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COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NO ÂMBITO DA POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES (2007-2016): A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA NACIONAL ESCOLA DE GESTORES
COORDINACIÓN PEDAGÓGICA EN EL MARCO DE LA POLÍTICA NACIONAL DE FORMACIÓN DOCENTE (2007-2016): LA EXPERIENCIA DEL PROGRAMA NACIONAL ESCOLA DE GESTORES
PEDAGOGICAL COORDINATION WITHIN THE NATIONAL POLICY ON TEACHER TRAINING (2007-2016): THE EXPERIENCE OF THE PROGRAMA NACIONAL ESCOLA DE GESTORES
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NO ÂMBITO DA POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES (2007-2016): A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA NACIONAL ESCOLA DE GESTORES
Revista on line de Política e Gestão Educacional, vol. 25, núm. 3, pp. 2117-2131, 2021
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Recepción: 16 Junio 2021
Recibido del documento revisado: 16 Julio 2021
Aprobación: 20 Agosto 2021
Publicación: 08 Diciembre 2021
Resumo: Este artigo analisa a identidade e o trabalho do coordenador pedagógico (CP) na gestão cotidiana das escolas, a partir do Curso de Especialização em Coordenação Pedagógica, no âmbito do Programa Nacional Escola de Gestores ofertado pela Universidade Federal de Ouro Preto. O CP tem um papel fundamental na organização e gestão da escola. Por ser considerado um formador de formadores, seu trabalho é decisivo para que esse processo se efetive, além de fortalecer a equipe gestora. Os dados que subsidiam a discussão advêm da codificação de 273 Trabalhos de Conclusão de Curso desenvolvidos pelos cursistas durante a vigência do Programa. As análises revelam que os cursistas compreenderam e problematizaram as questões relativas à gestão escolar e sua atuação, associadas à identidade da profissão. O artigo também denuncia o desmonte da Política Nacional de Formação de Professores e, consequentemente, a interrupção do PNEG, a partir do golpe parlamentar de 2016.
Palavras-chave: Coordenador pedagógico, Formação de professores, Política educacional, Programa Nacional Escola de Gestores.
Resumen: Este artículo analiza la identidad y labor del coordinador pedagógico (CP) en la gestión diaria de las escuelas, desde el Curso de Especialización en Coordinación Pedagógica, en el ámbito del Programa Nacional Escola de Gestores que ofrece la Universidad Federal de Ouro Preto. El PC tiene un papel fundamental en la organización y gestión de la escuela. Al ser considerado un formador de formadores, su trabajo es decisivo para que este proceso sea efectivo, además de fortalecer al equipo directivo. Los datos que sustentan la discusión provienen de la codificación de 273 Trabajos de Conclusión del Curso desarrollados por los participantes del curso durante la duración del Programa. Los análisis revelan que los participantes del curso entendieron y discutieron temas relacionados con la gestión escolar y su desempeño, asociados a la identidad de la profesión. El artículo también denuncia el desmantelamiento de la Política Nacional de Formación Docente y, en consecuencia, la interrupción del PNEG, a partir del golpe parlamentario de 2016.
Palabras clave: Coordinador pedagógico, Formación del profesorado, Política educativa, Programa de La Escuela Nacional de Gerentes.
Abstract: This article analyzes the identity and work of the pedagogical coordinator (CP) in the daily management of schools, from the Specialization Course in Pedagogical Coordination, within the scope of the Programa Nacional Escola de Gestores offered by the Federal University of Ouro Preto. The CP has a fundamental role in the organization and management of the school. As he is considered an educator of educators, his work is decisive for this process to be effective, in addition to strengthening the management team. The data that support the discussion come from the codification of 273 Course Conclusion Works developed by the course participants during the Program's duration. The analyzes reveal that the course participants understood and discussed issues related to school management and its performance, associated with the identity of the profession. The article also denounces the dismantling of the National Policy for Teacher Formation and, consequently, the interruption of the PNEG, after the 2016 parliamentary coup.
Keywords: Pedagogical coordinator, Teacher formation, Educational policy, Programa Nacional Escola de Gestores.
