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A GESTÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E OS POVOS INDÍGENAS
THE ANTI-DISCRIMINATION CASE MANAGEMENT IN THE CIVIL PROCEDURE LAW AND INDIGENOUS PEOPLES
GESTIÓN ANTIDISCRIMINATORIA EN DERECHO PROCESAL CIVIL Y PUEBLOS INDÍGENAS
Revista Opinião Jurídica, vol. 20, núm. 35, pp. 61-82, 2022
Centro Universitário Christus

Artigo


Recepção: 13 Janeiro 2022

Aprovação: 06 Junho 2022

DOI: https://doi.org/10.12662/2447-6641oj.v20i35.p61-82.2022

RESUMO

Objetivo: O objetivo do presente artigo é investigar a existência de deveres antidiscriminatórios na gestão judicial de processos, que envolvem povos indígenas, a partir da análise do Código de Processo Civil de 2015. Diante disso, a hipótese apresentada é que, para além das normas de direito material, as normas processuais também devem respeitar os deveres antidiscriminatórios.

Metodologia: Como metodologia, adota-se uma abordagem qualitativa, por meio de revisão da literatura especializada e de legislação.

Resultados: Conclui-se que o Direito Processual Civil brasileiro, ao adotar a gestão processual cooperativa, com o gerenciamento de processos judiciais pelo magistrado, agrega os deveres antidiscriminatórios também dentro das normas processuais, permitindo a adequação do processo às especificidades dos povos indígenas, expressando o mandamento de igualdade previsto na Constituição e realçando a discriminação étnica como critério proibido do direito da antidiscriminação.

Contribuições: O artigo contribui para a reflexão de que os deveres antidiscriminatórios, para além das normas materiais, alcançam também a norma processual e de que o gerenciamento de processos (gestão intraprocessual) é um importante instrumento para garantir a igualdade de posições processuais para os povos indígenas.

Palavras-chave: Antidiscriminação, povos indígenas, gerenciamento de processos.

ABSTRACT

Objective: The purpose of this article is to investigate the existence of antidiscrimination duties in the case management involving indigenous peoples, based on the Code of Civil Procedure. Therefore, the hypothesis presented is that, in addition to the substantive law rules, procedural rules must also respect anti-discrimination duties.

Methodology: As a methodology, a qualitative approach is adopted, through a review of specialized literature and legislation.

Results: It’s concluded that Brazilian civil procedural law, by adopting the case management in cooperation with the parties, also adds anti-discrimination duties to the procedural norms, allowing the adaptation of the process to the specificities of indigenous peoples, expressing the commandment of equality provided for in the Constitution and emphasizing ethnic discrimination as a prohibited criterion of antidiscrimination law.

Contributions: The article contributes to the reflection that anti-discrimination duties, in addition to material norms, also reach the procedural norm and that case management (intra-procedural) is an important instrument to guarantee procedural equality for indigenous peoples.

Keywords: Anti-discrimination, indigenous peoples, case management.

RESUMEN

Objetivo: El propósito de este artículo es investigar la existencia de deberes antidiscriminatorios en la gestión de casos que involucran a pueblos indígenas, con base en el Código de Procedimiento Civil. Por tanto, la hipótesis planteada es que, además de las normas de derecho sustantivo, las normas procesales deben respetar también los deberes antidiscriminatorios.

Metodologia: Como metodología, se adopta un enfoque cualitativo, a través de una revisión de la literatura y la legislación especializadas.

Resultados: Se concluye que la ley procesal civil brasileña, al adoptar la gestión procesal cooperativa, con la gestión de los procesos judiciales por parte del magistrado, agrega los deberes antidiscriminatorios también dentro de las normas procesales, permitiendo la adecuación del proceso a las especificidades de los pueblos indígenas, expresando el mandamiento de igualdad previsto en la Constitución y haciendo hincapié en la discriminación étnica como criterio prohibido de la ley antidiscriminatoria.

Contribuciones: El artículo contribuye a la reflexión de que los deberes antidiscriminación, además de las normas materiales, también alcanzan la norma procesal y que la gestión del proceso (gestión intraprocesal) es un instrumento importante para garantizar la igualdad de posiciones procesales de los pueblos indígenas.

Palabras clave: Antidiscriminación, pueblos indígenas, gestión de casos.

1 INTRODUÇÃO

Com a grande quantidade de processos existentes no Poder Judiciário, que já ultrapassa os 77 milhões1, e com a variedade de assuntos que, todos os dias, são levados ao conhecimento dos juízes, a organização do acervo e da sistemática processual é imprescindível para uma adequada prestação jurisdicional, de forma que tem se exigido, cada vez mais, dos juízes uma postura de gestão dentro do Poder Judiciário.

Além da prática de atividades administrativas internas, o juiz também é o gestor de cada feito, promovendo a conciliação, gerenciando a produção de provas, verificando se os procedimentos se encontram adequados para que as partes tenham igualdade de tratamento dentro do processo, além de outras atividades de direção do feito.

Nessas atividades de gestão dos processos, pode-se falar em gestão intraprocessual e interprocessual (RAPOSO et al., 2013, p. 101), sendo esta referente ao gerenciamento da totalidade dos processos e da organização do acervo, bem como à definição e ao planejamento das atividades a serem desenvolvidas; e aquela, por sua vez, a cada demanda em tramitação. É sobre a modalidade de gestão intraprocessual que este artigo se debruça, pelo que a utilização dos termos gestão ou gerenciamento se refere à modalidade intraprocessual.

Ao decidir um processo, percorre-se um caminho, em que o exame dos fatos e a concretização do direito pressupõem prévia adequação procedimental e condução processual que reclamam tanto iniciativa das partes quanto impulso oficial. A cada processo, faz-se necessária a gestão processual, a fim de que a jurisdição resulte útil. Nessa atividade, a direção do feito pressupõe tratamento igualitário entre as partes, o que não decorre, de modo automático ou efetivo, dos atributos da generalidade e da universalidade das normas processuais devido à diversidade e à desigualdade de indivíduos e de grupos presentes na sociedade brasileira. Isso é evidenciado pela multiplicidade social e cultural dos povos indígenas, desafiando a instituição de uma regulação apta a dar conta das singularidades próprias de cada um desses povos.

