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A EPISTEMOLOGIA ESPECISTA E O AVANÇO MITIGADO NA PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NO BRASIL: ESTUDO DE CASO DO PROCESSO LEGISLATIVO PARA A CRIAÇÃO DA LEI SANSÃO (LEI Nº 14.064 DE 2020)
THE SPECIST EPISTEMOLOGY AND THE MITIGATED ADVANCE IN THE PROTECTION OF ANIMALS IN BRAZIL: CASE STUDY OF THE LEGISLATIVE PROCESS FOR THE CREATION OF THE SANSÃO LAW (LAW No. 14,064 OF 2020)
LA EPISTEMOLOGÍA ESPECISTA Y EL AVANCE MITIGADO EN LA PROTECCIÓN DE LOS ANIMALES EN BRASIL: ESTUDIO DE CASO DEL PROCESO LEGISLATIVO PARA LA CREACIÓN DE LA LEY SANSÃO (LEY N° 14.064 DE 2020)
Revista Opinião Jurídica, vol. 22, núm. 39, pp. 87-116, 2024
Centro Universitário Christus

Artigo


Recepción: 26 Marzo 2023

Aprobación: 04 Septiembre 2023

DOI: https://doi.org/10.12662/2447-6641oj.v22i39.p87-116.2024

RESUMO

Contextualização: Em 2019, foi apresentado na Câmara o Projeto de Lei nº 1.095 que objetivava tornar mais severa a legislação relativa aos maus-tratos dos animais como um todo. Após modificações, o Projeto foi sancionado como a Lei nº 14.064 de 2020, que alterou a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605 de 1998) criando o §1º- A do artigo 32, no intuito de promover um aumento de pena para a prática do crime de maus-tratos a animais, restringindo seu alcance, entretanto, a cães e a gatos, apenas.

Objetivo: O trabalho visa a compreender as motivações pelas quais a Lei nº 14.064 de 2020 restringiu o aumento da pena do crime de maus-tratos a animais apenas a cães e a gatos.

Método: Neste trabalho, foi utilizado o método indutivo, realizado por meio de revisão bibliográfica e análise empírica documental, a partir de uma abordagem qualitativa. Especificamente, procedeu-se à análise do processo legislativo percorrido pelo Projeto de Lei nº 1.095 de 2019, que deu origem à Lei nº 14.064/2020, e, além da leitura e da análise de bibliografia sobre o Direito Animal e os documentos oficiais que compõem o processo legislativo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, foram analisados os conteúdos das reuniões e das audiências públicas realizadas durante o trâmite.

Conclusão: Foi possível concluir que o aumento de pena no crime de maus-tratos foi restrito a cães e a gatos em virtude de uma epistemologia especista, embasada em uma visão de mundo antropocêntrica, que permeia o discurso do legislativo brasileiro.

Palavras-chave: Direito animal, epistemologia, antropocentrismo, especismo, processo legislativo.

ABSTRACT

Contextualization: In 2019, Bill No. 1,095 was presented in the Chamber, which aimed to make the legislation regarding the mistreatment of animals more severe as a whole. After modifications, the Project was sanctioned as Law nº 14.064 of 2020, which amended the Environmental Crimes Law (Law nº 9.605 of 1998) creating §1º-A of article 32, in order to promote an increase in the penalty for of the crime of mistreatment of animals, restricting its scope, however, to dogs and cats only.

Objective: The work aims to understand the reasons why Law nº 14.064 of 2020 restricted the increase in the penalty for the crime of mistreatment of animals only to dogs and cats.

Method: In this work, the inductive method was used, carried out through a bibliographic review and empirical document analysis, based on a qualitative approach. Specifically, an analysis was made of the legislative process covered by Bill nº 1.095 of 2019, which gave rise to Law nº 14.064/2020 and, in addition to reading and analyzing the bibliography on Animal Law and official documents that make up the legislative process in the Chamber of Deputies and in the Federal Senate, the contents of the meetings and public hearings held during the procedure were analysed.

Conclusion: It was possible to conclude that the increase in the penalty for the crime of mistreatment was restricted to dogs and cats due to a speciesist epistemology, based on an anthropocentric worldview, which permeates the discourse of the Brazilian legislature.

Keywords: Animal law, epistemology, anthropocentrism, speciesism, legislative process.

RESUMEN

Contextualización: En 2019 se presentó en la Cámara el Proyecto de Ley N° 1.095, que pretendía endurecer en su conjunto la legislación en materia de maltrato animal. Luego de modificaciones, el Proyecto fue sancionado como Ley nº 14.064 de 2020, que modificó la Ley de Delitos Ambientales (Ley nº 9.605 de 1998) creando el §1º-A del artículo 32, con el fin de promover el aumento de la pena por el delito de maltrato a los animales, restringiendo su alcance, sin embargo, únicamente a perros y gatos.

Objetivo: El trabajo tiene como objetivo comprender las razones por las cuales la Ley nº 14.064 de 2020 restringió el aumento de la pena por el delito de maltrato de animales solo a perros y gatos.

Método: En este trabajo se utilizó el método inductivo, llevado a cabo através de una revisión bibliográfica y análisis documental empírico. Específicamente, se hizo un análisis del proceso legislativo amparado por el Proyecto de Ley nº 1.095 de 2019, que dio origen a la Ley nº 14.064/2020 y, además de leer y analizar la bibliografía sobre Derecho Animal y los documentos oficiales que componen el proceso legislativo en compõem la Cámara de Diputados y en el Senado Federal, se analizó el contenido de las reuniones y audiencias públicas realizadas durante el procedimiento.

Conclusión: fue posible concluir que el aumento de la pena por el delito de maltrato se restringió a perros y gatos debido a una epistemología especista, basada en una cosmovisión antropocéntrica, que impregna el discurso del legislador brasileño.

Palabras clave: Derecho animal, epistemología, antropocentrismo, especismo, proceso legislativo.

1 INTRODUÇÃO

A Lei nº 14.064, sancionada em 29 de setembro de 2020, alterou a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605 de 1998) para criar o §1º-A do artigo 32, promovendo um aumento de pena para a prática do crime de maus-tratos a animais, nos casos em que for praticado contra cães ou gatos. Em sua origem como Projeto de Lei nº 1.095/2019, no entanto, o texto não especificava quais animais seriam protegidos pelo aumento de pena, em divergência à versão final promulgada, cujo foco específico recai apenas sobre cães e gatos.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo compreender quais as motivações que levaram o Legislativo a limitar a aplicação do aumento de pena. Nossa hipótese inicial é a de que existe no Legislativo e no Direito brasileiro uma base epistemológica de cunho especista e antropocêntrica que visa à proteção animal apenas à medida que que esses animais sejam úteis para as aspirações humanas. Para investigar essa hipótese, inicialmente foi necessário recorrer à literatura para compreender os conceitos de especismo e antropocentrismo.

Na sequência, foi preciso analisar todo o processo legislativo percorrido pelo Projeto de Lei nº 1.095 de 2019, que deu origem à Lei nº 14.064 de 2020, verificando os debates travados em torno do dispositivo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Para a discussão do projeto de lei na Câmara, foi criada uma Comissão Especial que promoveu reuniões e audiências públicas, nas quais foram ouvidos parlamentares, representantes de entidades que trabalham com a proteção animal, especialistas e estudiosos da área do Direito Animal. As audiências, as reuniões e os arranjos políticos tiveram grande importância na construção do texto final do projeto de lei que veio a ser aprovado.

Além da leitura e da análise dos documentos oficiais que compõem o processo legislativo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, foram investigados também o conteúdo das reuniões e das audiências públicas por meio das gravações disponibilizadas no site da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como no canal da Câmara dos Deputados no YouTube.

Por fim, apresentaremos nossas conclusões, que apontam a existência de uma epistemologia especista, embasada em uma visão de mundo antropocêntrica, no discurso do Legislativo brasileiro.

2 ANTROPOCENTRISMO E ESPECISMO: A HIERARQUIZAÇÃO DE EXISTÊNCIAS

De acordo com Sousa (2019), o antropocentrismo baseia-se na ideia de que o ser humano ocupa uma posição central no Universo, ao redor do qual gravitam, em papel secundário, os demais seres. Assim, o ser humano é colocado em uma posição de superioridade. Essa superioridade foi construída se utilizando como critério a razão, considerado o grande atributo do ser humano. Dessa forma, entendendo que somente o ser humano havia sido agraciado com a racionalidade, os demais seres estariam na Terra para servi-lo. Um dos principais expoentes de tal pensamento foi Aristóteles. Grande entusiasta da ideia de superioridade do homem1 em virtude da sua racionalidade, sobre os animais ele afirma:

[...] as plantas existem em razão das necessidades dos animais, e estes para as necessidades dos homens. Os animais que são suscetíveis de serem domesticados são destinados ao trabalho e à alimentação; e quanto aos animais selvagens, pelo menos em sua maioria, servem tanto para a alimentação como para o vestuário ou confecção de utensílios e outros instrumentos. Se a natureza nada faz em vão ou sem finalidade, necessariamente se conclui que fez tudo tendo em vista a espécie humana (Aristóteles, 2001, p. 66-67).

Com base no entendimento de que a natureza tudo fez, tendo em vista a espécie humana, a visão antropocêntrica não reconhece valor intrínseco na natureza ou nos animais, apenas o valor quanto à sua utilidade e aos benefícios aos seres humanos.

Para mais, as ideias de dominação e instrumentalização dos animais foram levadas ao extremo em meados dos séculos XVI e XVII, por René Descartes, que, segundo Singer (2020), foi responsável por unir a ideia cristã de que os seres humanos, e apenas estes, possuem alma ou espírito, à concepção de que toda matéria, incluindo-se a natureza e os seres, é regida por princípios mecanicistas.

Como explica Gordilho (2016), segundo a filosofia cartesiana, os animais seriam destituídos de consciência e, portanto, de alma imortal. Descartes pressupunha que, ainda que os animais fossem dotados de alguns sentidos, como visão, audição e tato, seriam incapazes de sentir dor, de pensar ou de terem consciência de si.

