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ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO SISTEMA CARCERÁRIO: CORTE CONSTITUCIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO DA COVID-19
UNCONSTITUTIONAL STATE OF AFFAIRS IN THE PRISON SYSTEM: CONSTITUTIONAL COURT AND PUBLIC POLICIES OF CONTROLLING COVID-19
TEORÍA DEL ESTADO DE COSAS INCONSTITUCIONAL EN SISTEMA PENITENCIARIO: CORTE CONSTITUCIONAL Y POLÍTICAS PÚBLICAS EN EL CONTEXTO DE LA COVID-19
Revista Opinião Jurídica, vol. 20, núm. 35, pp. 139-161, 2022
Centro Universitário Christus

Artigos


Recepção: 06 Agosto 2021

Aprovação: 20 Janeiro 2022

DOI: https://doi.org/10.12662/2447-6641oj.v20i35.p139-161.2022

RESUMO

Contextualização: O artigo se debruça sobre as graves questões de ordem político-jurídica do sistema carcerário, agravadas pelo momento de pandemia.

Objetivo: O artigo testa a hipótese da constitucionalidade da implementação de políticas públicas pela Corte Constitucional para o enfrentamento da Covid-19 no sistema carcerário brasileiro, amparado pela teoria do estado de coisas inconstitucional desenvolvida pela Corte colombiana.

Metodo: Priorizou-se o paradigma indiciário como metodologia de pesquisa, com a análise de decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal Federal (ADPF 347 e ADPF 684), que acolhem, pela primeira vez no Brasil, a teoria do estado de coisas inconstitucional, analisadas sob balizas teóricas necessárias à apreensão de conceitos inerentes ao tema.

Resultados: Como resultados obtidos, a pesquisa trouxe que a declaração pelo Supremo Tribunal Federal do estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro inova ao abrir possibilidades de que a Corte chame para si a atuação na formulação, na implementação e no controle de políticas públicas em cooperação com os demais Poderes (e eventualmente com atores privados), com o intuito de promover a democracia material. Apesar dos cuidados que devem ser tomados a fim de garantir a higidez da separação de Poderes (elemento essencial de um Estado democrático), uma análise pautada no princípio da unidade da Constituição (que deve ser interpretada como um sistema de normas que se interrelacionam) avaliza a legitimidade da aplicação da teoria do estado de coisas inconstitucional nos casos nos quais não se está conseguindo lograr a efetivação de direitos fundamentais, como é o caso do sistema carcerário.

Conclusões: Ao final, o trabalho comprova a constitucionalidade e a necessidade de implementação de políticas públicas de proteção de direitos dos vulnerabilizados no sistema penal, em especial, no contexto de pandemia, além disso, comprova que a atuação da Corte Constitucional nessa missão não corrompe a Separação de Poderes, se cumpridos os requisitos da teoria do estado de coisas inconstitucional.

Palavras-chave: Separação de poderes, sistema carcerário brasileiro, estado de coisas inconstitucional, covid-19.

ABSTRACT

Objective: This paper aims to test the hypothesis of the constitutionality of the public policies implementation by the Federal Supreme Court to tackle Covid-19 in the Brazilian prison system supported by the unconstitutional state of affairs theory developed by the Constitutional Court of Colombia.

Background: To this end, it addresses the serious political and legal issues of the prison system, which have been aggravated by the current pandemic moment.

Method: The indicative paradigm was prioritized as the methodology of the present work, with the study of two paradigmatic cases analyzed under the theoretical frameworks necessary to apprehend concepts inherent to the theme.

Results: As obtained, the research shows that the declaration by the Federal Supreme Court of the unconstitutional state of affairs in the Brazilian prison system innovates by opening possibilities for the Court to take on the role in the formulation, implementation and control of public policies. In cooperation with the other Powers (and eventually with private actors). With the aim of promoting material democracy. Despite the caution that must be taken in order to guarantee the soundness of the separation of Powers (an essential element of a democratic State). An analysis based on the principle of the unity of the Constitution (which must be interpreted as a system of interrelated norms) endorses the legitimacy of applying the theory of the unconstitutional state of affairs in cases where it is not possible to achieve the realization of fundamental rights. As is the case of the prison system.

Conclusion: In this way, the intersections between constitutionalism and democracy are worked, as well as the role of the Powers in facing the health crisis from the theoretical analysis of these elements (bibliographic review); an analysis of the paradigmatic decisions (albeit in a preliminary order) of the Federal Supreme Court (ADPF 347 and ADPF 684), which embraces, for the first time in Brazil, the theory of the unconstitutional state of affairs; paradigm decisions are compared with the Covid-19 numbers provided by public entities. In the end, this work proves the constitutionality and the need to implement public policies to protect the rights of the vulnerable in the penal system. It is especially true in the context of the Covid-19 pandemic, and that the Constitutional Court's role in this mission does not corrupt the Separation of Powers, if the requirements of the unconstitutional state of affairs theory are met.

Keywords: Separation of powers, brazilian prison system, unconstitucional state of affairs, covid-19.

RESUMEN

Contextualización: El artículo se centra en los graves problemas político-legales del sistema penitenciario, agravados por el momento actual de la pandemia.

Objetivo: Por tanto, pone a prueba la hipótesis de constitucionalidad de la implementación de políticas públicas por parte de la Corte Constitucional para enfrentar al Covid-19 en el sistema penitenciario brasileño, sustentada en la teoría del estado de cosas inconstitucional desarrollada por la Corte colombiana.

Metodología: Se priorizó el paradigma evidencial como metodología de investigación, con el estudio de dos casos paradigmáticos analizados bajo marcos teóricos necesarios para la aprehensión de conceptos inherentes a la temática.

Resultados: Como resultados obtenidos, la investigación mostró que la declaración por el Supremo Tribunal Federal del estado de cosas inconstitucional en el sistema penitenciario brasileño innova al abrir posibilidades para que el Tribunal asuma el papel en la formulación, implementación y control de las políticas públicas en cooperación con las otras Potencias (y eventualmente con actores privados), con el objetivo de promover la democracia material. A pesar del cuidado que debe tenerse para garantizar la solidez de la separación de Poderes (elemento esencial de un Estado democrático), un análisis basado en el principio de la unidad de la Constitución (que debe interpretarse como un sistema de normas que se interrelacionan) refrenda la legitimidad de aplicar la teoría del estado de cosas inconstitucional en los casos en que no es posible lograr la realización de los derechos fundamentales, como es el caso del sistema penitenciario.

