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O Processo de Regulamentação do Trabalho Feminino no Brasil à luz da Teoria de Carol Smart: o Direito como Tecnologia de Gênero
The Regulation Process of Women´s Labor in Brazil in view of the Theory of Carol Smart: Law as Gender Technologies
El Proceso de Regulación del Trabajo de la Mujer en Brasil a la luz de la Teoría de Carol Smart: el Derecho como Tecnología de Género
Revista Opinião Jurídica, vol. 21, núm. 38, pp. 45-72, 2023
Centro Universitário Christus

Artigos


Recepción: 17 Marzo 2022

Aprobación: 19 Mayo 2023

DOI: https://doi.org/10.12662/2447-6641oj.v21i38.p45-72.2023

RESUMO

Objetivo: O artigo tem por objeto o processo de regulamentação do trabalho das mulheres no Brasil, tomando-se 1932 como marco. A legislação, no período, é frequentemente apresentada apenas como uma conquista das mulheres, mas foi também fator de sua exclusão do espaço público de trabalho. A crítica do direito em Carol Smart possibilita compreender o porquê.

Metodologia: Foi utilizado o método histórico-jurídico (GUSTIN; DIAS; NICÁCIO, 2020, p. 80), a partir de fontes legais e doutrinárias. Recuperou-se a legislação da época, no que concerne à regulamentação do trabalho das mulheres e ao ideal de mulher difundido pelo Estado brasileiro, por meio de suas normativas, no período estudado.

Resultados: A noção do Direito como tecnologia de gênero permitiu uma análise crítica do processo de regulamentação jurídica do trabalho das mulheres no Brasil e dos motivos pelos quais legitimou o retorno das mulheres ao lar nos anos 30. Para além do conteúdo das leis, o próprio Direito (discurso e forma) permitia esse retorno, já que, enquanto tecnologia de gênero, estabilizava uma diferenciação entre mulheres e homens à base da oposição binária da mulher cuidadora e do homem provedor.

Contribuições: Pretende-se contribuir para um olhar crítico sobre o Direito no tocante a sua função para promoção da igualdade de gênero e não exclusão institucional das mulheres do espaço público do trabalho. Acredita-se que promover e aprimorar a discussão sobre a diferenciação e oposição binária que se perpetua, no campo do Direito, entre a figura do homem e da mulher, possa servir a esse objetivo.

Palavras-chave: Trabalho da mulher, Carol Smart, direito, tecnologia de gênero.

ABSTRACT

Objective: This article has as object the process of women´s labor regulation in Brazil, having 1932 as its landmark. The legislation in the period is frequently presented as if it was only a women´s achievement, when it was actually also the element of their exclusion from the public space of work. Carol Smart's critique of law will make it possible to understand why.

Methodology: The research used the historical-legal method (GUSTIN; DIAS; NICÁCIO, 2020, p. 80), from legal and doctrinal sources. The legislation of the time was recovered, regarding the regulation of women's work and the ideal of women spread by the Brazilian State, through its regulations, in the studied period.

Results: The notion of Law as a technology of gender allowed a critical analysis of the process of legal regulation of women's work in Brazil, providing an understanding of the reasons why it legitimized the return of women to the home in the 1930s. In Smart's line, in addition to the content of the laws, it was the Law itself (discourse and form) that allowed this return.

Contributions: It is intended to contribute to a critical look at the Law regarding its function to promote gender equality and non-institutional exclusion of women from the public space of work. It is believed that promoting and improving the discussion about the differentiation and binary opposition between the figure of man and woman, that is perpetuated in the field of Law, can serve this objective.

Keywords: Women's labour, Carol Smart, law, gender technology.

RESUMEN

Objetivo: El artículo se centra en el proceso de regulación del trabajo de la mujer en Brasil, tomando 1932 como hito. Esa legislación es presentada sólo como un logro de las mujeres, aunque también fue un factor en su exclusión del espacio público de trabajo. La crítica del derecho de Carol Smart permitirá comprender por qué.

Metodología: Se utilizó el método histórico-jurídico (GUSTIN; DIAS; NICÁCIO, 2020, p. 80), basado en fuentes jurídicas y doctrinales. Se recuperó la legislación de la época, en cuanto a la regulación del trabajo de la mujer y el ideal de mujer difundido por el Estado brasileño.

Resultados: La noción del Derecho como tecnología de género permitió un análisis crítico del proceso de regulación legal del trabajo de la mujer en Brasil, proporcionando una comprensión de las razones por las cuales legitimó el retorno de la mujer al hogar en la década de 1930. Además del contenido de las leyes, fue lo Derecho mismo (discurso y forma) lo que permitió este retorno: como tecnología de género, estabilizó una diferenciación entre mujeres y hombres sobre la base de la oposición binaria de la mujer cuidadora y el hombre proveedor.

Contribuciones: Se pretende contribuir a una mirada crítica a lo Derecho en cuanto a su papel en la promoción de la igualdad de género y la exclusión no institucional de las mujeres del espacio público de trabajo. Se cree que promoverá la discusión sobre la oposición binaria que se perpetúa, entre el hombre y la mujer.

Palabras clave: Trabajo de la mujer, Carol Smart, derecho, tecnología de género.

1 INTRODUÇÃO

O processo de regulamentação do trabalho das mulheres no Brasil, na década de 1930, revela um instigante paradoxo: o mesmo Direito que possibilitou a inserção de determinadas mulheres na esfera pública do trabalho trouxe consigo condições que incentivaram a sua exclusão.

Nesse contexto, para a mulher, a aquisição de uma posição na esfera do trabalho teria passado, primeiro, tal como ocorrera em outros processos de emancipação feminina ao longo da história, pelo esforço de não serem apropriadas como pessoa1. Em um plano mais imediato, o direito ao trabalho remunerado aparece como uma importante ferramenta de redução da apropriação da própria unidade material produtora de força de trabalho (o corpo) das mulheres. Mas é possível que o mesmo processo jurídico que permita essa venda aparentemente livre da força de trabalho da mulher a condicione a situações que tornam essa suposta permissão menos libertadora do que se pode imaginar. O que ocorreu com o processo de legalização do trabalho das mulheres nos anos 30, especialmente no primeiro período Vargas (1930-1937), é elucidativo a esse respeito.

Ainda que a legislação do período finalmente tivesse reconhecido o trabalho externo ao lar das mulheres como digno de uma proteção legal e extensa, tendo como um dos efeitos a redução de situações de assédio sexual (com a proibição do trabalho noturno) e o controle da extenuante carga horária a que as mulheres eram submetidas, a mesma legislação trouxe consigo condicionantes que as levavam de volta ao espaço privado. Como verificaremos pela análise de alguns dos decretos do período, a legislação regulamentadora desenhou e estabilizou uma imagem da mãe “cívica” confinada ao espaço doméstico, onde seu corpo voltava a ser explorado em suas tarefas diárias.

Essa questão se apresenta de forma mais evidente a partir de 1932, período imediatamente posterior à posse de Getúlio Vargas no Governo Provisório e ainda anterior ao período ditatorial do chamado "Estado Novo".

O ano de 1932 representa um momento de destaque em que houve a criação de inúmeras regras de tutela jurídica do trabalho da mulher2, e foi a partir dessas regras que também se puderam verificar verdadeiras formas jurídicas de fixação de posições subjetivas definidas às mulheres, como cuidadoras, em oposição à posição de provedor dos homens, em especial a fixação da figura totalizante da “senhora do lar operário”, da mãe "cívica" e dona de casa. Economicamente, essa posição subjetiva se mostraria necessária para a atribuição à mulher de uma função de importante ferramenta econômica à geração e à formação moral dos filhos da nação, futuros cidadãos do projeto nacional-desenvolvimentista em desenvolvimento3.

Por outro lado, também não se pode deixar de destacar que parte do movimento das mulheres também lutou por direitos no âmbito da esfera pública do trabalho (como ao direito à proibição do trabalho noturno), muitas das quais com a intenção de possibilitar uma real liberdade de tempo para descanso e desenvolvimento de sua educação, como o caso das costureiras anarquistas que, em publicação no jornal A Terra Livre, reivindicavam horas de descanso para dedicação a momentos à leitura, ao estudo, evitando que se alienassem e se tornassem, como denunciavam, apenas “máquinas nas mãos de brutais exploradores” (FABRI; CARI; LOPES, 1906, p. 2).