Introdução
Este artigo analisa a identidade e o trabalho do coordenador pedagógico (CP) na gestão cotidiana das escolas, a partir do desenho do Curso de Especialização em Coordenação Pedagógica (CECP), dentro das ações do Programa Nacional Escola de Gestores (PNEG) na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). A análise é voltada para a articulação dos eixos que dialogam sobre o papel do coordenador em interface com a gestão escolar. Os dados que subsidiam a discussão advêm da codificação de 273 Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) desenvolvidos pelos cursistas do CECP durante a vigência do Programa.
Segundo Oliveira et al. (2018), ao reconhecer a centralidade da formação dos profissionais da escola pública como um dos pilares que assegurariam o desenvolvimento da educação no Brasil, o Ministério da Educação (MEC), nos governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), implantou um conjunto de políticas com vistas a garantir o direito à educação pública de qualidade – a política nacional de formação de professores (2007-2016). Dentre as diversas ações financiadas pelo MEC estava o PNEG, que consistiu na oferta de cursos de especialização latu sensu de Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica em parceria com universidades públicas.
Comprometida com os princípios orientadores para a implementação do PNEG durante sua vigência, a UFOP aderiu ao Programa em 2011 e ofertou formação a dirigentes escolares da educação básica pública no estado de Minas Gerais entre 2012 e 2017, quando o Programa foi descontinuado pelo Governo Federal, após o golpe de 2016. Nesse âmbito, 450 cursistas matriculados em 10 polos de apoio presencial participaram da formação em Coordenação Pedagógica e, desse total, 61% obtiveram o título de especialista.
Segundo Paro (2010), o CP tem um papel fundamental na dinâmica e na gestão da escola, especialmente na pública. As funções exercidas por esse ator complementam e fortalecem a equipe gestora, e servem como conexão dos diversos atores que transitam na escola, dinamizando relações, oportunizando parcerias, troca de saberes e experiências.
De acordo com Placco et al. (2012), o CP é um ator-chave para a dinamização e melhoria do trabalho de gestão escolar, ao estimular o grupo sob sua coordenação na busca pela melhoria do trabalho empreendido, proporcionando espaços de troca e/ou momentos de formação voltados para a aquisição de novos conhecimentos e saberes, que conferirão subsídios para o enfrentamento dos desafios vivenciados no ambiente escolar. Por isso, a formação do CP é relevante para a melhoria da qualidade da educação. É nesse contexto, que os autores alertam para a necessidade de o CP investir sempre na sua própria formação e para a busca permanente da superação dos desafios inerentes à sua prática. Por ser considerado um formador de formadores na escola, é relevante oportunizar a esse ator, tempo para a realização de sua formação, uma vez que isso contribuirá para que o processo de melhoria da qualidade educacional se efetive na escola.
Nesse contexto, essa pesquisa, de natureza exploratória, se deu a partir da análise das temáticas mais relevantes aprofundadas em 273 TCC’s produzidos pelos cursistas do CECP na UFOP, a partir de quatro eixos: (i) o papel do coordenador pedagógico no desenvolvimento da educação e da escola; (ii) avaliação escolar; (iii) Projeto Político Pedagógico (PPP) e a organização do ensino e (iv) currículo escolar.
O artigo está estruturado em três seções, além da introdução e das considerações finais. A primeira seção caracteriza a identidade do CP e seu papel na gestão da escola. Na segunda seção, é apresentado o PNEG, além da estruturação do CECP e como ele se insere dentro do desenho do PNEG. A terceira seção traz a análise dos dados levantados, a partir dos TCC’s desenvolvidos pelos cursistas.
O Coordenador Pedagógico como ator-chave na gestão escolar
As reformas educacionais iniciadas na década de 1990 impuseram à escola pública brasileira um processo de reestruturação de modo a incorporar novas, mais flexíveis e eficientes formas de organização e administração. Segundo Libâneo et al. (2012), se por um lado, tais modificações têm relação direta com a reforma do Estado e com a eficiência na oferta de educação de qualidade, por outro, esse processo também está ancorado no fortalecimento da gestão democrática, indispensável para que tais instituições se tornem espaços mais participativos, horizontais, orgânicos e inclusivos.