Conclusión: En el camino, se trabajan las intersecciones entre constitucionalismo y democracia y el papel de los poderes en el enfrentamiento de la crisis de salud a partir del análisis teórico de estos elementos; se realiza el análisis de sentencias paradigmáticas de la Suprema Corte Federal (ADPF 347 y ADPF 684), que aceptan, por primera vez en Brasil, la teoría del estado de cosas inconstitucional; Las decisiones se comparan con los números de Covid-19. Al final, el trabajo prueba la constitucionalidad y la necesidad de implementar políticas públicas para proteger los derechos de las personas vulnerables en el sistema penal, especialmente en el contexto de una pandemia, y que el papel de la Corte Constitucional en esta misión no corrompe. la Separación de Poderes, si cumpliera los requisitos de la teoría inconstitucional del estado de cosas.

Palabras-clave: Separación de poderes, sistema penitenciario brasileño, estado de cosas inconstitucional, covid-19.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo, assumindo como hipótese a constitucionalidade da implementação de políticas públicas pelo Supremo Tribunal Federal para o enfrentamento da Covid-19 no sistema carcerário brasileiro, realiza análise, de cunho político-jurídico, a respeito do contexto global de pandemia e, especialmente, de sua dinâmica inserida no debate institucional do país, tendo em vista declaração do estado de coisas inconstitucional em decisão liminar em controle de constitucionalidade na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347.

Após considerações de ordem metodológica, o trabalho aborda, num segundo momento, as intersecções existentes no debate entre democracia e constitucionalismo para buscar a compreensão de que as narrativas de crise são, historicamente, utilizadas como justificativa à aceitação de violação de direitos. Na sequência, o trabalho analisa o papel dos Poderes em uma democracia e, mais especificamente, no enfrentamento da pandemia, o que se fez necessário para que se discorresse, na quarta parte do artigo, a respeito do contexto de violação de direitos que, a despeito de atravessar o sistema carcerário brasileiro desde sempre, encontra, no momento de crise epidêmica atual, ponto de sensibilidade e violência extremas.

2 BREVES CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

O presente trabalho tem por objetivo construir a hipótese da constitucionalidade na implementação de políticas públicas pelo Supremo Tribunal Federal para o enfrentamento da Covid-19 no sistema carcerário brasileiro, a partir da declaração do estado de coisas inconstitucional pela Corte Constitucional – o que, para alguns (com os quais não se concorda), desafiaria a clássica teoria da tripartição de Poderes, que aparece como cláusula pétrea na Constituição de República Federativa do Brasil de 1988.

Para alcançar esse objetivo, quanto ao método, priorizou-se o paradigma indiciário (ou semiótico) de pesquisa1, a partir da mirada dos pormenores2 (muitas vezes negligenciados) relativos ao tema, objetivando uma abordagem histórico-jurídica a partir da consulta a fontes teóricas para, após, passar-se à análise de dois casos paradigmáticos perante os quais se apresenta a presente hipótese.

A importância do estudo teórico sobre o tema revela-se à medida que a análise dos arranjos que permitem o trabalho coordenado das diversas esferas de governo expõe a necessidade de que tais arranjos não maculem a estrutura do Estado, desenhada no texto constitucional. Para tanto, analisou-se doutrina que ampara a relação entre separação de Poderes e garantia de direitos fundamentais, visto que o instituto da declaração do estado de coisas inconstitucional (conceituado na sequência desta pesquisa) tem por premissa o trabalho conjunto dos Três Poderes quando a proteção aos direitos fundamentais se apresenta insuficiente. A novidade da teoria do estado de coisas inconstitucional é que a Corte Constitucional tem o papel de coordenação desses trabalhos, bem como, se for o caso, de idealização e implementação dessas políticas. Por isso, temas como a distribuição das funções típicas e atípicas entre os Poderes se torna de profunda relevância para a apresentação de argumentos que sustentam a tese aqui defendida.

Do mesmo modo, a fim de construir amparo teórico às conclusões a que se chegou neste trabalho, apresentaram-se os pressupostos teóricos da atuação da Corte Constitucional no controle de constitucionalidade das leis – isso porque a chamada declaração do estado de coisas inconstitucional acontece nesse âmbito. Perceba-se que a mera declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, sem um elemento teórico que o permita, não enseja que as Cortes Constitucionais manejem instrumentos para a concretude de direitos por intermédio de políticas públicas (sendo esta função precípua do Executivo).

Descortinados esses elementos histórico-teóricos, o trabalho passa à análise de dois casos paradigmáticos: a ADPF 347 e a ADPF 684 – que inovaram ao trazerem a aplicação do instituto do estado de coisas inconstitucional.

Por fim, a pesquisa centrou-se em números da Covid-19 no sistema prisional a partir de pesquisas de órgãos governamentais e da sociedade civil que indicam, no caso pioneiro do reconhecimento do estado de coisas inconstitucional, a legitimidade, necessidade e urgência do instituto.

Assim, o que se objetiva com este trabalho é fornecer pistas sobre as relações entre os Poderes e a necessidade de, em nome da efetividade democrática da Constituição, se pensar a realização de políticas públicas para o enfrentamento da Covid-19 no país, preferencialmente pelos atores que tradicionalmente são os protagonistas dessa atividade, mas também pelo STF, cuja função típica não inclui a implementação direta de políticas públicas, exceto quando o movimento dos demais Poderes for insuficiente para garantia de direitos a todos os grupos sociais.

3 DEMOCRACIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Uma adequada análise a respeito do momento atual no qual se vive, num contexto de pandemia global e de questões relativas à dinâmica das instituições que atravessam o debate político, demanda uma prévia tomada de posição a respeito de complexas questões de teoria política e constitucional. O que se pretende fazer, neste primeiro momento, é justamente o enfrentamento de algumas considerações a respeito do conceito atualmente mais aceito de democracia e de sua relação com constitucionalismo.

