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2020 E A PANDEMIA DO ENSINO REMOTO
2020 Y LA PANDEMIA DE LA ENSEÑANZA A DISTANCIA
2020 AND THE REMOTE TEACHING PANDEMIC
2020 E A PANDEMIA DO ENSINO REMOTO
Revista on line de Política e Gestão Educacional, vol. 25, núm. 2, pp. 1053-1070, 2021
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Recepción: 14 Junio 2021
Aprobación: 15 Junio 2021
Publicación: 01 Agosto 2021
Resumo: Este texto é uma reflexão sobre o contexto de ensino emergencial remoto vivido no ano de 2020, por conta do isolamento social provocado pela pandemia da covid-19. Trata-se de um ensaio sobre o contexto da educação ocasionado pela pandemia que se desdobra em duas partes: (a.) a identificação de falsas premissas sobre educação evidenciadas pela situação emergencial e (b.) um misto de amargor e nostalgia provocado pelas circunstâncias. Ao final, fica a esperança de um mundo renovado, de aglomerações saudáveis e ensino presencial com o final dessa terrível pandemia.
Palavras-chave: Pandemia, Ensino remoto, Educação.
Resumen: Este texto es una reflexión sobre el contexto de educación de emergencia remota vivido en el año 2020, debido al aislamiento social provocado por la pandemia del covid-19. Se trata de un ensayo sobre el contexto de la educación provocado por la pandemia que se desarrolla en dos partes: (a.) La identificación de premisas falsas sobre la educación evidenciadas por la situación de emergencia y (b.) Una mezcla de amargura y nostalgia provocada por las circunstancias. Al final, existe la esperanza de un mundo renovado, de aglomeraciones saludables y educación presencial con el fin de esta terrible pandemia.
Palabras clave: Pandemia, Enseñanza a distancia, Educación.
Abstract: This text is a reflection on the context of remote emergency education experienced in the year 2020, due to the social isolation caused by the pandemic of covid-19. This is an essay on the educational context caused by the pandemic that unfolds in two parts: (a.) The identification of false premises about education evidenced by the emergency situation and (b.) a mix of bitterness and nostalgia provoked by the circumstances. In the end, there is hope of a renewed world, of healthy agglomerations and face-to-face education with the end of this terrible pandemic.
Keywords: Pandemic, Remote teaching, Education.
Introdução
Essa noite
Eu tive um sonho de sonhador
Maluco que sou, acordei
No dia em que a Terra parou.
(Raul Seixas, O dia em que a Terra parou, 1977)
Este texto é um ensaio sobre o contexto de ensino emergencial remoto vivido no ano de 2020 [que vai se estendendo por 2021], por conta do isolamento social provocado pela pandemia da covid-19. Foi em meados de março desse ano que recebemos a notícia, os decretos, as resoluções etc. de que era necessário, em nome da saúde pública, se isolar. Um vírus letal, de fácil propagação pelo ar, havia tomado conta de vários lugares do planeta e, portanto, estar junto se tornou perigoso.
Após acatar essa ideia sanitarista de quarentena coletiva forçada, a primeira medida institucional tomada foi perguntar aos docentes como seria possível, por duas semanas, conduzir o percurso pedagógico em curso de forma remota (como se nada de estranho estivesse acontecendo). Por duas semanas, a coisa parecia ser bastante factível.
Mas, cá estamos, 60 semanas depois, em maio de 2021, tendo sido abril deste ano o mês de maior mortes por contágio registrado no Brasil, desde o começo da pandemia2. Esses dados deixam evidentes que a pandemia não se tratava de um sonho sonhado pelo Maluco Beleza, pois a Terra parou não porque já não havia mais guerra ou doenças e que todo o isolamento não era algo combinado, mas provocado por um vírus capaz de por fim à vida humana.
Não obstante, apesar da conjuntura nada favorável, a Terra não pode se dar ao luxo de parar para evitar contágios e mortes, pois nosso modelo de sociedade complexo é também muito frágil. Edificada sob o capitalismo industrial, criou-se uma estrutura tão sólida quanto um castelo de cartas, sempre prestes à colapsar. Não é à toa que o mesmo Raul Seixas, no ano de 1974, na canção que trata de suas aventuras na cidade de Thor já havia notado que “A civilização se tornou complicada, que ficou tão frágil como um computador; que se uma criança descobrir o calcanhar de Aquiles, com um só palito pára o motor”. A pandemia vai desnudando essa fragilidade à medida que revela que a Terra não pode parar, pois se parar, seus efeitos serão tão destruidores, se não mais destruidores, que uma pandemia que acaba com centenas de milhares de vida. Então, nada pode parar. É preciso “reinventar-se”, como se diz por ai. A educação também, cuja reinvenção não é uma nova fórmula de educação voltada à humanização, mas à transmissão de conteúdos. E isso dá para se fazer pela internet, dizem.
