Artigos e Ensaios

Recepción: 26 Septiembre 2022
Aprobación: 15 Noviembre 2022
DOI: https://doi.org/10.5212/RIF.v.21.i46.0010
Resumo: O presente estudo realiza uma análise sobre o projeto de intervenção artística intitulado "São João Vivo", realizado em junho de 2020 e de 2021, na cidade de dom Basílio, região sudoeste da Bahia. A pertinência da ação cultural aparece como ponto crucial neste trabalho para descrever os resultados e os significados que foram gerados com a realização do concurso de ornamentação das casas durante as festividades de São João. A realização do projeto surge da necessidade de encontrar, em meio à pandemia do covid-19, caminhos que levassem a comunidade a permanecer em estado de festa e comunhão junina, mesmo com todas as restrições e medidas de afastamento social, emitidas pelos órgãos de saúde. Com base na pesquisa reflexivo-indutiva e nos conceitos da Folkcomunicação, o autor descreve os caminhos per corridos na realização do projeto e a importância dele no contexto mencionado; destaca os fluxos de participações e conclui, entre outros resultados, sobre o sentido festivo atribuído à cidade, além da promoção da cultura local em período pandêmico. A sistematização das ações e a descrição dos modos de ser/fazer da comunidade contemplam características oportunas à reflexão técnica e científica e são um convite a conhecer as belezas e saberes produzidos em tempo de escassa manifestação da cultura popular.
Palavras-chave: Cultura popular, Festa Junina, Pandemia, Produção cultural.
Abstract: This study analyzes the artistic intervention project entitled "São João Vivo", carried out in June 2020 and 2021, in the city of Dom Basilio, southwest region of Bahia. The pertinence of cultural action appears as a crucial point in this work to describe the results and meanings that were generated by holding the ornamentation contest of the houses during the festivities of São João. The realization of the project arises from the need to find, in the midst of the pandemic of covid-19, paths that led the community to remain in a state of celebration and Junina communion, even with all the restrictions and measures of social removal, issued by the organs of health. Based on reflexive-inductive research and folkcommunication concepts, the author describes the paths taken in the realization of the project and its importance in the context of the men-actioned; highlights the flows of participations and concludes, among other results, on the festive sense attributed to the city, in addition to the promotion of local culture in pandemic period. The systematization of actions and the description of the ways of being/making of the community contemplate characteristics appropriate to technical and scientific reflection and are an invitation to know the beauties and knowledge produced in time of scant manifestation of popular culture.
Keywords: Popular culture, Junina Festival, Pandemic, Cultural production.
Resumen: Este estudio analiza el proyecto de intervención artística titulado "São João Vivo", realizado en junio de 2020 y 2021, en la ciudad de Dom Basilio, región suroeste de Bahía. La pertinencia de la acción cultural aparece como un punto crucial en este trabajo para describir los resultados y significados que se generaron al realizar el concurso de ornamentación de las casas durante las festividades de São João. La realización del proyecto surge de la necesidad de encontrar, en medio de la pandemia del covid-19, caminos que llevaron a la comunidad a permanecer en estado de celebración y comunión junina, incluso con todas las restricciones y medidas de remoción social, emitidas por los órganos de salud. Basado en la investigación reflexivo-inductiva y los conceptos de la Folkcomunicación, el autor describe los caminos tomados en la realización del proyecto y su importancia en el contexto de la acción del hombre; Destaca los flujos de participaciones y concluye, entre otros resultados, sobre el sentido festivo atribuido a la ciudad, además de la promoción de la cultura local en periodo de pandemia. La sistematización de acciones y la descripción de las formas de ser/hacer de la comunidad contemplan características adecuadas a la reflexión técnica y científica y son una invitación a conocer las bellezas y saberes producidos en tiempos de escasa manifestación de la cultura popular.
Palabras clave: Cultura popular, Festival junina, Pandemia, Producción cultural.
Introdução
As festas, sejam elas consideradas religiosas ou profanas, impressas em qualquer segmento da sociedade, traduzem-se como significados expressivos na identificação cultural de um povo. Os valores e sentidos das manifestações festivas estão ancorados nas relevantes características que estes movimentos atribuem à vida do homem, seja individual ou coletivamente. “As festividades (qualquer que seja o seu tipo) são uma forma primordial, marcante, da civilização humana”, (BAKHTIN, 2010, p. 7). A festa traz consigo um significado genuíno para cada povo, o qual a todo tempo inventa e renova as suas formas e dinâmicas de preparar, a cada novo ano, um jeito diferente de comemorar.
A quantidade das expressões celebradas no Brasil, por meio do canto e da dança, é extensa e se destaca por suas peculiaridades, de norte a sul do país, e, como bem observa Bruhns (2000, p. 11) quanto à pluralidade destas manifestações, “merecem destaque pela mera popularidade e extensão, por representarem modos de ser, de se relacionar, se expressar, se comportar, enfim, de estar no mundo”. Para Souza (2012, p. 224), “as tradições populares brasileiras, cuja expressividade considero de mérito artístico e não só cultural, são prenhes de sentidos, textos e apuro estilístico engendrado numa aprendizagem difundida e curtida coletivamente”.
Cabe, portanto uma observação quanto ao sentido festivo atribuído às manifestações culturais, de modo que poderíamos considerar a festa como um dos símbolos da expressividade cultural brasileira.
José Marques de Melo (2002, P. 110) reforça os elementos que identificam as festas populares como celebrações:
Fenômeno de natureza sócio-cultural, a festa permeia toda a sociedade, significando uma trégua no cotidiano rotineiro e na atividade produtiva. Sua natureza é intrinsecamente diversional, comemorativa, pautando-se pela alegria e pela celebração.
