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Ética da tolerância e seus inimigos: imprecisão conceitual de pluralismo, permissivismo e relativismo como obstáculo a seus próprios ideais

Ethics of tolerance and their enemies: conceptual imprecision of pluralism, permissivism and relativism as an obstacle to their own ideals

Ética de la tolerancia y sus enemigos: imprecisión conceptual de pluralismo, permisivismo y relativismo como obstáculo a sus propios ideales

Caleb Salomão Pereira
Faculdade de Direito de Vitória, Brasil
João Maurício Adeodato
Faculdade de Direito de Vitória, Brasil

Ética da tolerância e seus inimigos: imprecisão conceitual de pluralismo, permissivismo e relativismo como obstáculo a seus próprios ideais

Revista Opinião Jurídica, vol. 17, núm. 26, pp. 13-41, 2019

Centro Universitário Christus

Recepção: 20 Maio 2018

Aprovação: 30 Abril 2019

RESUMO: Os direitos humanos constituem um marco para uma ética da tolerância. Partindo dessa premissa, o artigo reconhece na democracia e no constitucionalismo contemporâneo, simultaneamente, um depositário e uma fonte dessa ética, e afirma que esta pode ser enfraquecida pelo efeito prático da interpretação de determinadas propostas epistemológicas jurídico-políticas. Notando o risco de subversão dessas propostas por meio de sua implementação irrefletida, o texto articula reflexões sobre como o ideal da tolerância, essencial aos direitos humanos, pode perder suas potencialidades emancipatórias a partir de uma estratégia retórica que se serve de imprecisões conceituais ao tratar de temas como multiculturalismo e pluralismo, que hoje atraem simpatias ao discurso humanístico, para promover determinados tipos de relativismos e permissivismos capazes de inviabilizar o cumprimento das promessas do constitucionalismo e de seu conteúdo ético, gerando os paradoxos da tolerância. Estes, quando admitidos acriticamente em nome de excessiva maleabilidade moral, relativizam excessivamente os valores que ordenam a sociedade e ameaçam o próprio ideal que lhes deu origem, colocando sob risco a sobrevivência da própria ética da tolerância e subvertendo o substrato moral da ideologia da tolerância.

Palavras-chave: Ética da tolerância, Ideologia e Direitos humanos, Pluralismo, Multiculturalismo, Relativismo.

ABSTRACT: Human rights constitute a milestone for an ethic of tolerance. From this premise, this article recognizes in contemporary constitutionalism, simultaneously, a depository and a source of this ethics, and affirms that this can be weakened by the practical effect of the interpretation of certain constitutional epistemological proposals. Aware of the risk of subversion of these proposals through its unrecfletive implementation, the text articulates reflections on how the ideal of tolerance, essential to human rights, can lose its emancipatory potentialities from a rhetorical strategy that uses the imprecise concepts of multiculturalism and pluralism, which today attract sympathies to the humanistic discourse, to promote a permissivism that can weaken certain promises of constitutionalism and its ethical content, generating the paradoxes of tolerance. These, when admitted uncritically in the name of excessive moral malleability, excessively relativize the values that order society and threaten the very ideal that gave them origin, putting at risk the survival of this same ethic of tolerance.

Keywords: Ethics of tolerance, Ideology and Human rights, Pluralism, Multiculturalism, Relativism, Permissivism.

RESUMEN: Los derechos humanos constituyen un marco para una ética de la tolerancia. A partir de esta premisa, el artículo reconoce en la democracia y en el constitucionalismo contemporáneo, simultáneamente, un depositario y una fuente de esa ética, y afirma que ésta puede ser debilitada por el efecto práctico de la interpretación de determinadas propuestas epistemológicas jurídico-políticas. El texto articula reflexiones sobre cómo el ideal de la tolerancia, esencial a los derechos humanos, puede perder sus potencialidades emancipatorias a partir de una estrategia retórica que se sirve de imprecisiones conceptuales al tratar de temas como multiculturalismo y pluralismo, que hoy atraen simpatías al discurso humanístico, para promover determinados tipos de relativismos y permisivismos capaces de inviabilizar el cumplimiento de las promesas del constitucionalismo y de su contenido ético, generando las paradojas de la tolerancia. Estos, cuando admitidos acriticamente en nombre de una excesiva maleabilidad moral, relativizan excesivamente los valores que ordenan la sociedad y amenazan el propio ideal que les dio origen, poniendo bajo riesgo la supervivencia de la propia ética de la tolerancia y subvirtiendo el sustrato moral de la ideología de la tolerancia.

Palabras clave: Ética de la Tolerancia, Ideología y Derechos Humanos, Pluralismo, Multiculturalismo, Relativismo.

1 INTRODUÇÃO: VERDADE E SEGURANÇA

Este trabalho reconhece o impacto da ética da tolerância sobre o conjunto axiológico articulado no interior do constitucionalismo contemporâneo e também sobre a sua dogmática jurídica. Por isso, considerando aspectos da democracia e dos direitos humanos, pretende refletir sobre as interações entre política, moral e direito na construção de paradigmas tolerantes e os possíveis efeitos destes na ordenação jurídico-normativa.

Para dar cabo da proposta epistemológica aqui apresentada, far-se-á breve digressão histórica sobre a tolerância e os direitos humanos, sublinhando-se a ideologia que tem sido conduzida e representada por esse último conceito, a qual pode pôr em risco as próprias premissas humanísticas de suas origens e sentidos primordiais se forem por demais radicalizadas. Da retórica dos direitos humanos deve se exigir responsabilidade consequencialista a fim de afastar a subversão de seus próprios ideais e de manter coerência histórica com o humanismo que lhe deu origem. Sendo a ética da tolerância o corolário da democracia e dos direitos humanos, é preciso investigar em que momento os fundamentos dessa ideologia da tolerância podem ser erodidos pela interpretação extensiva e pela implementação irrefletida de certos valores que constituem esse próprio ideal.

No início de sua Breve história da humanidade, Harari (2015, p. 26) afirma não ser a tolerância uma marca registrada do homo sapiens. Destacando que “nos tempos modernos, uma pequena diferença em cor de pele, dialeto ou religião tem sido suficiente para levar um grupo de sapiens a tentar exterminar outro grupo”, o historiador de Jerusalém especula se os sapiens antigos teriam sido mais tolerantes com uma espécie totalmente diferente: “É bem possível que, quando os sapiens encontraram os neandertais, o resultado tenha sido a primeira e mais significativa campanha de limpeza étnica da história.”

A intolerância sublinhada por Harari talvez tenha origem nos diferentes sentimentos despertados pela tensão existencial. Tais diferenças - decorrentes das subjetividades e das características ambientais e culturais - vão se revelar nas linguagens interpretativas da existência, o que remete à percepção de que, depois de criar o mito como meio de conciliar a consciência com as precondições da sua existência, isto é, com a natureza da vida (CAMPBELL, 2008, p. 31), o homem prosseguiu em sua busca por segurança e por alguma forma de verdade a ser descoberta nas religiões e nas diferentes formas de racionalidade, donde surgiu a ciência. Embora humanismo, historicismo e ceticismo tenham desafiado as posturas éticas da civilização ocidental desde seus primórdios, as certezas sempre foram dominantes. Nesse percurso, fez-se a ontogenia do supostamente perfectível “homem de convicção” de Nietzsche, o qual deve ser evitado, porque sua personalidade não lhe permite respeitar os relatos externos concorrentes:

Que ninguém se deixe induzir em erro: grandes espíritos são céticos. Zaratustra é um cético. A força, a liberdade que vem da força e sobreforça do espírito prova-se pela skepsis. Homens de convicção, em tudo o que é fundamental quanto a valor e desvalor, nem entram em consideração. Convicções são prisões1 (NIETZSCHE, 1988a, p. 236, tradução nossa).

Harari (2016, p. 205) não valoriza a verdade como fim na ciência ou mesmo na religião e afirma que tal interesse se verifica apenas em teoria: a religião estaria interessada acima de tudo em ordem, tendo por objetivo criar e manter uma estrutura social; a ciência estaria interessada acima de tudo no poder. Nas palavras do próprio autor: “Como indivíduos, cientistas e sacerdotes podem atribuir imensa importância à verdade, mas, como instituições, ciência e religião preferem respectivamente ordem e poder acima da verdade. Por isso eles são bons companheiros.” Segundo Harari (2016, p. 205), por isso seria “muito mais correto considerar a história moderna como o processo de formulação de um acordo entre a ciência e uma religião específica - ou seja, o humanismo. A sociedade moderna acredita em dogmas humanistas e usa a ciência não para questioná-los, e sim, ao contrário, para implementá-los.”

Ao tratar o humanismo como religião, Harari (2016, p. 228) afirma que “o cerne da revolução religiosa da modernidade não foi perder a fé em Deus, e sim adquirir fé na humanidade”, fazendo surgir o que ele denomina religião humanista, fenômeno somente tornado possível com a racionalidade incipiente nos séculos XV e XVI, burilada nos seiscentos e radicalizada nos setecentos, a qual - se foi posta a serviço da ciência e da técnica - não se desprendeu de suas origens metafísicas.

Pode-se contrariar a relativização de Harari (2016, p. 205) acerca da função da verdade para as instituições religião e ciência a partir da evidência de que, em ambas, a verdade tem grande relevância retórico-instrumental. Na perspectiva individual, a verdade é relevante para o cientista e para o religioso; mas tal relevância se agiganta quando o indivíduo - imerso na racionalidade moderna e nas suas tecnologias - constata que verdades podem ser compartilhadas e, assim, transformadas em meios de obtenção de ordem e poder. Se a verdade não é o fim, ela será o meio.