Tudo isso motivou o registro da caminhada acadêmica no percurso do ano de 2020, especificamente, a respeito dos efeitos da pandemia da covid-19 no ensino. Não se trata de pensar sobre seus impactos negativos ao redor do globo, nem de tecer uma análise do alargamento da distância entre as classes sociais. O objetivo principal deste escrito é o de promover reflexões sobre o contexto, ao recuperar a experiência vivida como professor formador, docente de diversas disciplinas pedagógicas em três licenciaturas, no Instituto Federal, em Itapetininga, no sudoeste paulista. Nesse sentido, há duas coisas básicas a se registrar: (i.) as premissas equivocadas sobre educação e o uso das tecnologias digitais; (ii;) a nostalgia do mundo ao vivo diante o amargor de lecionar num formato emergencial, distante e, pior, mediado por gadgets.
Vamos por partes, na esperança de que a escrita deste ensaio traga alguma luz para se entender o momento vivido.
Das premissas emergentes na pandemia
Uma pandemia desta dimensão provoca justificadamente comoção mundial. Apesar de se justificar a dramatização, é bom ter sempre presente as sombras que a visibilidade vai criando. (Boaventura de Sousa Santos, A Cruel Pedagogia do Vírus, 2020)
Não são poucas as notícias3 retratando o isolamento social e a consequente migração da educação escolar para o ensino “salvo” pela internet. As notícias foram tomando conta dos sítios virtuais, seguiram se espalhando pelas redes sociais e (re)formulando a opinião pública. Coisas do tipo “os professores não estão trabalhando desde o início da pandemia” ou “a pandemia acelerou o que já estava para acontecer em termos de uso da internet nas escolas” rapidamente tomaram conta da agenda social e foram se configurando como verdades. No meio disso tudo, diversas alegações falsas passaram a ser tidas como legítimas, causando retrocesso ao desenvolvimento da educação. Eis, então, uma pequena lista de suposições falaciosas:
Professores e professoras estão meses sem trabalhar;
É necessário planejar aulas criativas, dinâmicas e divertidas para prender a atenção do alunado;
A pandemia apenas adiantou o inevitável ensino remoto, pois esse é o futuro da educação.
Torna-se bastante complicado argumentar contra todas essas certezas, pois elas representam retraso imenso na busca por uma educação de qualidade efetivamente transformadora. Busca baseada em extenso trabalho realizado por educadores e educadoras no chão das escolas, nas formulações teóricas das universidades e nos embates ideológicos no campo político. Já escrevi sobre isso em outros momentos (FORTUNATO, 2016; 2018a; 2018b; 2019; 2020), por isso se torna exaustivo precisar explicar novamente que a educação faz sentido – e funciona – quando não se segue um currículo imposto de fora, quando o professor não faz preleções, mas, aprende junto com seus alunos, especialmente quando as tecnologias digitais, analógicas, mecânicas etc. estão disponíveis para colaborar com o ensino da forma como foi idealizado, dentre outros, pelo patrono da nossa educação, Paulo Freire (2009, p. 23): “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”.
Mesmo assim, apesar de cansativo e redundante, o momento exige retornar a alguns predicados já expostos, que são contrários à listagem anterior. Primeiro, a questão de o trabalho docente ser realizado apenas dentro da sala de aula, discursando. Bem, este é um engano típico cometido com diversas outras ocupações... tipo a metáfora do iceberg, na qual apenas mínima parcela é visível, pois sua maior parte está submersa na água, portanto oculta. É como dizer, por exemplo, que um atleta apenas trabalha no dia da competição, ignorando todo trabalho físico, mental, nutricional, estratégico etc. desenvolvido para ter plenas condições de disputar seu esporte. Assim, redundando o que já foi minutado anteriormente (FORTUNATO, 2018c), ser professor vai além das aulas e seu encargo residual de preparação de material e correção de atividades – provavelmente o que se imagina por aí ao expressar que o trabalho docente não é apenas o da sala de aula. Essa parte submersa envolve pesquisa e orientação, e é um engano acreditar que isso é reservado apenas para a pós-graduação.
Afinal, basta considerarmos como válidas, por exemplo, as referências à Educação feitas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal para entender que o trabalho do professorado se destina ao “pleno desenvolvimento”. Isso quer dizer, portanto, que a essência do ofício apenas tangencia os conteúdos curriculares a partir dos quais se prepara a preleção e as consequentes atividades que demandam correção. Mas, o eixo do trabalho é a preparação para vida, indicando caminhos, apresentando desafios e, principalmente, aprendendo e ensinando, ao mesmo tempo, saberes e habilidades, afetos e emoções, transformando o estudante em alguém que deseja se tornar. Nada disso deveria ser novidade, pois já foi escrito em abundância por aí, nas obras de Rubem Alves (1994), Paulo Freire (2009), Célestin Freinet (1985) etc., e até mesmo por Coménio (1985).