No que se refere à gestão escolar, Coelho (2019) afirma que sua democratização emerge como um dos eixos prioritários do processo político-pedagógico e administrativo, por meio do qual se orienta e organiza a oferta da educação pública de qualidade. Ao concordar com Nóvoa (1995) em sua afirmativa de que a escola é uma arena complexa e que seu cotidiano é permeado por processos dinâmicos, porém, não acertadamente divididos entre o administrativo e o pedagógico, entendemos que a gestão não está circunscrita à função do diretor. Pelo contrário, há um conjunto de atores que atuam nesse processo, compartilhando decisões e contribuindo para que a escola funcione. O CP é um desses atores-chave.
Segundo Abramowicz et al. (2011), como a escola pública está inserida em um contexto de inclusão, de efetivação de direitos e da noção de cidadania, seu currículo está comprometido com a diversidade e com o reconhecimento social e cultural, regido pelos princípios da democracia e da igualdade social. Do ponto de vista pedagógico e político, o trabalho desenvolvido pelo CP é estratégico, cabendo-lhe a articulação dos diversos setores e atores que compõem esse universo: direção, docentes, pais, discentes, funcionários, evolvendo toda a comunidade escolar.
Conforme Placco et al. (2012), ao se pensar na figura do CP na história da educação brasileira, especialmente em tempos de reformas educacionais, pensa-se em um profissional apto a acompanhar as mudanças que incidirão no contexto das escolas. Nas redes estaduais e municipais educacionais brasileiras, as atribuições do CP, definidas pela legislação, envolvem desde a liderança no desenvolvimento do PPP até funções administrativas de assessoramento da direção, mas, sobretudo, atividades relativas ao funcionamento pedagógico da escola e de apoio aos professores, além da formação continuada docente.
É por isso que a qualificação do CP é importante para dar a esse ator condições de melhor contribuir para que a escola pública oferte educação de qualidade. Como o CP lida com a formação docente, diferentes legislações, questões atinentes ao currículo, processos de ensino e aprendizagem e com as demandas cotidianas da escola, ações voltadas à sua formação continuada são cruciais para a constituição de sua identidade profissional e para fortalecer seu papel como parte da equipe de gestão da escola.
Em relação à identidade do CP, diversos autores enfatizam a natureza de suas funções no contexto escolar. Gatti (2011) afirmam que muitos fatores marcaram a identidade do CP no Brasil, desde a incerteza do surgimento desta categoria profissional até a passagem por diversas nomenclaturas e os processos formativos nos cursos de graduação, que se modificaram muito. Para Mate (1998), o CP deveria ser o profissional articulador de práticas pedagógicas e reflexivas no cotidiano escolar e não o burocrata que, em sua maioria do tempo, opera no “apagar de incêndios” diários.
Ao aprofundar essa discussão, Guimarães (2007) destaca que o trabalho realizado pelo CP é constituído por um emaranhado de atividades que denotam improvisação e um transitar entre diversas rotinas que são típicas da dinâmica cotidiana de uma escola: cobrir faltas de professores; acompanhar a entrada e a saída de alunos e professores; auxiliar a secretaria e a direção nas atividades burocráticas; organizar projetos para atender à comunidade; ler relatórios de estágio; atender alunos; intervir em problemas de indisciplina; organizar reuniões pedagógicas; representar a escola nas reuniões externas; além de uma infinidade de atividades emergenciais que demandam sua atenção. Segundo a autora, esse contingente de afazeres pode comprometer o desempenho das funções do CP.
Ao conjugar a discussão proposta por esses autores, depreende-se que a identidade do CP é permeada por dilemas que envolvem a forma como sua função é interpretada e desempenhada. Nesse sentido, Franco (2008) aponta a falta de formação inicial para o exercício da função de coordenação pedagógica como um dos grandes entraves para que esses profissionais se percebam capazes de construir um trabalho de qualidade ou eficiente na escola. Essas tensões ao redor do desalinho entre a formação inicial e os obstáculos vivenciados no contexto escolar sugerem relevância da formação continuada do CP, com vistas a fortalecer a gestão e assegurar a convergência entre as diversas dimensões que conformam o cotidiano escolar.