A ideia da verdade, em suas diferentes expressões, será o guia da racionalidade moderna, sobretudo no pensar político e jurídico, revelando uma inevitável ambiguidade do homem na tensão existencial, ambiguidade esta que levará ao reconhecimento de sua condição de - para usar rica expressão de Ortega y Gasset (1991, p. 29) - centauro ontológico. Para o filósofo espanhol, “o ser do homem tem a estranha condição de que, por um lado, está vinculado à natureza, por outro, não, já que é a um tempo, natural e extranatural, [...], cuja metade está originalmente imersa na natureza, mas a outra metade transcende-a.” Perspectivas historicistas demonstram que, em qualquer de suas porções, o homem-centauro perseguirá o Absoluto. Seja pela via teológica, seja pelos esforços racionais antropológicos, o atávico imperativo da segurança existencial induzirá o homem a perseguir um ideal merecedor de devoção em razão de pretensa absolutidade. Há, no humano, resistência atávica ao ceticismo (ADEODATO, 2010, p. 118), sendo-lhe penoso emocional e intelectualmente inclinar-se a um ceticismo que reconhece sua finitude, como propõe Marquard (2012, p. 17) e sua filosofia da finitude, a qual não vê no homem um ser absoluto.

Nota-se, na racionalidade surgida da revolução religiosa, um modo de transferência de valores entre dois mundos apresentados, ao que parece equivocadamente, como antagônicos, a saber, o da religião e o da ciência, os quais vão cooperar com fortalecimento do humanismo moderno. É a partir da organização psíquica, gramatical e política das racionalidades modernas que se assiste a uma intensa institucionalização de princípios que - postos a serviço do homem no político - ensejarão um sentimento de quase sacralização do humano, o qual inspirará gerações de intelectuais, a exemplo de Voltaire e Durkheim, que se levantaram contra a intolerância e o preconceito, religioso e étnico, respectivamente.

Durkheim (2007) notou a mudança na direção da valorização do individualismo centrado na concepção do homem como um ser sagrado - no sentido ritual da palavra - a partir do qual o bem deve se distinguir do mal. Ele afirma: “Quem quer que atente contra a vida de um homem, a liberdade de um homem, a honra de um homem, nos inspira um sentimento de horror, análogo àquele sentido pelo crente que vê profanarem seu ídolo.” (DURKHEIM, 2007, p. 301).

A visão de Durkheim acerca da pessoa humana sacralizada é objeto de reflexão de Hans Joas, para quem - distinguindo-se dos iluministas - de modo algum, o homicídio era o mais grave dos crimes na história do direito penal moderno e pré-moderno. Joas (2012, p. 79) nota que “o crime mais grave geralmente era o que se voltava contra o núcleo sagrado de um sistema comunitário”, sendo mais “plausível remontar as mudanças no direito penal a mudanças na compreensão do sagrado.” Esse sociólogo alemão afirma (JOAS, 2012, p. 79): “Nessa perspectiva, as reformas do direito e da práxis penais, assim como, por exemplo, a gênese dos direitos humanos no final do século XVIII, são expressões de um deslocamento cultural de grande alcance, mediante o qual a própria pessoa humana se transforma em objeto sagrado.”

Por meio do processo de sacralização da pessoa, desenvolvem-se as referidas religiões humanistas, que “cultuam a humanidade, ou mais corretamente, o Homo sapiens”, e têm por principal dogma o humanismo e suas verdades, consistindo na “crença de que o Homo sapiens tem uma natureza única e sagrada, que é fundamentalmente diferente de todos os outros animais e todos os outros fenômenos.” (HARARI, 2015, p. 238). Se, para o humanismo, “o bem supremo é o bem do Homo sapiens” (HARARI, 2015, p. 238), e se a sacralidade da pessoa humana, conforme destacado por Durkheim e corroborado por Joas, embasa novas formas de relação com o homem, essa nova condição humana suscitará a “aspiração à tolerância em função duma revolta da consciência à ideia de determinados atos” (HÉRITIER, 1999, p. 112), remetendo àquele sentimento de horror referido por Durkheim. A antropóloga Héritier (1999, p. 112) declara:

É nesta revolta íntima, espontânea, da consciência relativamente a determinados atos, que nos baseamos para procurar o que é possível chamar de invariáveis das sociedades humanas, isto é, não comportamentos universais invariáveis, mas componentes estruturais que não podem deixar de existir, independentemente das diversidades das culturas.

Foi com o fito de elidir essas revoltas íntimas da consciência diante de certos atos ofensivos ao novo status do homem que se deu a institucionalização das novas racionalidades constituintes do que se denominará, neste trabalho, de ideologia da tolerância, inclusive aquelas próprias do Direito, tanto por meio de sua politização, nas Declarações, quanto por meio de sua juridicização, nas Constituições. Esse último fenômeno constitui o direito que - nas sociedades complexas - cria um ambiente ético-político comum capaz de propiciar a tolerância e reduzir os níveis de dominação de um ser humano por outro (ADEODATO, 2014, p. 354).

A democracia passa, então, a corolário fundamental de uma ética da tolerância, pois, numa sociedade hipercomplexa, o consenso se torna extremamente difícil e a persuasão tem papel muito limitado no controle dos conflitos. É preciso, portanto, que o poder político seja fragmentado e temporalizado, isto é, a todo tempo submetido a novos escrutínios, na procura por um ambiente que absorva a diversidade ética que caracteriza a complexidade atual.

Adotando a visão aqui delineada, neste trabalho, a ideologia da tolerância é vista como sustentáculo moral da democracia, do estado constitucional de direito e dos direitos humanos, fenômenos dependentes do pluralismo de saberes e de valores. Em busca da compreensão desse fenômeno ideológico tão prolífico, o trabalho reconhece que a ideologia da tolerância é um imperativo do humanismo resultante da virada intelectual provocada pela Renascença e pelo Iluminismo, quando “as filosofias novas abandonam a antiga imagem de um universo concebido como uma totalidade indivisível e colocam o princípio de que só pode haver verdade e sentido partindo do homem.” (NAY, 2007, p. 212).

Embora disseminada muito lentamente, dado o défice educacional da quase totalidade das pessoas, as provocações da filosofia naqueles séculos produzem novos instrumentos de compreensão da existência, estimulando a razão e realçando o indivíduo e a ideia de liberdade, tudo em homenagem ao homem e aos seus ideais de justiça. Nay (2007, p. 240), explicando as consequências do Iluminismo, afirma que “o combate contra os preconceitos que perseguem o mundo não tem sentido, a não ser que permita forjar uma sociedade mais justa; por isso, o objetivo da nova filosofia é claramente colocar o conhecimento a serviço de uma reforma global da sociedade, de seus costumes e de suas leis.”

Em nome do homem reposicionado pelos processos revolucionários que não visavam a destruir a teologia, mas promover crenças antropológicas, a tolerância se converte em artigo de fé, inserindo-se nesse novo contexto jurídico-político, no qual se estimulam diversos pluralismos e também se assiste ao “nascimento do movimento constitucionalista” (NAY, 2007, p. 246), ainda que as promessas de liberdade, igualdade e de fraternidade não sejam cumpridas a contento.

No mundo moderno, paradoxalmente, a própria ideologia da tolerância passa a ensejar comportamentos desagregadores da ordem pretendida, pois são causadores da revolta da consciência. Mutatis mutandis, tal fenômeno remete ao dilema exposto por Platão (2014, p. 330) quando destaca o paradoxo da liberdade afirmando que “todo excesso provoca geralmente uma reação violenta”, o que se verifica mormente na política, “pois o excesso de liberdade deve levar a um excesso de servidão, quer no indivíduo, que na cidade.” Snyder (2017, p. 23), por exemplo, lembra que Platão “acreditava que os demagogos tiravam proveito da liberdade de expressão para tomar o poder como tiranos.”

O paradoxo platônico da liberdade recebeu a atenção de importantes pensadores, a exemplo de Popper (1987, p. 289), para quem:

O chamado paradoxo da liberdade é o argumento de que a liberdade, no sentido da ausência de qualquer controle restritivo, deve levar à maior restrição, pois torna os violentos livres para escravizarem os fracos. Esta ideia, de forma levemente diferente e com tendência muito diversa, é claramente expressa por Platão.

Esse dilema da liberdade remete ao paradoxo da tolerância. Este, particularmente presente em sociedades multiculturalistas, pluralistas e relativistas, aponta para a hipótese de a tolerância deixar de promover o bem-estar social e se converter num risco aos valores pugnados pela própria ideologia tolerante e seus corolários acima citados. Segundo Popper (1987, p. 289), a tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da própria tolerância, razão pela qual ele propõe que se deve reclamar, “em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes.”

A proposta popperiana aproxima-se daquela de Dworkin (2000, p. 281) que, reconhecendo a impossibilidade de existência sem tolerância, invoca o próprio conceito de justiça para lembrar que certas condutas podem ser admitidas e outras, não, e para afirmar um sentido negativo de tolerância reconhecendo que esta não implica na aceitação de qualquer comportamento de indivíduos ou mesmo de grupos sociais. A palavra admite matizes e expressa intensidades diversas: se aparece com um sentido original de “suportar” a presença do outro, a partir da metáfora de suportar agruras e sofrimentos, tolerar o inferior e o desagradável, ela evolui para a ideia atual de “reconhecimento”, aceitação da diferença, convivência harmônica como ideal ético.