Quando, porém, são verificadas as condições jurídicas inerentes aos decretos de regulamentação do trabalho da mulher no período, a exemplo do Decreto nº 21.417-A, de 17 de maio de 1932, que proibiu o trabalho noturno e outros tipos de trabalho às mulheres, somado ao contexto social de pressão do patriarcado contra o trabalho externo ao lar e, ainda, à divinização da maternidade, como aquela evidenciada no decreto do Dia das Mães (Decreto nº 21.366, de 5 de maio de 1932), o que se evidencia é que a legislação visava mais a estabilização do papel das mulheres como donas de casa do que, propriamente, a possibilidade de maior desenvolvimento cognitivo pelo tempo de leitura e estudo. O uso do Direito dava, na verdade, concretude à permanência das mulheres, ou seu retorno, aos tradicionais papéis de esposa e mãe.

O Direito, ou o discurso jurídico, atuou intensamente nesse processo, o que pode ficar mais claro ao abordarmos o discurso jurídico desse período a partir da crítica feminista do direito de Carol Smart.

Como explica Smart, o direito fixa determinadas identidades de gênero, estabelece subjetividades e posições de sujeitos, uma vez que é próprio do Direito atuar como potente tecnologia de gênero, o que significa dizer que ele opera tanto a partir da diferenciação de gênero quanto como estratégia que produz diferenças de gênero. Ademais, sua generalização permite desprezar as diferenças existentes no interior dos opostos binários que são por ele estabelecidos.

É o caso do discurso e da legislação do período dos anos 30, em torno do trabalho da mulher, que, ao opor a função da mulher à do homem, fixou um “tipo” de mulher como modelo ou paradigma para as demais, pois ainda que tratasse genericamente a proteção à “Mulher” em geral, na prática as suas exigências legais somente poderiam abarcar mulheres de classe mais abastada, com condições de trabalhar em menor período ou mesmo de não trabalhar caso o homem pudesse prover a família, de modo a excluir, por essa prática jurídica, as mulheres pobres que não tinham opção a não ser trabalharem fora de casa, inclusive no período da noite.

Como será analisado neste artigo, a teoria feminista de Smart é especialmente útil para compreender e problematizar as formas de atuação e os efeitos do Direito dentro desse contexto, especialmente quando se verifica que a legislação e o discurso jurídico do período do primeiro governo de Vargas evocam uma categoria de mulher presumidamente representativa de todas as mulheres, pressupondo e perpetuando uma diferenciação permanente de gênero a partir do binarismo mulher/homem ou mesmo uma diferenciação discriminatória dentro e à base desses mesmos opostos. Veremos, enfim, que tal diferenciação, pela mesma característica do direito como tecnologia de gênero, acabou por se perpetuar em nossa legislação até os dias de hoje, o que se pode verificar ao constatarmos que ainda possuímos legalmente uma Licença-maternidade muito mais longa do que a Licença-paternidade.

Para a realização deste estudo, foi utilizado preponderantemente o método histórico-jurídico (GUSTIN; DIAS; NICÁCIO, 2020, p. 80), a partir de fontes legais e doutrinárias. Recuperou-se a legislação da época, no que concerne à regulamentação do trabalho das mulheres e ao ideal de mulher difundido pelo Estado brasileiro, por meio de suas normativas, no período estudado. Conferiu-se especial relevância a alguns textos da época, a fim de se evitar que a análise se tornasse demasiado contaminada pela perspectiva prevalente no momento da escrita deste texto. Evidenciou-se, então, o quanto a teoria de Carol Smart se mostra apropriada à análise proposta, tendo em vista que, tal como reflete a autora, o Direito não apenas reflete as relações sociais, como também serve de baliza às nossas relações e condições subjetivas, estando longe, portanto, de uma pretensa neutralidade ou de mero produto das relações sociais e econômicas. Especificamente com relação ao gênero, a legislação, ao delimitar muito claramente o espaço de atuação das mulheres, encarregou-se de criar assimetrias de gênero.

2 O TRABALHO DAS MULHERES NA ECONOMIA DOS ANOS 30: EMANCIPAÇÃO DO TRABALHO FEMININO?

O trabalho feminino foi, durante longos anos, especialmente até a década de 1920, uma especial ferramenta à formação da economia capitalista industrial brasileira. Como narra Jacino (2014, p. 122), no período da Primeira República, mais precisamente no início do século XX, "metade da mão de obra empregada na indústria paulistana era composta de mulheres e crianças". Esse fenômeno, segundo o autor, ocorreu, entre outros fatores, principalmente porque a força de trabalho feminina era mais barata do que a força de trabalho masculina, nivelando por baixo a remuneração dos homens.

Nesse início do século XX, o Brasil vivenciava um processo de transição econômica, o início de um projeto de passagem – utilizando-se aqui, de forma sintética, a divisão exposta por Caio Prado Júnior em sua “História Econômica do Brasil” (PRADO JUNIOR, 2006) – de uma economia de tipo colonial, pautada em braços escravos e voltada “para fora” do país, a uma economia de tipo nacional, voltada “para dentro”, e pautada em braços livres, na indústria e no consumo, o que se intensificaria nos anos 1930, com Vargas.

Na transição para os anos 1930, o país passou por sucessivas crises econômicas, como a do setor cafeeiro, que encontrou restrições materiais com a queda da bolsa de 1929. Houve uma intensa modificação da política externa dos países importadores, como os Estados Unidos, que reduziram drasticamente as importações do café brasileiro (SOUTO MAIOR, 2017, p. 174), e, nesse contexto, e principalmente por necessidade econômica de superação das crises econômicas, o recente governo de Vargas, acompanhado pelo desencanto e pelo ataque ao modelo político liberal da Primeira República, projetou uma política marcada por uma economia de maior desenvolvimento das indústrias e do fator consumo, imponderável no conjunto do sistema anterior4. O momento que se convencionou chamar de “Revolução de 30”5, que abriu o caminho ao ingresso de Vargas no Governo Provisório, marcou, no Brasil, o desenvolvimento de um tipo de capitalismo em que o “locus da atividade produtiva foi passando a ser, por excelência, a fábrica, intensificando o processo de crescimento industrial” (FONSECA, 1989, p. 184).

Poder-se-ia pensar, por conseguinte, que o trabalho das mulheres, especialmente nas fábricas, diante dessa conjuntura, encontraria terreno econômico e político fértil para seu crescimento quantitativo, principalmente se seguíssemos a tendência diagnosticada por textos como o “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels (2008, p. 20-21), segundo o qual “quanto menos destreza e força exige o trabalho manual, isto é, quanto mais a indústria moderna se desenvolve, tanto mais o trabalho dos homens é substituído pelo das mulheres e crianças”.

Ocorre que, no caso brasileiro dos anos 30, a quantidade de mulheres no trabalho externo foi menor, no período, do que em comparação ao período da Primeira República. Dito de outro modo: em matéria de emancipação, talvez tenha havido um verdadeiro retrocesso social nesse aspecto quantitativo. À medida que a industrialização se modernizava (com intensificação da mecanização), mais homens tendiam a substituir os braços femininos, havendo efetiva diminuição do trabalho feminino até a metade do século XX: como aponta Rago (2011, p. 581), “enquanto em 1872 as mulheres constituíam 76% da força de trabalho nas fábricas [de tecido], em 1950, passaram a representar apenas 23%”. Isso ocorria, principalmente, como explica a autora (RAGO, 2011, p. 580), porque “um grande número de mulheres trabalhava nas indústrias de fiação e tecelagem, que possuíam escassa mecanização”, estando “ausentes de setores como metalurgia, calçados e mobiliários, ocupados pelos homens”, setor que, ao contrário do setor da fiação e tecelagem, acompanhava mais de perto o avanço tecnológico do período.

Soma-se a isso, ainda, o processo de implantação da moral da família burguesa, especialmente a proliferação da imagem da mulher “de família”, que, no discurso da época, não poderia sair de seus lares para ingressar em um campo definido – pelos homens – como “naturalmente masculino”:

Apesar do elevado número de trabalhadoras presentes nos primeiros estabelecimentos fabris brasileiros, não se deve supor que elas foram progressivamente substituindo os homens e conquistando o mercado de trabalho fabril. Ao contrário, as mulheres vão sendo progressivamente expulsas das fábricas, na medida em que avançam a industrialização e a incorporação da força de trabalho masculina. As barreiras enfrentadas pelas mulheres para participar do mundo dos negócios eram sempre muito grandes, independentemente da classe social a que pertencessem. Da variação salarial à intimidação física, da desqualificação intelectual ao assédio sexual, tiveram que lutar contra inúmeros obstáculos para ingressar em um campo definido – pelos homens – como “naturalmente masculino” (RAGO, 2011, p. 581-582).