Dessa maneira, apesar da clareza com que são expressos os objetivos mais basilares da educação, o papel e a responsabilidade dos professores e das professoras no desenvolvimento de cada educando permanecem confundidos com a tarefa de ensinar algo pronto e acabado, preferencialmente instrumentalizando os discentes. Por isso, dentre tantas ironias que circundam o ofício do professorado, o fechamento temporário das escolas por causa da pandemia da covid-19 traz à tona a seguinte indagação: “Professor, você trabalha ou só dá aula?”. Usando essa pergunta irônica como título de sua tese, Oliveira (2016) faz bem em destacar que essa questão vai muito além do sarcasmo ao estereótipo do magistério, pois ela carrega, de uma maneira bastante descarada, a desvalorização, a marginalização e a precarização da docência. Daí a farpa circundante em tempos de quarentena social de que os professores e as professoras não estariam trabalhando, nem dando aulas.
Não se trata de negar o fato de que o ofício docente ainda tem espaço para se desenvolver; pelo contrário, pois é preciso investigar, cada vez mais, o que significa a ideia de “preparar para a vida”, indo muito além de habilitar para um emprego. Mas, nesse sentido, o desenvolvimento da docência requer o concomitante desenvolvimento da própria educação formal, sob pena de se ficar postulando, ad aeternum, as tábulas da salvação da educação pela renovação das práticas da sala de aula. Isso tem sido feito, pelo menos, desde o século XVII, como podemos ver no tratado da arte universal de ensinar tudo a todos, pelo qual Coménio (1985, p. 44) buscava um “[...] método segundo o qual os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais; nas escolas, haja menos barulho, menos enfado, menos trabalho inútil, e, ao contrário, haja mais recolhimento, mais atrativo e mais sólido progresso”. Como essa busca tem mais de três centenários, fica evidente que, por mais que se fale, se escreva e se projete uma renovação da educação, tudo sempre volta para a sala de aula, na qual um professor ou uma professora discursa algum conteúdo curricular para um coletivo discente, que deve apreender o que se discursa porque é importante. Ou, pelo menos alguém disse ser importante.
Assim, o fechamento das escolas não fez com que professores e professoras ficassem sem trabalhar. Em alguns casos, de modo quase instantâneo houve a migração da sala de aula concreta, ao vivo, para o trabalho realizado remotamente pela mediação da internet e seus aparelhos de acesso digital. Em outros, como o caso do nosso Instituto Federal, houve um paragem mais longa, envolvendo análises de conjuntura e debates sobre assuntos desde as condições de acesso de cada docente e discente, passando por questões de saúde física e mental, até recairmos no modelo remoto – pelo menos de modo emergencial, durante a permanência do isolamento. Assim, “dar continuidade”, por meio remoto digital, trouxe à superfície as outras duas afirmações listadas anteriormente como falácias: a de que é preciso fazer um planejamento de aulas para prender a atenção de estudantes, e a de que o isolamento apenas adiantou o inevitável, isto é, aulas pela internet.
Bem, sobre as aulas, sempre concordei com Célestin Freinet, embora não soubesse, até poucos anos atrás, já na função de professor formador, que havia um slogan quase centenário capaz de traduzir o que sempre pensei: “abaixo às aulas” (FREINET, 1979, p. 100). Encontrei tal slogan no livro escrito por sua esposa Elise, no qual deixou registrado que, para Célestin Freinet, um estudante só deve recorrer ao professor se não encontrar suas próprias soluções para situações mais complexas e/ou difíceis. As explicações, os discursos, o palavrório... tudo isso seria inutilidade para uma educação de desenvolvimento pleno. “A aula é a fórmula por excelência do ensino tradicional entre quatro paredes”, afirmou Elise Freinet (1979, p. 100). “O grande erro do ensino tradicional foi, em minha opinião, a aula e os deveres que daí decorrem”, constatou Célestin Freinet (apud FREINET, 1979, p. 101).
Ora, a equação, então, se torna bem simples: se há muito tempo se combate a ideia de educação tradicional4 e o que dá sustentação à educação tradicional é a aula basta, portanto, acabar com essa ideia de aula – abaixo às aulas, tal qual a bandeira erguida por Freinet. Não obstante, esse movimento não existe. Prefere-se, paradoxalmente, manter um discurso contra o tradicionalismo nas escolas e um discurso em prol de aulas para cativar e manter o interesse do alunado a respeito daquilo que se fica tagarelando. Pior, cria-se uma ideia de que se as aulas se tornarem dinâmicas e divertidas, todos os estudantes irão magicamente se interessar pelos conteúdos curriculares nomeados como fundamentais para o futuro de cada um.