Diante disso, este artigo pretende investigar a existência de deveres antidiscriminatórios na gestão judicial de processos, que envolvem povos indígenas, a partir da análise do Código de Processo Civil de 2015. Para tanto, a hipótese apresentada é que, para além das normas de direito material, as normas processuais também devem respeitar os deveres antidiscriminatórios.

A estruturação do artigo será feita da seguinte forma: a primeira parte trata do gerenciamento de processos judiciais sob a figura do juiz gestor do processo cooperativo, explorando a legislação e literatura especializadas; a segunda e terceira partes examinam o desafio da gestão processual a partir dos conteúdos fundamentais do direito da antidiscriminação, cuja observância não só é de rigor no desenvolvimento processual, como é também imprescindível em demandas que envolvem povos indígenas. Na elaboração deste artigo, adotou-se uma abordagem qualitativa, com análise de artigos científicos e publicações especializadas, bem como o exame da legislação pertinente.

2 DO GERENCIAMENTO DE PROCESSOS: O JUIZ COMO GESTOR DO PROCESSO COOPERATIVO

A atividade judicial de direção processual, em que a cada caso concreto são resolvidas as questões pendentes, adequados e definidos atos e procedimentos, é denominada gerenciamento ou gestão de processos judiciais, tarefa que envolve o “planejamento da condução de demandas judiciais em direção à resolução mais adequada do conflito, com o menor dispêndio de tempo e custos” (SILVA, 2010, p. 35)2. Como referido, tal atividade se desdobra nas modalidades inter e intraprocessual, sendo esta última objeto de atenção neste estudo.

No direito brasileiro, o Código de Processo Civil de 2015 atribuiu ao juiz a tarefa de gestor do feito (art. 139, caput), concedendo-lhe poderes para a condução do procedimento (conforme incisos do art. 139). No entanto, o magistrado não está sozinho nessa tarefa, pois as partes devem cooperar para que o processo atinja seu fim, que é uma decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º).

De acordo com o art. 139 antes mencionado, é incumbência do magistrado assegurar às partes igualdade na forma de tratamento, velar pela razoável duração do processo e pela prevenção e repressão de atos contrários à dignidade da justiça, determinar as medidas necessárias para garantir o cumprimento de suas ordens, promover a autocomposição a qualquer tempo, dilatar os prazos e alterar a ordem de produção de provas de acordo com a necessidade do conflito, exercer o poder de polícia e determinar o comparecimento pessoal das partes, promover o saneamento de vícios processuais e adotar medidas para informar os órgãos sobre ações que possam ter natureza coletiva.

No regime processual anterior, o Código de Processo Civil de 1973 também previa que o juiz deveria dirigir o processo, assegurando às partes igualdade de tratamento, velando pela rápida solução do litígio, prevenindo e reprimindo ato atentatório à dignidade da justiça e promovendo a tentativa de conciliação das partes (art. 125). Em relação ao diploma anterior, o Código de 2015 avançou ao inserir mais poderes de gestão no art. 139, sem esquecer a inclusão do princípio da cooperação no art. 6º, redefinindo os contornos de participação das partes e do juiz no processo, com o incentivo ao diálogo processual. De acordo com Andrade (2020, p. 195), o Código de 2015 não só acolheu como também incrementou a gestão processual pelo juiz, havendo, além do art. 139, outros dispositivos que igualmente indicam essa tendência, como os artigos relativos à cooperação jurídica internacional e à colheita de provas.

O gerenciamento abre espaço à adequação do processo às características do caso concreto, permitindo que a aplicação das regras processuais seja visualizada pela perspectiva interna, direcionada para uma demanda específica. Dada a relevância da gestão processual, pode-se reconhecê-la como um princípio do processo, verdadeira “regra estruturante do processo civil” (COSTA, 2018, p. 78).

Mesmo diante do artigo 139 do estatuto processual, há autores que não admitem que o Código de 2015 tenha atribuído poderes de gestão aos magistrados por não haver uma regra específica sobre isso3, não obstante a Exposição de Motivos do Código de Processo Civil mencionar que “tem o juiz o poder de adaptar o procedimento às peculiaridades da causa”, com referência expressa à inspiração no case management powers4.

A gestão ou gerenciamento de processos não é fenômeno restrito ao direito brasileiro. Érico Andrade aponta que a doutrina nacional e a internacional têm se ocupado do tema de gestão processual, assumindo o juiz o papel de gestor do processo para organizar a marcha processual, por meio de um procedimento flexível, distribuindo adequadamente os recursos judiciais conforme a complexidade do caso concreto (ANDRADE, 2020, p. 184).

No âmbito do direito inglês, os poderes de gestão do juiz são denominados de case management. O modelo inglês de gerenciamento de processos se tornou mais proeminente com a criação das Civil Procedure Rules. Até o final da década de 1990, os litígios cíveis na Inglaterra eram regulados pelas Rules of the Supreme Court e County Court Rules. O juiz possuía um papel passivo e a efetiva condução do processo era feita pelas partes e pelos seus advogados. Esse sistema era reconhecidamente moroso e possuía altos custos, razão pela qual reformas acabaram deslocando a gestão dos processos para os juízes (ALMEIDA, 2011, p. 290).5

O sistema inglês, como dito, inspirou a construção do juiz gestor no Código de Processo Civil de 2015, tarefa que não dispensa a cooperação com as partes, princípio introduzido de modo expresso no direito brasileiro no artigo 6º do estatuto de 2015 (WAMBIER, 2017, p. 250; ANDRADE, 2020, p. 196). Além do art. 6º, em outros dispositivos do Código, também é possível encontrar previsões de gestão colaborativa, como o art. 191, que trata da criação de calendários processuais fixados entre as partes e o juiz; o art. 168 que dispõe sobre a escolha de conciliadores e mediadores pelas partes de comum acordo e o art. 471 que também prevê a escolha em comum de perito pelas partes, além de outros artigos.