No campo filosófico da ética, Kant desenvolveu as ideias de igualdade e dignidade, tendo a razão como elemento principal. A partir da concepção de que toda pessoa possui valor intrínseco e deve ser sempre considerada como um fim em si mesmo, Kant compreendia a vida humana como inviolável, devendo ser considerada um direito fundamental por excelência (Gordilho, 2016).

Apoiado no conceito de racionalidade, portanto, Kant acabou por manter os animais excluídos da esfera de consideração moral, concluindo pela inexistência de qualquer dever direto dos seres humanos para com os animais (Gordilho, 2016).

Singer (2020), por sua vez, aponta que, em resposta a Kant, Jeremy Bentham propôs que os critérios para considerar interesses como moralmente relevantes não deveriam pautar-se na racionalidade, e sim na capacidade de sofrer. Jeremy Bentham (apudSinger, 2020, p. 12) escreveu:

Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é razão para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que um dia que se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha instransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos de que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é “Eles podem raciocinar?”, nem “São capazes de falar?”, mas, sim: “Eles são capazes de sofrer?”.

Singer (2020) explica que Bentham defendia ser a capacidade de sofrer e de sentir prazer, e não a razão ou a linguagem, o pré-requisito para que um ser tenha algum interesse. Nesse sentido, Singer (2018, p. 88) afirma que a senciência é o “único limite defensável da preocupação com os interesses alheios. Demarcar esse limite com uma característica como a inteligência ou a racionalidade equivaleria a demarcá-lo de modo arbitrário”. Assim, seguindo o princípio da igual consideração de interesses, ao adotar a senciência como condição para que um ser possua interesse, não é moralmente possível ignorar os interesses dos animais, na medida em que são também sencientes.

Diante disso, Singer (2018) defende a ampliação do princípio da igual consideração de interesses às outras espécies de animais, que não humanos. O autor ainda afirma que a convicção de que os interesses e as questões humanas devem sempre prevalecer e preceder às questões dos animais representa um preconceito popular infundado acerca da possibilidade de se encarar com seriedade os interesses dos animais.

Dessa forma, desconsiderar o interesse de um animal senciente apenas por este ser membro de outra espécie, não apenas viola o princípio da igualdade, mas acaba por caracterizar o que Singer (2018) entende ser uma expressão do especismo.

Especismo é um termo cunhado pelo professor de psicologia da Universidade de Oxford, Richard Ryder, na década de 1970, apresentado pela primeira vez em panfletos que tinham por objetivo denunciar o tratamento dispensado aos animais, em especial àqueles destinados à realização de experimentos científicos.

O termo foi criado no intuito de fazer um paralelo com os termos “racismo” e “sexismo”, buscando representar a discriminação direcionada aos animais em razão da espécie. Em um trecho do panfleto, Ryder (2021, p. 7-8) escreve:

Se assumirmos que o sofrimento é uma função do sistema nervoso, então é ilógico argumentar que outros animais não sofrem de maneira semelhante a nós - é precisamente porque alguns outros animais têm sistemas nervosos tão parecidos com o nosso que eles são tão extensivamente estudados [...]. Se nós acreditamos que é errado causar sofrimento em animais humanos inocentes, então é lógico, falando filogenicamente, estender, igualmente, nossa preocupação com direitos elementares em favor dos animais não humanos.

O especismo, portanto, reflete o tratamento discriminatório dispensado aos animais simplesmente por pertencerem a espécies diferentes do ser humano. Ao mesmo tempo em que os animais são usados como cobaias por terem características semelhantes aos animais humanos, como a existência de um sistema nervoso do qual deriva a capacidade de sofrer, são também considerados diferentes o suficiente para terem seus interesses básicos, como o de não serem submetidos a sofrimento, ignorados, somente por pertencerem a uma espécie diferente.

Sobre o tema, Gordilho (2016, p. 184) explica que o especismo se apresenta como um “comportamento parcial que favorece os interesses dos membros de uma ou algumas espécies em detrimento das demais”. A partir desse conceito, Gordilho (2016) identifica duas formas de especismo: 1) aquele em que o preconceito é destinado a todas as espécies não humanas de animais; e 2) aquele em que o preconceito é direcionado apenas a algumas espécies, o que o autor denomina especismo seletista.

Nas palavras de Gordilho (2016, p. 184), o especismo seletista se revela quando “ao mesmo tempo em que as pessoas consideram determinados animais domésticos membros da família, elas não têm qualquer constrangimento em utilizar produtos obtidos com a dor, o sofrimento e a morte de animais como bois, galinhas, carneiros ou porcos”.

Felipe (2014, p. 33-34) trabalha de forma parecida essa concepção, chamando-a de especismo eletivo:

Elegemos alguns animais para estima e os protegemos das agressões e da morte. Ao mesmo tempo, financiamos com nosso consumo as agressões e a morte de animais de outras espécies não eleitas para estima, companhia, guarda ou para alvo de nossas campanhas de não extinção. Menosprezamos o valor dessas vidas e os classificamos para baixo na hierarquia fictícia que inventamos para nos assegurar um lugar privilegiado no reino natural [...]. Ao procedermos desse modo, seguimos propósitos e interesses que nada têm a ver com os propósitos e interesses dos animais discriminados para menos. Podemos proteger cães e gatos, cavalos e baleias, e ao mesmo tempo passar a faca em porcos e galinhas, ingerir laticínios e ovos, sem a menor consideração pelas agressões sofridas por esses animais no manejo e no abate. Isso é especismo eletivo.

Horta (2020, p. 166), por sua vez, define o especismo como sendo “a consideração ou tratamento desfavorável injustificado daqueles que não pertencem a uma determinada espécie”. De acordo com o autor, tanto o especismo quanto o antropocentrismo não implicam necessariamente atitudes de ódio aos animais, mas sim em uma visão de mundo na qual as necessidades são colocadas em primeiro plano, não sendo valorados os interesses dos animais em não serem prejudicados.

São diversos os autores e pesquisadores que se debruçaram sobre a tarefa de expor de forma minuciosa as formas de exploração animal que expressam as práticas especistas da sociedade contemporânea. Peter Singer, Gary Francione, Tom Regan, entre outros, descreveram toda a crueldade envolvida, em especial, na criação industrial de animais para fins alimentícios e vestuários, na criação e na utilização de animais em experimentos, esportes e manifestações culturais, por exemplo, como rodeio, vaquejada, farra do boi, rinhas de galo, corrida de cavalos e cães, bem como na indústria de criação de animais de estimação, além de outras formas de exploração.

Compreendidos os conceitos de antropocentrismo e de especismo, passamos à análise do Processo Legislativo da Lei nº 14.064/2020, no intuito de verificar a incidência de discursos especistas que justifiquem a promulgação desta lei.

3 O PROCESSO LEGISLATIVO DO PROJETO DE LEI Nº 1.095 DE 2019

Neste tópico, apresentaremos nossas análises sobre todo o Processo Legislativo do Projeto de Lei nº 1.095/2019, de sua tramitação na Câmara dos Deputados à Sanção Presidencial.

3.1 TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

O Projeto de Lei nº 1.095, de 2019, que deu origem à Lei nº 14.064 de 2020 (Lei Sansão), de autoria do Deputado Federal Fred Costa (PATRI-MG2), foi apresentado ao plenário da Câmara dos Deputados em 25 de fevereiro de 2019 e tramitou sob o regime ordinário, conforme artigo 151, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. O projeto inicial tinha por objetivo aumentar a pena do crime previsto no caput do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, o qual criminaliza as condutas de “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (Brasil, 2019). Atualmente, o dispositivo legal institui pena de detenção, de três meses a um ano, e multa para quem incidir na prática do tipo penal. A redação apresentada pelo projeto elevava a pena para reclusão, de um a quatro anos, e multa.

A proposta tinha o objetivo claro de aumentar o rigor legal para a prática de maus-tratos, alterando a pena de detenção para a pena de reclusão. Essa alteração, como explica o Deputado Federal Fred Costa (PATRI-MG) na justificação3 do projeto, seria necessária porque a pena de detenção é aplicada a condenações mais brandas, não admitindo o início do cumprimento da pena em regime fechado e sendo cumprida em regime semiaberto ou aberto, conforme previsão do artigo 33 do Código Penal. A pena de reclusão, por sua vez, é destinada a condenações mais severas e admite o regime inicial fechado, podendo ser cumprido em regime fechado, semiaberto ou aberto (Art. 33 do Código Penal).

Em sua justificação, o autor do projeto, Deputado Fred Costa (PATRI-MG), relata que uma das motivações foi a grande repercussão de um caso que ocorreu em 28 de novembro de 2018, em que um cachorro chamado “Manchinha” foi morto ao ser envenenado e espancado dentro de uma unidade do Supermercado Carrefour por um funcionário, em Osasco, no Estado de São Paulo4. Em vista disso, o referido Deputado chamou a atenção para a recorrência de casos como esse no país. Afirmou ainda que “não raro, a utilização desses animais possui características de crueldade, exigindo grande esforço físico, que os leva à exposição de doenças, lesões e diminuição da qualidade de vida” (Brasil, 2019, p. 2).

Desse trecho, é possível inferir que a intenção original do projeto de lei era abranger todos os animais descritos no caput do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais, ou seja, animais silvestres, domésticos, domesticados, nativos e exóticos, visto que não há delimitação expressa na justificação. Essa ideia é corroborada pelos debates ocorridos durante o trâmite legislativo, como será demonstrado.

Assim, no intuito de aprofundar a discussão da temática, foi instituída em 28 de maio de 2019, no âmbito da Câmara dos Deputados, uma Comissão Especial5 destinada a realizar exame de admissibilidade e do mérito da proposição e proferir parecer sobre o projeto de lei. Os deputados federais que compuseram a comissão foram indicados pelas lideranças dos partidos políticos naquela Casa Legislativa6.