Bem, primeiro que essa coisa não é possível, pois não existe uma proposta universal do que seja dinâmico, divertido e interessante. Basta pegar qualquer elemento da cultura para compreender que essa universalidade é impossível; os filmes de maiores bilheterias, os shows de música mais disputados, a culinária mais premiada etc. Se nada disso é dinâmico, divertido e interessante para todas as pessoas, o que dizer de um momento destinado para forçar um aprendizado? Se não há como promover entretenimento universal, não há como promover uma aula que seja dinâmica e interessante a todos. Exceto, claro, se a aula for outra, na qual não há preleções, os conteúdos não são os mesmos para todos e somente se recorre ao professor para resolver dilemas, impasses e situações realmente complicadas.
Dessa forma, se a aula não deixar de ser aula, dificilmente será interessante, sendo necessária a imposição de mecanismos de controle ou artifícios de atratividade. Mas, se a aula se transformar no momento de encontro das descobertas e das dúvidas, então nenhuma técnica dissimulada de fascinação será necessária. Muitas décadas atrás, Célestin Freinet (apud FREINET, 1979) deixou registrada a seguinte afirmação:
Desconfiem da escola tradicional, das aulas, dos exercícios. São processos aparentemente cômodos, consagrados pelo costume e cujos resultados metódicos podem ser cuidadosamente anotados em cadernos que são, efetivamente, modelos, ou em quadros que são muito bem-feitos e aprimorados para nos comover. Interessem profundamente as crianças pela vida, por sua própria vida e pela vida que as cerca. (FREINET apud FREINET, 1979, p. 103).
Se já havia algo bastante problemático nas aulas presenciais, ao vivo, permeadas não apenas pelo ouvir, falar e realizar exercícios (para notas e/ou para reforçar algo a ser cobrado na prova local ou externa), o que dizer de aulas remotas, sem o afeto dos sentidos, intermediadas por uma tela?
Assim, chegamos à última das falsas premissas promovidas pela relação entre a pandemia da covid-19 e a educação: o isolamento social teria apenas adiantado o inevitável uso das máquinas. A internet chegou às nossas casas somente nos anos 1990, intensificando sua presença no cotidiano no começo do século e se tornado elemento intrínseco à vida nesta década, com a popularização dos smartphones e das redes sociais. Não obstante, pensar em máquinas na educação não é antecipar o futuro, mas retroceder, pelo menos aos anos 1950.
Afinal, foi nessa década em que Skinner (1972) revelou como suas máquinas de ensinar poderiam muito bem substituir os professores na educação escolar tradicional de transmissão de conteúdos. Ao invés de se ter um professor fazendo preleções para um coletivo de estudantes capazes de absorver tais conteúdos de maneiras irregulares, cada um iria trabalhar sozinho em uma máquina, avançando no seu próprio ritmo. Curioso é notar que a proposta de Skinner (1972) não era a de substituir o professorado, mas, antes revelar o quanto a educação tradicional era caduca, sendo facilmente realizada de forma mecânica. Como afirmado anteriormente, combater as premissas ressaltadas pela pandemia é algo exaustivo e repetitivo, pois já tem alguns anos que deixei registrado que a tão desejada renovação pedagógica não depende dessa tecnologia digital da internet (HERRÁN; FORTUNATO, 2017).
Mas, assim como o slogan freinetiano de “abaixo às aulas” foi ignorado pela tradição escolar, a tácita crítica das maquinas de ensinar skinnerianas permaneceu longe de incomodar as práticas cotidianas das instituições de ensino. Ao invés de se promover uma transformação das aulas a partir da compreensão de que tudo isso era apenas repetição, passou-se a insistir em tratar o ensino como a inclusão forjada de técnicas de ensino tradicional sob outros rótulos, como metodologias ativas5, ou a imposição do uso de tecnologias digitais por meio de algo nomeado como ensino híbrido6em nome do inevitável futuro virtual porvir.
Dessa maneira, aqui foi argumentado que docentes não trabalham apenas em sala de aula e pela sala de aula (preparando sua fala e corrigindo as atividades), mas na orientação e no aprendizado conjunto. Também foi argumentado o quanto inapropriado é se pensar em aulas para se “prender a atenção do alunado”, pois o problema é a própria aula como elemento central de uma educação tradicional entendida como ultrapassada. Ainda, foi revelado que a tecnologia na educação não é inovação, assim como sua hibridez não é algo inédito e não será sua tábula da salvação.
Com isso, as três principais premissas como vultos da pandemia da covid-19, pinçadas da experiência, foram rebatidas. Tais embustes, por sua vez, trazem à tona a nostalgia de um tempo em que se vivia uma educação de orientação e aprendizados, de desafios e experiências. Esse tempo não é do antigamente no qual se imagina que as coisas eram melhores. Esse tempo é, literalmente, um dia antes do decreto da quarentena.
Da nostalgia da Educação no mundo concreto
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
(Casemiro de Abreu, Meus Oito Anos, 1857).