A cooperação é um dos modelos de estruturação do processo ao lado do adversarial e inquisitivo. Esses modelos se organizam conforme o maior, menor ou igual protagonismo dado às partes e ao juiz na condução do processo.

No modelo inquisitivo, o juiz possui maior protagonismo na condução da lide, com poderes mais amplos, como o, por exemplo, de produzir provas de ofício. No modelo adversarial, de forma diversa, é dada às partes maior evidência dentro do processo. O modelo cooperativo, diferente dos anteriores, inclui o juiz como um dos sujeitos do diálogo processual, estando ao lado das partes, de maneira que nenhum desses agentes possui proeminência sobre os demais na condução do processo (DIDIER JUNIOR, 2017, p. 141). Para Mitidiero (2019, online), “a colaboração é um modelo que visa a dividir de maneira equilibrada as posições jurídicas do juiz e das partes no processo civil, estruturando-o como uma verdadeira comunidade de trabalho [...]”. Por isso, esse modelo seria o mais adequado para uma democracia (DIDIER JUNIOR, 2017, p. 142).

Ressalta-se que Nunes (2008, p. 16) entende que os macromodelos de estruturação do processo, quais sejam, liberalismo processual e socialização processual (cada qual com o protagonismo das partes ou do juiz), não resolvem os problemas de eficiência e legitimidade do sistema. Por isso, ele propõe um modelo de processualismo constitucional democrático, com maior participação da sociedade e de atores externos (como o amicus curiae) no processo.

A cooperação processual implica os deveres de esclarecimento, prevenção, debate e auxílio (MITIDIERO, 2019). Enquanto Didier Junior (2017, p. 144-146) sustenta que esses deveres são de todos que se encontram na relação processual (juiz, partes, auxiliares do juízo), Mitidiero (2019) aponta que as partes não possuem deveres recíprocos de colaboração, pois defendem posições processuais diferentes, de maneira que esses deveres não poderiam ser exigidos de uma parte em relação à outra.

Em face desse modelo mais cooperativo, entende-se que a colaboração seria a superação dos modelos inquisitivo e adversarial (DIDIER JUNIOR, 2017, p. 143). Por outro lado, Mitidiero (2019) sustenta que a colaboração seria, ao mesmo tempo, um modelo isonômico e assimétrico, conservando tanto traços dispositivos quanto inquisitoriais; seu caráter isonômico residiria na condução conjunta do processo (partes e juiz), ao passo que a assimetria diz respeito ao fato de o juiz, de modo exclusivo, proferir decisões.

A cooperação implica a observância do contraditório, do debate e do diálogo no processo, configurando relações mais horizontais entre os sujeitos processuais, impondo a todos uma postura mais ativa, inclusive para promover a adaptação do procedimento às necessidades do caso concreto (MITIDIERO, 2019; WAMBIER, 2017, p. 251). Desse modo, por mais que o juiz seja o gestor do processo, essa tarefa não é desenvolvida por ele isoladamente, mas sempre com a colaboração das partes.

Na gestão processual, é possível identificar direções formal e material do processo, concernente à maneira como o feito deve ser impulsionado ou tratado adequadamente. No primeiro caso (gestão formal), trabalha-se com a noção do processo como instrumento de tutela do direito material. Nesse ponto, enquanto gestão formal do processo, o magistrado gestor deve se orientar pela aplicação de princípios e procedimentos processuais, como o contraditório e a ampla defesa, e tomar iniciativas necessárias para impulsionar o feito. Del Claro (2009, p. 175) esclarece que a direção formal do processo é aquela burocrática, que impulsiona o processo e pode ser expressa por elementos que conduzem ao andamento da demanda, como a citação, as intimações, a designação de audiências etc.

A gestão ou direção material do processo, por sua vez, é marcada por uma conduta mais ativa do juiz, afastando-se de mero aplicador da lei para assumir uma posição cooperativa. Para explicar a diferença entre direção formal e material do processo, Del Claro faz alusão a um árbitro de futebol, indicando que, na gestão material, o juiz não assiste ao desenrolar de um jogo de futebol como o árbitro que acompanha o evento com o fito de garantir que as regras sejam respeitadas. Ao contrário, o juiz, ao gerir materialmente o processo, efetivamente participa do procedimento, atuando para que as partes obtenham o provimento jurisdicional (DEL CLARO, 2009, p. 176). Nesse sentido, o juiz “dirige materialmente o processo quando respeita e faz respeitar os direitos processuais das partes, inclusive alertando-as sobre a existência desses mesmos direitos, caso isso não seja prontamente percebido.” (DEL CLARO, 2009, p. 176).

Tanto a gestão formal quanto a gestão material do processo são importantes e imprescindíveis para a correta condução da lide. A primeira é extremamente necessária, pois sem ela os atos processuais não se realizam, as audiências e intimações não acontecem, porque, em razão do princípio da inércia, o magistrado só pode agir após ser provocado pelas partes, cabendo a ele, no entanto, impulsionar o feito. Dessa forma, pode-se dizer que “essa direção formal está ligada aos impulsos necessários para que o procedimento atinja seus objetivos, desde a propositura da demanda até a entrega da tutela do direito à parte.” (DEL CLARO, 2009, p. 175).

Sob a perspectiva material, em que o juiz se despe de mero expectador para assumir uma conduta colaborativa, também se busca o correto desenvolvimento do feito. No entanto, sob esse aspecto, o magistrado possui uma conduta mais ativa, em que deve zelar pela efetiva igualdade e paridade de posições processuais. Assim, o art. 370 da Lei Processual Civil prevê o poder de o juiz determinar de ofício a produção de provas, e o art. 373, parágrafo primeiro, também do Código de Processo Civil traz o poder de o magistrado distribuir diversamente o ônus da prova quando reconhecer a impossibilidade ou excessiva dificuldade de uma das partes produzir determinada prova em seu favor, havendo para a parte adversa uma maior facilidade em trazer a mesma prova em Juízo.