Todavia, reagindo a essa tendência, as mulheres conseguiram, em 1932, o reconhecimento jurídico de seu direito ao trabalho e a uma regulamentação específica, e isso se deveu não apenas às necessidades econômicas, mas, também, devido às reivindicações decorrentes dos movimentos e lutas das mulheres.

3 DA PRESSÃO DAS LUTAS DAS MULHERES ÀS REAÇÕES DA ORDEM PATRIARCAL

Não há como ignorar, dentro do contexto imediatamente anterior aos decretos de 1932, a pressão de efervescentes movimentações em prol dos direitos das mulheres e de melhores condições de trabalho e de vida. O governo de Vargas e o Ministério do Trabalho, recentemente criado, não teriam como simplesmente ignorar esses movimentos, ainda que não estivessem dispostos a acatar todas as suas reivindicações.

No entanto, antes de se apresentar as características desses movimentos, é importante destacar que, pelo menos até 1932, não se pode falar, precisamente, de uma luta autônoma do feminismo da mesma forma como é possível verificar no presente século XXI. Em geral, nossos historiadores demonstram que suas reivindicações integravam outros movimentos, destacadamente os movimentos operários desencadeados por migrantes, como o anarquismo e o comunismo. Nesses movimentos operários, como explica Rago (2011, p. 596), “a luta pela libertação feminina estava subordinada à ideia da emancipação de toda a humanidade”. Muitas mulheres "consideravam a questão feminina secundária em relação ao conflito entre as classes sociais, cuja solução, consequentemente, acabaria com o problema da opressão sexual” (RAGO, 2011, p. 596)6. Pinto (2003, p. 34), em sentido semelhante, destaca que os próprios movimentos mais radicais do feminismo tinham “dificuldade em aceitar a questão da dominação da mulher como um problema diferente do da dominação de classe”. Porém, se não houve um movimento feminista propriamente dito, é certo ter havido “uma movimentação feminista que se expressou de diferentes formas, com diferentes graus de radicalidade e mesmo com diferentes ideologias” (PINTO, 2003, p. 38).

As reivindicações por direitos da mulher não foram apresentadas a público por meio de um único núcleo de reivindicação. Destacavam-se diversas causas e ideologias e, portanto, vários movimentos, organizados ou não. Se, em geral, costuma-se compreender a luta feminista no período associando-a quase que exclusivamente ao sufrágio universal, o fato é que o destaque específico a este tema não corresponde a toda a reivindicação e ferramenta de luta da época. Assim como narra Firestone (1976, p. 34) a respeito das primeiras movimentações feministas nos Estados Unidos, no sentido de que o sufrágio foi “apenas um pequeno aspecto” do que a luta das mulheres por direitos representava7, no Brasil, as reivindicações das mulheres também ultrapassavam a questão sufragista.

De fato, houve uma vertente do movimento constituído por um núcleo de mulheres que se apoiava em reivindicar os direitos que antes eram considerados privilégios dos homens, com destaque ao sufrágio. Dentro dessa perspectiva, é representativo o movimento das integrantes da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), fundada em 1922, liderada pela bióloga Bertha Lutz. Esse grupo, como explica Ostos (2009. p. 74), "conseguiu maior destaque na imprensa da época" e lutava "pelo acesso feminino à educação e à saúde, pelo direito de voto, dentre outras demandas”, repudiando, de modo geral, “as plataformas que incluíssem temas como o divórcio e a liberdade sexual”. Sua estratégia era emancipar-se “por dentro do sistema”, para, assim, conseguirem maior apoio político:

[as integrantes do FBPF] tinham sensibilidade limitada quando se tratava de encampar reivindicações de operárias em luta, principalmente em razão de acreditarem que uma postura de enfrentamento aberto poderia prejudicar a imagem do movimento, diminuindo as chances de conseguirem apoio entre os setores mais influentes da sociedade (OSTOS, 2009, p. 74).

Por outro lado, é possível destacar movimentos de mulheres que consideravam insuficiente a luta pelo direito ao voto e à igualdade meramente jurídica (a mera equiparação jurídica aos homens), dentre as quais se destacam as anarquistas, que se movimentavam como um feminismo libertário no início do século XX. A figura de Maria Lacerda de Moura é especialmente representativa desse movimento. Para Moura, a luta que estava sendo travada pela mera igualdade de direitos era importante, mas insuficiente para o processo da libertação da mulher: “Do que vale a igualdade de direitos jurídicos e políticos para meia dúzia de privilegiadas, tiradas da própria casta dominante, se a maioria feminina continua vegetando na miséria da escravidão milenar?” (MOURA, 1982, p. 12).

Tal como reivindicava Moura, Rago (2011, p. 598) destaca que, nesse contexto, verificou-se uma verdadeira movimentação para que as relações entre homens e mulheres fossem "radicalmente transformadas em todos os espaços da sociabilidade", superando a mera ideia de igualdade de direitos, o que se expressara, de forma clara, em um manifesto de mulheres em texto de 1920, chamado “A Emancipação da Mulher”, distribuído pela União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas do Rio de Janeiro:

A Emancipação da Mulher

Vós que sois os precursores de uma era onde possa reinar a igualdade para todos escutai: tudo que fazeis em prol do progresso, militando no seio das nossas associações, não basta!

Falta ainda uma coisa, absolutamente necessária e que ocorrerá mais eficazmente para o fim desejado por todos os sofredores [...] é a Emancipação da Mulher. Homens Conscientes! (UNIÃO DAS COSTUREIRAS, CHAPELEIRAS E CLASSES ANEXAS DO RIO DE JANEIRO apud PINTO, 2003, p. 35).

Ainda a respeito dessa vertente, Pinto (2003, p. 36) destaca o paradoxo da existência de manifestações radicalmente feministas, mesmo em espaços revolucionários em princípio “não feministas”. Ao contrário da luta da FBPF e das sufragistas – em geral, mulheres que lutavam “pela inclusão, sem, no entanto, identificarem, na sua exclusão, razões para os homens terem mais poder” – as anarquistas tomavam uma posição que antecipava uma luta deveras atual: a luta contra a “opressão masculina”, que dava atenção especial às diferenças, para além da mera igualdade de direitos8. De acordo com a autora,

Diferentemente da luta das sufragistas, essas mulheres apontavam sem meias palavras a opressão masculina [...]. No início do século XX, anteciparam uma luta que só ganha espaço e legitimidade no fim do século, a do reconhecimento da especificidade da opressão, isto é, que os oprimidos não são oprimidos da mesma forma. Que ser mulher, ser negro ou pertencer a qualquer outra minoria traz uma carga a mais em relação a ser homem e ser branco. Essas anarquistas, na contramão dos movimentos libertários da época, chamavam a atenção para as diferenças (PINTO, 2003, p. 35).

De qualquer modo, sejam anarquistas, sufragistas liberais, ou outra eventual vertente desses movimentos femininos, em geral, eles se comunicavam pela melhoria das condições de trabalho das mulheres, sendo inegável que foram um fator importante de pressão ao governo e ao Ministério do Trabalho para a criação de direitos para regular e atender às reivindicações relativas à liberdade de trabalho das mulheres.

Porém, se por um lado, as formas de luta das mulheres pela inserção e por melhores condições no trabalho adentravam, desde a Primeira República, o terreno político, por outro lado, as reações da ordem patriarcal a uma verdadeira inclusão das mulheres no trabalho remunerado também foram intensas. Não faltaram discursos segundo os quais as mulheres, ao deixarem o lar para trabalhar fora de casa, tenderiam à libertinagem e à prostituição. Não era incomum se ver a utilização, mesmo em jornais de alta circulação, da utilização pejorativa do termo “mulher pública” como alusão às prostitutas. Rago (2011, p. 588) destaca que, enquanto o mundo do trabalho era representado pela metáfora do cabaré, o lar era valorizado como o ninho sagrado que abrigava a ‘rainha do lar’ e o ‘reizinho da família’”.