Hans Kelsen afirma que o direito precisa garantir essa justiça porque a ideia mesma de tolerância é paradoxal e também depende do caso concreto, pois pode levar à indiferença, por um lado, ou à pusilanimidade, por outro: em outras palavras, não se deve tolerar a intolerância. A tolerância é necessária porque as pessoas e grupos sociais são diferentes, e daí algumas são mais frágeis do que outras. Em um ambiente ideal de liberdade e igualdade efetivas, a tolerância não precisaria se constituir em parâmetro ético para a chamada dignidade do ser humano.

Em termos jurídico-políticos, o paradoxo da tolerância aparece no debate entre o democrata Kelsen e o decisionista Carl Schmitt. Kelsen afirma que uma democracia não pode subsistir apenas com base no governo da maioria, utilizando expressamente a palavra “reconhecimento” (Anerkennung): “A dominação da maioria, que é tão característica da democracia, diferencia-se de qualquer outra forma de dominação porque, em sua mais íntima essência, não apenas pressupõe conceitualmente uma oposição - a minoria -, mas também a reconhece politicamente.” (KELSEN, 1981, p. 101). Schmitt considera que essa tolerância com a divergência tende a enfraquecer e neutralizar politicamente o Estado. O fato é que, na sociedade global e hipercomplexa, fica difícil imaginar qualquer hegemonia ética que possa dispensar a tolerância, a não ser pela imposição da violência, pois o respeito às minorias faz parte da essência do valor da democracia, justamente o título da obra de Kelsen aqui referida.

Esses autores parecem preocupados com os efeitos dos abismos gnoseológicos e axiológicos tratados por Adeodato (2014, p. 68) como aquelas “reações extremamente seletivas que os humanos demonstram em relação a estímulos do mundo”, as quais são a gênese dos diferentes relativismos que, se radicalizados pelos “homens de convicção”, podem funcionar como combustível para a corrosão da tolerância. As reflexões sobre esse conflito ideológico no seio da democracia precisam considerar que “democracias vivem a partir da domesticação da intolerância” (ADEODATO, 2010, p. 116) e que o relativismo - quando hipertrofiado em nome de relativismos, multiculturalismos e pluralismos diluentes da tolerância - pode pôr ao chão parte substancial da estrutura axiológica que sustenta o frágil edifício jurídico-político contemporâneo, inclusive com a supressão do pluralismo.

As palavras-chave deste trabalho enfrentam, também elas, um problema semântico decorrente de sua imprecisão conceitual, característica que permite seu uso para transmitir ideias com distintos, e por vezes contraditórios, vetores axiológicos. Por isso deve-se sublinhar que, relativismo, multiculturalismo e pluralismo, para a apreensão da crítica aqui formulada, não devem ser considerados apenas como antônimos dos sectários unilateralismos cultural, étnico e moral, os quais devem também ser combatidos por sua essência isolacionista, xenófoba e fundamentalista. Aqui, para além do reconhecimento da ética da tolerância como indispensável à coexistência plural, o conceito há de ser compreendido a partir das sutilezas insertas no relativismo negligente e no multiculturalismo extremo, subdividido em reacionário e pseudoprogressista, conforme exposto por Sádaba (2009, cap. 8, n.p.):

O primeiro (reacionário), depois de diferenciar distintas culturas, conclui que a sua é superior, podendo oprimir as que considera, arbitrariamente, inferiores. Esta é uma imoralidade que se tem cometido com frequência. [...] O multiculturalismo pseudoprogressista, por sua vez, opta por dar a cada cultura a capacidade de confeccionar os direitos que deseja. E se o que se deseja é queimar viúvas, ninguém pode abrir a boca contra.

O trabalho considera a existência de certo tipo de relativismo que se alimenta de formas moral e juridicamente degradadas de multiculturalismo e pluralismo, levando ao surgimento de um permissivismo conceitual que liquefaz a moral e a ordem social, conforme os ordenamentos jurídicos e produz paradoxalmente um excesso de tolerância, o qual faz surgir, no próprio seio da democracia orientada por direitos humanos - derivada da ética da tolerância - o germe da intolerância, que ameaça a integridade moral e jurídica de sua própria hospedeira. Assim, é sobre certas modalidades nefastas de multiculturalismo, pluralismo e relativismo, como será demonstrado, que se assenta o essencial da argumentação a ser desenvolvida.

Outro objetivo deste trabalho é investigar as possibilidades de identificação - e, a partir daí, de institucionalização no estado democrático constitucional - de uma “condição transcendental de ser pessoa” que revela à consciência humana certos valores que se tornam invariantes axiológicas (REALE, 2002, p. 210) naquela cultura, inserindo a cidadania num húmus civilizacional cuja preservação depende do agir intolerante diante da intolerância.

Qualquer proposta de reconhecimento da existência de constantes axiológicas - que devem, segundo Reale (2002, p. 265), operar como fundamentos do direito - constitui uma perspectiva existencial que enfrentará resistências relativistas, cujos partidários tenderão a ver quaisquer hipóteses de invariantes axiológicas como se fossem, por si, verdades ontológicas (absolutas) a serem combatidas em razão de sua natureza inegociável.

Essas perspectivas concorrentes serão mais bem tratadas por meio de uma filosofia retórica cuja natureza tripartite reconhece a relação dialética entre a retórica material (ou existencial), a retórica analítica (ou epistemológica) e a retórica estratégica (ou prática). A primeira se expressa nas “próprias relações humanas, entendidas todas enquanto comunicação, que constituem o plano da realidade”. Nela, os relatos assumidos pelas pessoas são a retórica material, o conjunto de relatos que constitui seu horizonte existencial, o que o senso comum considera “a realidade”. A segunda se relaciona com “uma visão descritiva” e procura elidir preferências axiológicas, mesmo diante de objetos valorativos; trata-se de uma retórica não-normativa, que não pretende orientar, mas apenas conhecer a ação. Difere, assim, da retórica estratégica, que é reflexiva no sentido de “uma retórica sobre a retórica material, que parte dela e a ela retorna para reconstituí-la, isto é, interferir sobre ela” (ADEODATO, 2010, p. 68-74).

2 A ÉTICA DA TOLERÂNCIA COMO COROLÁRIO DA DEMOCRACIA E DOS DIREITOS HUMANOS

Na evolução antropológica, a tolerância tem sido um permanente sustentáculo da ideologia dos direitos humanos em suas diferentes expressões. Todas as manifestações humanísticas - desde aquela notada nos argumentos socráticos até aqueloutras que acenderam a ética iluminista, passando pelos ensinamentos cristãos - tiveram seu momento de ignição num sentimento de tolerância, de compreensão e indulgência em face de outrem. A pré-história e a história dos direitos humanos são pautadas pela ideologia da tolerância, que pode operar de modo intragrupal ou intergrupal.

Na perspectiva principiológica, a tolerância interage com os princípios da individualidade, da liberdade e da responsabilidade, sobretudo porque está a se falar de relações interpessoais, com caráter sinalagmático, influenciadas por emoções e ideologicamente estimuladas, as quais podem ser tanto favoráveis à tolerância, quanto estimulantes da intolerância.

Em meio aos sentimentos morais e às emoções por eles produzidas, a tolerância se mostra como disposição para elidir conflitos com outrem. O grau dessa disposição variará segundo as convicções criadas pelo enraizamento das ideologias em jogo e pelo tipo de crença que as sustenta. Na ideologia da tolerância - na perspectiva adotada aqui, a tolerância constitui uma ideologia - assiste-se, então, a uma guerra de preferências éticas, dando origem a desacordos compreendidos por Nussbaum (2009, p. 25) como “conflito de crenças sobre o que é e o que não é apropriado.” Guiada pelos princípios da liberdade e da responsabilidade, a ideologia da tolerância se fortalece, reduzindo o nível de conflito e opressão; a ideologia inversa prevalecerá se o desacordo ético não for suavizado, relativizado, sob o império do princípio da responsabilidade, em benefício de interesses comuns e se a banalização relativista negligente se impuser. Claro que tolerância pressupõe aceitação de convicções alheias diferentes, o que implica certa relativização, mas isso não se confunde com relativizar acriticamente, sem limites, como mostra o paradoxo da tolerância já mencionado.

A retórica estratégica, conforme explicitado acima, é o veículo das ideologias, a tentativa de conformar o mundo real ou “retórica material”. Daí se poder afirmar que a ideologia da tolerância tem sido instrumentalizada pela retórica estratégica, útil instrumento político de construção de uma realidade imaginada, preferível diante da realidade que se apresenta. O desafio ínsito a esse tipo de estratégia envolve a intervenção no universo normativo e comportamental, sendo imperativo que sua implementação se dê de modo realista, promovendo a elisão de condutas que caracterizam a deserção do drama exterior da vida humana para o drama interior da fantasia (LONERGAN, 2010, p. 204), com todos os redutores efeitos da submissão da existência a exigências normativas e idealistas, quase sempre desconectadas dos fatores determinantes da retórica material, que constitui a realidade.

Encapsulada em ontologismos e essencialismos promissores da verdade e da perfeição humanas, a retórica humanista idealizada domina, há trezentos anos, o cenário jurídico-político ocidental, promovendo um culto que, após notáveis avanços, traz embutidas as sementes de sua derrocada (HARARI, 2016, p. 73). Essa datação do historiador israelense decerto não desconsidera a formulação de pensamentos humanistas em tempos pretéritos aos setecentos, mas faz vincular o fortalecimento da retórica dos direitos humanos - ainda que sob nome diverso - à organização da linguagem e do pensamento democrático somente possíveis na era moderna. Nesta, por interações sociais, econômicas e políticas promovidas na tensão existencial, a filosofia do direito se desenvolve, embora timidamente, como incubadora dos direitos humanos. Seu sucesso depende, então, do desenvolvimento teórico-político de outra ideologia, a democrática.