Quanto ao objeto do processo, a direção formal desenvolve-se sobre as questões relativas ao procedimento em si, já a direção material “pretende a realização de justiça pela gestão de aspectos atinentes ao pedido e à causa de pedir” (FABRIS, 2018, p. 51), promovendo as adequações e orientações necessárias para que o processo seja mais equânime para as partes. Assim, na direção material do processo, o juiz gestor exerce poderes de advertência, esclarecimento e correção, colaborando com as partes para preparar o processo para julgamento (PEIXOTO, 2016, p. 54).

Diante disso, a gestão dos processos judiciais6, seja ela formal seja material, envolve diversos instrumentos para a sua aplicação conforme o caso, podendo o magistrado determinar a suspensão do processo para adoção de providências, realizar o saneamento do feito, designar audiência de conciliação, reprimir o abuso ao uso do processo, adotar poderes de iniciativa probatória, promover o impulso oficial, além da adaptação do processo às especificidades do caso concreto (SILVA, 2010, p. 116-117), tudo isso em colaboração com as partes.

Dentre os poderes de direção colaborativa do feito pelo magistrado previstos no art. 139 do Código de 2015, destaca-se o dever de assegurar às partes igualdade de tratamento (art. 139, I do CPC), podendo tal dispositivo ser considerado uma expressão do princípio da igualdade contido no art. 5º da Constituição de 1988 e aplicado à esfera processual.

A partir da igualdade de tratamento às partes, desponta o princípio da adaptabilidade ou flexibilidade procedimental que permite a adaptação das regras procedimentais gerais e abstratas ao caso concreto. De acordo com Gajardoni e Zufelato (2020, p. 138), é possível diferenciar a adequação da adaptabilidade. Segundo os autores, o princípio da adequação se dirige ao legislador quando da elaboração das leis, já o princípio da adaptabilidade (flexibilização ou elasticidade) designa “a atividade do juiz de flexibilizar o procedimento inadequado ou de reduzida utilidade para melhor atendimento das peculiaridades da causa”. Além disso, o princípio da adaptabilidade tem natureza subsidiária e só seria possível sua aplicação quando não houvesse procedimento individualizado adequado para o caso ou quando, ainda que houvesse procedimento, ele não atendesse às necessidades do caso analisado (GAJARDONI; ZUFELATO, 2020, p. 140).

3 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DA ANTIDISCRIMINAÇÃO

Enquanto ramo especializado da prática e do conhecimento jurídico, o direito da antidiscriminação cuida das respostas jurídicas formuladas diante de demandas sociais, políticas, culturais e institucionais, em que indivíduos e grupos discriminados buscam enfrentar e superar realidades de subjugação e desvantagem injustas. Com raízes no direito constitucional e marcadamente desenvolvido ao longo do século XX, tendo como referência as reivindicações de grupos minoritários pelo reconhecimento e pelo exercício de seus direitos, o direito da antidiscriminação apresenta não só normas nacionais como também internacionais concebidas no cenário de demandas jurídicas e respostas jurisprudenciais, constituindo campo de estudo, pesquisa e análise acadêmica especializada7. Seu fundamento normativo ancora-se no princípio da igualdade, em cujos domínios, institutos e debates jurídicos se plasmam e transitam as diversas concepções de igualdade8.

Destacam-se, entre seus elementos fundamentais, o conceito jurídico de discriminação, as suas modalidades, os critérios proibidos de discriminação e as respectivas respostas jurídicas (RIOS, 2008).

Com raízes fincadas no direito internacional dos direitos humanos, o conceito jurídico de discriminação abebera-se decisivamente na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial9 e na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher10. Para a primeira Convenção, discriminação designa “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica”, cujo objetivo seja afastar ou restringir direitos, tendo a segunda Convenção incluído nesse conceito a discriminação em razão de sexo.

Nesse contexto, merece especial menção à Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência11 que, além de ter trazido conceito de discriminação por motivo de deficiência, é instrumento normativo recepcionado com estatura constitucional no direito brasileiro.

Ao lado do conceito jurídico de discriminação, avulta a reprovação jurídica das modalidades discriminatórias direta e indireta (BAMFORTH; MALIK; O’CINNEIDE, 2008; FREDMAN, 2002; RIOS, 2008; MOREIRA, 2017). No primeiro caso (direta), trata-se de práticas conscientes e direcionadas a outrem, de forma a restringir um direito. Pode vir descrita no texto de uma lei, quando então será considerada explícita, e, mesmo ausente o conteúdo negativo expresso na norma jurídica, a discriminação pode ocorrer na aplicação dessa norma, ou ainda em face de elementos aparentemente neutros intencionalmente presentes na concepção ou no desenho da medida (RIOS, 2020, p. 1338). A discriminação indireta, por sua vez, atenta para as realidades que se reproduzem ao longo do tempo “por meio da manutenção de medidas aparentemente neutras, mas efetivamente discriminatórias [...].” (RIOS, 2008, p. 21), desprovidas da intenção de discriminar.

A enumeração dos critérios proibidos de discriminação configura, a seu turno, conteúdo basilar do direito da antidiscriminação. Previstos em listagem taxativa ou exemplificativa, eles apontam indivíduos e grupos destinatários da proteção antidiscriminatória. Tais critérios podem tomar por base elementos inatos e involuntários normalmente imutáveis, como a origem étnica, racial, sexo, idade ou ainda escolhas fundamentais como convicções políticas ou afiliações religiosas (RIOS, 2008, p. 55).

Dessa forma, a discriminação contra os povos indígenas afirma-se como violação do mandamento antidiscriminatório, dado que, após séculos de dominação, esses povos ainda continuam a sofrer com a exclusão social e o desrespeito e a desconsideração a suas diferenças. Nesse ponto, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial considera, no art. 1º, a origem étnica como uma das formas de discriminação racial, competindo aos Estados proibir e eliminar esse tipo de tratamento excludente.