As reações se manifestaram em um sem número de formas, como pela arte, pela música (veja-se, por exemplo, o conflito do eu lírico do samba de Noel Rosa9), mas, em especial, pela reação da ciência oficial. De forma geral, em praticamente todo o mundo ocidental, inúmeras linhas da ciência oficial buscavam oferecer provas contundentes da necessidade de manutenção do papel das mulheres nos lares, argumentando que a divisão sexual do trabalho e a função de dona de casa à mulher eram realidades naturais que não poderiam ser modificadas: “os discursos da ciência, da medicina e, mais tarde, da psicanálise, operaram para criar diferenças de gênero que hoje assumimos como naturais. Ainda mais importante: tais discursos naturalizaram o ideal das diferenças naturais” (SMART, 2020, p. 1432).

Potencializando essa abordagem, é importante lembrar que o contexto do início do século XX, no Brasil, correspondia a um momento da história em que a ciência era considerada um “charme”, “o paradigma do momento”, como descreve Soihet (2011, p. 363), destacando-se a medicina social, que foi uma das principais ciências a respaldar esse papel “natural” da mulher como dona de casa:

A medicina social assegurava como características femininas, por razões biológicas, a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal. Em oposição, o homem conjugava à sua força física uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios (SOIHET, 2011, p. 363).

A divisão do trabalho entre homens e mulheres (estas donas de casa, cuidadoras, e aqueles provedores, empreendedores), era considerada um “fato” científico indiscutível. Nesse sentido, vale observar a justificação de Émile Durkheim, de que as semelhanças anatômicas entre a mulher e o homem seriam sempre acompanhadas por semelhanças funcionais, e a divisão e a evolução geral do sistema biológico dos organismos passariam por um procedimento equivalente à divisão e a evolução específica do sistema sexual. De acordo com Durkheim (2010, p. 26):

Faz tempo que a mulher retirou-se da guerra e dos negócios públicos e que sua vida concentrou-se inteira no interior da família. Desde então, seu papel especializou-se cada vez mais. Hoje, entre os povos cultos, a mulher leva uma existência totalmente diferente da do homem. [...] Por sinal, essas diferenças funcionais são tornadas materialmente sensíveis pelas diferenças morfológicas que determinam. Não só a estatura, o peso, as formas gerais são muito dessemelhantes entre o homem e a mulher, mas o Dr. Lebon demonstrou, como vimos, que, com o progresso da civilização, o cérebro dos dois sexos se diferencia cada vez mais. Segundo esse observador, esse hiato progressivo dever-se-ia, ao mesmo tempo, ao considerável desenvolvimento dos crânios masculinos e a um estacionamento ou mesmo uma regressão dos crânios femininos.

Importa destacar que este argumento, em consonância com muitos outros da mesma época – como o argumento pseudocientífico de que a mulher era uma degenerada, do psiquiatra Bombarda (1896) – tinha uma função específica: justificar a manutenção da estrutura sexista da sociedade. O problema da formulação de Durkheim, por exemplo, vai muito além da verdade ou inverdade da observação sobre a diferença entre ambos os crânios. Reside em que tal observação tenha sido usada para fundamentar a divisão do trabalho baseada na divisão sexual: o fato de que as mulheres trabalhavam em casa, e os homens, fora. O tamanho do cérebro de cada sexo (DURKHEIM, 2010, p. 26), a “descoberta” científica, vem a posteriori, apenas para justificar a estrutura social já estabelecida.

Na verdade, a ciência oficial da época – como apontava a autora Maria Lacerda de Moura – costumava negar, em absoluto, aquilo que escapava a sua compreensão, e os diagnósticos falhos acabavam por ser utilizados como justificativa para manter o princípio, considerado natural, da divisão sexual e hierárquica entre homem e mulher. Assim, os fatos sociais precocemente compreendidos como fatos absolutos justificavam, sem um especial detalhamento e aprofundamento científico, a própria dominação masculina. Segundo Moura (1982), tais justificativas também teriam como motivação o próprio desejo dos homens em utilizar-se das ciências para manter o domínio sobre as mulheres, daí porque a fragilidade feminina, por exemplo, ser um ponto em comum de diagnóstico da medicina, especialmente a partir de fatos científicos pouco aprofundados. Para Moura (1982, p. 54), tais diagnósticos, em geral equivocados, serviam à posição do homem que deseja ver a mulher “sempre com o pé no abismo, [...] frágil, inconsciente, vigiada, leviana até, para [o homem] crescer no seu papel de protetor, de guarda, para aconselhar, para ser respeitado, temido”.

Todavia, esse tipo de resistência ou contra-argumento científico, como de Maria Lacerda de Moura, não representava, naquele momento, a opinião majoritária das mulheres e da opinião pública respeito das mulheres. Seja pela crença nas motivações morais, sociológicas, fisiológicas, se a aceitação ao trabalho da mulher não foi unânime (parte da opinião pública entendia que o trabalho fora do lar justificava até mesmo o divórcio; outra parte o admitia, com restrições), todas as soluções à questão (a favor ou não ao seu trabalho externo ao lar) apresentavam um conteúdo argumentativo comum, que justificava uma legislação mais restritiva ao trabalho da mulher:

Era ponto pacífico que sem a contribuição das mulheres, seu envolvimento absoluto na azáfama do lar, não seria possível formar uma população numerosa, imbuída de sólidos princípios morais e cívicos; tampouco seria viável forjar crianças saudáveis, higienizar os ambientes, ministrar cuidados apropriados aos idosos e doentes (OSTOS, 2012, p. 324-325).

O governo de Vargas, ciente dessa reação, sabia, também, da necessidade econômica de inserção das mulheres no ambiente de trabalho como mão de obra para as indústrias manufatureiras. Se, por um lado, o governo estava ciente de que sua inserção no mercado de trabalho teria importância econômica e, ainda, apaziguaria a pressão das movimentações operárias e de mulheres (assim como das convenções internacionais) pelo trabalho feminino regulamentado, por outro lado, o governo tinha consciência de que o trabalho doméstico não remunerado e de criação de filhos era importante fator de acumulação capitalista, que muito interessava à política em formação. Como ensina Soihet (2011, p. 362-363), “com a supressão do escravismo, o custo da reprodução do trabalho era calculado considerando como certa a contribuição invisível, não remunerada, do trabalho doméstico das mulheres”, ou, como resumem Bertolin e Garcia (2020, p. 36), “o sistema capitalista explora no mínimo duas vezes as mulheres que trabalham de forma não remunerada no âmbito doméstico, tendo em vista que além de ela despender da sua força de trabalho e gerar um produto invisível, ele não a recompensa por isso”.

Em síntese, a questão do trabalho feminino se colocava da seguinte forma ao governo de Vargas: como desenvolver, pelos braços femininos, a força de produção industrial, lidar com a luta e a pressão de emancipação das mulheres no espaço público do trabalho e, ao mesmo tempo, manter sua função como procriadoras, criadoras e educadoras, não remuneradas, de filhos que viriam a ser os novos sujeitos adaptáveis ao projeto econômico e de acumulação capitalista em desenvolvimento? A pergunta não era: “possibilitar juridicamente o trabalho feminino ou manter o papel doméstico da mulher?”. A pergunta era: “como possibilitar as duas pretensões concomitantemente?”.

A resposta veio, em especial, na forma do Direito.

4 A SOLUÇÃO GOVERNAMENTAL POR MEIO DO DIREITO DO TRABALHO: A “INSERÇÃO EXCLUÍDA”10

Foi especialmente o Direito que serviu como mecanismo para a "solução" do impasse, mais especificamente a partir da produção de decretos, como o Decreto nº 21.417-A, de 17 de maio de 1932, que, como explica Kamada (2014, p. 111), foi o primeiro a tratar da situação da mulher trabalhadora, no Brasil, “genericamente e com fiscalização própria”, com destaque às seguintes disposições:

Art. 2º O trabalho da mulher nos estabelecimentos industriais e comerciais, públicos ou particulares, é vedado desde 22 horas até 5 horas.

Art. 5º. É proibido o trabalho da mulher: a) nos subterrâneos, nas minerações, em subsolo, nas pedreiras, e obras de construção pública ou particular; b) nos serviços perigosos e insalubres, constantes do quadro anexo [...].