Alinhada às características destacadas pelo autor, pode se dizer, que, a festa é também em sua natureza um fenômeno comunicacional conforme defende Luiz Beltrão em seus estudos sobre a folkcomunicação.
A teoria folkcomunicacional largamente difundida a partir da década de 1960, tem como objeto de estudo aspectos de práticas cotidianas e se ocupa das dinâmicas presentes no processo de comunicação, reconhecendo múltiplas formas de expressão utilizadas por grupos considerados marginalizados, que por sua vez, criam meios particulares para transmissão dos seus saberes e fazeres. Em síntese, a teoria reconhece nas expressões culturais um modelo de comunicação - informal - que se dá pelas multiplicidades de códigos os quais saltam às festas populares. É portanto, conforme defende Beltrão, uma comunicação através do folclore que considera o espaço e os aspectos simbólicos de significações presente na cultura popular.
Para Marques de Melo (2008), as festividades, do ponto de vista da identidade comunicacional, caracterizam-se como processos determinados por fluxos convergentes.
a) A festa enquanto ativadora das relações humanas, produzindo comunhão grupal ou comunitária em torno de motivações socialmente relevantes. Trata-se de um fluxo de comunicação interpessoal.
b) A festa enquanto mobilizadora das relações entre os grupos primários e a coletividade, através das mediações tecnológicas propiciadas pelas indústrias midiáticas, em espaços geograficamente delimitados – locais, regionais, nacionais. Trata-se de um fluxo de comunicação massiva;
c) A festa enquanto articuladora de relações institucionais, desencadeando iniciativas de entidades enraizadas comunitariamente e antenadas coletivamente, que decidem o que celebrar, em que circunstâncias, com que parceiros. Trata-se de um fluxo de intermediação comunicativa, produzindo a interação das comunicações interpessoais e massivas. (MARQUES DE MELO, 2008, P. 79).
Neste sentido configura como aspecto importante reconhecer as festas populares como expressões folkcomunicacionais atendo-se aos aspectos culturais das celebrações, sejam elas sagradas ou profanas, além é claro, de observar o lugar que estas ocupam na mídia.
À luz do entendimento de valorização das potencialidades da festa junina e em meio aos valores sócio-histórico-simbólico-culturais atribuídos à esta, o trabalho em questão propõe uma reflexão acerca das contribuições da Festa de São João no contexto da cidade de Dom Basílio/BA, a partir da produção do Projeto São João Vivo, uma iniciativa que surge a partir da não realização da festa junina, normalmente promovida pelo poder público municipal, ocasionada pelas restrições do Covid-19.
Com o intuito de contribuir artisticamente com a cultura local, o Projeto São João Vivo foi pensado como forma de amenizar os impactos causados na comunidade, pois nesta crescia o discurso de que naquele ano passariam “sem o São João”. A afirmativa assumia um lugar de inverdade por pensar que celebrar a data e fazer-se espírito festivo na referida ocasião poderia ser algo dissociado do contato coletivo na praça, pelo menos durante a excepcionalidade do Covid-19.
Sem desconsiderar a importância e o sentido de consolidação das práticas culturais pela harmonia coletiva, naquele contexto era mais que óbvio que a forma de se divertir e fazer a festa necessariamente haveria de ser diferente dos anos anteriores. Era preciso, contudo, criar estratégias e promover o espírito festivo na comunidade, fazendo-a corpo uníssono, ao passo que cada casa pudesse se apresentar durante o mês de junho com suas fachadas decoradas e, portanto, alegres.
Havia naquele momento, por parte dos idealizadores do projeto, o entendimento de que, à medida que os moradores se empenhassem na decoração das casas, poderia acender o espírito festivo em cada um e, assim, amenizar os impactos da falta que a forma de comemoração do São João de outrora provocaria.
Para Ferreti, (1995, p. 47) “a festa religiosa (...) constitui oportunidade para expressar a capacidade de organização, a criatividade popular, a devoção, o lazer e para se constatar o sincretismo religioso. Nas festas a comunidade se revitaliza, se recria, se encontra e se vê como um todo”.
Mensurar as práticas de tudo quanto foi observado nos dois anos de realização do projeto, constitui objetivo deste trabalho, de forma que sistematicamente, ao relatar as ações do projeto, o autor também busca creditar os fazeres concernentes à cultura popular, por meio dos registros escritos e, assim, validar, teoricamente, a sua forma de existência e resistência. Discorrer em âmbito acadêmico sobre as vivências decorrentes das festas populares torna-se fundamentalmente importante posto que, ao falar das festas, estamos descrevendo expressões e modos de ser/fazer de uma determinada gente e comunidade, e tais estudos devem, de maneira precisa, ser valorizados pela Academia.
Paralelo a tal importância, considera-se pertinente uma abordagem acerca da festa de São João celebrada na Cidade de Dom Basílio, posto que, ao longo dos seus quase 150 anos de tradição, quase nada tem sido registrado de forma escrita sobre tal festividade.
Assim sendo, neste artigo é apresentado um breve panorama sobre a festa de São João no contexto da cidade de Dom Basílio/BA e, em seguida, de forma detalhada, nas seções São João Vivo – Ano I e Ano II o autor apresenta os modos de organização do projeto, suas dificuldades e desafios para, em seguida, mencionar os resultados alcançados. Ao discorrer sobre a temática do referido trabalho perguntas do tipo “Qual a importância da prática cultural desenvolvida no referido contexto?”, “Qual a importância de um projeto de Intervenção Junina em meio a uma pandemia?” surgiram como questionamentos precisos para o aparecimento de respostas que, por certo, definiram pertinentes caminhos a serem percorridos ao longo do texto.