A nível constitucional, a norma de 1988, ao reconhecer o direito dos povos indígenas no art. 231, consagra sobremaneira a devida proteção antidiscriminatória a esses povos devida. No direito internacional dos direitos humanos, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)12 garante aos povos indígenas o gozo de seus direitos sem qualquer obstáculo ou discriminação13, instrumento este incorporado na ordem interna brasileira.

No direito da antidiscriminação, apresentam-se como perspectivas de seu desenvolvimento e compreensão a antidiferenciação e a antissubordinação. No primeiro caso, parte da ideia da universalidade, da abstração e da uniformidade na concepção e na aplicação da norma antidiscriminatória, afastando-se tratamentos diferenciados; no segundo, a preocupação volta-se para a superação de discriminações, abrindo espaço para tratamentos diferenciados positivos que se mostrem adequados e necessários para a superação de situações de desigualdade, com a reprovação de tratamentos que criem ou incentivem uma condição de maior exclusão (RIOS, 2008, p. 31-36).

Entre as respostas jurídicas antidiscriminatórias, apresentam-se possibilidades da adoção de tratamentos positivos diferenciados, inclusive ações afirmativas e tratamentos especiais para determinados indivíduos e grupos (RIOS, 2008, p. 22). Mais que uma mera abertura para tanto, a norma constitucional de igualdade exige que sejam empreendidas condutas por parte de agentes estatais que não só evitem a discriminação, mas também garantam o reconhecimento e o exercício dos direitos de indivíduos e grupos discriminados. No contexto dessa reflexão, tal conteúdo jurídico antidiscriminatório exige que, no desenrolar de relações jurídicas processuais em que estejam envolvidos direitos de coletividades indígenas, a gestão processual atente a esses objetivos.

4 A GESTÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA DE PROCESSOS QUE ENVOLVEM DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

Ante um processo civil informado com o conteúdo jurídico antidiscriminatório e diante da diversidade e das desigualdades da sociedade brasileira, mister construir uma dogmática e uma prática processual que assegurem aos povos indígenas, historicamente excluídos da sociedade, sua efetiva participação no processo, para que as diferenças culturais não sofram com impedimentos e obstáculos discriminatórios no desenvolvimento da relação processual.

Nesse ponto, o magistrado não pode se esquecer de que as regras procedimentais, por mais que sejam levadas à votação e à aprovação de parlamentares eleitos pelo povo, expressam o monismo jurídico existente na sociedade brasileira, sendo elaboradas sob a perspectiva dos não indígenas. Como apontam Sousa e Ribeiro (2021, p. 62), ainda que a Constituição de 1988 tenha adotado o pluralismo, ela não trouxe a adoção de um ordenamento jurídico indígena, não obstante tenha aberto a possibilidade para o reconhecimento das normas dessa coletividade.

Bobbio (1994, p. 162) explica que o monismo jurídico tem ideia universalista com a pretensão de instituir uma ordem jurídica única para todos os indivíduos e grupos. A modernidade, mantendo essa característica monista, é ainda uninacional e monucultural (WALSH, 2015, p. 349). Dessa forma, nas demandas envolvendo direitos da coletividade indígena, o monismo jurídico se mostra por meio da visão homogeneizante característica da colonização imposta sobre o pluralismo presente na América Latina (SOUSA; RIBEIRO, 2021, p. 61), o que resulta na desconsideração da diversidade étnica na elaboração das normas processuais. Assim, os ordenamentos jurídicos indígenas não são reconhecidos explícita e formalmente em nível constitucional (WALSH, 2015, p. 349), ainda que haja previsão de respeito à organização social, costumes e tradições desses povos na Constituição (art. 231).

O processo civil brasileiro, construído dentro dessa concepção hegemônica e monocultural, não trouxe normas específicas ou adaptadas à realidade dos povos indígenas. Por outro lado, na esfera criminal, diferente do procedimento civil, desde 1973, o Estatuto do Índio já previa normas com diferenciações positivas. Nesse sentido, há a previsão de cumprimento de pena em regime de semiliberdade no órgão federal que atua na questão indígena (art. 56, parágrafo único). Além disso, segundo o art. 57 desse mesmo Estatuto, são toleradas as punições aplicadas pelas próprias comunidades, desde que não sejam cruéis ou infamantes14. Acrescente-se que, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi editada a Resolução 287, de 25 de junho de 2019, que estabeleceu procedimentos para tratamento das pessoas indígenas, acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, admitindo a solução do conflito da esfera criminal pela própria comunidade.

No caso da coletividade indígena, o desconhecimento da sua cultura leva a maior distanciamento entre o sistema de justiça e esses povos. Araújo Junior (2019, p. 212) aponta que a previsão constitucional dos direitos indígenas levou à judicialização da temática, no entanto “a atuação judicial tem sido refratária a uma abertura às cosmovisões indígenas, resistindo a uma aplicação do direito que leve em conta a pluralidade de organizações sociais e fatores étnicos.” Não obstante o posicionamento expressado pelo autor, mais recentemente o Judiciário tem se mostrado cada vez mais atento com as questões indígenas15.

No âmbito do CNJ, a temática indígena tem-se feito cada vez mais presente, por exemplo, na inclusão desse tema como parte do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e de Grande Impacto e Repercussão16. No entanto, ainda é necessária maior reflexão antidiscriminatória sobre as leis processuais que geralmente são cobertas por um véu de aparente neutralidade.

Sendo essa a realidade do processo civil brasileiro, o direito da antidiscriminação, associado à figura do juiz gestor de um processo cooperativo em colaboração com as partes, impõe o dever de gerenciar o processo, de modo a assegurar tratamento igualitário entre as partes para fazer observar a proibição de discriminação por motivo étnico-racial nas relações processuais.

A partir desse critério, o ordenamento jurídico requer medidas que sejam necessárias para estruturar o procedimento, aplicando um tratamento diferenciado positivo para que os povos indígenas tenham oportunidades reais de efetivo acesso à justiça, podendo não só ingressar no Poder Judiciário, mas terem suas concepções (inclusive cosmológicas) levadas em consideração frente às demandas que discutam seus direitos.

