RESUMO: O artigo analisa o Plano Amazônia Sustentável e o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal, estratégias de desenvolvimento que priorizam a interação entre inovação e arranjos institucionais territoriais. A aplicação de técnicas de análise espacial explicitou gaps entre os padrões espaciais subnacionais de interação entre agentes, capacidades e fontes de inovação sustentadas pela racionalidade industrialista, evidenciando limites na pretensão estratégica de impulsar, em territórios amazônicos, arranjos institucionais que embasem formas mais qualificadas de utilização dos recursos naturais. Demonstra-se aqui a desconsideração de conexões extrarregionais que influem na determinação do potencial endógeno de inovação dos territórios; além disso, trajetórias tecnológicas e padrões de reprodução de agentes relevantes não foram devidamente aquilatados na construção das estratégias. Essas incongruências fragilizam, sobremaneira, o dimensionamento, a abrangência, a extensão e as reorientações de arranjos institucionais necessárias para incorporar ciência, tecnologia e inovação a dinâmicas produtivas capazes de conformar um novo modelo de desenvolvimento na Amazônia brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Amazônia,Desenvolvimento e inovação,Desenvolvimento regional,Geografia da inovação.
ABSTRACT: The article analyzes the Sustainable Amazon Plan and the Ecological-Economic Macrozoning of the Legal Amazon, development strategies that prioritize the interaction between innovation and territorial institutional arrangements. The application of spatial analysis techniques made explicit gaps between subnational spatial patterns of interaction between agents, capacities and sources of innovation supported by industrialist rationality, highlighting limits in the strategic pretension of promoting, in Amazonian territories, institutional arrangements that support more qualified forms of use of natural resources. It is demonstrated here the disregard of extra-regional connections that influence the determination of the endogenous innovation potential of the territories; in addition, technological trajectories, and patterns of reproduction of relevant agents were not properly assessed in the construction of strategies. These inconsistencies greatly weaken the dimensioning, scope, extension, and reorientations of institutional arrangements necessary to incorporate science, technology, and innovation into productive dynamics capable of shaping a new development model in the Brazilian Amazon.
KEYWORDS: Amazon, Development and innovation, Regional development, Geography of innovation.
ARTIGO
Capacidades endógenas, trajetórias tecnológicas e planos corporativos: limites a estratégias de desenvolvimento para a Amazônia
Endogenous capabilities, technological trajectories, and corporate plans: limits to development strategies for the Amazon
Recepção: 21 Agosto 2021
Revised document received: 24 Maio 2022
Aprovação: 15 Junho 2022
A centralidade da relação entre inovação, aprendizagem, conhecimento, instituições e região nas estratégias de desenvolvimento deriva de interpretações instigantes da mudança tecnológica e da inovação suscitadas pelo trabalho de Nelson e Winter (1982), que ensejou teorizações originais, entre as quais a de Dosi, Pavitt e Soete (1990). A teoria da inovação desenhada por esses pesquisadores choca-se com a posição adotada pelo mainstream das ciências econômicas – expressa pelo modelo linear research-to-marketing, que oferece uma explicação exógena para a mudança tecnológica e a inovação (FORBES; WIELD, 2000) – e passa a concebê-las como um processo endógeno multidimensional de interação com efeitos acumulativos (FREEMAN, 1994; HODGSON, 1996; NELSON; WINTER, 1982) caracterizados por feedbacks complexos entre descoberta, invenção, inovação e difusão. Dessa forma, quase toda a distinção muito evidente entre mudança tecnológica e inovação deixa de existir (LUNDVALL, 1988, p. 350). Nesse contexto, as possibilidades de desenvolvimento futuro encontram-se fortemente condicionadas por mecanismos de feedback influenciados pelos retornos crescentes de produtividade. Gestam-se assim trajetórias tecnológicas que, baseadas em paradigmas tecnológicos, pré-configuram um corredor de escolhas para processos de busca seletiva (DOSI, 1982; NELSON; WINTER, 1982; ROSENBERG, 1982).
Dessa forma, uma trajetória tecnológica é um padrão usual de atividades que, com base em um paradigma, pode ser representado por um movimento de trade-offs multidimensionais entre variáveis tecnológicas que o próprio paradigma define como relevantes. Trata-se, portanto, de “[...] um conjunto com possíveis direções tecnológicas cujas fronteiras externas são definidas pela própria natureza do paradigma” (DOSI, 1982, p. 154).