Por fim, nos aspectos de conclusão, destaca-se uma análise na tentativa de refletir a importância e os sentidos da ação e do fazer cultural na e para a cidade e, principalmente, para cada cidadão e cada cidadã dom-basiliense.
Fé na festa: tradições Juninas no cenário festivo e espetacular Dom-Basiliense
Situada no sopé da Serra das Almas, a 709 Km da capital, Salvador, região sudoeste do estado da Bahia, mais precisamente a 20 km de Livramento de Nossa Senhora (leste), 29 km de Rio de Contas (norte) e 55 km de Brumado (sul), Dom Basílio é uma das cidades que compõem o semiárido baiano, com uma área territorial de 689,516 km. nas fronteiras da Chapada Diamantina, região que se destaca por suas serras e cachoeiras.
Sua população, estimada em 11.355 habitantes, concentra um quantitativo de aproximadamente quatro mil moradores na sede do município, ficando os demais na zona rural deste. O povoamento do território teve início em 1715, com a chegada de paulistas à procura de ouro. A partir de então foram se instalando pequenas fazendas de gado e, deste modo, surgiu o povoado de “Curralinho”, distrito da Cidade de Livramento de Nossa Senhora. Em função da extensa atividade agropecuária, desenvolveu-se a povoação e, em abril de 1962, conforme Lei Estadual nº 1657, de 05/04/1962, passou a se chamar Dom Basílio, nome escolhido em homenagem ao padre Manoel Olímpio Alves Pereira, nascido no munícipio, sagrado bispo da diocese de Manaus, com o nome Basílio.
Constituída por uma maioria católica, a comunidade dom-basiliense, há mais de 150 anos celebra o novenário em homenagem a São João Batista, padroeiro da cidade, a quem seu povo fervorosamente eleva preces, cantos, súplicas e orações, em clima de fé e festa, entre os dias 15 e 24 de junho.
No despontar do mês junino a pequena cidade parece ganhar novos ares. face à grande expectativa que se cria para os dias de festa. Às cinco e trinta da manhã do dia primeiro de junho, em frente à igreja matriz, acontece a alvorada de abertura dos festejos, movimento encabeçado por Joãozinho de Seu Dedé, que reúne outros devotos de São João Batista para rezar, cantar hinos e louvores em homenagem ao santo padroeiro; tudo isso, é claro, com a tradicional queima de fogos e a distribuição de “comes e bebes” ao final.
Em Repensando o Sincrentismo (1995, P. 33), Ferreti afirma que “a cultura popular se exterioriza em grande parte através de festas religiosas. As festas religiosas populares são ocasião para o pagamento de promessa e momentos de lazer em que se desenvolvem laços de solidariedade nos meios populares”.
Convém destacar que a alvorada do dia 1º de junho, assim como todas as demais alvoradas, novenas e missas realizadas entre os dias 15 e 24 de junho são transmitidas ao vivo pelos canais de divulgação da rádio fm local. É fato que no atual modelo de sociedade, imaginar as práticas cotidianas sem que estas estejam vinculadas às mídias soa como anacronismo, que por vez está associado a uma prática em desacordo com a sua época.
Ao descrever as relações entre cultura de massa e cultura popular, Osvaldo Trigueiro (2007) diz que:
Não se pode negar que as festas populares estão agregando valores culturais da sociedade midiática, assim como a sociedade midiática agrega valores culturais da sociedade tradicional. É nesse campo híbrido entre o midiático e o tradicional que emerge uma cultura de base local vinculada à cultura global em fluxos contínuos de apropriação e incorporação de novos significados. (TRIGUEIRO, 2007, P. 109).
A festa junina em Dom Basílio está na gênese de sua matriz cultural e representa, simbolicamente, a identidade do seu povo, quer seja na dimensão religiosa ou pagã. A festa em questão realiza-se pelas duas vertentes, de modo que a parte religiosa fica sob a responsabilidade de uma equipe formada pelo clero e a festa pagã a cargo do poder público municipal, que é responsável pela contratação das bandas, alocação de barracas, decoração da praça e, através dos núcleos de educação, proporcionar as apresentações de quadrilhas juninas na praça central, em frente à igreja. Para o autor José Marques de Melo,
A gênese da festa localiza-se no imaginário coletivo, sendo resgatada periodicamente através de fluxos de comunicação interpessoal (parentesco, vizinhança, trabalho) que desencadeiam iniciativas de celebração por parte das instituições sociais (escola, igreja, partido, empresa, governo), cuja intermediação comunicativa suscita o interesse dos veículos de difusão coletiva, que a elas se associam, desencadeando fluxos de comunicação massiva, responsáveis pela mobilização dos indivíduos para participar desses atos comemorativos. (MARQUES DE MELO, 2002, P. 115)
Ainda que cada instituição promova a festa dentro do que cabe a cada uma realizar, talvez seja impossível, no cenário dom-basiliense, imaginar a existência de uma sem a outra, de modo que os acontecimentos pertencentes a ambas se complementam e se realizam em um só movimento, proporcionando à comunidade aquilo que, por apreço, reconhecemos como “a festa de São João de Dom Basílio”.