Art. 7º. Em todos os estabelecimentos industriais e comerciais públicos ou particulares, é proibido o trabalho à mulher grávida, durante um período de quatro semanas, antes do parto, e quatro semanas depois (BRASIL, 1932a, online).

O decreto estabeleceu, entre outras medidas: a proibição do trabalho noturno, nos subterrâneos e nas minerações em subsolo, nas pedreiras e nas obras de construção pública ou particular, bem como nos serviços perigosos e insalubres. Também estabeleceu a proibição da mulher grávida de trabalhar durante um determinado período anterior e posterior ao parto, dentre outras disposições. De um modo geral, essa legislação permitiu às mulheres trabalharem de forma remunerada, com uma regulamentação que correspondia a condições específicas que a diferenciavam dos homens, mas também as impeliu, expressamente, ao retorno à casa e ao espaço restrito da família.

Representativo desse aparente paradoxo foi a regra da proibição do trabalho noturno das mulheres, uma das principais regras do Decreto nº 21.417-A, que dispunha, em seu art. 2º, que “o trabalho da mulher nos estabelecimentos industriais e comerciais, públicos ou particulares, é vedado desde 22 horas até 5 horas” (BRASIL, 1932a, online). Se, por um lado, essa regra solucionava o problema das mulheres obrigadas a trabalhar até a noite sem remuneração (a restrição, neste aspecto, pareceu positiva, pelo limite à carga horária e redução dos assédios sexuais ocorridos no período noturno), por outro, obrigava, na prática, que trabalhassem de dia e retornassem à noite a seus lares para o cuidado com a casa e os filhos, de modo que, conforme aponta Kamada (2014, p. 112), a legislação serviu não apenas para “coibir a exploração da mão de obra feminina”, como também para “recordar o verdadeiro lugar da mulher na sociedade, enfim, preservar a estrutura familiar”. O mesmo decreto abria exceção à regra, ao permitir o trabalho noturno para aquelas cuja tarefa fosse o tratamento de enfermos (artigo 3º, “c”). Mas esta seria também uma disposição que permitia estabilizar a função da mulher no âmbito do trabalho do cuidado, já que não modificava o ofício que foi e é ainda realizado quase exclusivamente por elas de manutenção de outros corpos, que não o seu, em redução “ao estado de ferramenta cuja instrumentalidade se aplica, sobretudo, e fundamentalmente, a outros humanos” (GUILLAUMIN, 2014, p. 43).

É certo que a proibição do trabalho noturno era uma reivindicação antiga de determinadas mulheres que, em situação de máxima exploração, não tinham tempo para se desconectar do trabalho, tal como se verifica em manifestação anarquista feminista de 1906, em que três costureiras, reagindo a não-adesão de uma greve operária por parte de sua categoria, publicaram no jornal A Terra Livre que era preciso horas de descanso para a dedicação a alguns momentos relacionados à leitura e ao estudo, pois, se essa situação continuasse, seriam sempre “máquinas manobradas à vontade pelos mais cúpidos assassinos e ladrões”. Perguntavam-se, não sem razão, “como se pode ler um livro, quando se vai ao trabalho às 7h da manhã e se volta para casa às 11h da noite?” (FABRI; CARI; LOPES, 1906, p. 2).

Todavia, como aponta Pinto (2003, p. 36), “o original no texto das costureiras é a busca de tempo para o aprimoramento pessoal, por meio da educação, e não, como se poderia esperar na época, uma reivindicação associada aos seus tradicionais papéis de esposa e mãe”. O que incentivou essa regulamentação foi, de forma evidente, ao contrário da disponibilização de tempo para educação das mulheres, a necessidade de mantê-las em sua residência. Em outras palavras: o que forneceu a hipótese de uma tal inserção propiciada pelo decreto foram, na verdade, fatores externos à questão da liberdade das mulheres: tratou-se da própria movimentação de exclusão das mulheres do trabalho na esfera pública, para que pudessem voltar ao lar e cuidar dos filhos, futuros sujeitos da nação.

Naquela conjuntura, merece destaque também – o que parece demonstrar a real intenção da época – o Decreto nº 21.366, de cinco de maio de 1932, que instituiu o dia das mães, ou pelo menos é o que se verifica em sua justificava legal:

Considerando que vários dias do ano já foram oficialmente consagrados à lembrança e à comemoração de fatos e sentimentos profundamente gravados no coração humano;

Considerando que um dos sentimentos que mais distinguem e dignificam a espécie humana é o de ternura, respeito e veneração, que evoca o amor materno; Considerando que o Estado não pode ignorar as legítimas imposições da consciência coletiva, e, embora não intervindo na sua expressão, é do seu dever reconhecê-las e prestar o seu apoio moral a toda obra que tenha por fim cultuar e cultivar os sentimentos que lhes imprimem força afetiva de cultura e de aperfeiçoamento humano, DECRETA:

Art. 1º O segundo domingo de maio é consagrado às mães, em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 5 de maio de 1932, 111º da Independência e 44º da República.

GETÚLIO VARGAS / Francisco Campos (BRASIL, 1932b, online).

Era preciso glorificar a imagem da mãe dona de casa, perpetuando o dever considerado “sagrado” de provedora dos filhos da nação. Reproduzindo a ideologia da maternidade, o Dia das Mães foi parte de um processo de glorificação e santificação da imagem da “mãe cívica”, do lar, em contraponto às mulheres públicas, que então eram sempre demonizadas por invadirem um terreno “exclusivo” dos homens. O Dia das Mães acompanhava as manifestações ideológicas da época, como no caso de associação da mulher de família com a Virgem Maria. Foi justamente neste período, como destaca Ostos (2009, p. 172), que o culto mariano ganhou maior institucionalização no Brasil: “no dia 16 de julho de 1930 o Papa Pio XI proclamava, por decreto, Nossa Senhora Aparecida como padroeira do país”. Já “em 31 de maio, o governo Vargas confirmava o ato papal, organizando, com a Igreja, a entronização da Virgem, cuja imagem foi apresentada ao presidente, no Rio de Janeiro, como a ‘Mãe e Padroeira da Nação’” (OSTOS, 2009, p. 172).

Ademais, em relação ao clima nacionalista da época, veja-se que o artigo 1º consolida que o Dia das Mães fosse criado para que o “amor materno” desenvolvesse, no coração humano, o sentido da bondade e da solidariedade, alinhando-se ao discurso da solidariedade nacional de que falava o Ministro do Trabalho de Vargas, Lindolfo Collor. As mulheres, em contraponto ao espírito revolucionário dos migrantes, serviriam para “produzir” novos sujeitos morais, homens disciplinados, ordeiros e operosos, capazes de solidarizar e se sacrificar pela Nação.

É possível afirmar que esses decretos evidenciam (o que também se aplica às regras decretadas sobre licença maternidade, que se dirigiram exclusivamente às mulheres) que as leis sobre o trabalho feminino não foram criadas sob a perspectiva absoluta e abertamente humanitária de proteção à autonomia e à emancipação das mulheres, mas a algo que lhes era externo, especialmente a procriação e o cuidado da casa para o bem estar de seus maridos e filhos.

A legislação do período, inserindo as mulheres na categoria de sujeitos cujas funções seriam consideradas essenciais ao desenvolvimento do modo de produção capitalista em formação, ao mesmo tempo as excluía do espaço público do trabalho por decretos que reforçavam o eixo da subordinação de gênero, limitando as mulheres ao espaço doméstico. Dito de outro modo: o processo de regulamentação do trabalho das mulheres, no período citado (mais especificamente em 1932), acabou por destacar uma face discriminatória do Direito.

Essa discriminação, contudo, não ocorre apenas por causa de leis que regulavam a situação de sujeitos previamente genderizados. Na verdade, seria subestimar a influência do Direito, compreendê-lo simplesmente como um conjunto de leis. A influência do Direito no processo de regulamentação do trabalho da mulhes, em Vargas, vai além da questão legislativa. Tratou-se de um Direito discriminatório não apenas devido às leis então criadas, mas pela própria característica de tecnologia de gênero presente no discurso do direito da época, questão que pode ser abordada com profundidade quando nos valemos da crítica do direito de Carol Smart.