Essa abordagem tem sido decisiva, nas últimas décadas, para o posicionamento de policy makers e a elaboração de estratégias de desenvolvimento regional, tendo sido incorporada, no final do século XX, como fundamento de proposições, por importantes instituições de desenvolvimento (COMISION ECONOMICA PARA AMERICA LATINA Y EL CARIBE, 1990; ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 1992). Nas primeiras décadas do século XXI, tal abordagem também passou a influenciar o discurso do governo federal brasileiro sobre a Amazônia. Essa postura materializou-se na formulação do Plano Amazônia Sustentável (PAS) (BRASIL, 2008) e do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal (MacroZEE) (BRASIL, 2010) – políticas públicas extremamente relevantes, tanto pela importância da Amazônia quanto pela centralidade estratégica conferida a escalas subnacionais e à interação entre inovação e arranjos institucionais de base territorial, como caminho para impulsionar “[...] um modelo inovador de desenvolvimento, utilizando o capital natural com base em CT&I da fronteira da ciência” (BRASIL, 2010, p. 39).
A crescente repercussão planetária das estratégias para a conservação e o desenvolvimento da Amazônia (THE AMAZON WE WANT, 2021) e a necessária revisão das políticas públicas federais para a Amazônia dão maior relevância acadêmica e social à problematização e à indicação dos limites dessas estratégias de desenvolvimento e de sua relação com diversos fatores ambientais condicionantes. É o que o presente artigo faz ao apontar inadequações no tratamento por elas dado à dimensão territorial, aos fundamentos da diversidade de sujeitos, de capacidades e de fontes de inovação endógenas, às implicações das trajetórias tecnológicas de relevantes, numerosos e diferenciados agentes regionais e ao papel das corporações.
Para explicitar tais inadequações, inicialmente, o artigo oferece uma sucinta exposição dessas políticas, apresenta uma crítica aos pressupostos teóricos assumidos em relação ao território, demonstra a desconsideração de atributos territoriais como a combinação de capacidades e de variedades de fontes de inovação regionais. Para tanto, são elaborados padrões espaciais subnacionais desses atributos que, em seguida, são confrontados com as estratégias territoriais propostas. Por fim, evidencia-se que as trajetórias tecnológicas e a diferenciação da racionalidade entre agentes relevantes que as fundamentam não foram consideradas na construção do MacroZEE. Essas incongruências fragilizaram, sobremaneira, as estratégias e o dimensionamento da abrangência e da extensão dos esforços e dos arranjos institucionais necessários à reversão de tendências e de dinâmicas históricas de desenvolvimento que caracterizam a Amazônia brasileira.
O MacroZEE pretende ser complementar ao PAS e avoca a si a condição de elemento de construção de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia. Além disso, segundo o MacroZEE, o PAS é uma política pública que preconiza uma “Amazônia modernizada e ambientalmente protegida, abandonando a postura preservacionista e estabelecendo a conexão da CT&I com a base de recursos naturais, para uma nova inserção nos mercados e para geração de emprego e renda” (BRASIL, 2010, p. 28).
Segundo o PAS, a Amazônia tem sido palco de atividades econômicas caracterizadas pelo uso extensivo e predatório dos recursos naturais, associadas “[...] à externalização de custos ambientais, tecnologias inadequadas às realidades locais, exportação de matérias-primas com baixo valor agregado e com tendências de concentração da terra e da renda” (BRASIL, 2008, p. 64). Diante disso, o PAS reivindica a “[...] implantação de um novo modelo de desenvolvimento pautado na valorização de seu enorme patrimônio natural e no aporte de investimentos em tecnologia e infraestrutura, voltado para a viabilização de atividades econômicas dinâmicas e inovadoras”, compatíveis “[...] com o uso sustentável dos recursos naturais e a preservação dos biomas” (BRASIL, 2008, p. 55). Nesse contexto, um dos principais desafios apontados é a construção de instrumentos que promovam e acelerem os processos de transformação das bases produtivas da região e para tanto incluem a “ciência e tecnologia” entre os quatro “[...] principais instrumentos de fomento à produção sustentável” (BRASIL, 2008, p. 64).
O MacroZEE compartilha o diagnóstico do PAS e argumenta que estão “[...] em plena vigência, no âmbito global, novos modos de produzir, baseados na ciência e na tecnologia e que buscam otimizar o uso dos recursos naturais” (BRASIL, 2010, p. 19). Esses novos modos de produzir teriam papel-chave na edificação de caminhos alternativos para o desenvolvimento da região.