É comum, por exemplo, que entre os dias 15 e 19 de junho, ao sair da igreja, os fiéis se dirijam à praça central para receber um grupo de estudantes que já está preparado para uma apresentação cultural. Em noites de São João, a praça, espaço cotidianamente vazio, é dividida por uma corda e, desta forma, se define o que é palco e o que é plateia. Em volta da corda, os grandões assistem de pé, enquanto as crianças, sentadas aos pés destes, contemplam toda a beleza que dá vida e movimento à praça da cidade.
Apostando em temáticas variadas, no compasso de danças e encenações, alunos, professores e diretores exibem aspectos de nossa cultura sertaneja e, desta forma, a quadrilha junina em Dom Basílio vai se mantendo presente em nossa tradição, há mais de três décadas.
O encantamento que se sobrepõe às particularidades da festa explica-se pela oportunidade de poder, desde menino, brincar a fogueira de São João e de encantar-se com o colorido das bandeirolas, do trança-fitas e do pote de barro recheado de balas e pirulitos, sem esquecer, contudo, do colorido das sedas e chitas a vestir os quadrilheiros e quadrilheiras, símbolo de resistência cultural do São João em Dom Basílio.
Nas palavras de Larrosa (2014, P. 58) “a experiência é aquilo que nos toca, é aquilo que nos afeta”, portanto, faz-se necessário compreender tais fenômenos como inerentes à vida e à educação do ser humano, no seu precioso caminho de busca para ser e existir, enfim, de pertencer e estar no mundo.
Diante disto, as considerações elencadas aparecem com o intuito de destacar que, no limiar entre fé, folia, folguedo e festa, a manifestação junina, profanamente sagrada e sagradamente profana, celebrada no contexto dom-basiliense, é apenas uma, entre outras tantas, que se destacam no cenário festivo e espetacular brasileiro pelo seu modo de ser, de fazer e de existir.
São João Vivo - Ano I: desafios, dificuldades e resultados alcançados
Se a cultura está estritamente ligada aos costumes de uma determinada época pelas razões concernentes ao contexto social e histórico e pelo modo como se movimentam os sujeitos neste inseridos, é pertinente afirmar que, dentro do eloquente cenário do ano de 2020, estariam os cidadãos dom-basilienses, Vicente de Paulo e Wallas Moreira, instigados a desempenharem o papel social como mobilizadores culturais, a pretexto de contribuírem com a cultural local, ainda que driblando as dificuldades impostas pela pandemia do Covid-19.
Cultura é um termo que apresenta definição abrangente, especialmente quando se consideram as diferentes áreas de conhecimento (SÁ, 2009; HOLANDA, 2011; SILVA, 2011).
Durante muito tempo, a definição dada ao termo “cultura” estava relacionada ao senso comum à ação culta de elitismo. Assim, a cultura destinava-se apenas a uma pequena parte da sociedade (SILVA, 2011).
O interesse por desenvolver um projeto de caráter artístico e cultural, no contexto dom-basiliense, sempre se fez presente como forma de oferecer um retorno à cidade, depois de conduzido o processo da graduação em Teatro (UESB 2011/2015) e, não menos importante, depois dos conhecimentos adquiridos na Especialização em Gestão Cultural (UESC 2019). Depois de quase uma década morando fora da cidade natal, a volta para Dom Basílio, impulsionada pela pandemia, possibilitou dedicar tempo e atenção ao desenvolvimento do projeto, cujo interesse sempre se fez presente.
Discutidos os meios para a realização da ação proposta, foi elaborado um pequeno projeto para a realização de um concurso de decoração das casas, com descrições sucintas para a viabilização dele. Posteriormente apresentado e entregue (cópia em versão impressa) ao gestor responsável pela Secretaria de Educação, Cultura, Esporte, Lazer e Turismo do município e, consequentemente, ao representante do poder executivo, o apoio ao projeto foi categoricamente negado, por parte da gestão municipal.
O projeto se realizou, contudo, graças ao apoio de dois vereadores e de comerciantes locais, através da Associação Comercial do Munícipio, que contribuíram financeiramente para aquisição dos prêmios aos vencedores do concurso. Também apoiaram o projeto Murilo Caires, através da rádio 105 Fm, e Arnaldo Almeida (agitador cultural), em todas as fases de realização.
Avaliadas as possibilidades de realização do concurso, no descortinar do mês mais festivo em Dom Basílio/BA foi anunciada (em entrevista ao vivo na Rádio105 Fm) a realização do concurso de ornamentação junina, ocasião em que a comunidade conhecia os objetivos do projeto e era convidada para realizar as inscrições que, posteriormente, seriam abertas e divulgadas juntamente com o lançamento de um pequeno roteiro elaborado com orientações para a participação no projeto.
Paralelo à vontade de realização da proposta, houve, na fase de pré-produção, uma dúvida muito grande, por parte de integrante da própria equipe de organização, sobre a aceitação ou não da comunidade ao referido projeto. E, por que surgiam dúvidas e inquietações a respeito? Não haverá aqui uma resposta concreta. Mas, talvez, o fato se explique pela condição de conhecer-se o perfil da comunidade e entender-se que, normalmente, ela está mais predisposta às críticas, se comparado com as ações do próprio fazer.
Havia uma convicção forte sobre a necessidade de realizar o projeto, entendendo que, na própria dinâmica de realização, a comunidade se beneficiaria com o resultado da ação cultural; ação, aliás, de cunho raríssimo para o contexto e por assim ser pode-se afirmar que o próprio fazer já estaria legitimado pela tentativa em oferecer à comunidade uma ação/produto de tal natureza.
