assim, com a descontinuidade do PBQ, o governo federal incluiu nas LOA’s seguintes o Programa de Enfrentamento ao Racismo e a Promoção da Igualdade Racial (MPOG-2012). A partir de então, o recorte racial ficou mais amplo e foi incluso em agendas transversais, que são “documentos que reúnem o conjunto dos compromissos de governo relativos a temas de natureza transversal e multissetorial” (MPOG, 2013).

A transversalidade é um mecanismo imprescindível para adequar as políticas públicas à emergência de novos temas na agenda governamental, reforçando a necessidade de aprimorar as políticas de forma a incorporar programas e temáticas específicas, em alinhamentos com suas diversas estruturas setoriais (SILVA, 2011). Porém, a pesquisa demonstrou que a pulverização das ações do Programa de Promoção da Igualdade Racismo por vários ministérios, acabou por desnaturar o recorte racial voltado especificamente para as comunidades quilombolas.

Segundo uma análise histórica realizada pelo Inesc (2020), em termos reais, em 2019, o recurso do Programa 2034: enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial representou somente 8% do recurso autorizado em 2012, ou seja, em oito anos, a redução foi de 92% (Gráfico 2).


Gráfico 2
Execução do orçamento do programa 2034: Enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial (Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo) - 2012 a 2019
Inesc (2020)

Por fim, cabe ressaltar que não existem mais políticas públicas específicas para comunidades quilombolas no Plano Plurianual (PPA) 2020-2023. Isso significa que não há planejamento para implementação destas políticas públicas, nem programas orçamentários específicos para promoção dos direitos dos quilombolas.

Os objetivos e metas previstos no PPA, demonstraram que o planejamento das políticas públicas com recorte racial buscou a lógica do reconhecimento e da redistribuição proposta por Fraser (2006), alocando os recursos de forma setorial que atenderiam a grupos sociais específicos.

Entretanto, a análise da execução orçamentária das Leis Orçamentárias dos quatro exercícios do PPA demostrou que as ações foram realizadas, na maioria das vezes, em conjunto com outros grupos minoritários mais com características assistencialistas que de reconhecimento das diversidades racial, bem como sem nenhuma condição de promover distribuição de riquezas para a promoção do desenvolvimento socioeconômico dos quilombolas.

A literatura mostrou que os planos plurianuais são utilizados para orientar as ações governamentais e suas previsões são (ou não) executadas em função dos recursos arrecadados e de outras variáveis (como as crises econômicas) que podem influenciar na disponibilização dos recursos de acordo com as prioridades estabelecidas pelos gestores públicos.

No cenário de crise estabelecido no curso do PPA 2016-2019, as políticas públicas em defesa dos direitos democráticos e do desenvolvimento socioeconômico das sociedades minoritárias não venceram as construções ideológicas do candidato eleito. Bolsonaro tem um ideário que junta os preconceitos arraigados dos conservadores com elementos estruturantes do pensamento da direita mundial: a defesa da propriedade, da família, da religião e da liberdade individual (AZEVEDO, 2019).

A leitura dos dados coletados pela pesquisa combinada com a postura assumida pelo atual presidente aponta para a ideia de democracia racial disseminada por Gilberto Freyre (CONRADO, 2004), como uma realidade na sociedade brasileira. Não se vê nos programas de governo, ações de combate ao racismo estrutural e institucional.

Nos governos de Lula e Dilma, nas duas primeiras décadas do século XXI, deu-início às chamadas políticas públicas de promoção de igualdade racial. Porém, a partir do governo Temer o que se viu foi a extinção paulatina e silenciosa de um programa que tinha como foco específico a promoção do desenvolvimento das comunidades quilombolas. Por fim, a ascensão de Bolsonaro ao poder interrompeu definitivamente a implantação e execução do programa (CARDOSO, 2019).

O recuo das políticas públicas de promoção da igualdade racial implica em um retrocesso quanto aos objetivos estabelecidos e a própria ampliação da democracia social, econômica e política no país. Afinal, a promoção da igualdade racial está relacionada ao enfrentamento das assimetrias presentes no Brasil e ao alcance das metas estabelecidas nos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), intrinsicamente associadas a constituição de uma sociedade democrática e inclusiva.

O exame das condições apresentadas nesse artigo é fundamental para evidenciar que as políticas públicas de promoção da igualdade racial dependem da previsão e efetivação de ações estatais em interlocução com a sociedade civil organizada para atingir seus fins. Para a retomada das políticas públicas de promoção da igualdade racial quanto a sua eficácia, a mudança de governo não é suficiente, é necessário que os preceitos relacionados a sua constituição sejam efetivamente aplicados por meio dos recursos disponíveis ao Estado nacional, enquanto política de estado.