5 REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DA MULHER A PARTIR DA CRÍTICA DE SMART: O DIREITO COMO TECNOLOGIA DE GÊNERO

Como explicam Bussinguer e Fonseca (2020, p. 89), “em períodos de escassez de mão de obra, como as guerras mundiais, ou crises decorrentes da margem de lucros, a força de trabalho da mulher é exaltada, ora por necessidade, ora por seu valor de compra inferior à força de trabalho masculina”. E é sabido que, durante o período das grandes guerras mundiais, as mulheres absorveram, em parte, os trabalhos externos ao lar, em substituição aos homens que se direcionaram ao front de guerra.

Já no período do pós-Segunda Guerra, houve um momento de excesso da força de trabalho de reserva, e é nesse momento que “os supostos fatores naturais impeditivos do trabalho da mulher ganham força” (BUSSINGUER; FONSECA, 2020, p. 89). Observou-se, ali, um movimento histórico e radical de um feminismo que, reagindo ao patriarcado que exigia o retorno das mulheres à condição de submissão, passou a ser denominado, conforme descreve Joana Maria Pedro, a “segunda onda feminista”, ou o “movimento pela libertação das mulheres” (PEDRO, 2020).

De forma bem resumida, Joana Maria Pedro explica que o período do pós-guerra, de início, levou as mulheres a retornarem às suas casas, e a dominação masculina voltou imediatamente a concebê-las como destinadas a exercer uma função feminina de conquista de maridos, de serem “mulheres, lindas e jovens”. Porém, como reação a esse possível retorno ao lar e à “ditadura da beleza”, e especialmente com a apropriação pelas mulheres dos métodos contraceptivos, iniciam-se inúmeros movimentos de mulheres pelo direito ao aborto, a salários iguais aos dos homens, ao prazer, e, de forma destacada, a luta pelo fim do patriarcado11, sendo significativo, neste momento, o pensamento de autoras feministas, como Simone de Beauvoir e Betty Friedan (PEDRO, 2020).

Esse movimento abrirá, ainda, o caminho para uma “terceira onda” do movimento feminista, precisamente no período compreendido entre a década de 1980 e o início do século XXI, que, conforme ensinamentos de Pedro (2020), propiciou às mulheres maior legitimidade e liberdade para discutirem sua situação no âmbito das universidades. Formaram-se, nesse período, inclusive no Brasil, diversos núcleos e grupos de estudos que se consolidaram tratando do tema do patriarcado, da história da desigualdade de gênero, e de questionamentos profundos e teóricos de outras exclusões sociais, não mais apenas um movimento realizado (ainda que criticamente, em função da valorização da mulher) a partir do binarismo masculino/feminino12.

As novas indagações questionavam, com detalhamento científico aprofundado, os objetivos da luta feminista e, mesmo, a possível insuficiência das antigas lutas, empreendendo um real esforço para se repensar os limites das formas sociais e discursos jurídicos dos quais as mulheres costumavam se utilizar em sua luta por emancipação social13. A crítica do Direito formulada pela feminista Carol Smart se insere nesse contexto, criando desafios para uma necessária desconstrução dos discursos jurídicos imperantes do século XX.

O Direito, explica a autora, não é um instrumento neutro, tampouco apenas um reflexo das relações sociais. De fato, ele é uma verdadeira baliza para as relações e opera como potente tecnologia de gênero, ou seja, atua como um "processo de produção de identidades de gênero fixo" (SMART, 1994, p. 49). Isso ocorre não apenas por ser o Direito sexista, ou por serem suas instituições feitas para a dominação masculina, mas também, e principalmente, por ser um discurso construído a partir do gênero.

Smart (2020) oferece severas críticas à perspectiva para ela simplista do “direito como masculino”, cuja teoria, tendo Catharine MacKinnon como representante principal, compreende que os ideais de neutralidade e de objetividade, tal como se celebra no direito, são, na realidade, valores masculinos que são considerados universais. Smart, embora concordando, em parte, com a teoria de MacKinnon, apresenta-lhes algumas objeções, demonstrando que a ideia de direito como masculino não é capaz de se desvincular da oposição entre masculino e feminino, mas, ao contrário, acaba por naturalizar essa diferenciação.

Segundo Carol Smart, fazer como MacKinnon (1995), que reproduz, em sua teoria feminista, a perspectiva do binarismo masculino/feminino, seria reproduzir o próprio discurso jurídico que não consegue compreender diferenças existentes no interior desses opostos binários. De acordo com Smart (2020, p. 1426), “qualquer argumentação que comece por priorizar a divisão binária homem/mulher ou masculino/feminino cai na armadilha de desprezar outras formas de diferenciação, particularmente as diferenças existentes no interior desses opostos binários”. Diferenças relativas à raça, à idade, à religião, enfim, a outras diferenças que não são apenas relacionadas à divisão binária homem/mulher “tendem a se tornar meros elementos adicionais ou considerações a posteriori”.

Em vez de considerar que a prática jurídica é sempre prejudicial às mulheres por ser aplicada diferentemente do que é aos homens, Smart (2020, p. 1431) avança na crítica, dando atenção ao direito como estratégia que “fixa” o gênero em rígidos sistemas de significados.

Primeiro porque o Direito só consegue ver e pensar um sujeito genderizado, ou seja, “o discurso jurídico simplesmente não consegue conceber um sujeito do qual o gênero não seja um atributo determinante; não consegue pensar tal sujeito” (ALLEN apud SMART, 2020, p. 1438). Segundo porque, e aqui Smart vai além da percepção de Allen (apud SMART, 2020, p. 1428), o Direito opera, acima de tudo, “como um processo de produção de identidades de gênero fixas e não como mera aplicação da lei a sujeitos previamente gendrados”.

Tal constatação pode servir para uma análise relevante a fim de se compreender o discurso do Direito que imperou durante todo o século XX, sendo, de fato, um problema evidente nos decretos de 1932 já mencionados.

O Direito – em especial o Direito do Trabalho – foi fundamental para estabilizar determinadas características de gênero em torno de um tipo de mulher ideal na sociedade, em oposição ao homem provedor. Em relação anteriormente fundada na própria comparação com o homem ideal, pensando o sujeito em termos de gênero, o Direito ajudou a firmar posições fixas do que viria a ser concebido como “a mulher” protegida pela legislação trabalhista, institucionalizando uma figura específica de mulher, a mãe provedora do lar, a “senhora do lar operário” (expressão de Marcondes Filho, ministro de Vargas na década de 40) (BRASIL, 1976) como sendo a Mulher em essência, a mulher em geral – e, somente assim, objeto da proteção do Direito do Trabalho.

Assim, o Direito desenhou uma “espécie” de mulher para proteger, em detrimento de outras. Fixou um gênero fixo de uma categoria diferencial de mulher que pode trabalhar fora de casa. O resultado é, como apontava Smart, o desprezo criado pelo Direito às diferenciações que ocorrem dentro dessa diferenciação de gênero. As mulheres que não se encaixavam na categoria da “mãe cívica”, ou da “senhora do lar operário” (receptoras da legislação) eram excluídas, não faltando exemplos que podem ser recolhidos das próprias leis então decretadas no governo Vargas.

A difícil relação do decreto do trabalho noturno com as mulheres pobres, por exemplo, mostra que estas não estavam albergadas pelo conjunto de exigências do decreto (KAMADA 2010, p. 49-50; KAMADA, 2014, p. 98), uma vez que não havia a possibilidade de deixarem de trabalhar à noite, por uma questão de sobrevivência. Sua atividade noturna, externa ao lar, seria, para o Direito da época, considerada ilegal. Tal situação incentivara um problema já existente, de reiterada difamação e assédio moral em relação a essas mulheres. Em meio à acusação constante de que a mulher que trabalhava fora de casa era indigna (em associação até mesmo à figura da mulher prostituída), não tinham as mulheres pobres alternativa além de viverem sua vida sob a sombra desse epíteto, estando sempre, como aponta Fonseca (2011, p. 516), “entre a cruz e a espada”:

A mulher pobre, cercada por uma moralidade oficial completamente desligada de sua realidade, vivia entre a cruz e a espada. O salário minguado e regular de seu marido chegaria a suprir as necessidades domésticas só por um milagre. [Ao mesmo tempo] a dona de casa, que tentava escapar à miséria por seu próprio trabalho, arriscava sofrer o peso da “mulher pública”.