Ainda que não houvesse nenhuma inscrição, como muitas vezes fora pensado, posteriormente seria tranquilo imaginar que o projeto “não se realizou” não por falta de tentativa. Para a equipe de produção, durante o período de pré-inscrições, fora salientado, insistentemente, que, na possibilidade de inscrição única, seria a residência inscrita contemplada com o valor total arrecadado para a premiação.
Ainda que o número de inscritos tenha sido baixo, na primeira edição do projeto, ao menos foi capaz de trazer respostas aos organizadores do concurso, no que tange à aceitação do projeto pela comunidade, bem como foi possível realizar todas as etapas, conforme planejado. Do total de 8 (oito) propostas, as 5(cinco) melhores seriam selecionadas pela equipe de organização e, posteriormente, seriam disponibilizadas para o voto popular.
Se considerada a extensão geográfica e o número populacional do município, percebe-se, de imediato, que oito inscrições parecem muito pouco, algo que facilmente poderia ser associado ao insucesso do projeto. Conquanto acreditasse-se que os resultados da ação proposta estariam desvinculados do quantitativo de inscrições, mais que comemorar os números foi possível celebrar mediante as reverberações geradas a partir da própria realização do concurso. Com participações tanto da sede quanto da zona rural do município, as inscrições foram confirmadas através do recebimento de formulário on-line preenchido eletronicamente, conforme segue demonstrativo abaixo. Com o propósito de preservar a identidade dos participantes inscritos, estes terão seus nomes substituídos por nomes fictícios, conforme tabela abaixo.

As reverberações que ocorreram a partir da realização do concurso mostraram, em diferentes aspectos, a importância e a necessidade do fazer cultural. Com as casas enfeitadas, os participantes relataram que a comemoração junina, na noite do dia 23 de junho, foi mais animada. Diferente do costume festivo, normalmente ocorrido em praça pública, outro relato bastante presente na comunidade revelou a importância de comemorar a data em casa, desfrutando, de forma mais direta, a presença dos próprios familiares.
É também pertinente registrar os relatos que revelam a integração e o envolvimento familiar na preparação dos ornamentos entre adultos, jovens e crianças. Outro ponto a ser destacado refere-se às homenagens póstumas nos títulos da decoração de algumas casas, como no “Arraiá do Barbosão” e “Tributo ao Vei Henrique” figuras que, com certeza, deixam suas marcas na vida daqueles que se propuseram a homenageá-los.
Ao relatar aspectos concernentes à realização do projeto é conveniente insistir quanto à legitimidade do mesmo, pois se pode concluir que sua realização contribuiu parcialmente para o processo de formação cultural, inclusive de crianças e adolescentes, que, imersos, seja no fazer ou mesmo na observação do próprio fazer, naturalmente aprendem e se constroem sujeitos observadores e, consequentemente, íntimos e pertencentes à cultural local.
A cultura pode ser definida, considerando uma percepção mais sociológica, como todas as práticas, as ideias, os valores, bem como todos os objetos materiais que são criados para contribuir com as várias reflexões de questões concretas (SÁ, 2009).
Atestando mais concisamente os impactos da ação realizada, é possível dimensionar a abrangência e alcance do projeto quando em sua fase de voto popular, através da internet. Por meio de enquete realizada a fim de eleger a residência campeã, os munícipes colocaram-se como participantes indiretos do projeto, por meio do voto (curtidas – via facebook). Além do alcance municipal, uma vez lançado em rede social, o projeto pode também contar com a participação de internautas de fora do município e isto pode, ligeiramente, computar como uma proposta de relevância para a projeção do projeto, da cidade e da cultura local.
Neste sentido, Ziviane (2017) diz que a cultura passa a ser compreendida como algo relacionado à produção de sentidos e significados. Assim a comunicação é colocada no centro do processo como um importante elemento para o desenvolvimento de significações e valores.

De posse dos resultados, se ocupariam agora, os organizadores do concurso, da entrega dos prêmios aos vencedores (1º Lugar R$ 500.00, 2º Lugar R$ 300,00 e 3º Lugar 200,00), bem como lidar com as inquietações, comentários e julgamentos maldosos a respeito dos resultados obtidos e das estratégias de votação.
Conhecendo o perfil da comunidade e sabendo que a mesma não reagiria diferente ao anunciado, a estratégia consistiu apenas em ouvir e deixar que todo o burburinho não se consolidasse como um elemento desmotivador para uma possível realização do mesmo concurso no ano seguinte.
Projeto São João Vivo Ano II – A “mesma” festa, novos desafios
Motivado pelo desejo de desenvolvimento da cultura local, bem como na aposta de realização do Projeto São João Vivo, no dia 27 de março de 2021 já era anunciada na rádio FM a possibilidade de realização de sua 2ª edição. Convidados uma vez mais para somar forças no desenvolvimento do projeto, foram apresentadas aos demais agitadores culturais a importância e a pertinência de continuidade dessa ação cultural. Exposto o fato de que as ações do projeto (2020) haviam se desdobrado em reflexões acadêmicas para o curso em Gestão Cultural da UESC, o fato pareceu servir de estímulo aos demais companheiros de jornada.
Vale destacar os efeitos da participação de cada um dos envolvidos, de modo a visibilizar a potência das partes na realização do todo. Mesmo com o conhecimento de velhas dificuldades, o firmamento do SIM era, sem dúvida, a disposição em realizar e tratar antigas batalhas como novos e persistentes desafios; e, assim foi. De modo ainda muito tímido, tanto quanto carregado de certa inexperiência no trato com a “Produção Cultural”, assim caminhou a fase de pré-produção, ao passo que não existiam definições, acordos e divisões de tarefas entre os agentes organizadores. Imersos cada qual em suas atividades de rotina, a não definição de tarefas foi o que motivou o verdadeiro “esperar pelo outro” e, sem dúvida, um ponto crucial de autocrítica na avaliação final.