Em momentos de crise – lato sensu – como este, em que parece não haver muita dúvida sobre os reflexos na vida de todas as pessoas, assume-se ainda mais claramente a penetração de permanentes auréolas de exceção que fundamentam e que excedem os sistemas democráticos e os constitucionalismos. A premissa adotada neste trabalho é a de que momentos autoritários da História recente puderam contar com algum tipo de constitucionalismo, o que justifica o dilema acerca da relação entre Constituição e democracia e seu consequente tensionamento ou, em outras palavras, tem-se como premissa a insuficiência da existência de uma Constituição para se medir a democraticidade de um determinado contexto sócio-histórico-político. Isso porque, tanto em espaços-tempos anteriores quanto no atual, a relação entre o constitucionalismo e as práticas anticonstitucionais comporta análises complexas (CÂMARA, 2017).

Nesse contexto, a questão sobre o que é democracia pode ser analisada a partir de diversas perspectivas e com sentidos variados no tempo. Daí a dificuldade de se definir um conteúdo único do que possa ser considerado democrático – e, consequentemente, do que não o seja. Para se construir a análise aqui pretendida, entretanto, parte-se de democracia como um regime político: (i) no qual se exigem eleições competitivas e livres para os diversos níveis dos Poderes Legislativo e Executivo (DAHL, 1971); (ii) no qual se conceda espaço ao exercício de uma cidadania comprometida e abrangente e, por fim, (iii) que proteja as liberdades civis e os direitos políticos, bem como que respeite as diferenças entre todos e, especialmente, que proteja os direitos daqueles considerados vulnerabilizados.

Ao que interessa a este trabalho, especialmente a ideia de inclusão – o caráter inclusivo de um regime – será essencial à ideia de democracia. Isso porque, com o fim da Segunda Guerra Mundial e diante das atrocidades perpetradas por alguns Estados europeus, especialmente durante os anos de 1930 a 1940, a comunidade internacional, jurídica e politicamente (TRINDADE, 2006), passa a se confrontar com a urgência e com a necessidade de construção de uma nova ordem jurídica, um novo conceito de democracia, gestado a partir da proteção da dignidade humana em âmbito global. A inclusividade passa a fazer parte, assim, dessa nova dimensão de democracia.

Para a efetivação da dimensão de democracia, sobressai o direito como mecanismo essencial a essa engrenagem. Isso porque direito e política se autonomizam reciprocamente, o que não significa dizer que ambos não se toquem ou não digam respeito um ao outro. Trata-se de uma autonomia funcional: têm funções diferentes. No Estado, anseios políticos e decisões políticas geram direito, formam leis, que integrarão o ordenamento ou influenciarão o seu interpretar. Nesse sentido, a dependência: o direito depende da política para se desenvolver, e a recíproca é verdadeira.

Quando as leis entram no sistema do direito, caem em um jogo que não mais é presidido pela política que as gerou, mas que é codeterminado pelas regras e pelos conceitos da teoria do direito e por seu manejo pelos juristas. Nesse sentido, a independência: o direito recebe a lei, gestada por pretensões políticas, e as interpreta, segundo sua própria lógica e operatividade.

Daí porque, paralelamente ao processo histórico, que leva à mudança na definição de democracia, sobressai o refinamento do conceito de constituição. Não basta a existência de uma constituição formal que contenha direitos fundamentais: tais direitos devem ser adequadamente protegidos no âmbito material. Está-se diante de uma questão de eficácia. “Exemplo disso é a pesquisa chamada Sham Constitution, ou simulação de constituição, na qual se analisam, empiricamente, constituições para calcular a taxa de cumprimento das disposições sobre direitos fundamentais” (CÂMARA, 2017, p. 23).

Em que pese o termo “constituição” poder ser encontrado em escritos dos mais antigos e clássicos pensadores, seu sentido atual encontra-se definido a partir da Revolução Americana, seguido, quase concomitantemente, pela Revolução Francesa. Nesse contexto, prevê o artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão que “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição” (FRANÇA, 1789, online).

Assim, podendo o constitucionalismo ser compreendido por meio de quatro sentidos não antagônicos entre si, quais sejam, ideologia, teoria, narrativa e instituições (NIEMBRO ORTEGA, 2016, p. 226), sua compreensão, especialmente no contexto de democracia pós-guerras, deve assumir uma narrativa política que garanta efetividade à inclusão e ao respeito aos vulnerabilizados.

Como ideologia, tem-se o constitucionalismo como forma de garantia e proteção da liberdade frente aos abusos do poder - no que interessa a este trabalho, o poder punitivo. Como teoria, o constitucionalismo funcionaria como instrumento a justificar instituições, práticas e soluções. Sob o enfoque de narrativa, refere-se às histórias e seus elementos, cujos diálogos são construídos por diferentes pessoas e comunidades. Ainda, constitucionalismo como instituição refere-se ao modelo institucional definido segundo os termos de determinada Constituição.

Importante ressaltar, nesse sentido, que o processo histórico que leva à mudança na definição de Constituição é o que confere ao termo fundamento eminentemente político - que passa a ter sentido jurídico. Heloísa Câmara lembra que é nesse contexto que Cícero, por exemplo, refere-se à constituição para designar um governo moderado (CÂMARA, 2017).

A Constituição se apresenta, nessa acepção, como o principal elemento da ordem jurídica dos países ocidentais, devendo ser respeitada para que se possa falar em democracia. Com esse sentido político é que as constituições elaboradas após a 2ª Guerra Mundial cobram existência e legitimação, impregnadas que estão de conteúdos axiológicos, com o objetivo de assegurar direitos fundamentais informados pela dignidade da pessoa humana, tanto em meio a circunstâncias ordinárias como em momentos nos quais haja necessidade de uma atuação mais radical do Estado a fim de superar certas crises (como é o caso da crise sanitária do Covid-19).

Deve-se pensar, a partir desse contexto, a forma de proteção desses direitos constitucionalmente garantidos. Historicamente, compreende-se o Tribunal Constitucional como o guardião da Constituição, remetendo-se a expressão “guarda” ao clássico debate entre Kelsen (2003) e Schmitt (2007). Submete-se tal função ao Supremo Tribunal Federal por conta do exercício do controle concentrado de constitucionalidade pelos tribunais constitucionais, modelo de organização de justiça que se difundiu na Europa3.

Com o advento da Constituição de 1988, que traz um catálogo de direitos e garantias fundamentais, esse sentido - hegemônico desde então - foi amplificado. Neste ponto, o termo “guarda” deve ser compreendido tanto no sentido do controle concentrado (como corte constitucional), como no da proteção de direitos fundamentais, fenômeno reforçado especialmente pela transição democrática brasileira.