Trabalhando a partir de, e construindo gêneros fixos, o Direito ajudou a conceber um tipo de mulher que, desde que não trabalhasse à noite, e desde que tivesse tempo de sobra para cuidar dos filhos e do marido, poderia, então – apenas assim – ser contemplada pela legislação trabalhista.

A repercussão dessa faceta do Direito e de seu uso na era Vargas não se restringiu, enfim, ao período dos anos 30. Se, muito posteriormente, em 1989, em decorrência da edição da Constituição de 1988, a regra de proibição do trabalho noturno viria a ser expressamente revogada, é possível dizer que os juristas, e, em alguns aspectos, a própria sociedade, não se desvincularam, com facilidade, da generalização da figura da “senhora do lar operário”, da “mãe cívica”, como aquela mulher com liberdade para, recebendo a proteção da lei para trabalhar, retornar ao lar no fim do expediente matutino de trabalho.

Exemplificativo a esse respeito é um fato ocorrido em 1976, quarenta e quatro anos após a publicação do decreto da proibição do trabalho noturno. Neste ano, o deputado Faria Lima propôs um projeto de lei de revogação da proibição do trabalho noturno (Projeto de Lei nº 2.345, de 1976), que somente não foi aprovado pelo mesmo argumento de funcionalidade da mulher nos lares, em cumprimento a seus “sagrados deveres”. Segue trecho da fundamentação que manteve a proibição do trabalho noturno:

Não só em face de suas condições físicas, como por causa da alta função social que a mulher tem, como mãe e esposa, como ‘senhora do lar operário’ na feliz expressão de Marcondes Filho, deve o Estado preservá-la de trabalhar em condições e horários que prejudiquem sua saúde e o exercício daqueles sagrados deveres (BRASIL, 1976, online).

Ainda hoje, é visível a influência do discurso jurídico que se formou a partir dessa função atribuída à mulher pelo Direito do Trabalho. O Brasil conta legalmente com uma licença maternidade, que, em pleno século XXI – após um longo processo de luta feminista pelos direitos iguais aos homens – permanece muito mais longa que a licença paternidade. Em regra, elas possuem 120 dias de licença, sendo apenas cinco dias para eles, de acordo com os artigos 7º, XVIII, da Constituição de 1988 e 10, §1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Inexiste, ademais, uma licença parental, que equipararia as funções de ambos e enfrentaria a divisão sexual do trabalho em sua estrutura, tal como observam Bussinguer e Fonseca (2020, p. 101):

Porventura os preceitos relativos às licenças maternidade e paternidade não reproduzem uma divisão sexual do trabalho? A resposta parece afirmativa. A mulher, além da gestação, é a responsável exclusiva pelos cuidados iniciais da criança. O homem, em cinco dias, trará uma contribuição mínima.

Algumas autoras parecem não concordar inteiramente com a face discriminatória da proteção do trabalho das mulheres pelo Direito do Trabalho no Brasil. Barros (1995, p. 490), por exemplo, afirma que as medidas legislativas destinadas a proteger as mulheres em decorrência da gravidez, do parto e da maternidade, por exemplo, “não podem ser tidas como discriminatórias”, pois “seu fundamento reside na salvaguarda da saúde da mulher e das futuras gerações”. É preciso, porém, tomar cuidado com o caráter absoluto dessa afirmação. Dizer que a proteção destinada à maternidade não constitui discriminação, com base na ideia de que o corpo da mulher deve permanecer como fonte para as futuras gerações, pode implicar o risco de se perpetuar o papel já estabelecido à mulher como reprodutora a partir do mesmo problema da oposição binária macho/fêmea, que o Direito não modifica, mas institucionaliza, possibilitando outras diferenciações dentro dessa oposição.14

Obviamente, não é, nem jamais foi, desnecessária a proteção legal à maternidade ou à jornada de trabalho da mulher e, de fato, a justificativa supracitada de Barros pode ser um argumento político potente e convincente do ponto de vista econômico, especialmente ao inserir-se em uma sociedade que costuma acatar alguns direitos das mulheres somente se estes servem como ferramenta útil para um objetivo social externo à sua autonomia. Todavia, a legislação trabalhista, ao proteger as mulheres, raramente se desfez de sua face discriminatória, e o que ocorreu a partir de 1932 expressa tal face com clareza: o Direito, ao estabelecer as condições estruturantes dentro das quais a legalização do trabalho se daria para regulamentar o trabalho das mulheres, serviu de perpetuação tanto à estrutura sexista da divisão do trabalho quanto à diferenciação e à discriminação existente dentro da própria categoria genérica de mulher fixada e perpetuada nas legislações a partir do referido período.

6 CONCLUSÕES

A legalização do trabalho das mulheres, nos anos 30, embora possa ser apresentada como parte do processo de emancipação do movimento das mulheres pelo trabalho remunerado, apresentou-se, na forma do que aqui se descreveu, como uma “inserção excluída”. Desde a proibição do trabalho noturno, até a criação legal do “dia das mães”, a legalização do trabalho das mulheres, inicialmente à base dos decretos de 1932, ajudou a construir uma estrutura jurídica capaz de possibilitar o trabalho feminino legalizado. Mas essa legislação e todo o discurso que a contorna permitiram, pela mesma via, sua gradual exclusão do espaço público do trabalho.

Com apoio na crítica feminista do direito de Carol Smart, mais do que uma questão relativa às leis do período, é possível dizer que o próprio Direito, o discurso jurídico, em suas práticas e influências sociais, atuando como tecnologia de gênero, sedimentou o ideal da mulher “cuidadora”, “mãe cívica”, “senhora do lar operário”, perpetuando o lugar do homem no mundo do trabalho e o da mulher, em casa. Além disso, atuando desse modo, o Direito tornou impossível ou de difícil aplicação a proteção jurídica do trabalho a muitas mulheres que não se encaixavam na categoria de “mulher” protegida pela lei, o que ocorria quando estava em oposição ao homem provedor. O exemplo mais claro é o caso das mulheres pobres, que, diferentemente das mulheres burguesas, “mães cívicas”, como se dizia à época, não tinham como cumprir determinadas condições legalmente previstas – precisavam, por exemplo, trabalhar à noite, em contramão ao que a lei trabalhista determinava ao proibir o trabalho noturno a todas as mulheres. No contexto da legalização do trabalho das mulheres no período Vargas, pela própria característica de tecnologia de gênero do Direito, este permitia, a partir da oposição homem/mulher, descartar diferenciações relativas à raça, à idade, à religião, à renda das mulheres, porque reduzia o âmbito da proteção à figura de uma mulher genérica.

É preciso dizer, por fim, que, se o Direito foi assim utilizado, essa sua característica não necessariamente deve sempre perpetuar a divisão sexista que se verificou na legislação trabalhista a partir do período da era Vargas. Nesse sentido, é importante lembrar que a própria crítica de Smart não diagnostica a impossibilidade do uso do Direito enquanto ferramenta para a emancipação das mulheres. Ao contrário de determinadas críticas à Smart, aponta Adrian Howe que a autora tem repetidamente reafirmado a contínua importância de o movimento feminista engajar-se no Direito, reconhecendo que se trata de um lugar de conflito e disputa15.

Nesse sentido, ao tratarmos do trabalho da mulher e da sua regulamentação a partir do marco histórico das legislações do ano de 1932, o que se pode concluir é que o Direito do Trabalho, mesmo em sua característica de tecnologia de gênero, pode ser uma importante ferramenta à concretização de reivindicações das mulheres e mesmo de outros grupos ainda marginalizados pela diferenciação de gênero. Para isso, cabe ao jurista, entre outras atividades em relação ao Direito, ajudar a ressignificar o conteúdo desse processo jurídico, em especial, exercendo uma força contrária ou ao menos questionadora à tendência do discurso jurídico em fixar diferenciações subjetivas à base exclusiva da oposição binária masculino/feminino.