O florescimento dessas formas jurídicas receptoras e protetoras dos direitos humanos depende de ambiência política inclusiva e demófila. Referindo-se à filosofia jurídica da história, Radbruch (2010, p. 128) afirma que o direito não é apenas a categoria que precede e está na origem de toda consideração jurídica, a maneira de pensar fora da qual não é possível considerar nada como jurídico, “mas é também a forma de cultura real que apreende e estrutura cada um dos fatos do mundo jurídico.” Ilustrando a evolução da filosofia jurídica da história, considera que “um novo impulso do direito nunca se realiza no vazio jurídico, mas antes pela interpretação de instituições jurídicas preexistentes ou pela inserção de novas instituições jurídicas num sistema jurídico dado.” (RADBRUCH, 2010, p, 128).

Assim, a compreensão da insurgência de novas formas jurídicas exige reconhecer que sua fundamentação e seu desejo já se anunciavam nas formas anteriormente conhecidas. Tome-se o exemplo do constitucionalismo, sua relação com o conciliarismo2 católico e a sua pertinência com a tecnologia contemporânea do controle de constitucionalidade: em Disputa em torno da autoridade do Concílio sobre o Sumo Pontífice, no princípio do século XV, Mair (2005, p. 172) trata da Disputa sobre se o Papa está sujeito à correção fraterna e ao Concílio Universal e afirma que “o Concílio, formalmente congregado, representando a Igreja universal, é superior ao Supremo Pontífice.”

O modelo cognitivo-linguístico preconizado por Marsílio de Pádua, Guilherme de Ockham, Jean Gerson, Jean Mair e Jacques Almain, dentre outros, ergueu-se sobre a estrutura valorativa do princípio da autoridade e seu exercício responsável elaborados séculos antes, ainda no classicismo filosófico. A institucionalização de novas formas de pensar, estruturadas sobre novo vocabulário, deu origem a novos modelos mentais aptos a dar fluidez a certa vontade de submeter o poder político, de controlá-lo em nome de um interesse supostamente mais nobre.

Reflexões analógicas sugerem que o constitucionalismo está para o conciliarismo assim como os direitos humanos estão para aqueles impulsos revelados nas frestas da história e registradas em textos de múltiplas naturezas, tanto teológicas quanto filosóficas, os quais somente puderam vicejar quando construídas condições culturais e políticas - incluindo as linguagens - menos exclusivistas e mais includentes, ainda que isso não significasse a pretensão da universalização de direitos por meio do princípio da igualdade material.

Em termos do político, a sistematização institucional pluralizada - com desconcentração do poder político por meio da institucionalização de canais de participação da cidadania nas instâncias de poder - de regimes democráticos tornou possível a inclusão, no catálogo de direitos, de prerrogativas jurídicas inclusivas plurais. Tal se deu, reitere-se, com as tecnologias processuais de controle de constitucionalidade: só regimes democráticos permitem a criação e a operação de instituições de controle para aferir a relação de conformidade de atos normativos e condutas do Estado com o conteúdo das Constituições. É dizer: somente regimes de algum modo submetidos a instâncias democráticas institucionalizam regras de tolerância para garantir a proteção dos direitos fundamentais e regras punitivas da intolerância. A essa institucionalização a filosofia jurídico-política denominou Estado de Direito.

Kaufmann (2007, p. 442), ressoando Radbruch, afirma que a democracia garante o Estado de Direito e que é “a mais difícil de todas as formas de Estado, ela é uma forma de Estado em risco, está constantemente ameaçada pelo fracasso.” Reconhecendo que, na democracia, vale a lei da maioria - submetida eventualmente ao controle contramajoritário instituído pelo direito constitucional - afirma que, nesse regime, só não é possível suprimir o princípio da maioria, o que eliminaria a própria democracia, nem os direitos humanos fundamentais, “pois eles são prévios ao Estado, que não os concede, mas apenas os protege.” (KAUFMANN, 2007, p. 442).

A retórica estratégica presente nessas formulações teóricas exerce a função de promover a crença tanto na democracia moderna quanto nos seus mais destacados corolários institucionais, o Estado de Direito e os direitos humanos. Na fundação daquela e na fundamentação destes, a tolerância se instala como elemento moral estrutural.

No entanto, essas duas ideologias fundamentalmente humanistas têm, nas políticas da fé, o seu maior inimigo. Estas, no dizer de Oakeshott (1996, p. 23), expressam-se em um conjunto de proposições promotoras dos já referidos ontologismos e essencialismos promissores da verdade e da perfectibilidade humanas. Constituem-se como retóricas estratégicas que disputam a preferência ético-política dos cidadãos e submetem as estruturas éticas que se desenvolvem nos jogos conjunturais de cada época, os quais revelam a força ou a debilidade das respectivas retóricas estratégicas.

Noutras palavras, tais políticas promovem os ontologismos que inspiram a sedutora e nociva ideia de verdade, seja na teoria do conhecimento, seja na esfera ética, a qual se apresenta sob a alcunha de justiça, conforme nota Adeodato (2010, p. 51), para quem a busca da verdade - missão dos ontólogos, que desprezam o ceticismo e o historicismo humanistas - sempre levará à intolerância (ADEODATO, 2014, p. 369). Também para Putnam (2013, p. 20), a tríade ontologia, metafísica e teoria da verdade exerceram nocivo efeito sobre o pensamento, inclusive no campo da ética. O ontólogo, embriagado pelos fumos metafísicos aferra-se à ética que mais conforto lhe oferece, elegendo-a como a verdade existencial e criando espaço psíquico e social para manifestação de diferentes sentimentos, ambiguidade própria do centauro ontológico. Esta embriaguez, com frequência, é mãe da lógica da intolerância que faz soçobrar a esperança nos acordos éticos, uma vez que pretende impor-se a todos, mesmo àqueles que com ela não concordam, inclusive coercitivamente, por meio do direito positivo. Seu combate frequentemente é feito a partir da valorização da tese da total disponibilidade ética (ADEODATO, 2014, p. 59), pressuposto de uma tolerância negativa, radical, por isso, hostil à própria ideologia democrática, tendo em vista que é promotora de um relativismo forte potencialmente nocivo.

A alocução “verdades autoevidentes” referidas no texto da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América foi resultado, invocando Gustav Radbruch, daquelas intepretações de instituições jurídicas preexistentes - mencionadas por Kaufmann - e da inserção de novas instituições jurídicas no sistema que estruturava o conjunto semântico-cultural, político e jurídico composto pelas treze colônias. Seu advento ensejou a ambiguidade que caracteriza ainda hoje o universo jurídico-político norte-americano.

O mesmo raciocínio de Radbruch aplicado, aqui, à Declaração de 1776 pode ser usado para analisar a Declaração de 1789, a qual também versou sobre “verdades autoevidentes”, somente explicitadas após longa gestação cultural no interior do húmus civilizacional resultante de movimentos que valorizavam o humano a partir de um giro antropológico, em detrimento da centralidade do pensamento teológico. Também, aqui, apesar de a retórica estratégica ter se convertido paulatinamente, como sói, em retórica material, a ambiguidade moral no interior político das formulações semânticas se revelou um traço marcante.

Essas duas Declarações e seu contexto exemplificam, nos primórdios da história moderna dos direitos humanos, a correlação entre democracia e Estado de Direito. Ambas podem ser consideradas exemplos e consequência de antigos ideais humanistas, como o projeto pelagiano, que confrontou os posicionamentos de Agostinho para, superando a religião, estabelecer uma ética humanista (TODOROV, 2012, p. 26). É de se notar que, se o pensamento de Pelágio fazia eco aos apelos socráticos, seu humanismo ressoaria por séculos, materializando-se, aqui e acolá, em fórmulas linguísticas inspiradoras, sobretudo aquelas nascidas do impulso de controlar institucionalmente o poder - e, assim, a própria tendência ao abuso e à intolerância - como forma de oferecer proteção ao homem.

Eventos como os citados no presente trabalho - o advento do conciliarismo pode influenciar a organização teórica do constitucionalismo e do controle institucional do poder político; a politização e a juridicização das verdades autoevidentes na Declaração de 1776 e, por último, o uso de linguagem semelhante, reafirmando a autoevidência de certas prerrogativas do homem, na Declaração francesa de 1789 - somente tiveram lugar porque o meio político se abrira, em graus diferentes, a involuções democráticas transformadoras do meio político. Como bem nota Hunt (2009, p. 23), “os direitos humanos só se tornam significativos quando ganham conteúdo político.” Como afirmado, a ideologia tolerante está introjetada nas ideologias democrática e humanista, as quais se confundem com a ética e a política.

Não foi sem motivo que, em 1762, poucos anos antes da Declaração Francesa, se assistiu a uma das maiores demonstrações da ideologia da tolerância, quando Voltaire se posta como instrumento contra a intolerância oficial explícita, de cunho religioso, no caso Jean Calas. Em seu opúsculo Tratado sobre a tolerância por ocasião da morte de Jean Calas, Voltaire usou pela primeira vez a expressão direito humano (HUNT, 2009, p. 167), formulando linguagem e pensamento que, fortalecidos pela conjuntura política, ganhariam expressão na Declaração de 1789, a qual chega a afirmar que “a ignorância, a negligência ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção governamental.”