O ponto central colocado como hipótese neste trabalho se encontra na necessidade de estabelecimento de um ambiente institucional de respeito às regras do jogo democrático para garantir existência ao constitucionalismo democrático e no fato de que a utilização da técnica da declaração do estado de coisas inconstitucional, no caso do sistema prisional brasileiro, reforça essa institucionalidade. A Constituição de 1988, se apenas uma fachada, acabará por constituir elemento de contexto histórico, político e jurídico não democrático.

Assim, as instituições estatais desenhadas pela Constituição de 1988 devem ser capazes de concretizar a proteção aos direitos fundamentais em uma atuação ordenada e sistêmica. Nesse sentido, a separação e harmonia entre os Poderes deve propiciar instrumental para a concretização dos objetivos elencados no texto constitucional, a fim de conectar elementos axiológicos e institucionais à vivência democrática alicerçada na garantia de direitos fundamentais a todos os grupos sociais, inclusive àqueles que se encontram sob a tutela do Estado no sistema prisional brasileiro.

4 SEPARAÇÃO DE PODERES E GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Foram trabalhadas, no tópico anterior, algumas das interações – ou alguns dos “pares conceituais” (PAIXÃO, 2011, p. 146) – a explicarem a relação entre constitucionalismo e democracia. Faz-se necessário, seguindo esse indicativo, abordar o papel dos Poderes em um Estado Democrático de Direito, bem como analisar a relação de separação e controle que exercem uns sobre os outros, pois dessa relação entre os Poderes depende a legitimidade da aplicação da teoria do estado de coisas inconstitucional a fim de que o Brasil ultrapasse dificuldades que ofendem o próprio marco civilizatório.

4.1 SEPARAÇÃO DE PODERES E FUNÇÕES DO ESTADO

A Constituição da República Federativa do Brasil é uma Constituição rígida, isto é, somente pode ser modificada por um procedimento específico, com um quórum qualificado e obedecendo aos limites que o constituinte originário apresentou no artigo 60, §4º, do texto – as chamadas cláusulas pétreas. Um desses limites à reforma constitucional se refere à separação de Poderes (NUNES JÚNIOR, 2017). Essa formulação não se deu ao acaso, mas é fruto da percepção de que tal disposição é uma garantia à própria democracia, tendo em vista que um Poder deve limitar os demais de maneira recíproca a fim de evitar concentração de poder e autoritarismos.

Essa contenção recíproca acontece, na prática, com a delimitação constitucional da esfera de atuação de cada um dos Poderes. Todavia, como percebeu Hart (1975, p. 123), as disposições jurídicas, configuradas como linguagem e portadoras de uma textura aberta, não logram alcançar interpretações unívocas e definitivas. Assim, embora a Constituição se refira à independência e à harmonia entre os Poderes, existe entre eles uma natural tensão, em especial quando o exercício de suas funções entra numa zona de indefinição ou quando um Poder cogita aumentar sua esfera de atuação em cooperação ou em detrimento dos demais. Essa tensão se apresenta no objeto desta pesquisa: a declaração pelo STF do estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro4, que abre possibilidades para que a Corte chame para si a atuação na formulação, na implementação e no controle de políticas públicas (atividade tradicionalmente exercida pelo Executivo, às vezes, em colaboração com agentes privados, amparada por normas aprovadas pelo Legislativo,) a fim de promover a democracia material.

Para compreensão da conexão entre separação de Poderes e democracia, a noção clássica dos elementos que definem o fenômeno estatal moderno, embora esteja hoje sob escrutínio científico e varie em alguma medida nas diversas concepções de estudiosos do tema, é ainda relevante. Segundo, Streck e Morais (2014), são elementos do Estado: povo e população; território; governo (independente e soberano); finalidade (realização de um fim comum).

Para este trabalho, interessa a noção de organização dos Poderes no governo presidencialista em Estados democráticos, no qual vigora o sistema de freios e contrapesos, que permite um equilíbrio no exercício das funções estatais e a convivência entre os Poderes a partir da “[...] organização funcional da atividade estatal, [que] para além de um mecanismo de racionalização administrativa, atua, também, como um elemento de garantização para o asseguramento democrático do poder político.” (STRECK; MORAIS, 2014, p. 185). Tais funções estatais são divididas, tradicionalmente, em três grandes categorias: administrativas, legislativas (e de fiscalização) e jurisdicionais (NUNES JÚNIOR, 2017).

Dentre as funções administrativas, que são as atividades estatais que visam à consecução dos interesses comuns, para fins deste trabalho, destaca-se a elaboração, implementação e coordenação de políticas públicas que, apesar da ambiguidade conceitual (SOUZA, 2018), serão entendidas aqui como aquelas atividades que, por vezes, em cooperação com entes privados ou com outros Poderes, objetivam assegurar determinados direitos aos diversos grupos sociais.

A segunda categoria de funções estatais é a legislativa, que, segundo Meirelles (2008, p. 61), é a competência para a elaboração de leis (função normativa). Ressalta-se, neste trabalho, a competência do Legislativo para elaboração de leis que desenhem políticas públicas e que destinem a elas, por intermédio das leis do orçamento, os recursos necessários a sua implementação. Outrossim, no Brasil, o Poder Legislativo também possui a função de fiscalização, pois, nos termos do art. 70 da Constituição, exerce o controle externo orçamentário, financeiro e contábil sobre os demais Poderes.

A terceira categoria é a referida à função jurisdicional, ou seja, à dicção da lei no caso concreto de maneira definitiva ou, em outros termos, à aplicação coativa da lei aos litigantes.

Os Poderes exercerão essas funções de duas formas: de maneira típica e de maneira atípica. As funções típicas de cada Poder são aquelas que apreensíveis a partir da própria definição teórica de separação de Poderes clássica de Montesquieu (2007). Tratam-se das funções precípuas de cada Poder. Por sua vez, as funções atípicas são aquelas funções exercidas pelos Poderes para além de suas funções típicas, desde que haja expressa previsão legal para tanto e não haja impedimento constitucional. Silva (2016) relaciona as funções estatais aos Poderes, que poderão ser exercidas de maneira típica ou de maneira atípica.