O PNEG e o Curso de Especialização em Coordenação Pedagógica na UFOP
No intuito de fortalecer a organização, a democratização e as práticas pedagógicas das escolas públicas brasileiras, o MEC, nos governos Lula e Dilma, financiou e implementou um conjunto de ações de formação docente no âmbito da Política Nacional de Formação Inicial e Continuada de Professores (GATTI, 2011). Dentre as prioridades estratégicas definidas, constava o reconhecimento da democratização da gestão da escola como um dos eixos prioritários para o fortalecimento dos processos político-pedagógicos e administrativos voltados para a elevação dos padrões de qualidade e desempenho, traduzidos nos indicadores das avaliações externas, notadamente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). É nesse contexto que o PNEG se inscreveu.
De acordo com Oliveira e Pena (2018), dentre as diversas ações atreladas ao Plano de Metas “Compromisso Todos pela Educação” e ao Plano de Desenvolvimento da Educação, o Programa, instituído em 2004 pela SEB em parceria com as secretarias estaduais de dez estados da federação brasileira1, pretendeu promover o fortalecimento da educação pública através da melhoria do Ideb das escolas e dos municípios atendidos pelo PNEG. Entre 2007 e 2016, o PNEG integrou as ações de formação continuada docente, coordenada pelo MEC. O Programa era composto por três cursos ofertados na modalidade a distância: Especialização em Gestão Escolar (400 h/a); Especialização em Coordenação Pedagógica (405 h/a) e Aperfeiçoamento em Gestão Escolar (106 h/a).
O CECP tinha como público-alvo os profissionais das escolas públicas que exerciam a função de CP ou equivalente, integrantes das equipes gestoras escolares. Segundo o MEC, a formação continuada do CP, ofertada no âmbito do PNEG, justificou-se pelo fato deste profissional desempenhar um importante papel de articulador e integrador dos processos educativos. Ao reconhecer o CP como parte da equipe gestora, o MEC compreendeu seu trabalho como decisivo para o desenvolvimento da aprendizagem, do conhecimento, do trabalho coletivo e interdisciplinar, da ética e da cidadania, na perspectiva de uma educação e de uma sociedade cada vez mais inclusiva (BRASIL, 2009).
Outra justificativa para tal iniciativa residiu no fortalecimento da identidade dos educadores que desempenham essa função. Tonini e Oliveira (2015) argumentam que, apesar de ser reconhecida a importância do trabalho do CP para o pleno desenvolvimento da função da escola, sabe-se que tais sujeitos convivem com dificuldades e enfrentam obstáculos na realização de sua tarefa uma vez que seu trabalho é, muitas vezes, incompreendido pelos demais atores que ali atuam. Por outro lado, a própria dinâmica das escolas faz com que o CP assuma um conjunto de funções que tornam sua atuação profissional difusa.
Visando à expansão das capacidades desses profissionais para uma ação mais analítica e resoluta de problemas, melhor gestão da elaboração, do desenvolvimento e da organização do trabalho pedagógico e aprimoramento do processo de ensino e aprendizagem, a formação no PNEG se orientou no sentido de: promover a reflexão sobre o trabalho pedagógico e gestão democrática; possibilitar vivências de processos de produção do conhecimento voltados à compreensão da escola em suas determinações; estimular o desenvolvimento de práticas de coordenação do trabalho pedagógico favorecendo a aprendizagem efetiva e melhoria do desempenho escolar; contribuir para a reflexão e a prática do CP para a realização do processo de ensino e aprendizagem; possibilitar o aprofundamento dos debates sobre a construção coletiva do PPP, além da articulação, integração e organização das ações pedagógicas (BRASIL, 2009).
Na UFOP, os cursistas foram acompanhados por uma equipe polidocente2 composta por dois coordenadores (doutores); professores de turma (mestres); assistentes de turma (especialistas), professores formadores e orientadores de TCC. Os profissionais integrantes da equipe polidocente do CECP eram responsáveis pelo processo de ensino e aprendizagem e seu trabalho incluía a organização das disciplinas e conteúdos, gerenciamento da equipe de formadores, acompanhamento e orientação virtual e presencial dos alunos e adequação dos conteúdos ao desenho instrucional da formação, conforme disposto na figura 1:
Em relação ao desenho do CECP no âmbito do PNEG, os cursistas, durante o período de formação realizado na modalidade a distância, participaram de encontros presenciais na cidade de Ouro Preto voltados à apresentação do curso, treinamento orientado para o uso do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), fechamento do primeiro bloco de disciplinas, realização das avaliações presenciais e apresentação dos TCC’s.