Porém, se, como afirmado, a tolerância - em sua condição de sustentáculo psíquico e político dos direitos humanos - tem, nas políticas da fé, um grande inimigo, que deseja e prega o absoluto, há outro que ameaça a sua funcionalidade sistêmica pela erosão que causa no próprio conceito de tolerância. Conforme veremos, é disso que trata o capítulo seguinte.

3 A SUBVERSÃO DA ÉTICA DA TOLERÂNCIA: RELATIVISMO, MUL-TICULTURALISMO, PERMISSIVISMO E SEUS PARADOXOS

Nesse debate ético, alguns termos têm suas ambiguidade e vagueza propositalmente ampliadas para que possam exercer mais efeito estratégico sobre audiências menos avisadas. Isso porque o ouvinte lhes dá o sentido que mais lhe apetece segundo suas próprias convicções, em outras palavras, mutatis mutandis, quanto mais preciso o discurso, menos acordo atrairá. Quando esses termos vagos trazem uma conotação positiva no âmbito da retórica estratégica, eles se tornam mais eficazes ainda, pois quem poderia ir contra frases, como “uma efetiva distribuição de justiça” ou “uma posição ponderada, responsável e sem fanatismos”?

Isso não quer dizer nada, mas o orador atrai simpatia para o que vai defender em termos de conteúdo opinativo, por exemplo, advoga-se a possibilidade ou não de prisão após condenação em segunda instância, o que já é mais preciso, de acordo mais difícil, além de qualificar positivamente o próprio discurso, desqualifica quem eventualmente dele discordar. A mesma estratégia se observa a contrario sensu, quando o orador atribui a seus adversários expressões semelhantemente vagas, mas que trazem conotações negativas, como “ortodoxo”, “golpista”, “fanático”, e assim por diante.

Outra estratégia eficaz em ambientes mais incautos retoricamente é aquela de falar por sujeito indefinido ou indefinível e, assim, articular afirmações que atraem apoio para si mesmo como representante supostamente autorizado de um grupo, ou seja, é dizer que “o povo quer”, “a universidade não aceita” ou “os trabalhadores sabem disso”, ainda que seja óbvio a qualquer observador mais atento que nenhum orador detém essa autoridade hermenêutica.

Assim, uma das questões relativas à teoria do conhecimento se relaciona ao modo como os homens se apropriam dos fatos de seu entorno; à forma como a percebem e conhecem diante da realidade; e à maneira como vão interpretá-la, diante da pluralidade de subjetividades perceptivas, no que são guiados por seus valores. É dessa multiplicidade de percepções que derivam os conflitos produtores dos referidos desacordos éticos, uma vez que os homens de convicção tomarão sempre a sua interpretação como primaz. Assim, o instrumento de promoção dessa primazia é a retórica estratégica manejada a partir da crença de que a verdade haverá de ser tomada como relato vencedor.

Constitui a ontogênese do humano o conflito de visões e relatos concorrentes que disputam o status de verdade, tendo esta, muitas vezes, se estabelecido por meio de linguagem habilmente utilizada e frequentemente atribuída a origens e a personagens metafísicos que se mostram especialmente sedutores diante de uma comunidade. O significado conferido a esses relatos depende, em grande parte, das experiências existenciais e do repertório emocional e intelectual do ouvinte, cujas preferências e afinidades são moldadas pela cultura.

Usando tecnologias novas para analisar fenômenos antigos, estudos na neurociência têm demonstrado que o significado de algo para uma pessoa surge “nas teias de associações, com base em toda a história das experiências de vida.” (EAGLEMAN, 2017, p. 42). Este neurocientista afirma que certas partes do cérebro humano têm papel fundamental “na montagem de um futuro imaginário, recombinando informações do nosso passado”. Remetendo a acertadas reflexões da hermenêutica, especialmente à hermenêutica gadameriana, ele afirma que não percebemos os objetos como eles são, mas como nós somos, o que denota a importância da cultura para a formação do conhecimento e dos valores, realça a natureza reflexiva do homem e confirma que a “reflexividade é a qualidade primeira da razão.” (PORTA, 2007, p. 43).

Nessa perspectiva, relacionar filosofia e neurociência revela algo das pluralidades de interpretações e de significados de fatos que muitos pretendem submeter a uma visão monocular. As particularidades do órgão humano estudado pela neurociência são a gênese da individualidade, recombinando “as informações do nosso passado”, do mesmo modo que permitem a construção de conexões que nos tornam aptos a compartilhar as realidades imaginadas. O cérebro humano parecer ser, naturalmente, por sua própria plasticidade e capacidade de reflexividade, inclinado ao pensamento tolerante, por meio de processos cognitivos relativistas, conforme registro de Barzun (2002, p. 820): “A reflexão mostra, ainda, que qualquer indivíduo que pense usa continuamente o padrão relativo: é a operação que a mente processa em todos os julgamentos.”

Na Antiguidade bíblica, Isaías, o profeta hebreu, combatendo a inclinação do homem à adoção de sua própria interpretação da realidade e operando estrategicamente para impor a sua, admoestava: “Ai dos que chamam ao mal bem e ao bem, mal; que fazem das trevas luz e da luz, trevas; do amargo, doce e do doce, amargo.” (BÍBLIA, Isaías, 5, 20). Somente uma interpretação peculiar, marcada pela subjetividade do intérprete, poderia denominar de mal aquilo que é o bem e vice-versa, transmutando o significado do objeto. O impedimento íntimo do sujeito de denominar de mal aquilo que é mal aos olhos de outrem resulta de desacordos axiológicos e da própria diferenciação de horizontes hermenêuticos, compreendidos por Hans-Georg Gadamer (1997, p. 399) como âmbitos de visão que “abarcam e encerram tudo o que pode ser visto de um determinado ponto”. A amplitude da compreensão dos horizontes gnoseológicos e do significado que daí emergirá está condicionada pelo repertório - teias de associações, no dizer de Eagleman - daquele que busca compreender, pois é a partir deste que se estabelece o relacionamento do sujeito com seu entorno; é a partir do seu repertório gnoseológico e axiológico que o homem estabelece relação com o seu habitat.

No Teeteto, de Platão (2007), o problema do profeta também encontra demonstração por meio de questões sobre como o sujeito e as suas subjetividades se relacionam com o conhecimento. Confrontado por Sócrates acerca das opiniões dos sofistas, Teeteto afirma que “aquele que conhece qualquer coisa, percebe o que conhece; e, como parece no momento, o conhecimento não passa de percepção.” (PLATÃO, 2007, p. 56). É assim que Platão apresenta, em meio a críticas, o relevante problema filosófico que influencia permanentemente os rumos da política, do Estado e do direito: o relativismo. Diante de uma perspectiva ético-normativa, que ganha relevo neste trabalho, o relativismo é a doutrina segundo a qual os valores morais não apresentam validade universal e absoluta, diversificando-se ao sabor de circunstâncias históricas, políticas e culturais (HOUAISS, 2001). Nesse diálogo, Platão, claro, submeterá a visão de Teeteto ao essencialismo que marca a sua filosofia e a crença na verdadeira essência das coisas, as quais são refratárias ao pensamento relativista, que se constitui como pressuposto da ideologia da tolerância.

Para Boudon (2008, p. 18), o relativismo se tornou a filosofia dominante na contemporaneidade, apresentando três variantes: relativismo cognitivo - trata da inexistência de certezas em matéria de representação do mundo; relativismo estético - para seus adeptos, os valores artísticos são um efeito da moda ou do esnobismo; e relativismo normativo - segundo o qual as normas seriam meras convenções arbitrárias. Esses relativismos se articulam no indivíduo como uma resposta às suas demandas existenciais e também como expressão das necessidades de coexistência possibilitadas por sua teia de associações.

O relativismo apresenta-se, diante dos essencialismos, como estratégia retórica que se manifesta na linguagem dirigida ao tratamento da tensão existencial. A inserção de novas compreensões - pela retórica estratégica - no universo do conhecimento e dos valores do homem tem a função de distensionar a rigidez cognitiva (que tentar impor a verdade) e axiológica (que toma por verdadeiros juízos morais específicos), cujos efeitos podem ser destrutivos do tecido social, jamais composto de mentes e cérebros idênticos que poderiam produzir emoções e conhecimentos iguais.

Com isso, afirma-se que o relativismo é função da existência, e, sem seus efeitos distensionadores, é provável que a religião humanista não tivesse se desenvolvido, pois tal se deu a partir da ideologia da tolerância, e esta, de modo sutil, se relaciona com a relativização do absoluto, com o que reduz o nível da tensão existencial e permite o surgimento do pluralismo ético e normativo que organiza a sociedade a partir da tolerância.

É compreensível, então, que “a consciência humana absolutamente uniforme não parece existir” (BARZUN, 2002, p. 821), sendo o relativismo - resultante da reflexividade - uma característica do modo de funcionar do cérebro do homem. Essa constatação, qual seja, o pensamento humano é inclinado à reflexividade e ao relativismo por sua própria constituição neuronal - não elide a propensão aos essencialismos e aos unilateralismos, os quais fazem surgir dois tipos de relativismo, um potente e outro débil, derivados diretos de mundividências antes referidas como multiculturalismo extremo e suas modalidades reacionária e pseudoprogressista.