Já era 15 de maio quando foram iniciadas as chamadas em rádio FM para as inscrições de casas no projeto São João Vivo. Uma semana após, mais precisamente no dia vinte e dois de maio de dois mil e vinte e um, em entrevista, ao vivo, pelo Programa Murilo Com Você, através da Rádio 105 FM (Apêndice A) os agitadores culturais Vicente de Paulo e Wallas Moreira esclareciam os detalhes do projeto e convidavam a comunidade para participação dele.
Considerando o modo como cada um podia fazer naquele momento, foi solicitado a alguns representantes comerciais o valor de 1.000,00 (hum mil reais) para o pagamento de 1º lugar no concurso. Assim foi com o segundo apoiador, 750,00 (setecentos e cinquenta reais) e, consequentemente, com o terceiro, 500,00 (quinhentos reais). Em todos os casos as premiações foram garantidas em vale-compras, em cada uma das casas comerciais apoiadoras. Os valores de premiação podiam e podem parecer muito pouco, mas, para a realidade do contexto já significavam bastante e, por ora, superavam as metas e expectativas de seus organizadores, em relação ao ano anterior. Outra meta que seria superada na 2ª edição seria a doação de um balaio junino, como prêmio simbólico, para cada um dos vencedores, possibilitado pela parceria com um supermercado local.
Por último, também como premiação, todavia apenas para o primeiro lugar, em 2021 seria entregue o “estandarte de ouro”: estandarte confeccionado pelo artesão Vicente de Paulo com a imagem de São João Batista, conforme já citado, padroeiro da cidade de Dom Basílio. O estandarte se insere na premiação como prêmio dinâmico e cíclico, de modo que na próxima edição do concurso ele será passado para a casa vencedora em 1º lugar.

Divulgadas as normas de participação no concurso através da rádio FM, posteriormente seria disponibilizada a convocatória, seguida de formulário on-line para inscrição dos interessados. Superados os desafios de encontrar apoiadores para as premiações e depois de todas as demandas pertinentes, ao fim do período de inscrição veio a surpresa maior: nenhum inscrito. Isto causou inquietação aos organizadores.
É importante destacar que durante o período de inscrição já havia inúmeras casas decoradas pela cidade. Para a maioria dos agentes envolvidos na produção, composta por quatro pessoas, cancelar o concurso não seria a melhor opção. Logo, decidiu-se por prorrogar as inscrições e buscar aproximar-se de alguns munícipes, cujas casas já estavam decoradas, e pedir que estes se inscrevessem no concurso. Ao término do período de inscrições (2ª chamada) tinham-se quatro residências inscritas e, desta forma, foi possível seguir com os encaminhamentos do concurso até o seu desfecho final. Diante do baixo número de inscrições, todas as propostas inscritas foram, automaticamente, encaminhadas para o voto popular, conforme demonstradas no quadro a seguir.

Das quatro propostas, uma seria eliminada, de acordo a porcentagem de votos na enquete realizada via instagram (@rádio105fmoficial). Em historys diferentes foram lançadas as propostas de casas (1 e 2) e (3 e 4). Após o período de 24 horas de votação foi analisado o histórico de dados disponibilizado pelo aplicativo e verificaram-se as posições de cada concorrente, no referido concurso.

O resultado oficial do concurso foi divulgado no dia 24 de junho (rede social da rádio 105 fm) e, no dia 25, os prêmios foram entregues a cada um dos ganhadores em frente as suas respectivas residências, conforme registrado e apresentado a seguir.

Da foto acima destaca-se a vestimenta das irmãs Barbosa que, pelo segundo ano consecutivo, participam do projeto, com pleno envolvimento e aderindo à proposta. Usando a criatividade em favor da ornamentação da casa, as senhoras “Amor-perfeito, Flor de Juá e Sempre Viva”, assim como as crianças, também apareceram caracterizadas no vídeo de divulgação da casa, o mesmo que seria visto e analisado pelo público em geral. Diante de tal posicionamento, considera-se a escolha como um grande acerto, uma vez que se inserem na decoração como enfeites vivos e dinâmicos. As escolhas para tornar a decoração residencial mais atrativa são as mesmas que, direta ou indiretamente, vão despertando nas crianças o gosto e a identificação pela cultura local. Estas não veem apenas os mais velhos fazendo, mas participam, vivamente, em um só movimento, e, assim, se vão construindo sujeitos pertencentes de todo o processo.

Também com o bis de participação neste segundo ano de realização, o Arraiá do Ribeiro Virgulino conquistou o prêmio de segundo lugar. A simplicidade da casa e do homem de 77 anos, nos dois anos de intervenção nunca representou uma barreira para que pudesse participar do projeto. Chama atenção nesta residência o fato de a família reunir os poucos objetos que possui para caracterizar a fachada da casa e, assim, garantir um lugar na brincadeira. O colorido das bandeirinhas juninas, resquícios da decoração de rua de um São João passado, contrasta com o cinza do cimento exposto de uma parede inacabada, tingida em sua parte inferior por um leve tom terroso, a única e possível tintura recebida até hoje, uma mistura da terra do chão batido com a água da chuva que por ali respingou ao longo dos anos.