É possível afirmar que a criação dessa Comissão Especial foi uma estratégia para retirar a discussão do projeto do âmbito do plenário da Câmara dos Deputados, pois, como será demonstrado pela fala dos deputados a seguir, há, naquela Casa, grande oposição a projetos que tratam sobre defesa e direitos dos animais.

Com isso em vista, a Comissão Especial foi formada por deputados que possuíam alguma afinidade ou condescendência com a temática. Dessa forma, a discussão se manteria apenas entre aqueles que já estavam inclinados a votarem a favor do projeto, focando apenas no seu aprimoramento ou na adequação a um texto possível de ser aprovado. Restaria ao plenário, portanto, apenas a aprovação ou rejeição do projeto, sem grandes espaços para debate.

A Comissão Especial, por requerimento dos parlamentares Fred Costa (PATRI-MG), Célio Studart (PV-CE), Celso Sabino (PSDB-PA) e Enéias Reis (PSL-MG), promoveu a realização de três audiências públicas, que aconteceram na Câmara dos Deputados nos dias 24 de setembro, 19 e 26 de novembro de 2019, e um seminário que ocorreu na cidade de Belém-PA, em 11 de outubro de 2019.

Os eventos tiveram o intuito de ouvir representantes de entidades de defesa e proteção animal, ativistas pela causa animal, deputados estaduais e vereadores, jornalistas, pesquisadores e estudiosos da área do Direito Animal, bem como outros palestrantes, a fim de expandir e aprofundar o debate das propostas do Projeto de Lei nº 1.095, de 2019.

A questão crucial exposta em um dos eventos refere-se ao fato de que os parlamentares que defendem os animais no Congresso Nacional são minoria. Durante a audiência pública de 26 de novembro de 20197, o Deputado Federal Celso Sabino (PSDB-PA), relator do projeto, manifestou-se da seguinte forma:

É fato que entre 513 deputados e mais 81 senadores nós somos minoria e aqueles que defendem pseudo esportes que nós abominamos, vaquejada, rodeios e congêneres, são maioria. É importante, então, que nós sejamos bastante estratégicos para saber até quando nós conseguimos e podemos avançar para poder ser votado e aprovado. Não adianta termos o texto perfeito se este for derrotado. Às vezes é melhor você ter o possível e ter avanço do que ter o perfeito e não conseguir aprovar8.

O fato de parlamentares que simpatizam com a causa animal serem minoria no Congresso Nacional era um problema que precisava encontrar uma solução, a fim de viabilizar a aprovação do projeto de lei. Para isso, a adoção de estratégias se mostrava necessária.

Nesse sentido, o palestrante Reynaldo Velloso, Presidente da Comissão Nacional de Proteção e Defesa dos Animais da OAB, sugere que, para se chegar à aprovação, algumas espécies de animais deveriam ser excluídas da proteção pretendida pelo projeto de lei. No mesmo sentido, manifestou-se o Deputado Federal Carlos Gomes (REPUBLICANOS-RS), durante a audiência 19 de novembro de 20199:

Dependendo da lei, se você abarcar tudo que é animal, tem um grau de dificuldade de tramitar nesta Casa. Se você coloca animais domésticos e domesticados, e aí eu acho que também precisamos definir o que são animais domesticados, domésticos já é claro, é o cão, o gato, são aqueles, e aqueles domesticados, também pode abranger os silvestres e os exóticos, aqueles que cada vez mais estão presentes na vida das pessoas, como hamster e tantos outros exóticos que não são da nossa fauna e que tem a convivência cada vez mais presentes nos pet shops e etc [...]. Eu penso que nós temos tarefas a cumprir e um passo de cada vez, avançando e sempre10.

O Deputado Carlos Gomes (REPUBLICANOS-RS), como se vê, posicionou-se no sentido de restringir os animais abarcados pelo projeto de lei, tendo como critério a relação desses animais com os seres humanos, visto que cita os animais domésticos e domesticados, inclusive os animais exóticos que são vendidos em pet shop para servirem como animais de estimação. Eis uma manifestação de base especista e antropocêntrica, visto que utiliza como critério apenas as espécies de animais que possuem relação com os seres humanos (ou, “aqueles mais presentes na vida das pessoas”, como indica a citação).

A palestrante Carolina Mourão, por sua vez, argumentou também sobre a não inclusão de alguns animais no projeto de lei, durante a audiência pública realizada no dia 19 de novembro de 2019:

A gente sabe que ainda não é o momento de ampliar uma agenda para outros animais de uma cadeia produtiva, que o Brasil ainda não está criando soluções para fazer uma transição econômica, mas a gente pode perfeitamente tratar imediatamente do assunto urbano desses animais [...]. É multidisciplinar a tarefa, e eu convido todos os parlamentares a entrar no fluxo dessa agenda positiva, massiva, que é a defesa dos animais urbanos em especial nesse momento do Brasil, é possível sim, a gente não precisa abarcar todos os animais nesse momento, mas a gente tá atrasadíssimo na agenda urbana11.

Verifica-se da fala da palestrante Carolina Mourão a intenção de o projeto de lei ter como foco o problema urbano dos maus-tratos. A palestrante reforçou em seus discursos no decorrer das reuniões e das audiências públicas a necessidade de se enxergar os maus-tratos para além somente da piedade aos animais, em especial cães, gatos e animais engaiolados nas cidades, e percebê-los como um problema maior que envolve saúde e segurança pública e que causa prejuízo ao Poder Público - novamente argumentos especistas e antropocêntricos, visto que a finalidade é proteger a saúde e a segurança pública dos seres humanos, garantindo maior proteção às espécies que se relacionam com a humanidade.

Na audiência pública do dia 26 de novembro de 201912, o Deputado Fred Costa (PATRI-MG) disse:

Se depender de mim nós vamos aprovar na integralidade. Agora, se precisar conversar e dialogar para ter os votos, que nós tenhamos consciência disso. E aí não adianta nós que somos da mesma causa vir com vilipêndio. Nós temos que estar é no mesmo barco, trabalhando no mesmo sentido13.

Ciente, portanto, das diversas dificuldades e dos obstáculos que o projeto de lei já enfrentava e viria a enfrentar em votação no plenário, o Deputado Fred Costa (PATRI-MG) demonstrou-se aberto a negociações para chegar a um texto que fosse passível de aprovação no plenário da Câmara dos Deputados.

Nesse sentido, foram apresentados dois pareceres finais pelo relator, com duas propostas diferentes, tendo sido o segundo parecer o aprovado pela Comissão Especial, bem como levado ao plenário da Câmara e lá aprovado.

Em 11 de dezembro de 2019, o relator do projeto de lei, Celso Sabino (PSDB-PA), apresentou o seu primeiro parecer14, após reunir as demandas e as opiniões dos palestrantes durante as reuniões e as audiências públicas promovidas pela Comissão Especial. O parecer tinha por objetivo avaliar a admissibilidade do projeto de lei no tocante a aspectos de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, bem como o mérito da proposta.

Antes de adentrar ao mérito do projeto de lei, o relator faz algumas colocações sobre a evolução da legislação no tocante à fauna que merecem destaque. Embasando-se na doutrina do penalista Luiz Regis Prado, o relator afirma que a Constituição Federal promulgada em 1988 foi um marco divisor em relação à matéria. Para além, o relator traz como imperiosa a consignação de que a Constituição Federal preconizou, em seu artigo 225, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Brasil, 1988).

Dessa maneira, de acordo com o relator, a intenção do legislador na elaboração desse dispositivo foi de proteção do meio ambiente, pensando na sadia qualidade de vida dos seres humanos. Em suas palavras trazidas no relatório, “a visão do legislador é nitidamente antropocêntrica, ou seja, o foco está no ser humano, e não no meio ambiente”.

Tendo isso em vista, predomina a compreensão de que, ao tratar de forma conjunta sobre meio ambiente e fauna, a Constituição Federal preconizou o entendimento de que a fauna é parte integrante do meio ambiente e que sua proteção é um direito difuso que tem como objetivo final a qualidade de vida dos seres humanos: o que, como reconhecido pelo próprio relator, denota uma visão antropocêntrica da proteção jurídica dos animais.

No entanto, aponta o relator, a Constituição Federal, no seu artigo 225, §1º, inciso VII, trouxe a vedação de práticas que submetam os animais à crueldade. Dentre os crimes instituídos pela Lei de Crimes Ambientais que derivam dessa vedação, está o crime de maus-tratos, previsto no caput do artigo 32, que é considerado um marco de avanço no Direito Animal15.

A partir dessa base, o primeiro parecer apresentado pelo relator buscou de fato abranger ao máximo as demandas e as considerações trazidas pelos palestrantes. O texto apresentado propôs a criação de diversos novos dispositivos que trariam alterações não somente à Lei de Crimes Ambientais, mas também ao Código Penal e ao Código de Processo Penal.

Inicialmente, tem-se o aumento da pena para os crimes previstos no caput dos artigos 29 e 32 da Lei de Crimes Ambientais, instituída em dois a cinco anos e multa. No caso do artigo 32, foi acrescida à pena a proibição de guarda de animal. Na sequência, o parecer traz algumas modificações e inovações nos §§1º e 2º e cria o §3º, todos do artigo 32, os quais merecem ser citados:

Art. 32. [...]

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem:

I - realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos;

II - submete animal a treinamentos, eventos, ações publicitárias, filmagens ou exposições que causem dor, sofrimento ou dano;

III - força animal a realizar movimentos contrários à sua natureza ou além da sua capacidade física;

IV - transporta animal em veículo ou em condições inadequadas, ou que coloquem em risco sua saúde ou integridade física ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

V - mantém animal em condições inadequadas, ou que coloquem em risco sua saúde ou integridade física;

VI - deixa de prover água, alimentação e os cuidados necessários à saúde do animal, inclusive assistência veterinária, quando necessária.

§ 2º A pena é aumentada de:

I - um sexto a um terço, se ocorre lesão grave ou gravíssima no animal;

II - metade, se ocorre morte do animal.