Esses matizes no conceito de relativismo se devem ao fato de que essa relação entre os significantes e os significados não é arbitrária, mas controlada pelo uso comum da língua, o controle público da linguagem, auxiliado por regras que o constrangem - ou seja, o uso dos sinais não é livre em sua tarefa de constituir a realidade, é guiado pela gramática e por muitos outros fatores, dentre os quais o direito. Por esse motivo, a frase de Nietzsche (1988a, p. 78), mesmo depois de dizer que Deus está morto, aborda a seguinte premissa: “Temo que não nos livraremos de Deus, porque ainda acreditamos na gramática [...].”

Esse componente antropológico é tão estranho para o senso comum que, muito depois da “virada linguística” da teoria da linguagem, no começo do século XX, ou seja, depois de estabelecidos o caráter convencional da linguagem e a distinção entre significantes e significados, o pensamento ontológico sobre a linguagem permanece atribuindo o sentido de “coisa” aos significados expressados pelos significantes:

E o que é um sinal? Um sinal é, nessa perspectiva, uma designação convencional, uma marca sobre a qual se acordou para algo que existe independentemente dela. Aqui está a coisa; ali está seu sinal. Aqui está uma “paixão” específica: medo, por exemplo; ali está a palavra ‘medo’. Medo e ‘medo’ não são de modo algum o mesmo, naturalmente: a primeira é uma paixão comum (acredita Aristóteles) a todos os seres humanos; a segunda é uma palavra de uma língua específica, nomeadamente o português. Todo mundo sabe o que é medo, mas nem todo mundo sabe o que significa ‘medo’. Certamente poder-se-ia utilizar com a mesma eficácia outro sinal inteiramente diferente para designar a mesma paixão (EDWARDS, 1990, p. 67).

Diante disso, toda a positivação do direito é simbólica, não cabe falar de positivações “simbólicas” como opostas a positivações “efetivas”, como faz o (neo)constitucionalismo mais tradicional. Todo signo constitui efetivamente a realidade em que se expressa, ou pelo menos concorre com outros signos para constituí-la, e a diferença entre significantes e significados não deve ser entendida como separação.

Em outras palavras, um texto legal “inefetivo” ou “simbólico” é simplesmente mais um discurso na arena da retórica material, competindo com outros discursos, todos simbólicos, pelo relato vencedor dentro do controle público da linguagem.

Dessarte, o primeiro tipo de relativismo, o potente, é reflexivo e autoconsciente e se caracteriza pela capacidade de autocontenção do impulso destruidor diante de essencialismos e pretensões de verdade contra os quais o homem se insurge. Ele se vincula a um atavismo de sobrevivência que conforma o modo humano de agir, o qual comprovou sua utilidade existencial ao longo da história, quando a sua inteligência humana fez uso de ações para tornar possível o convívio social domesticando a intolerância. O exemplo desse tipo de estudo se colhe nas reflexões de Montaigne e em seu relativismo normativo: ao sugerir, em meio às guerras religiosas, que não há verdade em matéria de normas religiosas, ele pretendia incitar católicos e protestantes a deixarem de se massacrar mutuamente, conforme percebido por Boudon (2008, p. 12).

Denomina-se potente porque sua inserção no pluralismo social, ético e normativo se dá de modo inteligente, sutil e estratégico em face das crenças que, diante de um perspectivismo particularista, oprimem o homem. Sua potência moral está no respeito e na humildade diante do crente opositor, cujas convicções pretendem flexibilizar por meio da retórica estratégica, não para anular suas crenças, mas para abrir espaço para a outra, sinalizando desejo de convívio. Há grandeza na conduta que pretende, sem necessariamente romper paradigmas, criar condições para coexistência por meio da aceitação do pluralismo de visões e de valores. Então, é compreensível que o humanismo seja resultante dessa inclinação psicobiológica do homem, sendo o relativismo potente em termos axiológico e gnosiológico, logo é moralmente forte. Nele, há forte espírito de renúncia à pretensão de verdade, que se assenta na gentileza e no respeito diante do outro.

O segundo tipo é uma forma nefasta de relativismo, demonstrando-se débil porque é incapaz de conter impulsos de promoção e reconhecimento do absoluto de si ou de outrem. Esses impulsos, em nome de uma retórica pluralista e multiculturalista, relativizam até a anulação do outro, valorizam, excessivamente, fatores culturais e desconsideram a condição humana universal em suas prerrogativas existenciais, o que inclui a dignidade da pessoa e sua sacralidade, fundamentos do humanismo. Seu projeto é fazer prevalecer uma verdade específica, bem como promover a aceitação de visão unilateral, ainda que à custa da higidez moral e física do outro.

O relativismo fraco patrocina um permissivismo flexível que provoca torção ideológica, um giro ético e normativo sobre o próprio eixo da tolerância, e desencadeia o paradoxo da tolerância abordado acima, abrindo portas para comportamentos intolerantes capazes de lesar os fundamentos do humanismo. Esse permissivismo justifica suas opções éticas, alardeando a suposta imperatividade do irrestrito em respeito aos pluralismos culturais. O relativismo fraco, assim como o seu permissivismo ético e normativo são patronos de inumeráveis práticas inumanas.

O relativismo fraco se alimenta da debilidade ética de seus promotores, os quais se omitem - alegando ser incontestável a existência de forças culturais que conduzem o sujeito a perceber uma norma de modo positivo ou negativo (BOUDON, 2008, p. 13) - diante do imperativo moral de limitar os impulsos redutores do outro. Esses agentes procedem dessa forma, mormente, quando tais impulsos são compreendidos como essencialismos culturais. Isso ocorre porque lhes faltam, em regra, repertório cognitivo da natureza humana e consistência axiológica para pugnar pela coexistência tão só de condutas que não atentem contra a sacralidade da pessoa. Seu propósito é - servindo-se da ideologia da tolerância que, sustentada em um relativismo forte, lhe favorece e admite coexistência num ambiente plural - realizar uma inversão ideológica no cerne da ideologia tolerante com o fim de impor determinada mundividência carregada de linguagens e condutas subjugadoras. Nota-se, por vezes, certa arrogância cultural, exibida, geralmente, diante de pessoas política, jurídica e fisicamente vulneráveis.

A partir das ideias apresentadas, fica claro que o relativismo fraco e o paradoxo da tolerância estabelecem um parasitismo que erode as premissas da coexistência das diferenças e da ideologia da tolerância. Os agentes promotores do relativismo fraco com frequência desprezam os postulados morais do utilitarismo negativo, conforme formulado por Ilmar Tammelo, segundo o qual devemos impedir a infelicidade na maior medida possível do maior número de pessoas (KAUFMANN, 2007, p. 260). Desse pensamento, já presente nas premissas de Thomasius e Kaufmann (2007, p. 262), derivou seu imperativo categórico da intolerância: “Age de tal modo que as consequências da tua ação sejam concordantes com a máxima prevenção ou diminuição da miséria humana.”

Ao excluir da razão pluralista a maleficência de determinadas condutas sustentadas na retórica multiculturalista, o relativismo moral débil despreza igualmente esse imperativo categórico e admite, em nome da tolerância, uma intolerância que renega os postulados éticos da religião humanista. Assim, o paradoxo platônico-popperiano revela sua face inumana, e o pluralismo normativo sem racionalidade - sobretudo aquela que deriva da religião humanista - sem reflexividade, inviabiliza a possibilidade de tolerância.

Em nome dos pressupostos do relativismo débil, assiste-se à defesa de práticas, como a excisão clitoriana, a mutilação genital feminina praticada em regiões da Terra onde o patriarcado impera, assim como no Ocidente, onde certa cepa de intelectuais, insensíveis ao sofrimento das mulheres oprimidas física, emocional e culturalmente, aplaudem a prática em nome da diversidade cultural. Acerca dessa temática, Boudon (2008, p. 14) noticia o caso de uma antropóloga da etnia kono, de Serra Leoa que, educada nos Estados Unidos, retornou ao seu país para submeter à excisão porque, em sua opinião divulgada pela Sociedade Americana de Antropologia, a maior parte das mulheres kono tira dessa agressão física um sentimento de poder.

Em certas culturas, a honra - quase sempre a masculina - transcende o direito à vida. Diante disso, Appiah (2012, p. 154) analisa os hábitos de lugares em que a morte por questão de honra faz parte do modo de vida, alimentando verdadeira guerra contra as mulheres. Relatos do filósofo anglo-ganês sobre a paquistanesa Samia Sarwar, pertencente à elite política e econômica de seu país, mostram uma vida conjugal infeliz que terminou tragicamente porque - separada do marido em razão de agressões físicas violentas, morando com os pais e com seus dois filhos, impedida de se divorciar pelos costumes locais, que consideram o divórcio uma ofensa à honra da família - depois de anos de separação, ela fugiu de casa para exercer o direito legal de se divorciar. Refugiada em Lahore, importante cidade paquistanesa, no único refúgio privado para mulheres desamparadas, ela iniciou o processo de divórcio contra o marido. Semanas após, relata Appiah, sua própria família convenceu Samia e sua advogada de que, finalmente, aceitariam o divórcio. No dia marcado para a assinatura dos papéis, no escritório da advogada, um homem que acompanhava sua mãe atirou na cabeça de Samia. O crime contou com o apoio de toda a sua família e de parte expressiva da sociedade paquistanesa.

Appiah (2012, p. 161) também noticia a morte, igualmente por honra, de uma jovem paquistanesa de dezesseis anos, Lal Jamila Mandokhel, que apresentava deficiência mental. Ela foi condenada à morte por um tribunal tradicional, com autoridade em certas áreas tribais, porque tinha sido violentada durante duas noites seguidas por um homem do povoado vizinho. Ao regressar à aldeia, os anciãos do tribunal decidiram que ela desonrara seu povo, por esse motivo, ela foi arrastada para fora de casa e executada a tiros, enquanto uma multidão assistia a essa tragédia contra a figura feminina.