Em uma rápida análise, constata-se que o diferencial desta proposta consiste na determinação das filhas, netos e netas de seu “Fulô de Mandacaru”. São eles os responsáveis por todo o processo, desde a inscrição virtual até a distribuição dos ornamentos, e os mesmos que não desanimam quando lhes parece limitada a possibilidade de investir financeiramente em qualquer bibelô decorativo. O Arraiá do Ribeiro Virgulino é um retrato vivo que nos convida à transgressão do olhar, nos dá a chance de jamais esquecer o lugar de nascimento da cultura popular, e que toda a sua beleza surge de processos similares ao da decoração de “seu Fulô” e, desta forma, sobrevive, porque é exatamente a simplicidade a sua maior força.

Participando pela primeira vez do concurso, a família Oliveira (Caiçara da Barra – zona rural do munícipio) nos surpreendeu pela ousadia no projeto. Além da fachada da casa, a ornamentação se estendeu pelo grande terreiro, o mesmo onde adultos e crianças celebraram em volta da fogueira de São João, na noite do dia vinte e três de junho. A família Oliveira apostou desde o cercado com palhas de coqueiro, delimitando, o arraiá no imenso terreiro, até à construção de uma pequena “bodega” de onde sairiam os “comes e bebes” de toda a festança. No ato de entrega da premiação de 3º lugar, encontramos uma família bastante animada, não apenas com os prêmios recebidos, mas feliz pela participação no concurso. Em um breve bate papo, as integrantes da família Oliveira ressaltaram a importância do projeto e, conforme relatado por “Fulô de Umbuzeiro”, responsável pela inscrição no concurso, “a ornamentação completa o sentido de toda a festa, trazendo mais alegria e diversão para todos os envolvidos”.
Resultados alcançados
Diante do insalubre e escasso movimento artístico-cultural na cidade de Dom Basílio, uma fagulha de expressão artística, no contexto citado, nos rouba, no melhor dos sentidos, a possibilidade de inércia e contemplação do não-realizado e do não-vivido e nos devolve também, no melhor dos sentidos, a alegria da festa e a comunhão coletiva através da arte e da cultura popular.
Apontados os caminhos de desafios e dificuldades na realização do projeto, elucidar os ganhos e as conquistas do processo reaviva a noção e o compromisso de entender a necessidade de manter aquilo que se tem produzido.
Com base nos efeitos que por hora são gerados a partir da realização do concurso, o projeto cumpre o seu dever, social e culturalmente, dada a possibilidade de refletir os sentidos por ele provocados, individual e coletivamente, descrevendo o cotidianamente observado pelo autor deste artigo, quer sejam estes efeitos positivos ou negativos.
Com a intenção de mobilizar a participação dos moradores e obter o maior número possível de inscritos, desde a primeira edição do projeto os prêmios foram pensados como mecanismos para despertar o interesse e estimular a comunidade à adesão da proposta. No entanto, o que se tem notado, em alguns casos, são pessoas dizendo enfeitar as casas sem o interesse em concorrer aos prêmios; logo, lidar com a falta de participação do público por meio das inscrições formalizadas, na condição de concorrentes aos prêmios, coloca em cheque a dinâmica pensada e, sobretudo, a continuidade do concurso neste modo de fazer.
Diante dos fatos, o que explicaria a baixa quantidade de participantes no concurso nos termos formais de sua convocatória? Não cabe aqui uma resposta concreta, ao passo que não existem conclusões definidas para tal fenômeno. No entanto, a partir do que pode ser observado, aparecem como possibilidades os fatos destacados: 1- falta de interesse pela maioria da população, 2- custos de produção, 3- bloqueio de criatividade (há pessoas que dizem não saber fazer “essas coisas”), 4- recusa à exposição da própria ornamentação por julgarem-se inferiores a outros projetos (casas) e 5- recusa à estética do simples, das palhas e das chitas, elementos característicos da festa junina.
Para Amphilo (2013), Luiz Beltrão, pioneiro da teoria da Folkcomunicação, enxergava os meios de comunicação como um importante instrumento de transformação. Assim, levantou duas possibilidades em decorrência da falta de reação positiva do povo frente aos estímulos promovidos pelos meios massivos, a saber: a) o povo não reagia porque não compreendia as mensagens; ou b) as necessidades e as reivindicações do povo não estavam sendo atendidas pelas mensagens.
Ainda que a adesão à proposta não seja tomada pela maioria dos moradores, se observadas as casas que foram ornamentadas, sem necessariamente estarem inscritas no concurso, vê-se, embora ainda de modo muito tímido, que a ideia do projeto começa a tomar corpo pela cidade. Neste contexto, é possível observar que determinados moradores enfeitam as casas por se sentirem influenciados pela ornamentação da casa vizinha ou, em outros aspectos, são estimulados pelo próprio convite/divulgação da equipe proponente, fato que pode ser considerado como ponto positivo dentro da ação.
A mobilização da comunidade pode, portanto, e em certa medida, ser justificada pela compra indireta da ideia, e, caso assim continuar, pode ser que, em alguns anos, a ideia do Projeto São João Vivo tenha cumprido o seu papel: realizar-se de forma livre e independente, pela própria comunidade, sem necessariamente precisar de convites ou mesmo inventar pretextos de premiação, com fins de convencimento à ornamentação junina.
Assim sendo, à medida que passem os anos e ao passo que seja vencida a Pandemia do Covid-19, a ideia do projeto poderá ser mantida e jamais extinta, pelo simples fato de ter nascido a pretexto de curtir o São João em casa, quando limitados pela ausência das tradicionais festas dançantes em praça pública.