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi analisar o planejamento e a alocação orçamentária do Programa de Promoção da igualdade Racial e Combate ao Racismo-PPIRCR e suas repercussões na execução das políticas públicas direcionadas a comunidades quilombolas no Brasil. A pesquisa considerou as duas ações voltadas diretamente para as comunidades quilombolas, quais sejam, a promoção do etnodesenvolvimento e o acesso à terra por meio da titulação dos territórios ocupados pelos quilombolas.

Em relação à análise das políticas públicas sob o enfoque da redistribuição e do processo de reconhecimento, como proposto por Fraser (2006), constatou-se que houve a inclusão da categoria na agenda político-governamental, porém, a alocação orçamentária destinadas às comunidades por meio da descentralização de recursos para estados e municípios ficou prejudicada. Assim, o reconhecimento governamental das singularidades e especificidades das comunidades quilombolas não foi acompanhado por um efetivo processo de redistribuição capaz de aumentar os recursos destinados a esse grupo socialmente vulnerável.

Da mesma forma, o reconhecimento e acesso ao território ocupado, tão importante para o desenvolvimento e preservação da identidade cultural das comunidades quilombolas, conforme defendido por Brandão (2007), embora tenha ocorrido, foi insuficiente para finalizar a regularização fundiária iniciada em 2004. Na análise dos dados extraídos das leis orçamentárias anuais, percebe-se que (a) os recursos, além de perderem poder aquisitivo em função da inflação acumulada, sofreram redução nominal com cortes orçamentários ao longo dos exercícios financeiros, (b) houve redução de recursos em função do ajuste fiscal realizado em 2015 e (c) os recursos orçamentários/financeiros executados ao longo dos anos 2016- 2019 foram provenientes de recursos de Reserva de Contingência e de restos a pagar de exercícios anteriores, contrariando o princípio da especificação e demonstrando a ausência de cumprimento do que foi incluso no PPA como política pública para desenvolvimento das comunidades quilombolas.

O pagamento das despesas com recursos da Reserva de Contingência também evidencia a ausência de prioridade das ações como recorte racial, pois em nenhum exercício do PPA em análise foi realizada reserva orçamentária específica para as ações destinadas às comunidades quilombolas. Ademais, a dinâmica do Programa de Promoção da Igualdade Racial e Combate ao Racismo é tratar no mesmo programa todos os tipos de desigualdades praticados contra todas as etnias, sejam negros, indígenas ou ciganos, bem como outros grupos minoritários e vulneráveis, discriminados em função de gênero e deficiências. Com essa dinâmica, a execução das políticas voltadas para promoção do desenvolvimento das comunidades quilombolas, em função de suas particularidades, ficou aquém do necessário.

O declínio das políticas públicas para as comunidades quilombolas está em processo desde 2014, com o início do ajuste fiscal. A política de promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo foi completamente desmontada após a publicação da EC95/2016. O Programa de Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo sofreu uma queda de 80% de seus gastos entre 2014 e 2019, passando de R$ 80,4 milhões para R$ 15,3 milhões no período. Houve uma queda de 45,7% dos recursos para o programa de promoção à igualdade racial em 2019, quando comparados com 2018 (INESC, 2020).

Ao final, o trabalho concluiu que a execução das políticas planejadas aconteceu de forma insuficiente para promover o desenvolvimento socioeconômico dessas comunidades. Apesar de previstas no PPA, as ações voltadas para a regulamentação dos territórios quilombolas foram executadas à vista de decisões judiciais proferidas nos processos abertos desde 2004. Também é preciso destacar que o Programa de Promoção da igualdade Racial e Superação do Racismo não recebeu nenhum aporte orçamentário no PPA 2020- 2023. Sendo, da mesma forma que o Programa Brasil Quilombola, encerrado de forma extraoficial e, dessa vez sem nenhum outro programa para substitui-lo no planejamento e execução das políticas públicas voltada especificamente para as comunidades quilombolas. Nesse sentido, a pesquisa evidencia que houve um grande prejuízo para as comunidades quilombolas em relação ao planejamento e execução das políticas públicas no período analisado.

O artigo em tela não pretendeu esgotar o tema da (des)igualdade racial em nível de planejamento e execução orçamentária pelo governo federal. Assim, sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas para solidificar os dados apresentados e servir de base para um a inclusão das comunidades quilombolas e demais grupos minoritários como atores atuantes e importantes no plano do desenvolvimento socioeconômico da sociedade brasileira.

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Notas de autor

1 Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC SP), docente do Programa de Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté. Correio eletrônico: monicafcarniello@gmail.com.
2 Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubaté. Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, Brasil. Correio eletrônico: sulenefsb@gmail.com.
3 Doutor em História (UNESP), com pós-doutorado pela Universidade do Minho. Professor do Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional (MGDR) e Coordenador-adjunto do Mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Regional (MPDR). Editor Executivo da Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional. Experiência na pesquisa com política de desenvolvimento, comunicação e indústria cultural no Brasil e cultura popular no Vale do Paraíba. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6865-0630. Correio eletrônico: moacir.jsantos@unitau.br.


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