Nesse ponto, com a Constituição de 1988 houve o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas à sua cultura, organização social, costumes, línguas, crenças e tradições (art. 231), com a dedicação de um capítulo específico para tratar dessa temática. A Constituição, ainda que no plano normativo, foi responsável por colocar fim ao integracionismo, que pretendia integrar o índio à sociedade brasileira. Essa política enxergava os povos indígenas como indivíduos não evoluídos e por isso deveriam ser “civilizados”17, abandonando seus modos de vida e adotando a cultura dos não índios. Vitorelli (2018, p. 34) explica que, por esse princípio, “O Estado considerava a condição indígena como transitória, até a concretização do propósito de total assimilação à comunhão nacional (sociedade não-indígena).”

Conforme Souza Filho (2018, p. 165), com a nova ordem constitucional, “O velho conceito de assimilação cede lugar para o conceito de convivência. Quer dizer, os índios vêm adquirindo o ‘estranho’ direito de continuar a ser índio, depois de quinhentos anos de integração forçada.” Além disso, a Constituição também abriu caminho para a promulgação no Brasil da Convenção nº 16918 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelo Decreto nº 5.051/200419. A referida Convenção, além de ter estabelecido normas sobre o direito de esses povos escolherem suas próprias prioridades, ainda trouxe o direito de consulta em seu artigo 6º, que representa o direito de as comunidades serem ouvidas quando houver alguma medida legislativa ou administrativa passível de afetá-las.

Adicionalmente, o art. 232 da Constituição trouxe o direito de os próprios indígenas e suas comunidades ingressarem em juízo para defender seus direitos, sem a intermediação de nenhuma instituição. Trata-se de direito de grande relevância, pois os próprios indígenas passaram a ter legitimidade para defender diretamente os seus direitos, sem necessidade de nenhum órgão de assistência. No ano de 2020, o STF admitiu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ou seja, pela própria organização dos povos indígenas. A ação em questão tratava do pedido de instalação de barreiras sanitárias em face da COVID-19. Na petição inicial da APIB, foi afirmado que “os povos indígenas e suas organizações devem poder defender seus direitos e interesses em todos os espaços jurisdicionais, sem depender para tanto da intermediação necessária de instituições ‘dos brancos’ [...].” (BRASIL, 2020, p. 18). Além disso, essa previsão constitucional ganhou reforço com o Código de Processo Civil de 2015 que passou a prever a legitimidade dos entes sem personalidade jurídica (art. 75, IX), como as organizações e comunidades indígenas, para ingressarem em juízo e defenderem seus direitos, expressando cada vez mais uma dimensão democratizante do processo civil (CATHARINA, 2019, p.5).

Com efeito, um processo civil comprometido com a antidiscriminação e informado por uma perspectiva democrática não pode desconsiderar a historicidade dos povos indígenas nem as normas protetivas que asseguram seus direitos na ordem interna e internacional. Da mesma forma, o juiz gestor do processo cooperativo junto às partes deve promover as adaptações necessárias para garantir que todos possam efetivamente participar do processo.

Figueiredo (2014, p. 75) aponta que a sociedade hoje espera um juiz que entenda a realidade existente, seja mais humano e compreensivo com os atores do sistema de justiça e com a sociedade como um todo. Diante disso, da mesma forma que o magistrado tem conhecimento sobre o ordenamento jurídico brasileiro, é necessário que tenha também conhecimento sobre os povos indígenas.

É certo que, conforme o último censo do IBGE (2010), o Brasil possui 305 etnias diferentes, o que demonstra a diversidade dos povos indígenas, sendo tarefa extremamente difícil conhecer os costumes e as tradições de todos. No entanto, sob uma perspectiva antidiscriminatória, ainda que o magistrado não tenha prévio conhecimento das especificidades de cada comunidade que conste no processo, essas particularidades podem ser percebidas ao longo do desenvolvimento do feito ou serem levadas ao conhecimento do juiz pelas próprias partes (principalmente pelos próprios povos indígenas), de forma cooperativa, exigindo a gestão adequada do procedimento para adaptá-lo às necessidades verificadas. Somente reconhecendo a situação de alteridade dos sujeitos envolvidos, pode o magistrado, como gestor do processo cooperativo e em conjunto com as partes, levar a perspectiva da antidiscriminação para dentro das normas processuais, realizando as adaptações necessárias e democratizando as normas processuais.

Entre os poderes de gerenciamento do processo judicial e sendo uma decorrência do dever de o magistrado assegurar tratamento igualitário entre as partes, o princípio da adaptabilidade ou flexibilidade procedimental que, como já explicitado anteriormente, designa “a atividade do juiz de flexibilizar o procedimento inadequado ou de reduzida utilidade para melhor atendimento das peculiaridades da causa” (GAJARDONI; ZUFELATO, 2020, p. 138), pode ser aplicado aos processos envolvendo os povos indígenas, a fim de que o procedimento seja adaptado às especificidades dessas coletividades.

Embora um procedimento único aparente certa segurança jurídica em decorrência da previsibilidade gerada, não se pode dizer que tal técnica atenda ao dever de tratamento igualitário, pois, conforme deixa claro o direito da antidiscriminação, perspectivas homogeneizantes que desconsideram a diversidade se revelam como discriminatórias ao dificultar ou mesmo impedir que os atos processuais sejam adaptados às especificidades do caso concreto. A figura do juiz gestor prevista no art. 139, inciso I, do Código de Processo Civil requer essa observância de conteúdos e deveres antidiscriminatórios na gestão processual cooperativa.

Transportando esse conceito para dentro do processo judicial, a aparente neutralidade das normas processuais não pode ser ingenuamente percebida como um procedimento livre de efeitos discriminatórios, porque o processo foi moldado dentro de uma perspectiva monista do ordenamento jurídico dos não índios, em face da desconsideração da diversidade. Daí que, no contexto constitucional democrático, a gestão processual deve compreender o tratamento igualitário entre as partes como empreendimento antidiscriminatório, evitando efeitos subordinantes (perspectiva da antissubordinação no direito da antidiscriminação).