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Notas

O artigo decorreu de um trabalho em conjunto entre Patrícia Tuma Martins Bertolin e Murilo Riccioppo Magacho Filho. Após pesquisarem o assunto e debaterem os detalhes do projeto, o segundo coautor elaborou a estrutura inicial do artigo, sendo revisado e alterado pela primeira coautora. Por fim, retornou-se ao segundo coautor para ajustes finais.
1 Nos termos de Guillaumin (2014, p. 33-34), “é resultado de um longo e duro processo conseguir vender APENAS sua força de trabalho e não ser a pessoa mesma apropriada”.
2 Segundo Ostos (2012, p. 328), o ano de 1932 merece ser destacado como “um marco para as mulheres brasileiras, que conquistaram diversos direitos, tanto políticos quanto sociais. O Código Eleitoral estipulou o direito de voto para as mulheres e diversos decretos introduziram avanços inegáveis na legislação trabalhista, favorecendo a população feminina que laborava na indústria e no comércio”.
3 Cf.: Ostos (2012, 2009).
4 Nas palavras de Prado Júnior (2006, p. 23), o Brasil se projetava, neste momento histórico, à “constituição e à ampliação de um mercado interno, isto é, desenvolvimento do fator consumo, praticamente imponderável no conjunto do sistema anterior, em que prevalece o elemento produção”.
5 Optamos por considerar, na esteira de Araújo (2002, p. 31), esse acontecimento histórico uma “revolução passiva”, ou seja, uma transformação “de cima para baixo”, conduzida por forças sociais conservadoras, que teve como principal característica o fortalecimento do Estado, que assumiu o papel de principal agente do desenvolvimento econômico e foi capaz de absorver uma série de demandas dos trabalhadores, enfraquecendo o seu movimento.
6 Essa era a perspectiva que esteve inscrita, também, no Manifesto do Partido Comunista, em que Marx e Engels (2008, p. 39) expressavam que, “com a abolição das relações atuais de produção, também a comunidade de mulheres, que delas decorre, quer dizer, a prostituição oficial e não oficial, desaparecerá”.
7 A respeito do movimento chamado “American Woman’s Rights Moviment” (W.R.M), que representaria a primeira movimentação feminista nos Estados Unidos, destaca Shulamith Firestone: “O sufrágio foi apenas um pequeno aspecto do que o W.R.M. representava. Centenas de anos de personalidades brilhantes e de fatos importantes foram também apagados da história americana. As mulheres oradoras que se defendiam dos grupos que as atacavam na época em que não lhes era permitido falar em público, para contestar a Família, a Igreja e o Estado, que viajaram por estradas de ferro bem pobres entre cidades do Oeste falando para pequenos grupos de mulheres socialmente em estado de inanição, foram bem mais dramáticas do que as Scarlett O’Haras e as Harriet Beecher Stowes e todas as Damas que chegaram até o nosso conhecimento” (FIRESTONE, 1976, p. 34). Destaca Firestone o problema da omissão em nossos livros de personagens vitais nas versões-modelos da história americana “em favor desses modelos beatos”, o que não pode ser ignorado, demonstrando, ainda, o quanto perigoso se mostra manter as “lacunas suspeitas relativas ao feminismo”, como “a confusão de todo o W.R.M. com o (conservador) movimento sufragista ou com os grupos de mulheres reformistas da Era Progressista” (FIRESTONE, 1976, p. 35).
8 Tais descrições parecem concordar, portanto, de que haveria, nesse movimento das anarquistas, uma determinada antecipação daquilo que seriam as principais reivindicações do feminismo que se convencionou chamar de “segunda onda”. Joana Maria Pedro segue a mesma linha de compreensão, destacando haver uma linha de continuidade entre as principais reivindicações do feminismo anárquico, do início do século XX, com o movimento feminista de libertação das mulheres da década de 60 (“segunda onda”) (PEDRO, 2020). Para maior detalhamento sobre as ondas feministas, conferir, da mesma autora, o artigo científico “Feminismo de ‘Segunda Onda’” (PEDRO, 2013).
9 Em um samba de 1933, de autoria de Noel Rosa, Três Apitos (CHEDIAK, 2009, p. 151-152), o cantor apresenta um homem que tinha uma companheira operária, trabalhadora de uma fábrica de tecidos, e que não aceitava o fato de outro homem, um gerente, dar ordens à moça: “Nos meus olhos você lê / que eu sofro cruelmente / com ciúmes do gerente impertinente que dá ordens a você”. Em outro trecho, mantém-se a indignação: “Você que atende ao apito de uma chaminé de barro / Por que não atende ao grito tão aflito da buzina do meu carro?”
10 Fala-se em “inserção excluída” quando ocorre maior concentração dos membros de certo grupo em determinados setores ou postos de trabalho precários, com remunerações menores, pouco ou nenhum acesso à qualificação profissional e à tecnologia (POSTHUMA; LOMBARDI, 1997, p. 124).
11 Sobre a questão do fim do patriarcado, destaca Pedro (2020) que o movimento de mulheres da chamada segunda onda passa a perceber, especialmente com os estudos de antropólogas, que a dominação do homem sobre a mulher não é uma questão atual e perpassa por diferentes culturas, de modo a permanecer mesmo em uma sociedade, por exemplo, socialista. Aliás, com isso, perceberão, de forma a questionar parte do marxismo, que não basta acabar com o capitalismo para que as mulheres sejam menos dominadas.
12 Ademais, muitas das reivindicações dessa terceira onda do movimento feminista passaram a conviver, em certos aspectos, com reivindicações de outros movimentos, como o movimento LGBT, como na questão relativa à exclusão pela recusa das investigações científicas sobre a AIDS, o preconceito a respeito dessa doença, sua associação equivocada às práticas homossexuais etc. Questionava-se, ali, especialmente pela abertura a outras exclusões sociais, a própria persistência de uma luta feminista que ainda se mantinha na lógica das relações binárias mulher/homem e macho/fêmea.
13 A autora Thornton (2020, p. 2) organizou recentemente um número especial da revista Laws, concentrado sobre a reemergência do debate acerca da Teoria Feminista do Direito e sua importância para o século XXI. Em seu Posfácio ao número especial, vale notar que ela toma os impasses do feminismo hoje como um momento de revisão trazido pelo próprio colapso do pós-feminismo, que, se de um lado teria sido absorvido pela cultura popular e então perdido seu tônus, deixou, de outro lado, um campo aberto para uma necessária reflexão de todo o feminismo ao longo do século XX e agora diante das questões levantadas no século XXI: "O 'pós' em 'feminismo' é ambíguo: pode sugerir que os dias do feminismo estão contados, mas também pode sinalizar um novo começo como um resultado de uma quebra epistemológica [...]. Como a Teoria Feminista do Direito não desvaneceu, eu sugiro que o último significado é mais apropriado".
14 A expectativa de que as mulheres cumpram esse “papel social” – a maternidade – se impõe, ainda hoje, sendo uma das pautas do movimento feminista, especialmente do chamado Feminismo Radical (JARAMILLO, 2000), que tem entre suas principais representantes teóricas do porte de Nancy Fraser e Catherine MacKinnon.
15 Em recente publicação acerca de casos de feminicídio por parceiros íntimos, Howe (2019, p. 2) debate longamente o quanto a crítica formulada por Smart vem sendo mal compreendida naquilo que ela aponta de insuficiência das reformas legais por parte de uma parcela dos pleitos feministas: “A recomendação de Smart, para que as feministas não se ativessem demasiadamente à reforma legal, tem sido frequentemente lida de maneira equivocada, como se ela advogasse um recuo do Direito e do ativismo legal feminista [...]. Ela tem repetidamente reafirmado esta visão sobre a contínua importância de engajar-se no Direito, mais recentemente possui um ensaio no qual ela explica novamente que o seu conselho para descentralizar os esforços na reforma legal ‘jamais pretendeu significar’ que feministas deveriam recursar-se a engajar-se por meio do direito. Apesar de seus receios sobre feministas investindo demasiadamente na reforma legal, ela sempre insistiu que o Direito conceituado como ‘um lugar de conflito e disputa’ possibilita feministas a apresentarem um desafio constante para o Direito intervir discursivamente de maneira contundente. Em poucas palavras, o Direito é ‘um lugar inestimável’ para um trabalho discursivo ‘infinitamente valioso’” (tradução nossa).

Como citar este documento:

BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; MAGACHO FILHO, Murilo Riccioppo. O processo de regulamentação do trabalho feminino no Brasil à luz da teoria de Carol Smart: o direito como tecnologia de gênero. Revista Opinião Jurídica, Fortaleza, v. 21, n. 38, p. 45-72, set./dez. 2023. Disponível em: link do artigo. Acesso em: xxxx.

Notas de autor

Editora responsável: Profa. Dra. Fayga Bedê

https://orcid.org/0000-0001-6444-2631



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