Assim como o poeta lista tudo o que sente falta e que lhe parece não poder mais vivenciar, também vou fazer uma lista, curta, daquilo que tem mais provocado saudades neste ano de pandemia. Nesses longos meses de isolamento, posso dizer: Oh! que saudades que tenho de estar em sala de aula, interagindo, provocando e sendo provocado a aprender sobre diversos aspectos da vida; saudades das rodas de conversa no chão da sala, nos corredores do Instituto ou mesmo ao ar livre; que falta faz pensar, planejar e criar atividades desafiadoras e empolgantes que nos fazem aprender a manejar os problemas e ao mesmo tempo entreter! Saudades das chamadas “missões educativas” (FORTUNATO, 2018d), pelas quais havia interação e intervenção nos mais variados lugares de educação, desde as escolas de educação básica e técnica, passando pelas organizações não-governamentais e os locais de reclusão social, como a Fundação Casa e os presídios, e até mesmo a própria cidade como história e cultura.
É quase certo de que há algo de romantismo nessa listagem, pois nela estão imbuídos ideais e sentimentos muito subjetivos, colhidos a partir de um cotidiano educacional emergencialmente remoto da pandemia, vivido com dissabor. Tecer tal lista é um escapismo, cuja definição, emprestada do Cambridge Dictionary7, diz respeito a uma “maneira de se evitar coisas desagradáveis ou entediantes”. Trata-se, portanto, de encontrar uma rota de fuga por meio do pensamento, da imaginação, leitura e/ou escrita de atividades mais empolgantes, interessantes, proveitosas etc., mas impossíveis. Vale, ainda, considerar esse escapismo exatamente como delinearam Jones, Cronin e Piacentini (2018, p. 498): “a separação auto-selecionada de si mesmo de sua realidade imediata8”, ou, ainda, no entendimento de Stenseng, Rise e Kraft (2012, p. 19), como os “alívios da rotina e obrigações do dia a dia” e até mesmo como um “mecanismo de sobrevivência humana9”.
Aliás, os estudos de Stenseng, Rise e Kraft (2012) revelam que exercer o escapismo – popularmente conhecido por válvula de escape, ou atividade para extravasar – opera de duas maneiras. Uma delas, chamada de self-expansion, promove o foco, amplia a motivação e o engajamento. A segunda, nomeada sefl-supression, tira o foco e se torna um exercício preventivo, pois, embora não eleve o empenho e a vontade de desenvolver determinada atividade, faz com que se desvie a atenção daquilo que é enfadonho, cansativo, estressante etc.
Dessa forma, a lista do tipo Oh! que saudades que tenho... do tempo em que os processos educativos se desenvolviam presencialmente, no Instituto, se torna uma evidente forma de escapismo do tipo self-supression. Bem, se dar nome à coisa ajuda a percebê-la melhor, ampliar sua percepção ajuda na sua compreensão e na tomada de decisão – optar entre manter o fluxo atual ou direcionar a energia para outras atividades. Como já foi demonstrado em outro estudo, essa é uma possível chave da resiliência de si, na qual se busca enfrentar os próprios entraves a uma vida plena (FORTUNATO; SCHWARTZ, 2019). Nesse tempo de isolamento, pandemia e a emergência de um modelo remoto para dar alguma continuidade ao ensino regular, a nostalgia se torna o escape, pois, ao estar ancorado nas possibilidades do que já foi ajuda a manter o momento atual em perspectiva.
Começo então, por aquilo que se torna mais evidente pelo ensino mediado pela internet e seus gadgets: as pessoas não estão ali, pois, mesmo que estejamos todos conectados ao mesmo tempo, cada qual está em um contexto próprio. Isso não tem nada a ver com alguma frustração pessoal referente às possíveis distrações ocasionadas por desinteresse, pois isso era algo frequente nas aulas em um mundo concreto. Mas, no mundo concreto, era possível organizar atividades distintas para diferentes grupos ou conduzir orientações individuais, tudo ao mesmo tempo, numa mesma sala ou ocupando locais diversos. Isso leva a outra amargura do ensino remoto: ficamos presos ao dispositivo de escolha, tornando muito difícil dinamizá-lo; em um mundo concreto, é possível levantar e caminhar, juntar-se a um grupo desenvolvendo um protótipo em uma bancada e, em seguida, migrar para outro grupo realizando uma roda de discussão na grama e, entre um e outro, atender individualmente um estudante que apresenta uma ideia de projeto de iniciação científica ou pós-graduação ou de extensão ou sobre algo nada relacionado com a aula, mas com a vida. Conversações importantes e fundamentais na formação universitária, como bem declarou, por exemplo, Peter Singer (2016) ao explicar o quanto é necessário esse contato pessoal com os estudantes, mas que cada vez mais vai se perdendo.