§ 3º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos (Brasil, 2019).

Da leitura dos dispositivos, verifica-se a criação dos incisos II a VI do §1º. De acordo com o relator, essas condutas foram incorporadas com inspiração no Decreto nº 24.645 de 193416, que estabelece medidas de proteção animal e traz no artigo 3º um rol exemplificativo de trinta e um incisos com descrição das condutas consideradas como maus-tratos.

Na sequência, a proposta inova ao trazer no §2º, inciso I, a causa de aumento de pena de um sexto a um terço quando resultar lesão grave ou gravíssima ao animal, e, no inciso II, eleva para metade o aumento da pena nos casos em que resultar na morte do animal. O aumento da pena nos casos em que a conduta resulta em lesão grave ou gravíssima foi uma sugestão trazida por alguns palestrantes nas audiências públicas, fazendo um paralelo com o delito de lesão corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal.

O §3º foi criado também em atendimento a pedidos de palestrantes que atuam na causa animal, resgatando e representando animais vítimas de maus-tratos, e instituiria a modalidade culposa do crime de maus-tratos. Dessa maneira, seria possível a penalização daquele que dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. A partir de então, o texto substitutivo criava artigos que derivam do crime de maus-tratos, tratando de temas, como a criminalização do abandono; o confronto de animais; a zoofilia; a criação e comercialização ilegal de animais; a omissão de socorro a animais, entre outros.

O texto ainda propõe que aqueles acusados pela prática dos crimes de maus-tratos e seus relacionados sejam submetidos a exame de perfil psicológico. Para isso, o texto substitutivo criava o artigo 28-A da Lei de Crimes Ambientais, e o Capítulo IX do Título VI do Livro I do Código de Processo Penal, que disciplinaria o perfil psicológico dos acusados destes crimes.

O parecer finaliza com o seguinte trecho:

[...] a aprovação das medidas em análise não será a solução para os maus-tratos, mas, com certeza, inibirá muito a conduta dos irresponsáveis, covardes, bandidos que cometem violência contra criaturas indefesas, que não conseguem externar seu sofrimento de forma efetiva. Constitui, portanto, passo importantíssimo para que seja diminuído, de forma exponencial, o cometimento do citado delito (Brasil, 2019).

É possível inferir que o texto substitutivo deste primeiro parecer conseguiu manter o crime de maus-tratos como tipo penal aberto e, ao mesmo tempo, estabelecer de forma expressa algumas condutas caracterizadoras nos incisos do §1º do artigo 32, bem como tipificou os crimes de abandono e zoofilia, por exemplo. Com isso, se restringiria a margem de interpretação e discricionariedade da autoridade policial no momento de registrar a ocorrência.

Do exposto, verifica-se que este primeiro parecer buscou atender de forma exaustiva às demandas e às sugestões dos palestrantes externadas durante as reuniões e as audiências públicas promovidas pela Comissão Especial, instituída no âmbito da Câmara dos Deputados.

Apesar disso, na data de 16 de dezembro de 2019, foi apresentado pelo relator um novo e diferente parecer17. Ao contrário do anterior, o segundo parecer trouxe um texto bastante enxuto, limitando-se à criação de um novo parágrafo ao texto original do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais: “§ 2º Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda” (Brasil, 1998). Sobre as justificativas para a criação de novo parecer, escreve o relator:

Após análise de sugestões apresentadas por nobres pares desta Casa, realizamos alterações no texto original para adequar a Proposição à pluralidade de ideias abarcadas em um parlamento tipicamente democrático, como o brasileiro. Assim, por meio do consenso, buscamos garantir a transformação desta proposição legislativa em lei ordinária, de forma que o avanço na legislação de crimes contra os animais ocorra, neste momento, para proteger, especificamente, os animais que mais comumente são adotados como de estimação e estabelecem relação de intimidade com os seres humanos, ou seja, os cães e gatos.

A despeito das outras informações trazidas pelo parecer, esse trecho tem importância fundamental para que seja possível responder ao problema central desta pesquisa, a qual busca compreender quais as motivações que levaram a escolha apenas de cães e gatos para serem protegidos pela nova norma.

Inicialmente, cabe destacar que não há registro de quaisquer reuniões ou negociações que documentem o caminho percorrido para que se chegasse a esse texto substitutivo. No trecho citado acima, o relator afirma que as alterações foram realizadas com a finalidade de adequar a proposição à pluralidade de ideias existentes em um parlamento tipicamente democrático como o do Brasil.

Com isso em vista, é possível inferir que, frente à dificuldade em se aprovar um texto amplo como o proposto pelo parecer anterior, foram realizadas negociações externas com parlamentares e lideranças a fim de chegar a um texto possível de ser aprovado em plenário. Para isso, o relator declara que, por meio do consenso, decidiu-se por avançar a legislação no sentido de proteger, neste momento, cães e gatos.

Como justificativa, o relator afirma que essas duas espécies, cães e gatos, são os animais que mais comumente são adotados como de estimação e estabelecem relação de intimidade com os seres humanos - novamente um viés antropocêntrico e especista, pois tem por foco as espécies animais que mais comumente são objeto de estima e afeto pelos seres humanos.

Ademais, o texto inovou em relação à pena atribuída às práticas do caput, ao prever a perda da guarda do animal, impedindo que este seja devolvido àquele que o maltratou. Na prática, a responsabilidade pelo animal acaba sendo transferida às entidades não governamentais que realizam o trabalho de acolhimento e atendimento veterinário, sem ajuda financeira ou ressarcimento pelo atendimento prestado.

Para mais, da mesma forma que o projeto de lei foi apresentado, tendo por motivação um caso de maus-tratos que causou grande comoção social, foi feito um pedido de urgência para a apreciação do texto que também trouxe como justificativa um caso grave de maus-tratos que teve grande repercussão. O parecer traz o seguinte trecho:

[...] a fim de demonstrar a urgência da matéria, a ocorrência de um gravíssimo episódio envolvendo maus-tratos aos animais, publicado em matéria jornalística em veículo da imprensa no dia 15.12.2019. Conforme noticiado, a Polícia Civil do Paraná resgatou 19 cães da raça pitbull de uma rinha no estado de São Paulo na noite deste último sábado (dia 14.12). Eles estavam muito machucados. Outros foram encontrados mortos. Além disso, era servido churrasco de carne de cachorro aos participantes da rinha. De acordo com a Polícia Civil, foram detidas 40 pessoas, que devem responder por associação criminosa, maus-tratos contra os animais e jogo de azar. Pela legislação atual, no que tange ao crime de maus-tratos aos animais, os autores desses bárbaros atos incorrerão nas penas de detenção, de três meses a um ano, e multa. Frise-se que as penas cominadas à contravenção de exploração de jogo de azar é exatamente a mesma estabelecida ao crime de maus-tratos aos animais: prisão, de três meses a um ano, e multa, o que demonstra claramente a desproporcionalidade do tratamento concedido pelo nosso ordenamento jurídico a condutas tão díspares em termos de gravidade. Assim, revela-se inadiável a necessidade de alteração dessa norma, a fim de inibir comportamentos tão cruéis como os acima relatados.

Dessa forma, com o novo texto substitutivo e a justificação para a urgência de apreciação, o novo parecer foi submetido à votação na Comissão Especial, durante a reunião realizada no dia 16 de dezembro de 201918. Após a leitura do parecer, abriu-se a discussão acerca da proposta. Inicialmente, apresentamos um trecho da fala do deputado Elias Vaz (PSB-GO):

Sei que tanto o relator quanto o autor gostariam de um projeto mais amplo,mas a atividade política é isso, às vezes você tem que fazer concessão para ter a vitória, senão você não produz a vitória. Eu sou daqueles que preferia o relatório inicial, mas a gente sabe das dificuldades que teria para passar nessa Casa. A gente até precisa fazer uma reflexão, isso não implica que a nossa luta não continue, inclusive para ampliar, não só para cães e gatos, mas para outros animais também que possam ser protegidos por essa lei. O fato é o seguinte, é que de agora em diante, nós aprovando esse projeto aqui e a casa referendando, nós daremos uma resposta para o povo brasileiro, e que as pessoas saibam que de agora em diante quem maltratar animais vai pra cadeia. Isso que é importante, que é o lugar merecido, porque existe um sentimento de que quem maltrata animais, maltrata crianças, maltrata idosos, maltrata indefesos, é a verdade, o perfil das pessoas que maltratam animais (Trecho da gravação da reunião citada, a partir de 20min47s, grifo nosso).

No mesmo sentido, manifestou-se na sequência o deputado Gervásio Maia (PSB-PB):

O nosso sentimento de revolta e indignação, ele se mantém. Primeiro porque, cá pra nós, demorou demais, os congressistas pecaram muito. Essa lei, ela já deveria existir há muito tempo no Brasil. Eu lamento, sabe Presidente, a limitação de uma lei que vai valer apenas para os maus-tratos que forem feitos com relação apenas a cães e gatos. Eu assisti um vídeo hoje, de um gado sendo exportado do Brasil, não lembro bem para qual país, e eu confesso a Vossa Excelência que eu não tive condição de assistir o vídeo todo, dado os requintes de crueldade que os animais estavam sendo submetidos no embarque, durante e também no desembarque. Eu sei que a força dos que estão no andar de cima, Presidente, é muito grande, sobretudo perante o Congresso Nacional. Eu sei que se nós não tivéssemos avançado com as limitações que foram colocadas, essa matéria sequer iria seguir adiante. Foi um avanço, mas a luta começa a partir de agora. Nós temos que avançar com os cães e gatos, como estamos avançando nesse momento, mas essa luta, ela deve continuar, Deputado Fred, Deputado Celso, Deputado Elias, porque eu tenho certeza que a atual legislatura ela não pode terminar sem que nós tenhamos a proteção através de uma pena rígida de prisão àqueles que maltratarem os animais, sejam eles quais forem, em qualquer canto do nosso país. Eu registro que eu gostaria de fazer, mas já parabenizando a nossa comissão pelos avanços significativos, muito importantes, muito importantes mesmo (Trecho da gravação da reunião citada a partir de 23min05s, grifo nosso).