Além dessas mudanças globais, o MacroZEE registra alterações na configuração da Amazônia brasileira que, na visão dos planejadores,
[...] não é mais mero espaço para expansão da sociedade e da economia nacionais e, sim, uma região em si, com estrutura produtiva e dinâmica próprias, que requer não mais uma política de ocupação, mas sim de consolidação do desenvolvimento, demandado por todos os atores regionais (BRASIL, 2010, p. 62).
Por isso, “[...] o território torna-se protagonista, e não mais objeto instrumentalizado” (BECKER, 2009 apud BRASIL, 2010, p. 34).
Considerando as especificidades territoriais e a “[...] densidade de diferentes tipos de redes e fluxo” (BRASIL, 2010, p. 35), o MacroZEE identifica dez unidades na Amazônia Legal: seis territórios-rede, dois territórios-fronteira e dois territórios-zona (BRASIL, 2010, p. 42) (Figura 1).
Para cada um dos territórios, foram apresentadas propostas específicas, além de estratégias para o conjunto da região “[...] de modo a favorecer a articulação e a coesão” territoriais (BRASIL, 2010, p. 40). Outra estratégia preconiza a “[...] estruturação de uma rede de cidades como sede de processos tecnológicos e produtivos inovadores” (BRASIL, 2010, p. 60), cujo cerne deve ser a utilização sustentável do capital natural na geração de cadeias produtivas conjugadas com a prestação de serviços ambientais baseados nas funções ecossistêmicas da floresta. Dessa forma, as cidades “[...] deverão ser centros geradores de riqueza, trabalho e serviços para as populações regionais” e deverão constituir, no entorno dos territórios-zona, “[...] um cinturão de blindagem flexível contra a expansão do desmatamento”, devendo ainda ser “[...] sedes de indução de mudanças nas áreas já povoadas” (BRASIL, 2010, p. 60).
A promoção de “[...] uma revolução científica e tecnológica para incentivar os usos inteligentes e sustentáveis dos recursos naturais” (BRASIL, 2010, p. 64), que envolveria “[...] a instituição de cadeias tecnoprodutivas de biodiversidade, a exemplo do que existe em outros países, que agregam instituições de pesquisa e empresas em torno de um tema” (BRASIL, 2010, p. 63), também é outra estratégia de caráter regional. Arranjos institucionais seriam articulados “[...] por meio da integração de cadeias de conhecimento a cadeias de produção, desde o interior da floresta aos centros avançados de biotecnologia e à bioindústria” (BRASIL, 2010, p. 63).
Embora a elaboração das estratégias trate, corretamente, da interação entre inovação e arranjos institucionais territoriais como elemento axiomático de sua concepção, não considerou elementos e aspectos extremamente relevantes que serão explicitados nos itens seguintes.
Uma das inadequações do MacroZEE decorre da consideração indiscriminada dos territórios como “[...] local apropriado para regular o capitalismo global” (MACLEOD, 2001, p. 804), ao que se soma o fato de se conceber a constituição de territorialidades na Amazônia a partir de “[...] um processo de baixo para cima, em que o fator de integração são laços sociais entre agentes e instituições locais, organizados em redes sociais” (BRASIL, 2010, p. 35), o que seria suficiente para se considerar o “[...] território como protagonista” (BRASIL, 2010, p. 33). Mais do que isso, o território passa a ser tratado como se fosse algo dado (MACLEOD, 2001), visto como uma coisa em si, como objeto com poderes causais próprios, do que resulta “[...] uma forma de fetichismo espacial que tende a elidir divisões e tensões intrarregionais” (MACKINNON; CUMBERS; CHAPMAN, 2002, p. 297). Essas divisões e tensões presentes em distintas escalas e entre agentes, ao não serem devidamente incorporadas à análise, alimentam a possibilidade de os territórios serem abordados isoladamente, desvinculados e desconectados de dinâmicas mais gerais da produção e da transformação do espaço regional (HARVEY, 1982; MASSEY, 1991; PAASI, 1991), falha presente em grande parte da literatura da qual resulta a “[...] subestimação da importância de redes estruturais extralocais” (MACKINNON; CUMBERS; CHAPMAN, 2002, p. 294).