Além da dispersão potencial e do aprisionamento da máquina, outro elemento bastante angustiante do ensino remoto é a questão de que se ressalta, neste modelo, a aula. A aula do tradicionalismo, do slogan “abaixo às aulas”, do conteúdo curricular como elemento único da mediação pedagógica. Ao deixar expresso no título de sua obra, Harper et al. (1980) afirmaram ser necessário tomar “Cuidado, escola”, afinal:
A escola trata a todos da mesma maneira, todos devem ter o mesmo ritmo de trabalho, com o mesmo livro, o mesmo material, todos devem aprender as mesmas frases, saber as mesmas palavras. Todos devem adquirir os mesmos conhecimentos, devem fazer os mesmos exames, ao mesmo tempo. (HARPER et al., 1980, p. 54).
As indignações contidas nesta obra, publicada 40 anos atrás, no início da década de 1980 sobre uma educação arcaica, ultrapassada, que não se inscreve no cotidiano dos educandos são muito parecidas com as de Célestin Freinet da década de 1920 e até as de João Coménios, lá no século XVII. Voltamos, assim, a uma das premissas equivocadas discutidas na seção anterior, revelando, portanto, que o intenso amargor de se lecionar no modelo emergencialmente remoto é o de viver na contradição de se batalhar contra o tradicionalismo ao mesmo tempo em que os meios limitam a ação pedagógica ao tradicional.
Essas críticas também encontram eco nas ideias de Alexander Sutherland Neill, mestre escola do início do século passado que, cansado, indignado, consternado, furioso etc., com o modo escolar de tratar todos os estudantes da mesma maneira, exigindo de todos as mesmas tarefas ao mesmo tempo e no mesmo momento, abandonou tudo para criar a escola livre de Summerhill. Ao contar sobre sua história de fracasso como professor em uma escola regular antes de tomar coragem de iniciar seu empreendimento sobre liberdade na educação, Neill (1978) explica seus pressupostos fundantes.
Primeiro, acreditava que um currículo imposto pelas autoridades escolares e reproduzido nas salas pelos professores não era educação, pois implicava introduzir à força seus conteúdos. À força, nessa época, tinha sentido literal de castigo físico aos estudantes que não soubessem as contas das tabuadas ou as capitais dos países. Por isso, Neill (1978, p. 83) teria registrado o seguinte: “Se eu obrigasse todos estes jovens a ficar sentados prestando esforçadamente atenção ao que falo, não estaria treinando-os a enfrentar dificuldades. Estaria simplesmente oprimindo-os, fazendo deles uma raça dependente”.
Esse primeiro pressuposto é algo bastante visto e vivido na educação formal. Certo que há alguns anos tenha sido incluído a ideia de que o estudante precisa desenvolver sua própria autonomia e, com isso, às vezes questionar com dúvidas as afirmações dadas nas preleções de seus professores e registradas no seu livro didático, apostila ou material de apoio. Não obstante, essas dúvidas e até mesmo críticas sempre circundam o currículo, como se ao demonstrar interesse por assunto alheio à fala do professor ou da professora fosse sinônimo de afrontamento à autoridade. Esse tem sido grande obstáculo ao slogan “abaixo às aulas”, pois amiúde os estudantes perguntam coisas como “o que o senhor [professor] espera deste trabalho a ser entregue?” ou “o que exatamente o senhor quer que a gente aprenda?” e assim por diante.
O segundo pressuposto segue essa mesma linha de pensamento, pois tem relação direta com a forma como os docentes apresentam (ou passam) os conteúdos aos seus estudantes. A esse respeito, Neill (1978, p. 34) foi categórico: “Não devemos dizer: Isto é certo, porque não sabemos o que é certo; não devemos dizer: Isto é errado, porque não sabemos o que é errado”. Mesmo que algumas vezes a gente possa ter absoluta certeza de serem certas, a maioria cai numa categoria qualificada pelo autor de “sem sentido”. E é quase sempre isso mesmo.
Por exemplo, ao trabalhar determinada teoria de aprendizagem com uma turma de licenciatura, essa teoria pode ter sido incluída na ementa por mim mesmo ou por outro docente, ou seja, pelo responsável pela produção do documento. Pois bem, apresentar e tratar como certa tal teoria é apresentar e tratar como certa a minha (ou a de outro/a) experiência; ou pior, essa teoria pode nem ter sido vivenciada, mas passa a ser tratada como certa. E desde que tomei contato com esses escritos de Neill (1978) tenho colocado em xeque o que significa ensinar, afinal, concordo em gênero, número e grau com essa ideia de que tudo o que vier a lecionar é algo importante para mim. Por isso é mais interessante e educativo aprender em conjunto do que ensinar o que se sabe.
Dessa maneira, Neill (1978) teria proposto o fim do currículo. Isso levaria a dois elementos fundamentais para a educação: sem a imposição curricular, os estudantes ficariam livres para aprender o que lhes interessasse mais; além disso, sem a existência de um currículo pré-definido, não haveria o ensino em massa, pois não seria possível seriar a educação. No caso de não haver currículo, estudantes aprenderiam coisas muito distintas, fazendo com o que o professor ou professora assumisse de fato seu papel de pesquisador e de quem aprende junto.