Diante disso, a perspectiva da antissubordinação se apresenta como uma diretriz processual adequada, pois requer tratamentos diferenciados, a fim de se buscar a efetiva igualdade entre as partes, enfrentando a discriminação. Essa perspectiva não se contenta em fornecer um tratamento uniforme entre os diversos demandantes, nem se confunde com a proposta de um procedimento para cada situação; ela requer que, diante de contextos de discriminação, haja tratamentos diferenciados positivos, ainda que dentro de um mesmo procedimento, a fim de assegurar igualdade de oportunidades de participação no processo (RIOS, 2008, p. 36).

De forma exemplificativa, pois não seria possível esgotar todas possibilidades neste artigo ante a diversidade de povos indígenas e de situações que podem ocorrer dentro de um processo, a gestão processual, ao promover a adaptação do processo às circunstâncias do caso concreto e em cooperação com as partes, pode resultar no alargamento de prazos processuais conforme os costumes dos povos indígenas, na alteração do local da audiência para permitir a participação dos membros de uma comunidade, na garantia de uso da língua nativa, inclusive com tradução de documentos judiciais, na possibilidade de deixar de aplicar as regras de impedimento e suspeição aos tradutores para que esses auxiliares sejam nomeados entre os próprios membros da comunidade envolvida, em abrir espaço dentro do processo para que a coletividade indígena possa apresentar sua própria concepção sobre o fato discutido, a partir de sua perspectiva cosmológica, sem esquecer o auxílio de antropólogos20 que conheçam a realidade dos povos envolvidos.

Ainda que as sugestões aqui indicadas de forma exemplificativa sejam importantes, somente analisando cada processo e diante da sucessão de atos é que poderá o magistrado em colaboração com as partes compreender as necessidades de adaptação do procedimento para cada caso, a fim de garantir a efetiva participação desses povos, sob uma perspectiva antidiscriminatória.

5 CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo investigar a existência de deveres antidiscriminatórios na gestão judicial cooperativa de processos envolvendo os povos indígenas a partir do Código de Processo Civil de 2015. Como visto, embora as normas processuais sejam dotadas de aparente universalidade e generalidade, sua aplicação cega a todos os sujeitos do processo acaba resultando em efeitos discriminatórios, em especial ao não considerar as diversidades e as diferenças, como o caso dos povos indígenas faz ver de forma emblemática.

No caso dos povos indígenas, a organização do processo civil sob viés monista leva ao alijamento dessas coletividades do procedimento de construção das normas processuais. Diante disso, a figura do juiz gestor do processo em cooperação com as partes (e com os próprios povos indígenas) alcança elevada importância na aplicação de normas mais equânimes para que as comunidades indígenas possam participar em igualdade de condições de um processo civil não discriminatório. Dessa forma, o juiz, em cooperação com as partes, ao promover o gerenciamento do processo deve aplicar os deveres antidiscriminatórias nas normas processuais.

A introdução dos deveres antidiscriminatórios no processo civil busca concretizar o mandamento de igualdade previsto na Constituição, cujos efeitos se desdobram além das normas de direito material, alcançando também as normas processuais. Daí que, em processos envolvendo povos indígenas, é imprescindível a gestão antidiscriminatória do processo civil, a fim de que a processualística se converta em espaço de afirmação de direitos, sem reproduzir preconceito e discriminação.

Para tanto, é necessário que o processo seja compreendido de forma cooperativa e que as normas processuais sejam vistas também como instrumentos do princípio da igualdade. Dessa forma, a efetiva inclusão dos povos indígenas no processo só pode ocorrer quando as normas processuais estiverem livres de critérios étnicos discriminatórios. No entanto, a aparente inexistência de elementos de discriminação não pode ser equiparada ao cumprimento do mandamento constitucional de igualdade, pois os atos discriminatórios não se expressam apenas de maneira direta, mas podem estar escondidos sob a aparente neutralidade do processo (discriminação indireta). Por isso, a figura do juiz gestor do processo cooperativo mostra-se relevante e necessária para a concretização das regras processuais nas demandas que envolvem direitos da coletividade indígena. Exemplos disso são a utilização da língua dos povos indígenas na realização de audiências, bem como a tradução das sentenças, entre outros elementos destacados no artigo. Em todo caso, a colaboração das partes e dos próprios indígenas é de extrema relevância para conhecer as principais demandas e dificuldades encontradas por esses povos.

Em face disso, a hipótese do presente artigo confirma-se à medida que restou identificada a necessidade de os deveres antidiscriminatórios serem aplicados às normas processuais pelo juiz gestor em cooperação com as partes. Desse modo, alcança-se, mediante a observância dos deveres antidiscriminatórios, a correta concretização das normas processuais como instrumento para a garantia da igualdade entre os sujeitos processuais sempre que presentes povos indígenas.