Outra limitação foi a subvalorização de instituições e de agentes, com seus comportamentos e suas trajetórias, de forma que a análise deixa de esquadrinhar, por exemplo, o papel das “[...] corporações internacionais e nacionais que têm deixado suas marcas nas economias regionais” e constituem “[...] um dos atores econômicos mais importantes no desenvolvimento capitalista” (MARKUSEN, 2005, p. 63). Portanto, na elaboração das estratégias, houve um equívoco representado pela “[...] ausência de ênfase no comportamento microeconômico da firma e da organização industrial”, de forma “[...] que a atenção se desviou das teorias da localização e migração, que modelam a maneira pela qual as firmas decidem onde se localizar e os trabalhadores onde viver” (MARKUSEN, 2005, p. 61), para processos desprovidos de agentes e em que territórios se tornam protagonistas.
O tratamento empiricamente escasso da localização e da articulação de agentes, de capacidades e de variedades de fontes de inovação nos territórios é outra limitação e no caso em análise, o oferecimento de crítica fundamentada a tal expressiva lacuna requer a explicitação de padrões espaciais subnacionais desses atributos e a sua subsequente confrontação com as estratégias territoriais preconizadas.
O deslindamento de tais padrões espaciais envolveu a utilização de tipologia elaborada por Robinson et al. (2003), derivada da classificação de padrões de inovação para a produção industrial desenvolvida por Pavitt (1984) e da tipologia sobre inovação em serviços elaborada por Van Ark, Broersma e Den Hertog (2003). Trata-se de classificação que considera a “[...] crucial dependência da relação entre os insumos (relacionamento com o fornecedor), a empresa cliente ou consumidor final (relacionamento com o cliente) e a natureza da inovação processada dentro da própria empresa” (ROBINSON et al., 2003, p. 62). A tipologia baseia-se na caracterização dos grupos de atividade econômica e do papel desempenhado por cada um deles como fontes de inovação, envolvendo a identificação de atividades que comportam capacidades distintas para impulsionar a interação e a cumulatividade na relação entre processos produtivos e inovações. A tipologia comporta nove grupos de atividades econômicas, conforme apresentado na Tabela 1.
Adotou-se a variável “número de pessoas ocupadas” como proxy para se inferir a dimensão das combinações espaciais dessas atividades. As informações originam-se dos microdados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), relativas a 2019 e agregadas nos termos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE versão 2.0) (BRASIL, 2021). Recorreu-se à tabela de tradução, que permitiu a compatibilização dos dados com a tipologia baseada na International Standard Industrial Classification of All Economic Activities (ISIC, rev. 3). Uma vez realizada a tradução, o número de pessoas ocupadas foi agregado em nove grupos descritos na tipologia, para cada um dos 5 568 municípios (Tabela 1).
A partir do agrupamento municipal da variável em grupos, procedeu-se ao cálculo do Quociente de Localização () (HAIG, 1926) de cada grupo, o que permitiu avaliar em que medida uma unidade espacial, i, é especializada em cada um dos K grupos, comparando-se a importância relativa do grupo k no município i com a que o mesmo grupo tem no Brasil. O pode ser definido pela Equação 1:
onde: x é o número de pessoas empregadas; k é um dos K grupos de atividades econômicas; i é cada um dos I municípios.
Organizada a matriz contendo os valores dos nove para cada um dos municípios, ela foi submetida a técnicas de análise estatística capazes de captar o relacionamento espacial entre os indicadores de especialização municipal relativos às capacidades e às variedades de fontes de inovação. Esses indicadores de cada município foram associados a um “geo-objeto” (CÂMARA; MONTEIRO, 2001, p. 14) por meio de um vetor de atributos y ( ) tomado como base para se inferir o grau de similaridade entre cada geo-objeto i (Figura 2A).
A organização dos dados nesse formato permitiu que se recorresse à topologia do conjunto para extrair as relações entre os geo-objetos a fim de agrupá-los de modo que o grau de similaridade seja alto entre os membros de um mesmo agrupamento e baixo entre os membros de agrupamentos diferentes (ANDERBERG, 2014). Para tanto, organizou-se um grafo de conectividade, G, com um conjunto de vértices, V, e um conjunto de arestas, L. Como o interesse dirige-se, simultaneamente, às relações de proximidade e às de similaridade, caso os geo-objetos i e j sejam adjacentes, há, no grafo, uma aresta conectando os vértices vi e vj, e a essa aresta foi atribuído um custo representativo da similaridade entre eles (Figura 2B).