Com vistas à promover a reflexão sobre as distintas esferas da atuação do CP, a proposta curricular do CECP priorizou a reflexão sobre a teoria a partir da prática, valorizando a experiência e os saberes do CP, coadunada com a discussão desenvolvida por Tardif (2014). O CECP foi organizado por temáticas congregadas em nove salas ambientes, conforme disposto no quadro 1:
| Sala Ambiente | Carga Horária |
| Introdução ao Curso e ao Ambiente Virtual | 15 horas |
| Realidade Escolar e Trabalho Pedagógico | 30 horas |
| Projeto Político-Pedagógico e Organização do Ensino | 45 horas |
| Currículo, Cultura e Conhecimento Escolar | 45 horas |
| Avaliação Escolar | 45 horas |
| Práticas e Espaços de Comunicação na Escola | 45 horas |
| Aprendizagem Escolar e Trabalho Pedagógico | 45 horas |
| Políticas Educacionais e Gestão Pedagógica | 45 horas |
| Tópico Especial | 45 horas |
| Metodologia do Trabalho Científico | 45 horas |
| Total | 405 horas |
Hospedadas na Plataforma Moodle, as salas ambientes serviam como espaços virtuais para a interação e comunicação de forma síncrona e assíncrona entre os cursistas, ou entre eles e a equipe de formação, dando sentido aos processos formativos ao longo do curso. Todo esse percurso culminou na elaboração dos TCC’s, atividade que articulou e deu sentido aos eixos temáticos do CECP e ao projeto de intervenção realizado em cada escola, objeto da próxima seção.
Os TCC’s e os sentidos da formação na UFOP
Segundo Santanna et al. (2016), o TCC foi pensado e desenvolvido ao longo de todo o processo de formação. Orientados por um professor orientador, os cursistas desenvolveram um projeto de intervenção pedagógica que foi implantado na escola em que atuavam. A elaboração desse projeto pretendeu que o cursista desenvolvesse uma visão clara sobre questões concretas relacionadas com o cotidiano de sua escola e com o trabalho de coordenação por ele desempenhado. O cursista implementou o projeto e, ao final, redigiu um relatório das ações desenvolvidas no campo. Na última fase do processo, os orientadores auxiliaram-nos na escrita do TCC, sob a forma de artigo, requisito obrigatório para a aprovação e certificação. Tal processo, materializado nesse percurso, pretendeu fazer com que os cursistas fossem capazes de, dialeticamente, distanciarem-se, temporariamente, de sua prática diária para se colocarem no lugar de pesquisadores, com um olhar ‘de fora’, forjado criticamente.
Segundo os dados compilados por Santanna et al. (2016), 273 trabalhos foram apresentados. Os artigos foram desenvolvidos a partir de quatro eixos temáticos que estruturaram e embasaram o desenvolvimento e implementação do projeto de intervenção, conforme disposto na tabela 1:
| Eixo temático | Nº de TCC’s | % |
| i. O papel do coordenador pedagógico no desenvolvimento da educação e da escolaImportar lista | 125 | 45,78% |
| ii. Avaliação escolarImportar lista | 76 | 27,83% |
| iii. Projeto Político Pedagógico e a organização do ensinoImportar lista | 55 | 20,14% |
| iv. Currículo escolarImportar lista | 17 | 6,25% |
| Total | 273 | 100% |
Dentro dos quatro eixos trabalhados, Santanna et al. (2016), elencaram os subtemas mais desenvolvidos pelos cursistas. No eixo o papel do coordenador pedagógico no desenvolvimento da educação e da escola, as temáticas mais recorrentes encontradas foram: 1) a coordenação pedagógica como orientadora docente e articuladora de práticas pedagógicas promotoras de aprendizagens (34 trabalhos); e 2) a atuação da coordenação pedagógica e os desafios enfrentados na instituição escolar (26 trabalhos). A respeito do primeiro subtema encontrado, as autoras esclarecem que, nos artigos, foram abordadas questões específicas relacionadas à atuação pedagógica do coordenador, ao seu papel de articulador de ações que buscam a superação de problemas cotidianos enfrentados na escola e seu papel de formador dos docentes.