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Notas

1 Conforme relatório da Justiça em Números 2020, p. 93, o ano de 2019 terminou com 77,1 milhões de processos em tramitação. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEBV3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf. Acesso em: 12 maio 2021.
2 Cabral (2020, p. 13), de forma semelhante ao direito inglês, cita o gerenciamento dos processos judiciais como case management no Brasil, conceituando-o como “a adoção de uma conduta gerencial pelo juiz, capaz de promover maior racionalidade e efetividade ao processo judicial.”
3 Há autores que não reconhecem que o Código de Processo Civil de 2015 tenha adotado o princípio da gestão processual como ressaltado por Peixoto (2016, p. 32): “Apesar de o novo Código Processual Civil brasileiro atribuir poderes de gestão processual aos juízes, na esteira do modelo cooperativo de processo que adotou, comungamos do entendimento de PAULA COSTA E SILVA, quando afirma que a regra do art. 139, VI, do CPC acabou por não consagrar o princípio da gestão processual em seu sentido forte (com fonte de inspiração no processo civil inglês - regra 1.4 das CPR129), como pretendia a Comissão de Juristas que elaborou o projeto do CPC/15.” Por outro lado, ainda em 2010 (antes do Código de 2015), o professor Paulo Eduardo Alves da Silva já afirmava que o ordenamento nacional favorecia o gerenciamento de processos (SILVA, 2010, p. 115).
4 O case management é o gerenciamento de processos judiciais do direito inglês, cuja nota explicativa transcreve-se: “No processo civil inglês, há regra expressa a respeito dos case management powers”.
5 Portugal também adotou a gestão processual positivada com o Decreto-lei nº 108/2006, consagrada posteriormente no atual Código de Processo Civil português de 2013 (PEIXOTO, 2016, p. 34).
6 De acordo com Cabral (2020, p.15), o gerenciamento do processo pelo Juiz não se confunde com o ativismo judicial, pois este teria natureza mais discricionária. Para o professor Glauco Gumerato Ramos no artigo científico denominado “Ativismo e garantismo no processo civil: apresentação do debate”, “o ativismo judicial defende uma postura mais contundente da atividade judicial para resolver problemas que às vezes não constam com adequada solução legislativa”. Além disso, o ativismo incide em um “poder criativo” do magistrado, que atua quando não há previsão legal autorizativa (RAMOS, 2019, p. 25). Diante das posições expressadas pelos dois autores, observa-se que a gestão processual se difere do ativismo porque possui autorização no ordenamento, sendo um poder-dever de o magistrado conduzir adequadamente o feito.
7 Moreira (2020, p. 50-68) define o direito da antidiscriminação sob diversos parâmetros: quanto à natureza específica, ao status jurídico, ao status teórico, a suas funções, a seus objetivos, a suas fontes, a origens e a esferas de aplicação.
8 Sobre as diversas formas de igualdade ver Moreira (2020).
9 Aprovada pelas Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965, e ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968, com promulgação pelo Decreto nº 65.810/1969.
10 Aprovada pelas Nações Unidas, em 18 de dezembro de 1979, e ratificada pelo Brasil em 21 de março 1981, com promulgação pelo Decreto nº 4.377/2002. Diz o art. 1º que, “Para os fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação contra a mulher’ significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
11 A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009.
12 A título de esclarecimento, a Convenção nº 169 da OIT não ingressou no ordenamento interno brasileiro na forma do art. 5º, parágrafo terceiro, da Constituição. Ela foi promulgada no território nacional por meio do Decreto nº 5.051/2004.
13 “Artigo 3° - 1. Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e mulheres desses povos.”
14 É preciso ressaltar que o art. 57 fala expressamente que “Será tolerada”. Segundo o entendimento destes autores, o uso de tal expressão, ainda que representasse uma evolução do direito brasileiro referente aos direitos dos povos indígenas à época, hoje aparenta uma postura com viés discriminatório, tendo em vista que a palavra “tolerar” remete a um grupo superior que tolera, que admite conforme seus próprios critérios alguma conduta/atividade de outro grupo considerado inferior.
15 No relatório de gestão do ano de 2020 da Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), há menção expressa à realização de curso sobre direitos indígenas e à Resolução Enfam nº 2, de 13 de julho de 2020, que dispôs sobre a Política de Ações Afirmativas para inclusão de pessoas autodeclaradas pretas ou pardas, indígenas e com deficiência nas atividades educativas da ENFAM. Além disso, em consulta aos atos administrativos de credenciamentos de cursos dessa Escola para magistrados, observam-se cursos credenciados com a temática indígena, conforme consulta realizada no site da referida escola, em 4 de maio de 2021.
16 Portaria Conjunta CNJ/CNMP nº 3, de 8 de maio de 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3352. Acesso em: 17 maio 2021. Para acesso ao site do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e de Grande Impacto e Repercussão, basta acessar <https://observatorionacional.cnj.jus.br/observatorionacional/>.
17 Nesse caso, a palavra está sendo usada entre aspas por conter excessiva carga discriminatória.
18 Existem outros documentos internacionais que, não obstante não sejam objetos deste artigo, também tratam de normas relativas aos povos indígenas tanto no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) como no bojo da Organização dos Estados Americanos (OEA). São a Declaração das Nações Unidas e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
19 Ainda que a Convenção nº 169 tenha sido promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.051/2004, atualmente vige o Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019, que consolidou os atos normativos brasileiros relativos à OIT, revogando o Decreto de 2004, mas mantendo a integralidade das disposições da Convenção.
20 No caso de antropólogos, é comum encontrar a participação desses profissionais como peritos em processos judiciais. No entanto, a sugestão de adaptação procedimental aqui proposta não é a utilização desses profissionais para apresentar laudos no processo. Trata-se de sugestão de adaptação do procedimento para que os antropólogos nomeados para o caso participem efetivamente do processo, auxiliando tanto o juízo quanto as outras partes do processo a compreender a historicidade de determinada coletividade indígena, como também colaborar com os povos indígenas para o entendimento da sistemática procedimental.
NOTA

O artigo intitulado “A gestão antidiscriminatória no direito processual civil e os povos indígenas”, submetido à Revista Opinião Jurídica, é fruto das pesquisas desenvolvidas pelos autores, como orientador (Roger Raupp Rios) e orientanda (Raffaela Cássia de Sousa), no âmbito do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), tendo os autores discutido integralmente a concepção do artigo, a busca das referências e o desenvolvimento argumentativo. Quanto à produção textual inicial, partiram conjuntamente de propostas da autora

Raffaela quanto ao tema gerenciamento de processos e povos indígenas e do autor Roger quanto ao direito da antidiscriminação, seus elementos fundamentais e suas repercussões na concretização das normas processuais, bem como a revisão final do artigo, cujos termos finais foram conjuntamente definidos por ambos.

Autor notes

Editora responsável: Profa. Dra. Fayga Bedê

https://orcid.org/0000-0001-6444-2631



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