Considerações finais
A tomada de decisão para falar sobre o Projeto São João Vivo possibilitou uma descrição detalhada da ação, ao passo que foram descritos também os modos de fazer e os modos de participação da comunidade.
A utilização dos meios de comunicação de massa para alcançar o público, bem como divulgar os encaminhamentos de cada fase do concurso pode ser entendida como um caminho necessário de acompanhamento às transformações sociais, culturais e comunicacionais do tempo e espaço. Observa-se neste contexto que há no movimento proposto uma ressignificação das práticas culturais e assim pode-se perceber um entrelaçamento da cultura popular e a cultura de massa, reafirmando a coerência do estudo folkcomunicacional conforme esmiuçado por Beltrão.
Destaca-se a utilização da rádio fm, tanto quanto a utilização das redes sociais facebook e instagran, como procedimentos capazes de somar às ações no tocante às manifestações populares. O uso de tais meio de comunicação contribuiu, portanto, para a manutenção da festa por parte da comunidade através da decoração das casas.
Os estudos folkcomunicacionais favorecem a análise dos contextos onde as manifestações populares acontecem, considerando os espaços e os aspectos simbólicos de significações presentes na cultura popular e como elas “negociam” com a cultura hegemônica.
Para o autor José Marques de Melo (2008)
A folkcomunicação adquire cada vez mais importância pela sua natureza de instância mediadora entre a cultura de massa e a cultura popular, protagonizando fluxos bidirecionais e sedimentando processos de hibridação simbólica. (MARQUES DE MELO, 2008, P. 25).
Desde o princípio, o projeto fora pensado como meio de diminuição dos impactos causados pela ausência da festa junina, por conta da pandemia; logo, o trabalho em questão trouxe reflexões acerca da produção cultural durante o período junino na cidade de Dom Basílio/BA. Além do caráter salutar de entretenimento da população em um momento específico, a produção do projeto no referido contexto também se fez necessariamente importante, uma vez que eventos de tal natureza são apagados do cotidiano da referida população.
No momento em que a comunidade é convidada a produzir artisticamente sobre a temática de uma festa que em muito lhe representa cultural e religiosamente, surge então a oportunidade de expressões diversas – pintar, cantar, dançar, tocar, batucar -, e por meio destes e de outros saberes e fazeres estes movimentos vão se constituindo como elementos simbólicos e de representação da localidade.
Somados aos fatores acima citados, destaca-se o pertinente desejo em contribuir com a festa junina local que, ao longo dos seus 150 anos, já fora contornada pelo fazer lúdico de personagens que ainda habitam o imaginário saudosista da população mais velha da cidade. São personagens que, a seu tempo, contribuíram com a dinâmica da festa, a partir da realização de folguedos e brincadeiras, hoje expressões não mais presentes no cenário festivo dom-basiliense.
O projeto São João Vivo, mesmo com todas as dificuldades da primeira edição, nos mostrou o lado positivo de sua realização e, a partir disso, realizou-se o Ano II. Quanto ao alcance dos objetivos, podemos destacar a participação indireta da comunidade (através da ornamentação sem inscrição no concurso e da participação na votação). Mesmo que algunsmoradores enfeitavam as residências sem quererem participar do concurso, com certeza podemos considerar tal movimento como um grande resultado conquistado dentro da ação.
Ainda que pudéssemos vislumbrar um maior número de participações, tanto na forma direta quanto na forma indireta, considerar as casas ornamentadas “não inscritas” (algo não superior 30 residências) é uma das possibilidades para considerarmos como ganho efetivo em todo o projeto.
A adesão indireta nos faz acreditar na validação deste e na necessidade permanente de incentivo à comunidade para que o número de adeptos possa se tornar mais expressivo a cada ano, mesmo que neste momento não possamos dizer nada quanto à continuidade do projeto nos anos subsequentes.
Podemos, contudo, concluir neste instante, que a produção cultural do referido projeto, ainda que de forma pontual e breve, deixa para a cidade importantes contribuições artísticas e culturais e se legitima como acontecimento ímpar durante os festejos juninos na cidade, nos anos 2020 e 2021.
Tão logo chegue o fim da pandemia e retornem as comemorações juninas em praça pública, a comunidade terá despertado para a ornamentação das casas como parte destes festejos, deixando a cidade mais viva, mais alegre e com mais cores, durante os festejos de São João. E para o caso de nada disso ser possível, terá o projeto e os seus fomentadores cumpridos o papel social, histórico e cultural no seu tempo e lugar.
Por fim, com o desejo de que germine a semente plantada, podemos imaginar que, à medida que passem os anos e as pessoas continuem a decorar suas casas, estará a cidade vestida de uma nova ordem, de um novo costume e, portanto, de uma nova tradição. Caso isso não ocorra, podemos imaginar, conforme nos propõe Fábio Martins Neves (2004, p. 32) “a festa com tudo o que ela representa, talvez seja um dos remédios para os males de quem fica. Talvez não seja a morte que nos ronda em dias de festa e sim a dádiva da festa que, nos momentos de morte, ameniza um pouco as nossas dores”. Por assim pensar, podemos inferir que o projeto São João Vivo talvez tenha, em certa medida, nos servido como paliativo às mazelas de nosso tempo e, que, portanto, a dádiva da festa, em tempos de pandemia tenha contribuído para nos mantermos socialmente conectados e culturalmente vivos em comunhão com a festa e as tradições do nosso povo e lugar.
Referências
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Notas de autor