Em muitos países - o Brasil entre eles - o casamento infantil de meninas é considerado moralmente aceitável diante de problemas relacionados à pobreza familiar, apresentando-se como uma solução para as dificuldades de educar e cuidar de menores ou para a resolução de sua segurança econômica, sendo visto, também, como um meio de resgatar a honra da família. Em algumas culturas, mas não no Brasil, esse tipo de casamento se realiza a partir de arranjos ritualísticos patriarcais caracterizados por misoginia.

Essas práticas têm se mantido em diversas culturas, ainda que uma Declaração Conjunta do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Comitê das Nações Unidas sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, proferida em 2012, tenha afirmado que “as meninas que são forçadas a se casar podem estar se comprometendo com um casamento análogo à escravidão para o resto de suas vidas” e também que elas “são vítimas de casamentos servis, experimentam servidão doméstica, escravidão sexual e sofrem violações de seu direito à saúde, à educação, à não discriminação e à liberdade contra a violência física, psicológica e sexual” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012, on-line).

Destacando outros males do casamento infantil, como o estupro dentro do casamento, o diretor do Banco Mundial no Brasil, Martin Raiser (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2017, on-line), nota que “o casamento precoce priva as meninas e adolescentes de terem um desenvolvimento físico e psicológico saudável. Por isso, é também um fator de perpetuação da pobreza.” Embora essa prática revele abusos contra crianças, certo tipo de relativismo moral negligente toma-a por natural e aceitável por já fazer parte dos preceitos de culturas milenares ou, ainda, porque promovem solução de problemas familiares e sociais. Esquecem-se os simpatizantes desse relativismo débil e de que tais soluções significam agressões extremas à dignidade dessas meninas, as quais perdem suas chances de desenvolvimento existencial com dignidade.

Também se insere no ambiente permissivo do relativismo moral - igualmente sustentada por suposta necessidade de respeito à totalidade cultural multiétnica - a prática de infanticídio no seio de algumas nações indígenas brasileiras. Conforme aborda Barreto (2016, p. 19), “tanto do ponto de vista historiográfico, como do ponto de vista etnográfico, o infanticídio indígena faz parte do conjunto de rituais empreendidos por algumas tribos indígenas quando se deparam como o que, para eles, seria um grande transtorno.”

A sacralidade da vida - fundamento do humanismo - de neonatos é desconsiderada em nome de certa versão do pluralismo cultural para que possam ser assassinados pela mãe ou simplesmente deixados na floresta, sob estímulos dos familiares e de outros membros da tribo, quando apresentam disfunções físicas ou mentais, quando gêmeos, quando são gerados por mães solteiras ou mesmo em razão de controle demográfico, prática que atinge as meninas.

Criticando o que denominam etnocentrismo, antropólogos e juristas rejeitam críticas desferidas a essas práticas com fundamento no princípio de proteção de vida e da dignidade da pessoa. Nessa perspectiva, Barreto (2016, p. 219) noticia que, em entrevista a um programa dominical de televisão exibido em 2014 sob o título Tradição indígena faz pais tirarem a vida de crianças com deficiência física, o constitucionalista José Afonso da Silva abona aquelas práticas opondo ao artigo 5º da Constituição da República, que garante a todos o direito à vida, diante de uma proposta universalista, e ao artigo 231, também da Constituição, que reconhece a cultura indígena, os seus costumes e as tradições, revelando uma postura relativista débil.

Diante de todos esses fenômenos, os relativistas culturais do tipo débil flexibilizam a moral em nome de uma autonomia da cultura tributária do pensamento de intelectuais como Boas (2004, p. 29), para quem a independência das culturas permite que seus membros se conduzam de acordo com seus costumes, repele a sua classificação em inferiores e superiores, relativiza conceitos e normas morais e elide julgamentos externos.

O equívoco dessa postura intelectual cresce diante do imperativo categórico da tolerância de Kaufmann, agigantando-se quando se sente a revolta da consciência e a força dos sentimentos de horror despertados em face do desprezo pela racionalidade ínsita ao humanismo. Não há justificativa moral para o relativismo permissivo de atentados contra a vida e a dignidade humanas, valorizadas pela ética da tolerância. Ao contrário disso, a ideologia da tolerância encontra fundamento na própria reflexividade da condição humana e no seu suporte existencial.

4 CONCLUSÃO: O RELATIVISMO DÉBIL E OS IMPERATIVOS MORAIS

Invocando Isaiah Berlin, o rabino Sacks (2013, p. 59) chama a atenção para a crença de que - mais que qualquer outra - é responsável pelo “sacrifício no altar dos grandes ideais históricos.” Conforme afirma Sacks (2013, p. 59): “Segundo esta crença, aqueles que não compartilham a minha fé - ou raça ou ideologia - não partilham minha humanidade; na melhor das hipóteses, são cidadãos de segunda classe.”

No fundamento dessa crença, está o espírito de Platão, propagador de certo tipo de universalismo que conduz à convicção “de que existe apenas uma verdade a respeito da essência da condição humana, e que se aplica a todas as pessoas em todos os tempos. Se eu estou certo, tu estás errado.” (SACKS, 2013, p. 63). Acerca dessas premissas, Sacks argumenta:

Se aquilo em que acredito é verdade, então aquilo em que tu acreditas, diferente daquilo em que eu acredito, é necessariamente um erro em razão do qual tens de ser convertido, curado e salvo. Desta ideia decorreram alguns dos maiores crimes da história, uns patrocinados por religiões, e outros - as revoluções russa e francesa, por exemplo - sob a bandeira das filosofias seculares, mas ambas fascinadas pelo espírito de Platão (SACKS, 2013, p. 59).

É dessa rigidez ontológica que se alimenta o homem de convicções; por meio dele, o homem se transforma em um ponto de exclamação ambulante, definição aplicada por Oz (2017, p. 43) aos fanáticos: “O fanático detesta situações em aberto. Talvez nem mesmo saiba que elas existem.” Para esse tipo de homem, o espírito cético é herético, que, estimulado pelo desejo de unanimidade, tem ojeriza pelo pensamento independente potencialmente gerador de diferenças na compreensão dos fenômenos.

Contra o essencialismo metodológico de Platão - conforme Popper (1987, p. 45), teoria segundo a qual é “tarefa do conhecimento puro, ou ‘ciência’, descobrir e descrever a verdadeira natureza das coisas, isto é, sua realidade ou essência ocultas”-, a ideologia da tolerância e seus derivados, como o pluralismo de costumes, o multiculturalismo e o relativismo cultural e moral, balizados pelo relativismo moralmente forte, como acima tratado.

Porém, o relativismo útil ao combate dos malefícios das ontologias essencialistas precisa ser ele próprio epistemologicamente relativizado pelo historicismo, pelo ceticismo e pelo humanismo, perspectivas existenciais que ensejam a tolerância, segundo Adeodato (2010, p. 118). É no desbastar do ímpeto creditante que o relativismo se torna forte, pois se torna moralmente enriquecido com a epistemologia do ceticismo por meio da qual surgem - na formação do pensamento relativista - percepções de que existem “luzes e não uma [só] luz. Esses princípios são crenças e ideias, e não uma crença e uma ideia” (OZ, 2017, p. 69), são fundamentos da ideologia da tolerância.

Se o relativismo moralmente forte, que surge do desbaste das convicções inspiradas pelos essencialismos e ontologismos, contribui para o robustecimento do humanismo e as suas ideologias derivativas, como a democracia, o relativismo fraco é o combustível do paradoxo da intolerância. Moralmente frágil, por ser monocular e monomaníaco, o relativismo aqui denominado débil fraqueja diante da ambígua condição existencial humana e, entre a existência mergulhada na antropologia realista e a transcendência essencialista produtora de verdades, sucumbe a apelos exclusivistas e egotistas capazes de reservar para poucos a sacralidade do todo humano, aquela notada por Durkheim e Joas, antes sublinhada com elegância por Pico de La Mirandola (1988, p. 6) que - diante de uma concepção criacionista - viu o centauro ontológico entronizado no centro do universo por seu Artífice, Deus, decretando para sua criatura:

Não te fizemos nem celeste, nem terreno, mortal ou imortal, de modo que assim, tu, por ti mesmo, qual modelador e escultor da própria imagem, segundo tua preferência e, por conseguinte, para tua glória, possas retratar a forma que gostarias de ostentar. Poderás descer ao nível dos seres baixos e embrutecidos; poderás, ao invés, por livre escolha de tua alma, subir aos patamares superiores que são divinos (PICO DE LA MIRANDOLA, 1988, p. 6).

O relativismo débil, ao subverter a ética da tolerância, promove crenças e convicções desalinhadas com umas das mais demonstráveis normas que sustentam a moralidade da ideologia humanista: não é a maximização do prazer - ou, como querem os utilitaristas, da felicidade - que promove o bem-estar do homem sob qualquer circunstância; não é o prazer ou a emoção a ser maximizada em nome da felicidade humana. Ao contrário, o bem-estar humano pode ser mais facilmente maximizado pela redução de seu sofrimento, de sua dor existencial, tenha ela uma expressão física ou psicológica.

Estudos na neurociência discutem se herdamos verdadeiramente a capacidade para termos emoções (SOLOMON, 2015, p. 392), e alguns têm afirmado que prazer e dor constituem a base de todas as emoções (SOLOMON, 2015, p. 276). Em busca de um consenso - no conhecimento, na ética e, enfim, na linguagem - capaz de superar o abismo ético de que trata Adeodato, mostra-se retoricamente útil considerar prazer e dor, emoções que definem todos humanos, como denominadores comuns morais.