Ao Executivo cabe exercer de maneira típica as funções administrativas, mas exerce, também, funções atípicas de natureza legislativa ou jurisdicional desde que previstas em lei. O Judiciário exerce, por sua vez, a função típica de natureza jurisdicional, mas, atipicamente, exerce certas funções de natureza administrativa e legislativa. Por fim, o Legislativo tem por funções típicas a legislativa e, conforme expresso pela Constituição de 1988 (art. 70), também a função de fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da administração pública direta e indireta, exercendo as demais funções apenas de maneira atípica.

Nesse quadro, tensões se instauram, pois os lindes de atuação dos Poderes nem sempre são tão claros e, mesmo que o sejam, além da vigilância sobre a possível extrapolação dos limites do exercício de funções por parte de outros Poderes, há necessidade de uma espécie de autocontenção para que se evitem conflitos que possam destruir os arranjos institucionais. Em vista desses limites (nem sempre claramente delimitados), neste trabalho, questiona-se como proceder quando os Poderes não conseguem proteger de forma eficiente os preceitos fundamentais inscritos na Constituição em razão, por exemplo, de lacunas normativas não colmatadas pelo legislador ou em razão da insuficência ou inexistência de políticas públicas que deveriam ter sido implementadas pelo Executivo. Essas considerações colocam em questão também os limites da atuação do Poder Judiciário, a fim de restaurar o equilíbrio dessa equação sem desvirtuar a separação de Poderes dentro da estrutura desenhada pela Constituição de 1988. Conforme demonstrou-se no início deste trabalho, essa é uma demanda básica da democracia, que requer utilização do que Silva (2016, p. 46-47) classificou como um dos elementos de estabilização constitucional: o controle de constitucionalidade.

4.2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Segundo Silva (2016, p. 47), elementos de estabilização constitucional são as normas “[...] destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das instituições democráticas, premunindo os meios e técnicas contra sua alteração e infringência.” Entre essas normas, estão aquelas que dispõem sobre o controle de constitucionalidade.

Em termos gerais, a ideia central do controle de constitucionalidade refere-se à aferição da compatibilidade formal ou material de uma lei ou ato normativo em relação ao bloco de constitucionalidade, que agrega a Constituição, seus princípios implícitos e explícitos e os tratados e convenções de direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional na forma do art. 5º, §3º, da Constituição.

O Brasil adota um sistema misto de controle de constitucionalidade que é composto pelo controle difuso (de matriz estadunidense) e pelo controle concentrado (de matriz europeia), havendo a possibilidade do controle não somente de ações, mas também de omissões que levem a inconstitucionalidades (MENDES; BRANCO, 2014). Neste trabalho, interessa, em especial, o sistema de controle de constitucionalidade concentrado, cuja competência exclusiva, no âmbito federal, é do Supremo Tribunal Federal.

São instrumentos do controle de constitucionalidade concentrado as seguintes ações: ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação direta por omissão, arguição de descumprimento de preceito fundamental e representação interventiva, que têm por legitimados aqueles previstos no texto constitucional (BARROSO, 2016).

No caso de inconstitucionalidade por ação, as decisões em controle de constitucionalidade podem gerar efeitos diversos a depender da técnica aplicada ou mesmo do objeto ou paradigma do controle: por exemplo, decisões com base na técnica da “interpretação conforme” visam a excluir certas interpretações contrárias ao texto constitucional a fim de manter intacto o texto da lei; decisões cujo objeto seja uma lei promulgada antes da Constituição de 1988 implicam a revogação da norma pela ausência de recepção pelo texto constitucional vigente (ABBOUD, 2016); decisões que declaram a inconstitucionalidade de uma norma promulgada após a Constituição de 1988 implicam nulidade da norma (que ainda integrará o ordenamento jurídico, mas deixará de produzir efeitos no plano da validade) (BARROSO, 2016).

No caso de omissões normativas, decisões exaradas pelo STF em ações diretas por omissão que reconheçam lacunas no ordenamento jurídico que impeçam a fruição de direitos constitucionalmente previstos implicam apenas ciência dessa lacuna ao legislador, pois o STF não tem o poder de obrigá-lo a legislar nem tem o poder de legislar por ele. Em decorrência disso, Barroso aponta a ineficiência das ações diretas por omissão (BARROSO, 2016).

Assim, a ineficiência da ação direta por omissão decorre do fato de que o Supremo Tribunal Federal não detém a função típica de legislar e, no regramento das ações diretas por omissão, não há nenhuma disposição quanto à possibilidade do exercício dessa função de maneira atípica para colmatar lacunas normativas. Mesmo o mandado de injunção – um dos chamados “remédios constitucionais” cujo objeto são omissões legislativas e que pode ter, em certos casos, efeitos que não são restritos apenas às partes do processo – não é capaz de substituir a ação direta por omissão tendo em vista sua amplitude menor, uma vez que é restrito a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (NUNES JÚNIOR, 2017, p. 1004-1005).

A ineficácia dos instrumentos para colmatar omissões que colidam com o texto constitucional mostra-se ainda mais ampla quando se debate o tema a partir não apenas da omissão normativa, mas também da ausência de implementação de políticas públicas aptas a garantir determinados direitos. Nesse quadro, o Judiciário não teria instrumentos para obrigar a elaboração, a destinação de recursos e a efetiva implementação dessas políticas (processo no qual trabalham em cooperação o Legislativo, o Executivo e, por vezes, agentes privados ou do terceiro setor) nem poderia elaborá-las e implementá-las diretamente5.

Em face do mesmo dilema, a Corte Constitucional Colombiana construiu uma metodologia de ação que permite que as cortes constitucionais, respeitando a divisão de Poderes e atuando dentro do sistema de checks and balances, atuem na implementação e no acompanhamento de políticas públicas a fim de sanar falhas na atuação dos demais Poderes. Trata-se da teoria do “estado de coisas inconstitucional”, reconhecida e aplicada no Brasil por ocasião do deferimento de medida liminar no seio da ADPF 347 e referida como argumento jurisprudencial na ADPF 684.

5 ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO SISTEMA PRISIONAL

É função do STF, portanto, decidir sobre questões que causam polêmica, inclusive de maneira contramajoritária quando for o caso e, nesse ponto, sua função seria a de garantir direitos extensos às minorias, haja vista que os direitos humanos são para todos e todas.

Segundo Vieira (2008, p. 207), são as desigualdades sociais “[...] que causam a invisibilidade daqueles submetidos à pobreza extrema, a demonização daqueles que desafiam o sistema e a imunidade dos privilegiados”, minando, assim, o próprio Estado de direito. Para o autor, a ofensa à dignidade dos invisíveis é igualmente invisível, porque não gera reação política ou social.