O Deputado Gervásio Maia traz pontos bastante interessantes em seu discurso. Da mesma forma que o Deputado Elias Vaz, Maia reconhece que a pressão daqueles que “estão no andar de cima” é muito grande e não concordariam com o texto original. Em razão disso, foram necessárias concessões, além da construção de um texto com limitações.

Na sequência, falou o Deputado Fred Costa (PATRI-MG), autor do projeto:

Eu e todos vocês aqui presentes, todos que tem compromisso com a defesa e proteção dos animais ou até mesmo simpatia pela causa, gostaríamos de ter contemplado na integralidade todos os animais. Todavia, essa é uma Casa da busca do consenso, da busca da maioria para poder aprovar. É um clamor de décadas a aprovação desse projeto. E aí eu quero parabenizar Vossa Excelência, Deputado Celso Sabino, pela coragem de ter, através do diálogo, buscado o acordo no texto daquilo que, se não é aquilo que eu, o senhor e todos gostaríamos, é o possível, e o possível representará um significativo avanço na legislação, mesmo se limitando a cães e gatos [...]. Que fique claro que o que nós estamos fazendo, o coletivo dos 513 deputados, é sim um avanço. E aí lanço a pergunta: é melhor fazer para gato e cachorro ou não fazer pra nenhum? Eu particularmente prefiro fazer avançar para gato e cachorro do que deixar gato, cachorro e os demais [animais] desguarnecidos de uma legislação que marque o fim da impunidade (Trecho da gravação da reunião citada, a partir de 27min43s, grifo nosso).

Da fala do Deputado Fred Costa (PATRI-MG), é possível inferir que o Deputado Celso Sabino (PSDB-PA) foi o responsável por buscar, por meio do diálogo com outros parlamentares e lideranças, um acordo para que o projeto de lei fosse aprovado no plenário da Câmara dos Deputados. Ademais, Fred Costa (PATRI-MG) ainda manifestou-se favoravelmente à limitação do texto apenas a cães e a gatos, visto apresentar-se como condição à aprovação do projeto.

Esse, no entanto, não foi o entendimento do Deputado David Miranda (PSOL-RJ), que trouxe o seguinte discurso:

Esse projeto, ele poderia estar na sua organização englobando todos os animais. Nós sabemos como é que funciona essa Casa aqui. Mas eu acho que o ideal seria que a gente conseguisse levar isso ao plenário e mostrasse realmente a cara daqueles que forem votar contra os animais num destaque, porque assim a gente vai tá conseguindo fazer uma política, aonde a gente demonstra quem são aqueles que tão a favor ao “maltrato” aos animais, ao assassinato dos animais. Nós sabemos que cada vez mais a indústria de carne brasileira ela se transforma no conglomerado igual os Estados Unidos, colocando animais cada vez mais que não vão ver a luz do dia, que são assassinados, que morrem quando nascem. Então, quando a gente passa uma lei aqui, ela tem um reflexo muito forte na sociedade. É óbvio que é um avanço pros cachorros e gatos, mas eu acho que na nossa conotação de parlamentares seria essencial que a gente conseguisse transformar esse projeto e levar ele da forma que ele pudesse ser destacado e no destaque a gente demonstrar quem são os deputados e deputadas desse país que estão votando contra os animais. Porque eu acho que é muito fácil o trabalho que a gente faz aqui na comissão pra querer blindar determinados deputados que são a favor desse assassinato desses animais. Então eu acho que é melhor a gente jogar a batata quente na mão deles no plenário e a gente fazer a construção pra poder ter lá uma substitutiva que a gente contemple todos os animais, do que a gente ter que fazer o compromisso aqui pra metade da causa. Porque eu acho que todos os animais e todos os guardiões vão sim celebrar essa pequena grande vitória, mas eu acho que ao mesmo tempo se a gente desse a credibilidade pra mostrar a cara daqueles e daquelas que nesse momento fizeram a costura contrária para que esse projeto não contemplasse todos os animais, a gente também ganharia muito pra sociedade brasileira demonstrando esse mau caratismo das pessoas que não querem proteger os animais e não querem se expor com isso (Trecho da gravação da reunião citada, a partir de 35min14s, grifo nosso).

Da fala do Deputado David Miranda é possível extrair questões cuja análise é essencial. Primeiramente, chamamos a atenção para o trecho no qual o deputado fala sobre a indústria da carne, um dos raros momentos em que o assunto foi aludido. O deputado inclusive reconhece que esse setor pecuário cresce cada vez mais no Brasil e que é intrínseco à sua produção os maus-tratos e a morte de animais.

A título exemplificativo, conforme dados do IBGE19, no ano de 2021, somente no Brasil, foram produzidos 42.538.652 suínos (porcos), 224.602.112 bovinos (bois e vacas) e os incríveis mais de 1,5 bilhões de galináceos.

Não por acaso, também, como relatou o deputado, as negociações foram feitas de forma externa, a fim de não expor e blindar aqueles deputados que defendem e sustentam essa indústria. A Comissão Especial, ao mesmo tempo em que inovou ao ampliar o debate acerca da proteção e das inovações legislativas que viriam a reconhecer os animais como seres merecedores de respeito e proteção, também manteve o assunto entre aqueles que já eram favoráveis.

Não houve discursos contrários durante as reuniões ou audiências públicas. No entanto, essa ação acabou por proteger aqueles que se posicionam contra e que possuem tanto poder a ponto de ditarem a reformulação de um projeto de lei de proteção animal, para proteger somente cães e gatos, o que demonstra a hegemonia de uma epistemologia nitidamente antropocêntrica e especista dentro do Congresso Nacional.

Após as falas de alguns parlamentares, foi realizada a votação do segundo parecer no âmbito da Comissão Especial, ainda durante a reunião do dia 16 de dezembro de 201920, tendo sido aprovado. No mesmo dia, 16 de dezembro de 2019, foi aprovado no plenário da Câmara dos Deputados o requerimento de urgência formulado pelo Deputado Fred Costa (PATRI-MG) para a apreciação imediata do projeto de lei.

Já no dia seguinte, em 17 de dezembro de 2019, foi colocado em votação o Projeto de Lei nº 1.095, de 2019, durante sessão deliberativa extraordinária no plenário da Câmara dos Deputados21. Não houve debate sobre a matéria, de modo que o projeto de lei foi aprovado e encaminhado ao Senado Federal para apreciação e votação.

3.2 TRAMITAÇÃO NO SENADO FEDERAL

O projeto de lei foi recebido pelo Senado Federal em 4 de fevereiro de 2020 e encaminhado à Comissão de Meio Ambiente daquela Casa no dia 6 de fevereiro do mesmo ano22. A relatoria do projeto foi avocada pelo então presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, Senador Fabiano Contarato (REDE-ES) em 11 de fevereiro de 2020.

Em 3 de agosto de 2020, o relator apresentou um primeiro relatóriospela aprovação do projeto23. Após a apresentação deste primeiro relatório, foram propostas três emendas ao projeto.

A primeira emenda24 foi apresentada pelo Senador Telmário Mota (PROS-RR), em 8 de setembro de 2020. Essa emenda propunha o seguinte texto: “Art. 32 [...]. Parágrafo único. Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa, e proibição da guarda no caso de dolo”.

Na justificação da emenda, o senador defende que o caso que inspirou a elaboração do projeto de lei, a morte de uma cadela em uma rede de supermercados ocorrido em novembro de 2018, na cidade de Osasco, em São Paulo, recebeu grande comoção social e muita exploração midiática.

Segundo o senador, apenas três meses após esse caso, uma pessoa de 19 anos foi assassinada por um segurança de outra rede de supermercados no Rio de Janeiro. Diante disso, o senador expõe sua indignação frente à falta de manifestações acerca do caso. Em suas palavras, “pouco ou quase nada foi feito em relação a isso ou alardeado sobre esse crime, que, com suas devidas proporções, foi muito semelhante ao ocorrido com a cadela”. O senador finaliza a justificação da seguinte forma:

Desta forma, vejo o presente projeto como uma grande inversão de valores, onde nos preocupamos sobremaneira com animais enquanto vemos calados nossa própria espécie perecer na mão de algozes. Por isso, com a devida valorização da vida humana e animal, consciente de que todas as vidas importam, e sem interferência de pressões midiáticas de casos isolados, esta emenda iguala a penalização do agente causador de maus-tratos aos animais com o crime de maus-tratos contra humanos, especificamente contra aqueles que estão em maior quantidade nas residências dos brasileiros e em ambiente públicos, os cães e os gatos, e inclui a perda da guarda em caso de dolo (grifo nosso).

A fala do Senador Telmário Mota revela-se carregada de um viés antropocêntrico e especista que habita o senso comum brasileiro. A ideia conservadora de que demandas “minoritárias” devem ser tratadas de forma secundária, sendo inconcebível e ultrajante a possuir o mesmo valor e importância que demandas humanas, reforça a hierarquização de existências abordada anteriormente. Em outras palavras, a violência praticada contra um animal não merece a mesma comoção da violência praticada contra um ser humano, simplesmente por aquele pertencer à espécie diferente, o que retira a centralidade da figura humana.

Ademais, a despeito de sua fala levantar uma “inversão de valores” ao se propor uma proteção maior a animais, o senador tropeça na tentativa de igualar as penas de maus-tratos a animais e maus-tratos contra pessoas. Tal discurso, apesar de bastante comum, ignora o fato de existirem, no Código Penal, especificamente, no Título I da Parte Especial, que trata dos crimes contra a pessoa, pelo menos quinze artigos que criminalizam atos de violência ou ações que atentem contra a vida e integridade física de seres humanos. Para mais, tais dispositivos ainda contam com causas de aumento de pena e qualificadoras, podendo as penas chegarem a trinta anos de reclusão.