Mas, porém, contudo, todavia... o modelo emergencial remoto tem seus mecanismos que tendem a inibir o trabalho individual e cooperativo das descobertas, pois a mediação pelas telas e o tal ambiente virtual de aprendizagem como repositório de conteúdos e atividades limita o trabalho da má e velha conhecida fórmula da educação. Claro que pode haver rotas alternativas e meios de se fazer valer as ideias contrárias às falsas premissas erguidas pelo contexto de isolamento da pandemia. Penso, inclusive, que diversos colegas docentes já encontraram esses caminhos. Por outro lado, permaneço resignado, não localizando meios de superar o tradicionalismo no modo remoto. Em partes, isso dá pelo número relativamente alto de disciplinas e pela enorme burocracia envolvendo a função atual na coordenação de curso. Mas, principalmente, por abominar as interações remotas via computador ou aparelho celular... a tela é cansativa, o uso de microfone e fones de ouvido é exaustivo e, principalmente, a imobilidade do corpo tende a travar também a criatividade. Resta fazer uso de atividades de leitura, fichamento, pesquisas e fóruns, seguindo o trajeto desenhado no currículo.
Com tudo isso, a nostalgia de um tempo não muito distante chega intensa. Ao invés de investir horas na busca por um artigo de qualidade, capaz de provocar reflexões sobre determinado tópico da ementa, gostaria de estar junto com os estudantes desbravando trilhas ou mesmo revisitando trajetórias já tomadas, mas com outros olhares. Latente exemplo é a ação coletiva planejada na disciplina Educação, Cultura e Sociedade, ofertada no começo do ano de 2020 ao terceiro semestre da licenciatura em Física. Depois de algumas semanas de discussões, utopias, planejamento e replanejamento, deliberamos a condução de duas grandes ações para o semestre, começando por um tema bastante relevante no curso: mulheres cientistas e mulheres na ciência. O tema seria desenvolvido por meio de um roteiro de seis semanas, começando com uma Conversa Geradora, passando por um debate planejado e mediado, seguindo para a produção de uma síntese coletiva, que iria gerar a produção de um mural coletivo, encerrando-se em uma revisão por escrita contendo os aprendizados e uma autoavaliação.
Pois bem, na sexta-feira, dia 13 de março de 2020, reunimos em nosso auditório cerca de uma centena de estudantes do Ensino Médio e Superior para participarem da Conversa Geradora. Foram convidadas professoras, mulheres, mães, cientistas, pesquisadoras... para compartilharem suas experiências vividas, as dificuldades, os preconceitos, os enfrentamentos etc. Houve o momento de ouvi-las e o momento de fazer perguntas. Era apenas a primeira semana de um trabalho coletivo neste tema. Mas, se na sexta-feira foi possível realizar uma atividade pedagógica com uma centena de jovens dentro de uma mesma sala, na segunda-feira, dia 16 de março, isso já havia se tornado altamente perigoso do ponto de vista sanitário. Desde essa referida segunda-feira, portanto, temos seguido os protocolos de isolamento social, colocando em apenso não apenas esse trabalho sobre mulheres na ciência, mas muitos outros. Posso citar a produção de horta como metáfora da vida e da escola, a pesquisa social com adolescentes a respeito da escola, bullying, drogas, álcool, sexualidade etc. Essas atividades foram ceifadas logo no começo, deixando no ar a esperança de se tornarem concretas algum dia. Assim, fica o contentamento em saber que o isolamento é uma prática capaz de salvar vidas, mas também fica a mágoa de deixar para lá tais práticas de aprendizado.
Ficamos com o calendário letivo suspenso por um bom tempo, até não haver outra alternativa senão retomar, em caráter emergencial, pelos meios virtuais. Mas, aí, já não faria sentido continuar com o que já tinha sido iniciado. Não somente por terem se desmanchado no ar, mas porque as limitações da tecnologia não permitiriam realizar tais tarefas que mobilizariam não apenas a cognição, mas, principalmente o afeto. Dessa forma, seguimos (lamentando) o ensino de mão única, partilhando conteúdos, dando comandos e verificando se foram recebidos e assimilados, colocando-os em duas pilhas: sim ou não.
Como já foi delineado, a modalidade emergencialmente remota limita as ações, os afetos e o próprio corpo. Tira a dinâmica do ensino e reduz o aprender a uma atividade individual, limitando o aprendizado coletivo a “tarefas em grupo” realizadas por meio de grupos de WhatsApp® e/ou algum outro aplicativo de videoconferências. Além disso, e talvez o mais angustiante e pesaroso elemento disso tudo é o fato de que o modelo mediado pela internet e seus gadgets de acesso virtual impossibilitam o desbravamento de ensinar o que não se sabe.