O já citado escritor israelense, Oz (2017, p. 49), afirma que “a dor é, pelo visto, o denominador comum mais amplo de todo o gênero humano.” Pergunta ele: “Quem nunca a experimentou? E talvez ela seja o denominador comum de tudo o que é vivo no mundo.” Indo além, Oz (2017, p. 49) declara:

Assim como eu, em meu íntimo, resumo todos os mandamentos em um só - ‘Não causarás dor’ -, da mesma forma estou disposto a resumir o humanismo e o pluralismo em fórmula única e simples: o reconhecimento do direito igual de todos os seres humanos de serem diferentes uns dos outros.

Ao proclamar seu mandamento - “Não causarás dor” - e incluir todos os seres vivos no universo onde a dor não poderia penetrar, não ao menos pela livre escolha do homem em face de outrem ou mesmo em face de qualquer ser vivente, faz surgir contundente argumento em defesa dos direitos do homem assim como dos animais. Resgata, ainda, de modo mais lúdico, o conceito já referido de utilitarismo negativo, o qual inspirou o imperativo categórico da tolerância, de Arthur Kaufmann.

O utilitarismo negativo, tal como explicitado por Kaufmann, citando Ilmar Tammelo, foi antecipado por Popper (1987, p. 311) para afirmar que “o sofrimento humano faz um direto apelo moral, a saber, o apelo por auxílio.” Sob essa ótica, Popper faz o contraponto à fórmula utilitarista e seu princípio da felicidade máxima, construindo seu argumento de modo preciso:

Em vez de maior felicidade para o maior número, dever-se-ia mais modestamente reclamar o menor quinhão de sofrimento evitável para todos; e mais, que o sofrimento - tal como a fome em épocas de inevitável carência de alimentos - seja distribuído tão igualmente quanto possível (POPPER, 1987, p. 311)

O mandamento de Oz e o utilitarismo negativo popperiano, sintetizados no imperativo categórico da tolerância, de Kaufmann, fazem robusta oposição ao relativismo débil e a sua indiferença moral aos males causados por seus esforços de, a todo custo, implementarem determinadas visões de mundo, em especial quando do projeto relativista decorrem emoções dilacerantes, como a dor.

Contra esse relativismo negligente - que flexibiliza a moral contida nos postulados dos direitos humanos e fundamentais, sob alegação de que caracterizam certo tipo de etnocentrismo, para impor sofrimento a outrem em nome de culturalismos diversos - deve-se invocar como retórica estratégica, ainda que correndo o risco de, semanticamente, parecer contraditório, a convicção moral de que existem respostas certas e erradas diante de dilemas morais. Não se podem equiparar as ciências naturais com as ciências sociais, nem a física com a ética, mas é possível - sem sucumbir a autoritarismos, afastando essencialismos já criticados - admitir uma ciência da moralidade, conforme defende o filósofo Sam Harris. Para ele (HARRIS, 2013, p. 57), uma vez que entendamos que “a preocupação com o bem-estar (definidos nos termos mais amplos possíveis) é a única base inteligível para a moralidade e os valores, veremos que deve haver uma ciência da moralidade, quer nós tenhamos sucesso em desenvolvê-la, quer não.”

A proposta aqui formulada à guisa de conclusão é que a ética da tolerância não pode tolerar intolerantes brandindo relativismos débeis em nome de qualquer crença ameaçadora dos fundamentos da própria ideologia da tolerância. Contra isso, a estratégia é organizar a linguagem para combater imprecisões conceituais manipuláveis e defender a hipótese de que “a partir do momento em que começamos a pensar a moralidade em termos de bem-estar, torna-se facílimo distinguir uma hierarquia moral nas sociedades humanas.” (HARRIS, 2013, p. 82).

Se a dor é o nosso denominador comum, como sugere Oz (2017), se o seu mandamento - “Não causarás dor” - traduz os cuidados decorrentes do reconhecimento da sacralidade do ser humano, se o imperativo categórico da intolerância, de Kaufmann, tem força moral bastante para se impor como um mandamento contra atos provocadores de sofrimento e se, por último, o utilitarismo negativo popperiano se mostra mais consentâneo com os ideais de um Estado democrático de direito, mais importante que perseguir a maior felicidade possível é estabelecer como meta jurídico-política obter a redução “do quinhão de sofrimento evitável para todos.”

Mas, para que tal seja racionalmente aceitável, é preciso promover uma nova torção sobre o eixo argumentativo dos valores, fazendo um giro cognitivo-linguístico para admitir que “sem consequências na esfera da experiência - felicidade, sofrimento, alegria, desespero etc. - qualquer conversa sobre valores é vazia.” (HARRIS, 2013, p. 66). É preciso levar a sério o argumento existencial de que nossos pensamentos e nossas ações afetam o bem-estar de criaturas conscientes (HARRIS, 2013, p. 89) e de que preservar indiferença em face, por exemplo, da dor causada a outrem é inumano e sonega toda a riqueza moral do projeto humanista e seus consectários: a democracia, o Estado democrático de direito, o constitucionalismo e os direitos fundamentais orientados para a dignidade da pessoa humana, mesmo que imersa em uma ambiência pluralista.

O permissivismo moral e normativo que naturaliza condutas agressivas, causadoras da revolta da consciência, como aquelas acima referidas, ou mesmo aqueloutra relacionada ao uso da burca3, impedem o desenvolvimento do humanismo, retardam o florescimento da civilização e esvaziam as possibilidades emancipatórias do constitucionalismo humanista. Ao ceder às exigências degeneradas do relativismo débil, o constitucionalismo homenageia pluralismos insensíveis ao sofrimento de seres humanos e perde sua força transformadora, remetendo à crítica de Zagrebelsky (2005, p. 28), para quem “o direito constitucional se contenta continuamente com ser um subproduto da história e da política, em vez de intentar converter-se ao menos em uma força autonomamente constitutiva tanto de uma como de outra.”

Há razões éticas e jurídico-constitucionais para rejeitar qualquer tentativa de subversão da ideologia da tolerância. É imperativa a criação de barreiras epistemológicas, cognitivas, linguísticas e axiológicas para o paradoxo da tolerância. Temer críticas denegridoras sob a acusação de etnocentrismo e totalitarismo cultural e, com isso, paralisar o combate aos abusos axiológicos ínsitos aos apelos do relativismo débil é botar a perder os esforços centenários que permitiram o surgimento do humanismo e o seu principal propagador, o Estado democrático de direito. Contra o relativismo dessa espécie, a retórica estratégica fortalecedora do imperativo categórico da tolerância e do utilitarismo negativo.

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Notas

NOTA

A concepção do problema enfrentado no artigo ÉTICA DA TOLERÂNCIA E SEUS INIMIGOS: IMPRECISÃO CONCEITUAL DE PLURALISMO, PERMISSIVISMO E RELATIVISMO COMO OBSTÁCULO A SEUS PRÓPRIOS IDEAIS é resultante de tratativas entre os coautores, dentro das reflexões do Grupo de Pesquisa de que fazem parte na Faculdade de Direito de Vitória, especificamente voltadas para questões relacionadas à ética da tolerência. O tratamento do problema se deu em reuniões presenciais e em trocas de mensagens eletrônicas, a partir das quais ambos os autores de dedicaram à pesquisa conceitual e bibliográfica e, posteriormente, à redação e revisão conceitual e gramatical. Todas as etapas foram realizadas em conjunto, unicamente pelos dois coautores.

1 No original: “Man lasse sich nicht irreführen: grosse Geister sind Skeptiker. Zarathustra ist ein Skeptiker. Die Stärke, die Freiheit aus der Kraft und Überkraft des Geistes beweist sich durch Skepsis. Menschen der Überzeugung kommen für alles Grundsätzliche von Werth und Unwerth gar nicht in Betracht. Überzeugungen sind Gefängnisse.”
2 Conciliarismo é uma doutrina católica que considera o concílio ecumênico ou geral representante de toda a Igreja, submetendo todos os fiéis e todos os membros da hierarquia eclesiástica, incluindo o papa. Há historiadores e constitucionalistas que reconhecem nessa doutrina a gênese do constitucionalismo e, posteriormente, da ideia de controle de constitucionalidade. Citando Quentin Skinner, Caleb Salomão Pereira argumenta: “A própria razão iluminista, causa futura da erosão dos fundamentos teológicos explicativos da sociedade, com seus vícios intrínsecos voltados ao atendimento dos interesses de uma determinada ordem social, é tributária desses conceitos, a exemplo do conciliarismo que guiou parte dos séculos de hegemonia católica e que fez perceber o potencial do movimento assemblear, de caráter político-civil, posteriormente denominado constitucionalismo. (SKINNER, 1996, p. 394).” (SILVA, 2008, p. 4694).
3 “É errado forçar mulheres e meninas a usarem burcas porque é incômodo e desagradável viver totalmente coberta, porque essa prática perpetua uma visão da mulher como propriedade do homem e porque ela mantém os homens que a fazem cumprir brutalmente obtusos à possiblidade de igualdade real e à igualdade entre os sexos. Atrapalhar dessa forma metade da população também subtrai riqueza econômica, social e intelectual de uma sociedade.” (HARRIS, 2013, p. 223).

Autor notes

Editora responsável: Profa. Dra. Fayga Bedê https://orcid.org/0000-0001-6444-2631
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