No caso dos animais, o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais é o único que tenta, precariamente, conferir alguma proteção penal aos animais de forma mais abrangente contra violência ou atos que atentem à sua vida e à sua integridade física. Um único artigo tenta compilar condutas entendidas como nocivas a animais e conferir alguma proteção.

Se fôssemos pela via tomada pelo senador, de comparar a proteção penal destinada a seres humanos e a animais, estaríamos (e talvez estejamos) diante de uma grande desproporcionalidade, tese defendida, por exemplo, pelo professor Rafael Titan25. A proposta de emenda do Senador Telmário Mota (PROS-RR), portanto, representa de forma bastante explícita o antropocentrismo e o especismo combinados com a falta de conhecimento sobre a matéria.

A segunda proposta de emenda ao projeto26 foi apresentada em 9 de setembro de 2020, pela Senadora Rose de Freitas (MDB-ES), com o seguinte texto: “Art. 32 [...]. § 1º-A Quando se tratar de cão, gato ou qualquer animal mantido em residência ou domicílio, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda”. Na justificação, a senadora coloca que o objetivo de tal emenda é reduzir as “desigualdades de tratamento entre os animais abusados em ambiente doméstico, independentemente das espécies às quais pertençam”. Dessa forma, a nova lei estaria protegendo não apenas cães e gatos, mas também “papagaios, pássaros e outras aves, coelhos, hamsters, quelônios e quaisquer outros animais, domésticos ou silvestres, que, por serem criados como pets, lícita ou ilicitamente, podem estar sujeitos a atos de crueldade humana”.

Verifica-se da proposta de emenda e da sua justificação que a Senadora Rose de Freitas (MDB-ES) buscou expandir a proteção da nova norma a todos aqueles animais que vivem em ambiente doméstico e que, em razão disso, estariam sujeitos a abusos. Embora seja a proposta mais abrangente, seu critério de demarcação ainda é a domesticidade, ou seja, a relação que determinadas espécies animais possuem com os seres humanos. Em outras palavras, a base epistemológica especista e antropocêntrica permanece.

A terceira emenda27 é bastante similar à segunda e foi proposta pelo Senador Jean Paul Prates (PT-RN), também no dia 9 de setembro de 2020, com o seguinte texto: “Art. 32 [...]. § 1º-A Quando se tratar de cães, gatos, aves ou demais animais, quando mantidos em ambiente doméstico, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda”.

Na justificação da sua proposta, o Senador Jean Paul Prates (PT-RN) traz pontos bastante interessantes de serem analisados. Inicialmente, o parlamentar afirma que a matéria, ao mesmo tempo em que instiga a proteção e o respeito aos animais, também promove uma noção mais consciente sobre dignidade dos seres humanos e o seu papel na natureza. Para mais, o senador afirma também que o desrespeito aos animais não afeta somente esses seres, mas sim a toda concepção de humanidade, visto que crueldade e violência são incompatíveis com a perspectiva de uma vida harmônica em sociedade.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN), ao defender a abrangência de todos os animais que porventura sejam adotados por famílias e acabem vivendo em ambiente doméstico, afirma que “não é justo infligir crueldade a ser algum, mas aos que compartilham nossos lares se impõe um grau mais elevado de responsabilidade”.

Tal posicionamento remete, de certa forma, ao entendimento anterior de que o respeito aos animais está fundamentado na necessidade de se reafirmar condutas não cruéis e violentas dos seres humanos, independentemente de contra quem seja. Ademais, reforça a concepção de proteção dos animais em função da compaixão humana, em especial, daqueles animais que recebem maior estima por conviverem com os seres humanos dentro de suas casas.

Por fim, o senador reconhece que “há argumentos mais avançados, sobre a dignidade das espécies não humanas no geral, que talvez precisem esperar outro tempo, outra mentalidade, noutra relação com a natureza”. Em conformidade com seu argumento de que a legislação deve dialogar com a opinião pública e o sentimento de justiça da sociedade, o Senador Jean Paul Prates (PT-RN) entendeu que, por ora, a proteção apenas de animais domésticos satisfazia o sentimento popular do momento.

Apresentadas as três emendas, o relator, Senador Fabiano Contarato (REDE-ES), apresentou o seu segundo parecer28, também no dia 9 de setembro de 2020. Para além das formalidades, o relator afirma ser inegável o mérito da proposição para majorar a pena do crime de maus-tratos, especificamente cães e gatos, pois são, de acordo com o parlamentar,

Essas espécies domésticas as mais vulneráveis a práticas abusivas por parte daqueles que possuem a guarda do animal, com aumento significativo de denúncias e relatos de casos cruéis que causam repulsa, indignação e a sensação de impunidade, diante do apenamento legalmente previsto. Infelizmente, esses casos de maus-tratos são muito frequentes.

A fim de ilustrar sua afirmação, o relator citou vários casos que tiveram repercussão na imprensa, dentre eles o caso de um morador do Rio de Janeiro que foi flagrado arremessando seu gato contra a parede, em 202029. Além dos relatos, o relator traz alguns dados estatísticos. De acordo com o parlamentar, “segundo a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal de São Paulo, somente no ano de 2018, a média de registros de ocorrências foi de 25 casos diários de maus-tratos a animais”. A situação da pandemia também trouxe um agravamento da situação, em razão das medidas de distanciamento social.

Diante disso, o relator relembra que a vedação de práticas que submetam animais à crueldade é ordem constitucional, estampada no artigo 225, §1º, inciso VII, da Carta Magna. Acrescenta o senador que, ao vedar a crueldade com animais, “reconhece a ordem constitucional o valor inerente a formas de vida não humanas, com a garantia, ao animal, do direito de não ser submetido a ações cruéis em uma dimensão jurídica protetora de sua vida e dignidade”.

Para além, o senador lamenta também o tratamento dispensado aos animais pelo Código Civil brasileiro, que classifica os animais como bens móveis, possuindo natureza jurídica de coisa, nos termos do artigo 82 do referido diploma. Em relação ao tema, o relator cita o Projeto de Lei nº 6.799, de 201330, que objetiva instituir a natureza sui generis dos animais, os quais passariam a ser sujeitos de direitos despersonificados.

Ao tratar sobre as emendas, destacamos os apontamentos do relator em relação às emendas dois e três, apresentadas pela Senadora Rose de Freitas (MDB-ES) e por Jean Paul Prates (PT-RN), respectivamente:

Sobre as Emendas nºs 2 e 3-Plen, da Senadora Rose de Freitas e do Senador Jean Paul Prates, respectivamente, apesar de meritórias e de louváveis as intenções de seus autores, uma vez que sabemos que há várias outras espécies animais sujeitas a maus-tratos nas residências, como aves, roedores, quelônios e serpentes, a ampliação do escopo da proposição pode dificultar sua aprovação. Lembramos que o projeto original, apresentado na Câmara pelo seu autor, abrangia todas as espécies animais. Contudo, aquela Casa legislativa restringiu sua cobertura, alcançando o consenso que foi possível na ocasião. Assim, uma ampliação da dimensão do projeto a esta altura poderá ter o efeito de apenas retardar, ou até inviabilizar, sua conversão em lei, visto que é bem provável que a reanálise pela Câmara, que se imporá caso a matéria seja emendada pelo Senado, restabelecerá o texto remetido a esta Casa (grifo nosso).

Observa-se novamente a afirmação de que o texto aprovado no âmbito da Câmara dos Deputados resultou de um consenso, que acabou por produzir um texto considerado de possível aprovação. Com isso em mente, apesar de as citadas emendas visarem ao aprimoramento do projeto de lei e a uma abrangência mais condizente com as necessidades fáticas, tais mudanças causariam um atraso ou até a inviabilidade da conversão do projeto em lei, visto que a base de pensamento hegemônica no Congresso ainda recai sobre o especismo e o antropocentrismo.

No mesmo dia, 9 de setembro de 2020, o projeto foi pautado para apreciação e votação em Sessão Deliberativa Remota do plenário do Senado Federal31. Após a leitura do parecer pelo relator, Senador Fabiano Contarato (REDE-ES), iniciou-se o debate da matéria. O primeiro a se pronunciar foi o Senador Telmário Mota (PROS-RR), líder do Partido Republicano da Ordem Social (PROS) no Senado Federal, que se destacou por posicionar-se abertamente contra o aumento da pena, cuja fala transcrevemos:

Esse projeto, ele está fora da realidade, a sensibilidade humana está ultrapassando o limite da razão. Entendo uma relação entre homem e animais, ela tem que ser de amor, ela tem que ser de carinho, nada diferente disso. Eu penso dessa forma, mas o animal tem que ser tratado como animal, não como gente. O animal, ele tem que estar, essa sensibilidade está tão exacerbada, está tão fora da razão, que está prejudicando as culturas dos brasileiros. Vocês lembram como nasceu esse projeto? Vou explicar, lamentavelmente num caso isolado em Osasco, em novembro de 2018, um indivíduo tirou a vida de uma cachorrinha. Isso deu uma comoção social, midiática, fantástica, e muitos políticos correram, e já fizeram o projeto querendo aumentar a pena. Sabe qual a pena hoje para maus-tratos de animais? Ela vai de 3 meses a um ano e multa. Sabe qual a pena para o ser humano? 2 meses, portanto, um mês a menos do animal, a um ano ou multa. Ou seja, maltratar um ser humano, hoje, com as leis que temos, já é uma penalidade menor do que maltratar um animal. Agora, olha como a sensibilidade, ou a sensação midiática, oportunismo, está ultrapassando a razão. Vejam, uma cachorra lamentavelmente, covardemente foi morta, em novembro de 2018 por um indivíduo num supermercado. Três meses depois, mataram um jovem de 19 anos num supermercado em igual situação, ninguém fez um projeto, ninguém reclamou sobre isso, a mídia se calou. Isso é demagogia. Esse projeto nasceu no calor da morte daquela cachorra. Agora, vejam vocês, vai ser elevada a penalidade de maus-tratos contra animais de 2 anos a 5 anos, multa e ainda vai retirar o animal da mão do cidadão. Agora, ouvindo o relator citando fatos objetivos, é muito fácil você fazer um projeto em cima de fatos objetivos. Mas Rose, o fiscal que vai lá na tua casa, ele não tem essa lei tipificada. Ele não sabe o que é maus-tratos, o que deixa de ser maus-tratos. Ele vai fazer uma ação subjetiva. Se chegar na sua casa e encontrar um cachorro vestido, ele vai dizer que você está botando calor no animal e vai lhe multar, vai lhe botar na cadeia por 5 anos, porque nós não tipificamos. Nós estamos elevando a multa, o ano de cadeia, mas nós não estamos tipificando. A lei brasileira é clara, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) é o órgão que tem que tipificar o que são maus-tratos para animais no Brasil, porque o fiscal vai usar a sua consciência, não está tipificada. Ele vai chegar na tua casa e vai dizer que aquilo é maus-tratos ou não é maus-tratos. O relator citou uma pessoa que tem parece que 30 ou 50 cachorros e não sei quantos gatos, que os animais estavam tudo maltratado. Gente, essa pessoa tem 30 cachorro em casa, essa pessoa tem amor por animal. Ela tá tirando às vezes a comida dos seus filhos e dando pros cachorros. Talvez ela não tenha condições financeiras total. Talvez ela não esteja tipificada para dizer, pra ela ter 30 cachorros ela tem que ser dessa forma. Aí a coitada que acolheu esses cachorros da rua, que recebiam pedrada, que recebiam atropelamento de carro, que ela botou na casa dela, que ela deixou de dar comida pro filho dela, ela vai ser presa como maus-tratos a animal, gente. Olha, com todo o respeito, eu vou liberar o PROS, mas o Telmário não vai botar a digital em oportunismo midiático. Obrigado, Brasil! (Trecho da gravação da Sessão Deliberativa Remota do Senado Federal citada, a partir de 01h42min, grifo nosso).

Apesar de longa a citação, o teor da fala do Senador Telmário Mota (PROS-RR) enseja algumas análises pertinentes. O parlamentar inicia sua fala afirmando que “a sensibilidade humana está exacerbada” e que “o animal deve ser tratado como animal, e não como gente”. Para acrescentar, o senador ainda defende que essa sensibilidade está tão exacerbada e fora da razão que “está prejudicando as culturas dos brasileiros”.

A última frase deixa bastante evidentes as motivações do Senador Telmário Mota (PROS-RR) quando das suas críticas ao aumento de pena, e diria até quanto à própria criminalização dos maus-tratos. Com uma visão claramente antropocêntrica, especista e conservadora, o senador se posiciona ao lado da conservação de manifestações culturais que conflitam com a vedação constitucional da crueldade com animais.

O segundo parlamentar a se manifestar foi o Senador Eduardo Braga, líder do partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no Senado Federal, que destacou que não apenas ele como seu partido de forma geral, MDB, votariam de forma favorável ao projeto.

No mesmo sentido, manifestaram-se favoravelmente à matéria os senadores Rodrigo Pacheco, líder do partido Democratas (DEM) no Senado Federal; e Daniella Ribeiro, líder do Partido Progressistas (PP) na mencionada casa legislativa.

Dando seguimento, manifestaram-se também de forma favorável ao projeto de lei os senadores Major Olímpio (PSL); Omar Aziz, representante do Partido Social Democrático (PSD); Álvaro Dias, líder do partido Podemos; Izalci Lucas, líder do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Rogério Carvalho, líder do Partido dos Trabalhadores (PT); Eliziane Gama, líder do partido Cidadania; Acir Gurgacz, líder do Partido Democrático Trabalhista (PDT); Jorginho Mello, líder do Partido Liberal (PL); Veneziano Vital do Rêgo, líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB); Mecias de Jesus, líder do partido Republicanos; Randolfe Rodrigues, líder do Partido Rede Sustentabilidade (REDE); e Soraya Thronicke, líder do Partido Social Liberal (PSL), cuja fala merece destaque:

Parabenizo a inteligência do Deputado Fred quando ele diminuiu para cães e gatos, justamente por conta de resistência de uma parte, inclusive que nós precisamos trabalhar isso durante o tramitar do projeto de lei, que é a questão da própria FPA [Frente Parlamentar da Agropecuária], e eu entendo, porque hoje tudo vira crime e tudo tá tão polarizado que existe sim um medo dos proprietários de animais, os produtores rurais, terem suas atividades coibidas por exageros nessa legislação. Então, é momento de colocarmos a mão na nossa consciência para termos razoabilidade na hora de deliberar (Trecho da gravação da Sessão Deliberativa Remota do Senado Federal citada, a partir de 02h30min57, grifo nosso).

É possível inferir dessa fala, em especial do trecho destacado, que a limitação para apenas cães e gatos foi uma maneira de proteger os produtores agropecuários, para que suas atividades permaneçam isentas de questionamentos ou regulamentações que visem conferir maior proteção ou bem-estar aos animais de produção. Novamente a base epistemológica especista e antropocêntrica em ação.

Após a manifestação das lideranças, o Projeto de Lei nº 1.095 de 2019 foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal, durante a Sessão Deliberativa Remota, em 9 de setembro de 2020. Assim, aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o projeto de lei foi encaminhado para sanção pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, o que ocorreu em cerimônia realizada em 29 de setembro de 202032.

4 CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve como objetivo, a partir da análise do processo legislativo do Projeto de Lei nº 1.095, de 2019, bem como da revisão de bibliografia, compreender por que somente cães e gatos foram abrangidos pela Lei nº 14.064, de 2020.

No tocante à produção do texto final, ficou demonstrado pelos discursos dos parlamentares que a escolha por limitar as espécies abrangidas pela nova norma foi uma estratégia utilizada para que fosse possível conseguir a aprovação do projeto de lei no Congresso Nacional. Essa estratégia foi adotada, tendo em vista que, de acordo com os parlamentares, aqueles que se posicionam a favor dos interesses dos animais são minoria, enquanto os defensores do agronegócio, das manifestações culturais e dos esportes envolvendo animais, e outras formas de exploração dos animais são maioria no Congresso Nacional. A adoção dessa estratégia torna ainda mais evidente a existência no Legislativo brasileiro de uma epistemologia hegemônica baseada no antropocentrismo e no especismo.

Dessa forma, para conseguir que o projeto de lei fosse aprovado, foram conduzidas negociações externas, em especial, pelo relator do projeto, Deputado Celso Sabino (PSDB-PA), para chegar a um texto que fosse aceito pela maioria da Câmara dos Deputados. Dessas negociações, chegou-se ao texto final que abarcou somente cães e gatos para serem objetos de proteção pela nova norma.

A escolha dessas duas espécies, cães e gatos, conforme descrito no parecer do relator Celso Sabino (PSDB-PA), apresentado em 16 de dezembro de 2019, foi pautada no fato de que essas duas espécies são as mais comumente tidas como animais de estimação e que estabelecem laços mais íntimos com os seres humanos.

A partir disso, foi possível identificar que a epistemologia antropocêntrica marcou o processo legislativo e vigora no Congresso Nacional refletindo também o viés antropocêntrico que atravessa a legislação brasileira no que se refere aos animais, os quais ainda são entendidos como seres de relevância secundária.

Sem pretender esgotar o assunto, verificamos que a predominância do viés antropocêntrico de colocar os interesses humanos ou de algumas espécies acima dos interesses igualmente relevantes de outros animais, simplesmente por não pertencerem à determinada espécie, pode ser considerado especismo, assim como utilizar o afeto ou sentimento de compaixão para determinar se algum ser merece ou não ser moralmente considerado.

Diante do apresentado, é possível dizer que há, nesse processo legislativo, um recorte bastante específico e estereotipado dos maus-tratos. O foco foi sem dúvidas os casos de maus-tratos praticados contra animais de estimação, quais sejam, aqueles que recebem maior simpatia dos seres humanos decorrente da convivência.

No entanto, é necessário ampliar o horizonte. É preciso enxergar para além da compaixão e da simpatia. A estima direcionada a cães e a gatos, traduzida na Lei nº 14.064, de 2020, revela a fragilidade de uma proteção que deriva da boa vontade discricionária do ser humano. O antropocentrismo que marcou a elaboração da nova normativa mostra o especismo que motiva e orienta as políticas e legislações de proteção aos animais.

REFERÊNCIAS

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TITAN, Rafael Fernandes. Direito Animal: O Direito do Animal Não Humano no Cenário Processual Penal e Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.