Ao descobrir, com Rubem Alves (1994), não apenas ser possível, mas essencial essa coisa de se ensinar o que não se sabe é que finalmente pude encontrar meios para proporcionar um efetivo “abaixo às aulas”. Ao invés de posar como alguém que detém conhecimentos certos e muito importantes para o futuro do alunado, percebi ser alguém que sabe algumas coisas, ao mesmo tempo em que desconhece inúmeras outras. E há um descompasso enorme entre o sabido e o não sabido, de forma que se torna muito menos enfadonho e muito mais desafiante transformar a aula num momento em que partilhamos nossos desconhecimentos. Juntos, somamos nossas ignorâncias e partimos em busca de novas sapiências. Foi como deixou registrado Rubem Alves (1994, p. 67): “Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas”.
Apenas como exemplos, inclusive já listados em outro texto (FORTUNATO, 2021, no prelo), aprendi rudimentos do jogo de RPG (Role Playing Game), da ideia de gamificação, e até mesmo a produzir um Show de Física. Aprendi, ainda, mais sobre o funcionamento da educação dentro do sistema prisional e da Fundação Casa, ou mesmo sobre crônicas, capoeira e meditação. Descobri um pouco mais sobre os cuidados com o solo para o plantio de uma horta, cactos e suculentas... enfim, aprendi coisas demais e ficou muito claro o quanto ainda posso aprender. De forma semelhante, os estudantes também relatam, a cada semestre, seus aprendizados por meio dessas aulas dinâmicas nas quais não há um ensinante, mas todos se tornam ensinantes... e aprendentes. Disso tenho muitas saudades, pois essa dinâmica de ensinar e aprender o desconhecido não se faz por meio de um modelo emergencial remoto mediado pela tecnologia virtual.
Considerações finais, ou 2021 e seu devir de esperança
We are meeting at a moment of confluence of crises of extraordinary severity, with the fate of the human experiment quite literally at stake10. (Noam Chomsky, Internacionalism or extinction, 2020).
Depois de rebater algumas premissas emergidas a respeito da profissão docente e da educação virtual como um futuro inevitável e de contar as saudades de um tempo anterior à pandemia, é chegado o momento de concluir. Para tanto, é preciso concordar com Chomsky: estamos em uma encruzilhada e esperamos sair dela com vida, dando continuidade à nossa existência planetária.
Contudo, é preciso um alerta. Parece, ao longo do texto, que há um latente desejo de retornar à educação presencial, visceral... Não obstante, retorno se torna, então, uma palavra muito cara neste contexto, pois se imagina uma volta à normalidade ou, como se observa com bastante frequência, uma premissa de um “novo normal”. Ora, não há nada de normal numa vida exclusivamente cibernética, muito menos nessa coisa de doença altamente contagiosa, afastando as pessoas. Aqui se torna evidente a encruzilhada mencionada por Chomsky: ou mudamos, ou estamos fadados a um retorno que irá produzir, em breve, outro vírus ou alguma guerra ou alguma maneira de sermos contrários a nós mesmos... nem que seja apenas a produção excessiva de estresse e ansiedade.
Por isso, não podemos ignorar as palavras de Alexander Neill (1978), ao desejar que a educação sirva para orientar cada um a descobrir o seu melhor – não no sentido de competências para o trabalho, mas para o que gosta e sente bem fazendo. Ainda, Neill (1978, p. 34) foi bastante incisivo ao deixar expresso que o mundo como o conhecemos, de forma generalizada, é “um grande cortiço”. Números absurdos de pessoas abaixo da linha da pobreza, sem alimentação, saneamento e saúde. Pessoas escravizadas, contrabandeadas. Taxas altíssimas de mortes, bestas, causadas por futilidade ou ganância. Desmatamentos, desflorestamentos, lixos espaciais e oceanos de plástico... a lista segue, bem comprida. Assim, desejar o retorno é apenas o retorno aos encontros presenciais, sem a angústia da máquina.
Parece, contudo, que o prognóstico de Chomsky não será levado a sério. Desde o início do isolamento da pandemia da covid-19 temos visto e ouvido que o mundo não pode parar, é preciso continuar. Continuar ampliando o cortiço visto por Neill, talvez. O ensino remoto dá essa ideia de continuidade, de que não se pode parar... é preciso seguir em frente, indo. Para onde? Não se sabe bem, mas é provável que se siga em frente até a próxima paragem, seja uma nova pandemia, ou um pós-neoliberalismo ainda mais devorador ou alguma outra forma de atentar contra a vida.
Espero o contrário.
Espero que o retorno ao mundo da educação presencial seja o momento de entender que há outra forma da vida continuar. Mais afetiva e menos produtiva. Quem sabe?!
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas de autor
Información adicional
Como referenciar este artigo: FORTUNATO, I. 2020 e a pandemia do ensino remoto. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 25, n. 2, p. 1053-1070, maio/ago. 2021. e-ISSN:1519-9029. DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v25i2.15194