A partir da análise da ADPF 347 e da ADPF 684, que tratam especificamente sobre a questão do sistema prisional brasileiro, pode-se demonstrar que, em tempos de pandemia, pessoas são mais esquecidas no sistema prisional do que em outros momentos. Quando se reflete sobre direitos a partir da Constituição, de forma a incluir de fato as populações marginalizadas e periféricas num contexto de promoção da igualdade formal e material, percebe-se a necessidade de atuação das instituições no sentido de promoção de ações e ajustes teóricos e normativos que concretizem as promessas constitucionais. Esse parece ser o caso da declaração do estado de coisas inconstitucional na ADPF 347.

5.1 ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: A SITUAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO (ADPF/MC 347-DF)

A ADPF 347 é uma ação ajuizada pelo PSOL que requereu o reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” em relação ao sistema prisional brasileiro. O partido alega que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, diante de suas omissões, compactuam com a manutenção de um sistema prisional desumano e com a violação de diversos direitos fundamentais, como a vida, a saúde e a integridade física.

Com essa ação, o partido tem por objetivo fazer com que o STF imponha medidas que obriguem os Três Poderes a, conjuntamente, implementarem políticas públicas que visem à solução dos problemas de superlotação nos presídios. Entre essas medidas estão a redução no uso da prisão preventiva, a alocação de recursos do Fundo Penitenciário para a construção de novas unidades prisionais e a reforma das já existentes, bem como, e principalmente, que o STF declare o “estado de coisas inconstitucional”, buscando reconhecer a condição de indignidade na qual estão colocados os homens e as mulheres que cumprem pena no sistema carcerário brasileiro.

No presente caso, a questão jurídica central diz respeito à dignidade da pessoa humana, que encontra no sistema carcerário brasileiro uma barreira, tendo em vista a violação sistemática de direitos fundamentais. Segundo Ana Paula de Barcellos, a concepção do princípio da dignidade da pessoa humana parece ser afastada dos rotulados como criminosos, ou seja, a hipótese é a de que a própria concepção de dignidade, por parte da sociedade brasileira, está vinculada às práticas do indivíduo e não à sua condição de ser humano (BARCELLOS, 2010). Assim, os encarcerados não são vistos como titulares de direitos humanos.

Dentro do sistema carcerário brasileiro tornaram-se corriqueiras as violações de diversos direitos fundamentais, dentre eles o direito à saúde e higiene, segurança, educação, acesso à alimentação adequada e água potável, devido à omissão de agentes estatais (MURARO, 2017).

O conceito trazido pela ADPF do “estado de coisas inconstitucional” tem origem nas decisões da Corte Constitucional Colombiana. A configuração dessa condição ocorre diante da constatação de violações reiteradas, sistemáticas e generalizadas de direitos fundamentais. A declaração do “estado de coisas inconstitucional” tem por objetivo reconhecer problemas e promover soluções conjuntas, permitindo a tomada de medidas urgentes para conter as violações decorrentes de condutas ou omissões dos poderes do Estado.

De acordo com o entendimento da Suprema Corte Colombiana, o reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” se dá diante da constatação de violação generalizada de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a situação; a necessidade de atuação não apenas de um órgão, mas de uma pluralidade de autoridades.

Assim, a parte autora alegou que, no Brasil, há um “estado de coisas inconstitucional” em relação ao sistema carcerário, tendo em vista que a violação de direitos fundamentais dentro das unidades prisionais é estrutural, de modo que não se vislumbra a possibilidade de uma solução para a questão sem que exista uma atuação forte e conjunta dos Poderes estatais.

Como bem salienta Barcellos, há mais de 40 anos, o sistema prisional brasileiro se encontra nessa condição, em especial quanto à superlotação e, somente agora, os governantes declaram que o sistema prisional está à beira de um colapso (BARCELLOS, 2010).

A necessidade de atuação de várias autoridades em conjunto encontra obstáculos na burocratização da atuação estatal, na qual se perdem os objetivos do Estado para com a sociedade em face da complexidade da interdependência entre as instituições. Nesse contexto, as instituições assumem um papel central na manutenção do “estado de coisas inconstitucional” e, com isso, as violações aos direitos fundamentais se perpetuam, tornando o Estado – que deveria empenhar-se na proteção dos direitos humanos – seu maior violador. Por isso, a Suprema Corte, justamente valendo-se de seu papel contramajoritário, deve tomar medidas majoritariamente impopulares, em nome da defesa e da persecução dos direitos das minorias de forma a superar os bloqueios institucionais.

A ADPF 347 ainda não teve seu julgamento finalizado, mas foram tomadas pelo STF algumas medidas iniciais para que a situação em análise fosse amenizada, entre elas, a liberação de verbas do Fundo Penitenciário para a reforma e construção de novos presídios; a implementação das audiências de custódia; a necessidade de fundamentação das decisões cautelares justificando porque não cabem medidas cautelares diversas da prisão, além da recomendação da ampliação da fixação das penas alternativas. Note-se que, a princípio, parte dessas ações não seriam da alçada do Judiciário, todavia o “estado de coisas inconstitucional” tem sua grande novidade no fato de permitir que a Corte Constitucional amplie suas funções para atuar na elaboração, promoção, implemento, coordenação e controle de certas políticas públicas. Se os críticos ao instituto afirmam que haveria nesse caso uma afronta à separação de Poderes, aqueles que sublinham a constitucionalidade do instituto justificam que a sua utilização implica trabalho conjunto e harmônico dos Poderes com vistas a concretizar os objetivos constitucionais.

Para que se possa ter a real dimensão de quantas pessoas essa ação pode atingir, é importante destacar o panorama da população carcerária no Brasil. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, divulgados em 2020, até junho de 2019, o Brasil tinha 773.151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes, isso sem levar em consideração a população carcerária das delegacias e sob outras formas de vigilância. Se levarmos em consideração essa população, segundo CNJ, o Brasil tem cerca de 840.000 pessoas sob a fiscalização estatal. Porém, o sistema prisional brasileiro tem apenas 440 mil vagas. Esses números colocam o Brasil como o terceiro país que mais encarcera no mundo.