Notas

1 Em relação à utilização do termo “homem”, Gordilho (2016, p. 188) explica que, segundo Aristóteles, “não só animais, mas também as mulheres, os escravos e os estrangeiros eram considerados imperfeitos e destinados ao benefício do cidadão grego, enquanto a caça e a guerra eram vistas como formas naturais de conquista e domesticação de animais selvagens e de escravos que, destinados pela natureza a obedecer, às vezes, se recusavam a fazê-lo”.
2 Os partidos indicados são aqueles aos quais os congressistas estavam filiados à época da tramitação do Projeto de Lei 1.095/2019.
3 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.095/2019. Do Senhor Fred Costa. 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01bng38352twb1s06tvofte81e8700664.node0?codteor=1714454&filename=PL+1095/2019. Acesso em: 27 ago. 2023.
4 Notícias sobre o caso disponíveis em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/12/04/cachorro-abandonado-e-envenenado-e-espancado-por-funcionario-de-hipermercado-em-osasco-dizem-ativistas.ghtml; e https://emais.estadao.com.br/blogs/conversa-de-bicho/morte-carrefour-cao/. Acesso em: 27 ago. 2023.
5 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0yvba9kygxsve1udyfi9ambj0c9731852.node0?codteor=1755958&filename=Tramitacao-PL+1095/2019. Acesso em: 27 ago. 2023.
6 Após mudanças na composição inicial da Comissão Especial, figuraram como titulares os deputados Alexis Fonteyne (NOVO-SP), Antônio Pinheirinho Neto (PP-MG), Aureo Ribeiro (SOLIDARIEDADE-RJ), Carlos Gomes (REPUBLICANOS-RS), Célio Studart (PV-CE), Celso Sabino (PSDB-PA), Daniel Coelho (CIDADANIA-PE), Darci de Matos (PSD-SC), David Miranda (PSOL-RJ), Antônio Furtado (PSL-RJ), Denis Bezerra (PSB-CE), Frederico de Castro Escaleira (Dr. Frederico) (PATRI-MG), Eduardo Bismarck (PDT-CE), Eduardo Braide (anteriormente PMN-MA, atualmente PODE-MA), Elias Vaz (PSB-GO), Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT), Fábio Trad (PSD-MS), Filipe Barros (PSL-PR), Flávia Arruda (PL-DF), Fred Costa (PATRI-MG), Gutemberg Reis (MDB-RJ), Joziel Ferreira Carlos (PSL-RJ), Leonardo Barreto de Moraes (Léo Moraes) (PODE-RO), Marcelo Ramos (PL-AM), Mariana Carvalho (PSDB-RO), Ricardo Izar (PP-SP), Wagner Martins (Vavá Martins) (REPUBLICANOS-PA) e Wagner Sousa Gomes (Capitão Wagner) (PROS-CE). Como suplentes, foram escolhidos os deputados Adriana Ventura (NOVO-SP), Afonso Motta (PDT-RS), Alexandre Serfiotis (PSD-RJ), Christino Aureo (PP-RJ), Gervásio Maia (PSB-PB), Fernando Lúcio Giacobo (PL-PR), Laercio de Oliveira (PP-SE), Marcelo Calero (CIDADANIA-RJ), Marlon Santos, Maurício Dziedrick (PTB-RS), Gildenemir de Lima Sousa (Pastor Gil) (PL-MA), Rafael Motta (PSB-RN). A nova composição foi apresentada na reunião do dia 11 de junho de 2019, no painel eletrônico, cuja gravação está disponível em: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/55990. Acesso em: 27 ago. 2023.
7 Vídeo da transmissão da audiência pública realizada em 26 de novembro de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/58794. Acesso em: 27 ago. 2023.
8 Trecho da gravação da audiência pública citada, a partir de 01h33min46.
9 Vídeo da transmissão da audiência pública realizada em 19 de novembro de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/58668. Acesso em: 27 ago. 2023.
10 Trecho da gravação da audiência pública citada, a partir de 01h01min03.
11 Trecho da gravação da audiência pública citada, a partir de 01h27min13s.
12 Vídeo da transmissão da audiência pública realizada em 26 de novembro de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/58794. Acesso em: 27 ago. 2023.
13 Trecho da gravação da audiência pública citada, a partir de 01h35min.
14 Parecer do relator apresentado em 11 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node08l74as00gtu51m1fmnqq17joz35769165.node0?codteor=1845524&filename=Tramitacao-PL+1095/2019. Acesso em: 27 ago. 2023.
15 Há um consenso dentro da doutrina do Direito Animal, que vem se consolidando desde a promulgação da Constituição Federal, de que a Carta Magna, ao vedar a crueldade, reconheceu a senciência dos animais. A senciência pode ser definida como a capacidade dos seres vivos de experienciar e expressar, de forma consciente, sentimentos e sensações, como dor, sofrimento, medo, angústia, estresse, ansiedade, prazer e felicidade (Regis, 2018). Assim, a partir da compreensão de que, ao vedar a crueldade a animais, a Constituição Federal reconheceu a senciência dos animais, é possível dizer que essa vedação representa a proteção de um interesse dos animais, qual seja, o de não sofrer. Dessa forma, ganha força entre os estudiosos do Direito Animal (por exemplo, na obra de Célia Sousa, 2019) que essa vedação à crueldade representaria um reconhecimento de valor intrínseco aos animais, que mereceriam proteção em razão de uma característica ou interesse próprio, e não em razão de um interesse humano, afastando o viés antropocêntrico predominante na Constituição Federal.
16 Há divergência nos tribunais e na doutrina se tal decreto foi revogado pelo Decreto nº 11 de 1991, editado pelo então Presidente da República, Fernando Collor de Mello, que determinava a revogação de todos os atos regulamentares promulgados pelos governos anteriores, conforme listados no anexo IV do referido decreto. Atualmente tem sido entendido pelos tribunais - a exemplo do julgamento do Agravo de Instrumento n° 0059204-56.2020.8.16.0000 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - que o Decreto nº 24.645 de 1934 continua em vigor, visto que, à época de sua edição, possuía força de lei e, portanto, só poderia ser revogado por lei aprovada pelo Congresso Nacional. No entanto, visando a superar tal paradigma, o relator entendeu por bem adicionar tais condutas como figuras equiparadas ao crime do caput do artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais.
17 Parecer do relator apresentado em 16 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1846958&filename=Tramitacao-PL+1095/2019. Acesso em: 27 ago. 2023.
18 Vídeo da transmissão da reunião ordinária realizada em 16 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3dc3E7HGxUA (parte um) e https://www.youtube.com/watch?v=3EUESiuVYb0&list=TLGGkeDCmIhU_pwxMTAyMjAyMg (parte dois, votação). Acesso em: 27 ago. 2023.
19 IBGE. Produção Agropecuária 2021. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/producao-agropecuaria/. Acesso em: 27 ago. 2023.
20 Vídeo da transmissão da votação realizada durante a reunião ordinária de 16 de dezembro de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3EUESiuVYb0&list=TLGGkeDCmIhU_pwxMTAyMjAyMg (parte dois, votação). Acesso em: 27 ago. 2023.
21 Vídeo da transmissão da votação do Projeto de Lei nº 1.095 de 2019 pelo plenário da Câmara dos Deputados disponível em: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/59210. Acesso em: 27 ago. 2023.
22 Tramitação do Projeto de Lei nº 1.095 de 2019 no Senado Federal disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/140546. Acesso em: 27 ago. 2023.
23 Primeiro relatório apresentado pelo relator do projeto de lei, Senador Fabiano Contarato (REDE-ES), em 03 de agosto de 2020, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8871356&ts=1630408328919&disposition=inline. Acesso em: 27 ago. 2023.
24 Emenda 1, proposta pelo Senador Telmário Mota (PROS-RR), em 08 de setembro de 2020, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8888523&ts=1630408329336&disposition=inline. Acesso em 20 mar. 2023.
25 Titan (2021) defende que “é completamente desproporcional a sanção de matar um animal silvestre, doméstico ou domesticado quando comparado com a sanção por matar um ser humano. As duas condutas traduzem em ceifar uma vida, extinguir a existência daquele ser, causar a morte, ato esse que vai de encontro com o principal direito protegido e garantido pela Constituição Federal, o qual ninguém e nem o Estado pode violar, o direito à vida. Aquela possui uma pena de detenção de 6 meses a 1 ano, enquanto essa possui uma pena de reclusão de 6 a 20 anos. É possível verificar a ausência de harmonia, de proporcionalidade, de justiça quando se faz tal comparação, ambas as sanções dizem respeito ao descumprimento de uma conduta, de uma ação que leva à morte de um ser vivo. Tal injustiça é uma afronta ao princípio da proporcionalidade estabelecido pela constituição e implica afirmar, de forma implícita, que a vida do ser humano tem mais validade do que a de um animal, induz ao pensamento de que um animal é inferior ao homem e que está correto tratá-lo de maneira desrespeitosa”.
26 Emenda 2, proposta pela Senadora Rose de Freitas (MDB-ES) em 9 de setembro de 2020, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8888894&ts=1630408329490&disposition=inline. Acesso em: 27 ago. 2023.
27 Emenda 3, proposta pelo Senador Jean Paul Prates (PT-RN), em 9 de setembro de 2020, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8888959&ts=1630408329267&disposition=inline. Acesso em: 27 ago. 2023.
28 Segundo parecer do relator, Senador Fabiano Contarato (REDE-ES), apresentado em 9 de setembro de 2020, disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8889130&ts=1630408329605&disposition=inline. Acesso em: 27 ago. 2023.
29 Notícia divulgada na imprensa sobre o caso, disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/07/21/homem-filmado-arremessando-gato-na-parede-e-autuado-por-maus-tratos-a-animais-no-rio.ghtml. Acesso em: 27 ago. 2023.
30 Projeto de Lei nº 6.054, de 2019 (anteriormente Projeto de Lei nº 6.799 de 2013), disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=601739. Acesso em: 27 ago. 2023.
31 Vídeo da transmissão da Sessão Deliberativa Remota do Senado Federal, realizada em 9 de setembro de 2020, disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2020/09/acompanhe-ao-vivo-sessao-deliberativa-remota-1. Acesso em: 27 ago. 2023.
32 Gravação da transmissão da cerimônia de sanção presidencial do Projeto de Lei nº 1.095 de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gy4BS5jgG3I. Acesso em: 27 ago. 2023.
SOPHIA WILHELM DRESCHER: realizou seu TCC, o qual deu base para o artigo. Apoiou desde o planejamento da pesquisa e na coleta de dados a campo, bem como nas análises dos dados. Realizou parte da redação do artigo. AMANDA MUNIZ OLIVEIRA: orientadora do trabalho, apoiou no planejamento do estudo, orientou a coleta de dados a campo e a análise de dados. Realizou parte da redação do artigo.

Como citar este documento:

OLIVEIRA, Amanda Muniz; DRESCHER, Sophia Wilhelm. A epistemologia especista e o avanço mitigado na proteção dos animais no Brasil: estudo de caso do processo legislativo para a criação da Lei Sansão (lei nº 14.064 de 2020). Revista Opinião Jurídica, Fortaleza, v. 22, n. 39, p. 87-116, jan./abr. 2024. Disponível em: link do artigo. Acesso em: xxxx.

Notas de autor

Editora responsável: Profa. Dra. Fayga Bedê https://orcid.org/0000-0001-6444-2631


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