Este achado corrobora as três dimensões que definem a atuação do CP no cotidiano da escola, elencadas por Almeida e Placco (2009): (i) articulador – oferta subsídios para que os docentes possam trabalhar coletivamente as concepções curriculares; (ii) formador – promove condições para que o docente possa aprofundar seus saberes em campos específicos e (iii) transformador da realidade – possibilita o questionamento sobre a prática do docente por meio de um processo reflexivo e crítico.
Nessa direção, Azevedo et al. (2012) argumentam que o CP é um profissional fundamental para a gestão da escola, uma vez que o relacionamento estabelecido entre ele e o corpo docente torna possível a construção de uma cultura de formação de qualidade na escola, a partir do momento em que o CP consegue estimular a equipe docente para torná-la investigadora de sua prática, motivada e empreendedora de estratégias bem formuladas para que o trabalho educativo de qualidade realmente aconteça. Para Silva (2017), este profissional é o parceiro que auxilia os professores nos planejamentos das aulas e contribui oferecendo apoio pedagógico aos docentes, abrindo caminhos para se alcançar o sucesso escolar.
No segundo eixo mais estudado pelos cursistas, a avaliação escolar, Santanna et al. (2016) encontraram subtemas que abordaram de maneira mais intensa a reflexão sobre as práticas avaliativas escolares com foco na mudança de olhar/objetivos das avaliações (32 trabalhos) e a educação infantil e sua especificidade avaliativa (12 trabalhos). Tais trabalhos evidenciam que o processo avaliativo é uma questão que exige do CP intervenções que permitam auxiliar no planejamento pedagógico do professor.
Segundo Lück (2009), a verificação e o acompanhamento dos resultados de uma escola representam o interesse específico da gestão na aprendizagem dos alunos e envolve a realização de processos e práticas de coordenação voltados à melhoria de seus resultados e do seu desempenho. Nesta perspectiva, Paro (2010) afirma que cabe ao gestor e sua equipe despertarem nos demais atores a motivação para que a escola possa melhorar seus níveis de rendimento e assiduidade de seus discentes.
Dentro dessa realidade, onde resultados avaliativos ganham destaque, estejam eles relacionados ao sistema de avaliação interna ou externa, o diretor é o principal responsável pela escola e tem a visão completa dos estratagemas que possibilitam, articulam e integram os vários setores e recursos rumo à oferta de um ensino de qualidade. E, caminhando ao seu lado, é o CP, que, segundo Libâneo (2004), responde pela viabilização, integração e articulação do trabalho pedagógico-didático em ligação direta com os professores.
Nesse trabalho conjunto, a apropriação dos dados das avaliações externas pelo diretor e pelo CP pode contribuir de forma significativa e efetiva para a reflexão sobre todas as áreas de gestão de uma escola e para a realização de sua função social na sociedade contemporânea, democratizando e garantindo o ensino de qualidade para os alunos.
Retomando os dados apresentados na tabela 1, o eixo o projeto político pedagógico (PPP) e a organização do ensino contou com 11 subtemas, sendo a reestruturação do PPP e a participação da comunidade escolar (12 trabalhos) e a construção coletiva/reelaboração do PPP e o planejamento do ensino (nove trabalhos) os que mais atenção receberam dos cursistas. Para Santanna et al. (2016), estes temas indicam que o PPP pode ser um forte dispositivo político na ação de (re)pensar a prática pedagógica da escola, reforçando o papel central do CP nesse processo.
Para Placco e Souza (2012), o trabalho do CP é definido em torno dos eixos de articulação, transformação e formação, de forma que o papel articulador se caracteriza pela mediação das relações interpessoais, pelo planejamento, organização e condução das reuniões pedagógicas e pela elaboração conjunta do PPP da escola. Cabe ao CP contribuir para que o diretor compreenda que ele não está sozinho para agregar forças e para articular uma equipe que o apoie na busca por alternativas que proporcionem uma gestão participativa, democrática e de qualidade na escola.
Segundo Coelho (2019), a questão da democratização dos espaços escolares e o sucesso de uma gestão escolar democrática e eficiente passa pela questão da participação de toda a comunidade escolar na elaboração e acompanhamento das diretrizes que norteiam as ações de uma escola. Consequentemente, a presença do CP se dá no sentido de articular e intermediar as relações entre as partes interessadas na elaboração e execução das normas e regras orientadoras das práticas e condutas escolares. Para o caso do PPP, o CP emerge como um ator estratégico no sentido de assegurar a descentralização do poder e a autonomia dos docentes.