Além disso, conforme o levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional, de julho a dezembro de 2019, a população carcerária é composta por pessoas que cometeram, em sua maioria, crimes contra o patrimônio, representando 50,96% da população carcerária, seguido de 20,28% de pessoas que cometeram crimes relacionados à Lei de Drogas, ao passo que apenas 17,36% são pessoas encarceradas por crimes ligados à violência contra a pessoa.

Sobre esse panorama é que deve ser discutida a crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19, a qual evidencia e agudiza a condição do “estado de coisas inconstitucional” reconhecida previamente pela ADPF 347.

5.2 RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020 DO CNJ

Diante desse cenário de pandemia, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão encarregado de aperfeiçoar o funcionamento do poder judiciário, emitiu a recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, com a finalidade de orientar os juízes criminais a tomarem atitudes para minimizar os efeitos da prisão diante da possibilidade de contaminação dos presos do sistema carcerário por COVID-19.

Nesse instrumento, antevendo as condições de indignidade do cárcere reconhecidas pelo “estado de coisas inconstitucional”, recomendou-se aos juízes que utilizassem a prisão preventiva em casos nos quais efetivamente não houvesse a possibilidade de aplicar medidas cautelares diversas da prisão, bem como recomendou-se a substituição da prisão em estabelecimento prisional pela prisão domiciliar para presos idosos, com diabetes e problemas de saúde (ou seja, comorbidades em geral), para mulheres gestantes e ou com filhos menores de 12 anos ou que têm pessoas que dependem do seu cuidado.

Além disso, recomendou-se igualmente que fosse permitido aos presos que estão em regime semiaberto e próximos de atingir o prazo de progressão cumprir o restante da pena em prisão domiciliar. A recomendação ainda dispõe que os presídios criem espaços para que as pessoas que ingressarem no sistema prisional sejam isoladas por um período de quarentena, assim como para aqueles que apresentam sintomas, devendo igualmente serem colocados em isolamento.

No entanto, mesmo após tal medida, não houve o aumento na concessão de alvarás de solturas ou concessões de prisões domiciliares no Brasil, sendo que tal dado foi avaliado levando em consideração os alvarás expedidos, não representando 5% da população carcerária brasileira (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020).

Essas medidas intentam preservar vidas não só daquelas pessoas que estão encarceradas, mas também de toda a sociedade, pois a população carcerária – que pode sofrer uma contaminação em massa caso nenhuma atitude seja tomada – tem potencial para se tornar um grande vetor de disseminação do vírus. Ademais, as pessoas tuteladas pelo Estado têm o direito de ocupar leitos hospitalares e podem, se a situação fugir do controle, ampliar de maneira preocupante a falta de leitos. Por outro lado, o Estado deve valorizar a vida dos vários servidores, dos agentes penitenciários e de suas famílias, que podem ser igualmente contaminados se houver negligência diante dessa situação.

É evidente que essas medidas de isolamento não podem ser atentatórias à dignidade, tal como fora a proposta do Ministério da Justiça para que as pessoas em situação de cárcere fossem isoladas em contêineres, por exemplo, o que não foi aprovado (VALENTE, 2020).

Para demonstrar como tais recomendações causam polêmica, a resolução do CNJ ora analisada teve sua constitucionalidade questionada pela ADPF nº 660, proposta pela Associação Nacional de Membros do Ministério Público Pró-Sociedade. No entanto, não foi dado provimento à ação, e a resolução foi considerada absolutamente legal, estando constitucionalmente amparada (BRASIL, 2020a).

5.3 DADOS SOBRE CONTAMINAÇÃO POR COVID-19 NAS PRISÕES E A ADPF 684

Segundo dados do DEPEN de 2020, nos presídios, até o dia 8 de julho de 2020, foram realizados 17.698 testes no sistema prisional. Desse total, 5.359 exames retornaram confirmando a contaminação, além de terem sido registrados 63 óbitos e 3.328 recuperados, restando ainda 1.399 pessoas com suspeita de estarem contaminadas. No entanto, não há como ter certeza sobre a precisão dos dados apresentados pelo DEPEN, havendo denúncias de agências informativas, como o Infovírus, sobre a possibilidade de manipulação desses dados. Nesses moldes, apenas 2% da população carcerária foi testada.

A primeira morte por Covid-19 ocorreu no Rio de Janeiro, em 17 de abril de 2020, de um homem de 73 anos, preso no Instituto Penal Cândido Mendes, que teve seu Habeas Corpus negado pelo Tribunal de Justiça do Estado, ignorando a recomendação do CNJ (STABILE, 2020). Depois desse episódio, o número de mortes vem crescendo e, assim como existem casos de subnotificações na população em geral, existem igualmente casos de subnotificações dentro da população em situação de privação de liberdade, não sendo possível ter a real dimensão a respeito da contaminação por Covid-19 nos presídios.

Como medidas adotadas pela maioria dos estabelecimentos prisionais para contenção da contaminação, houve a suspensão das saídas temporárias, a suspensão das visitas de familiares, além do controle das sacolas entregues pela família com itens alimentares e de higiene. Nesse sentido, foram agravadas as necessidades da população carcerária que não tem acesso a materiais de higiene necessários para a contenção da pandemia (lembrando que, muitas vezes, não há acesso sequer à água corrente).

Assim, diante da grave violação de direitos fundamentais das pessoas presas – como o direito à vida e à saúde (em sua dimensão individual e pública), além da violação à dignidade humana, já delineadas desde a propositura da ADPF 347 e reconhecidas na decisão liminar do STF, somadas à omissão dos poderes públicos face ao impacto da pandemia no sistema prisional – foi proposta a ADPF 684.

A ADPF 684 foi proposta novamente pelo partido PSOL – partindo da já mencionada ADPF 347 e do reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” –, utilizando como argumento um amplo estudo produzido pelo IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, com o objetivo de fazer com que as autoridades estatais adotem medidas para frear a contaminação e a morte por Covid-19 nos presídios (BRASIL, 2020b).

Segundo exposto na petição inicial, “[...] desde a chegada da doença ao sistema carcerário, houve um aumento de mais de 1.300% na contabilidade oficial dos casos de infecção em apenas uma semana” (BRASIL, 2020b, online), demonstrando, assim, como o ambiente prisional favorece o alastramento do vírus. Segundo a inicial, apurou-se que a letalidade do vírus é cinco vezes maior nos presídios se comparada à população em geral, atingindo não só os presos, mas também funcionários e agentes penitenciários, bem como suas famílias.