O último grande eixo, currículo escolar, se dividiu em nove subeixos. Desses, inserir no currículo uma nova abordagem metodológica ou conteúdo e reflexão sobre o lúdico no currículo da educação infantil e do fundamental tiveram quatro trabalhos cada. Segundo as autoras, os trabalhos indicam que os cursistas destacam o papel do CP para a formulação de ações pedagógicas que subsidiem as práticas dos professores.
Nessa direção, Almeida e Placco (2009) defendem que o CP, na condição de sujeito transformador, deve comprometer-se com o questionamento, ou seja, deve conduzir o professor rumo à reflexão crítica em relação à sua prática. Sua participação no coletivo da escola deve se caracterizar pelo estímulo e permissão à pergunta, à dúvida, à criatividade, à inovação, o que fará com a que a escola se institua, não apenas como espaço de concretização do currículo, mas também como espaço aberto a mudanças curriculares necessárias e desejadas pelos docentes.
A partir da análise dos artigos produzidos nos quatro eixos, percebe-se a importância e a contribuição da formação no sentido de proporcionar aos cursistas a possibilidade de refletirem sobre sua própria prática, analisando-a criticamente e (re)significando-a, de maneira a superar os obstáculos encontrados. Da mesma forma, os trabalhos evidenciam a preocupação dos cursistas com a identidade do CP no contexto escolar. Nessa direção, Franco (2006) afirma que a identidade profissional do CP é contingenciada por uma multiplicidade de fatores interdependentes, resultando em uma série de representações que esse profissional tem de si e das funções que desempenha. Segundo Tardif (2014), esse profissional aciona saberes vinculados à sua história de vida pessoal; às condições concretas de trabalho; ao imaginário recorrente acerca da sua profissão; à gênese e ao desenvolvimento da função na história da educação brasileira e nos discursos que circulam no contexto social e cultural na rotina da escola.
Considerações finais
Ainda que a avaliação realizada por Santanna et al. (2016), indique que a experiência da UFOP possa ser considerada exitosa, a questão da formação dos profissionais da escola não pode ser compreendida apenas no nível micro ou como uma mera ação de capacitação, desvinculada de um conjunto de objetivos estratégicos. Pelo contrário, deve ser entendida como elemento norteador da ação pública, especialmente quando a escola e o desempenho da educação emergem como questões prioritárias para o desenvolvimento social do país.
Os governos de Luís Inácio e Dilma Rousseff avançaram nessa questão uma vez que houve, apesar de várias limitações e imperfeições, uma política de formação docente implementada no país. Entretanto, segundo Oliveira et al. (2018), no final do ano de 2016, devido à necessidade de ajustes fiscais, diversas ações de formação de professores sofreram uma sensível redução nos recursos ainda no governo de Dilma Rousseff. Com o impeachment, o Governo de Michel Temer (2016-2018) aprofundou os cortes em função do severo ajuste fiscal empreendido, fazendo com que várias dessas ações fossem descontinuadas. Dentre essas, foi anunciado o fim do PNEG, e dessa maneira, o CECP não teve outras turmas ofertadas pela UFOP e por nenhuma outra universidade no Brasil.
Com a clara ruptura na agenda educacional agravada pela eleição de Jair Bolsonaro em 2018, as preocupações com o financiamento e o fortalecimento da educação básica se acentuaram, aí incluída a formação dos professores que enfrentam, cotidianamente, os desafios vividos pela escola pública brasileira. Defendemos que a formação inicial e continuada dos profissionais da educação, em suas diversas dimensões, deve retornar à agenda pública através de um conjunto de ações que, articuladas, constituam uma política de formação implementada em nível nacional, com o apoio dos estados, dos municípios e das universidades públicas.
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Notas
Notas de autor
Información adicional
Como referenciar este artigo: OLIVEIRA, B. R.; COELHO, J. I. F. Coordenação Pedagógica no âmbito da política nacional de formação de professores (2007-2016): a experiência do Programa Nacional Escola de Gestores. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 25, n. 3, p. 2117-2131, set./dez. 2021. e-ISSN:1519-9029. DOI: https://doi.org/10.22633/rpge.v25i3.15202