Entre as providências requeridas na nova ADPF, estão

a entrega de itens de higiene e limpeza aos presos, e de equipamentos de proteção individual aos agentes penitenciários e socioeducativos; a proibição do racionamento de água para os presos; a manutenção de equipes mínimas de saúde nas unidades prisionais; a testagem em massa dos detentos dos grupos de risco; a substituição das prisões preventivas por medidas cautelares alternativas ou pela custódia domiciliar; e a revisão das prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 dias (BRASIL, 2020c, online).

Além disso, a ação também tem como objetivo o deferimento de prisão domiciliar para indígenas, idosos, pessoas do grupo de risco, deficientes, gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por pessoa menor de 12 anos ou com deficiência, bem como para aqueles presos por débito civil de alimentos, nos termos da recomendação nº 62 do CNJ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020).

Segundo a inicial, o Dr. Francisco Job Neto, doutor em epidemiologia, cuja tese teve por objeto as doenças infecciosas no sistema prisional, defendida em 2019 na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), declarou:

Funcionários continuarão entrando e saindo, tendo contato com os presos e com a comunidade externa, levando e trazendo o vírus [...]. Levando em consideração que muitos desses presos têm uma nutrição ruim, são ou foram usuários de drogas, uma porcentagem bastante significativa está infectada pelo HIV e pela tuberculose – portanto, são pneumopatas – é previsível que tenhamos número de infectados superior ao da população em geral e muito mais rapidamente, já para as duas ou três próximas semanas. É também grande o número de presos que vai precisar de UTI por ter doença respiratória crônica e que vai morrer por conta da pandemia (BRASIL, 2020a, online).

Ainda, conforme a inicial, consta da nota técnica conjunta CNMP/CNJ nº 1/2020 que esse quadro é de risco, vislumbrando-se a possibilidade de uma tragédia humanitária sem precedentes no sistema prisional. A nota técnica salienta ainda que não há justificativa ou perdão ao Estado brasileiro, que, dia a dia, desrespeita os direitos das pessoas sob sua custódia, deixando-as em condições ainda mais vulneráveis do que as já encontradas antes da pandemia de COVID-19 (BRASIL, 2020a, online). Essa ADPF, ao tempo da elaboração deste trabalho, encontra-se em análise pelo relator Ministro Celso de Mello, aguardando uma decisão liminar.

Dessa forma, conclui-se que a análise de como a pandemia pode atingir o sistema prisional requer ampliar o olhar para como as minorias têm seus direitos negados e, a partir dessa constatação, perceber qual é o alcance necessário das medidas estatais para a contenção do contágio como medida de efetivação da democracia em nosso país. Nesses termos, a declaração do estado de coisas inconstitucionais é um argumento de peso a se considerar em decisões relacionadas ao sistema carcerário brasileiro, forçando a atuação conjunta dos Três Poderes na superação dessa terrível realidade.

6 CONCLUSÃO

A presente pesquisa, atravessada pela questão a que se propôs responder – a respeito da constitucionalidade da implementação de políticas públicas pelo Supremo Tribunal Federal para o enfrentamento da Covid-19 no sistema carcerário brasileiro –, abordou as graves questões de ordem político-jurídica decorrentes, em parte, do já declarado estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário, que são, em boa medida, agravadas pelo momento atual de pandemia global, para demonstrar a necessidade de considerar políticas públicas de proteção de direitos dos vulnerabilizados pelo sistema penal. Por meio delas, conferir-se-ia maior efetividade aos preceitos contidos na Constituição da República.

A declaração pelo Supremo Tribunal Federal do estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro inova ao abrir possibilidades de que a Corte chame para si a atuação na formulação, na implementação e no controle de políticas públicas em cooperação com os demais Poderes (e eventualmente com atores privados e do terceiro setor), com o intuito de promover a democracia material.

Conclui-se que, apesar dos cuidados que devem ser tomados a fim de garantir a higidez da separação de Poderes (elemento essencial de um Estado democrático), uma análise pautada no princípio da unidade da Constituição (que deve ser interpretada como um sistema de normas que se inter-relacionam) avaliza a legitimidade da aplicação da teoria do estado de coisas inconstitucional nos casos nos quais não tem sido possível lograr a efetivação de direitos fundamentais, como é o caso do sistema carcerário.

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Notas

1 Trata-se de metodologia pensada e criada por Carlo Ginzburg, na qual se buscam os indícios a respeito de determinado objeto e o cruzamento da análise com a pesquisa histórica. O autor, ao expor sobre o rigor do paradigma indiciário, assinala que “ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitando-se a pôr em prática regras pré-existentes”; prossegue, acrescentando que o paradigma indiciário pode tanto servir para identificar hipóteses como para dissolver as névoas do que obscurece, por sua própria razão de ser, determinados pontos de vista. Daí emerge a importância e o valor do método. “Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la”. (GINZBURG, 1989, p. 143-179).
2 “Os nossos pequenos gestos inconscientes revelam o nosso caráter mais do que qualquer atitude formal, cuidadosamente preparada por nós”. O autor refere-se, aqui, aos detalhes, à investigação das características muitas vezes negligenciadas sobre determinado tema (GINZBURG, 1989, p. 146).
3 No Brasil, o Supremo Tribunal Federal também maneja o controle de constitucionalidade difuso, em especial, por meio dos recursos extraordinários.
4 Conforme será explicitado na sequência deste trabalho, trata-se de uma metodologia de ação, desenvolvida pela Corte Constitucional da Colômbia, que permite que as cortes constitucionais, respeitando a divisão de Poderes e atuando dentro dos chamados checks and balances, atuem na implementação e acompanhamento de políticas públicas a fim de sanar falhas na atuação dos demais Poderes.
5 Pode-se argumentar que, conforme art. 103, par. 2º, da Constituição, em sede de inconstitucionalidade por omissão, há previsão constitucional de que, na falta de medida para tornar efetiva norma constitucional, em se tratando de órgão administrativo, o STF poderá dar ciência ao órgão para implementá-la em trinta dias (gerando inclusive responsabilização do agente público). Todavia, caso não haja previsão legal, planejamento ou aporte orçamentário, a medida será inócua.

Autor notes

Editora responsável: Editora responsável: Profa. Dra. Fayga Bedê

https://orcid.org/0000-0001-6444-2631



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