Para realizar a partição do grafo de forma que dele resultem unidades espaciais contíguas com elevado grau de similaridade entre os vetores de atributos, y, recorreu-se ao algoritmo Spatial ‘K’luster Analysis by Tree Edge Removal (SKATER) (ASSUNÇÃO; NEVES; CÂMARA, 2006). Como parte dessa estratégia heurística, o grafo G foi convertido em uma árvore geradora (Figura 2C); para que os vetores de atributos yi e yj, (), encontrem-se em escalas comparáveis, eles foram padronizados (HAIR et al., 2009, p. 445). Da árvore geradora, foram sendo retiradas arestas em função da avaliação dos maiores custos entre os geo-objetos i e j – representativos da dissimilaridade entre os vetores de atributos yi e yj expressa pela aresta–, inferidos mediante a distância entre os vetores de atributos dos geo-objetos, cujo cálculo é formalizado por:
onde: yi é o valor dos atributos yi; yj é o valor dos atributos yj.
A retirada de arestas mais caras permitiu que se construísse outra árvore, a árvore geradora mínima (AGM), que apresenta a menor soma das dissimilaridades em todas as arestas (ASSUNÇÃO; NEVES; CÂMARA, 2006, p. 801). Nela quaisquer de dois vértices estão conectados por um caminho único. Assim, o número de arestas em AGM é de n-1, e a remoção de qualquer aresta de AGM resulta em dois subgrafos desconectados que são candidatos a recortes espaciais (Figura 2D).
Para realizar o agrupamento de n geo-objetos em z árvores, o algoritmo de particionamento recorre a procedimentos de divisão hierárquica e a método divisivo (HAIR et al., 2009, p. 449). A cada interação, examina-se a AGM e retira-se uma aresta que a dividirá em novas árvores. A seleção da aresta que será retirada recai naquela que trouxer o maior aumento na qualidade geral dos agrupamentos resultantes, que é medida pela soma dos desvios quadrados dentro dos agrupamentos, sendo formalmente descrita por:
onde: Π é uma partição de objetos em Z árvores; Q (Π) é um valor associado à qualidade de uma partição Π; SSDi é a soma dos desvios quadrados no agrupamento i.
Agrupamentos mais homogêneos têm menores valores de SSD. Assim, quanto menor Q (Π), melhor será a partição. O SSD de desvio quadrado dentro dos agrupamentos é:
onde: nz é o número de geo-objetos na árvore z; é o j-ésimo atributo do geo-objeto i; m é o número de atributos considerados na análise; é o valor médio do j-ésimo atributo para todos os geo-objetos na árvore z.
A cada vez que se “poda” a AGM, cria-se uma árvore desconectada, ensejando um novo recorte espacial contendo municípios vizinhos com maior grau de similaridade entre os atributos (Figura 2E). Como a “poda” gera alteração na composição da árvore, para obter melhores resultados, a atribuição de custos às arestas é modificada a cada vez que se remove uma, o que requer sucessivas comparações de soluções para melhor subdividir uma árvore. Sendo a solução ótima estabelecida mediante a função objetivo:
onde: é o arranjo produzido pelo corte da aresta l da árvore A; Aa e Ab são as duas árvores produzidas a partir de A após a eliminação da aresta l.
À medida que se removem as arestas da AGM, um conjunto de árvores desconectadas aparece até se atingir o número de agrupamentos previamente estipulado a partir da avaliação, a cada partição, da variação dentro dos agrupamentos da soma de quadrados dos desvios. Dessa forma, o espaço nacional passa a ser apresentado em agrupamentos disjuntos e complementares que contam com o maior grau de homogeneidade interna possível (Figura 2F).
Os padrões revelados (Figura 3) captam manifestações aparentes de articulações espaciais entre agentes, capacidades e fontes de inovação; explicitam potenciais de inovação endógena e processos de interação que, por serem acumulativos, reclamam um certo grau de continuidade e de estabilidade facilitado pela proximidade espacial (MASKELL et al., 1998). Eles demonstram a existência de gigantescas assimetrias e corroboram as afirmações de MacKinnon, Cumbers e Chapman (2002, p. 301) quando indicam que fracassam as avaliações que transferem as abordagens da aprendizagem e da inovação do âmbito nacional para o regional “[...] sem reconhecer a especificidade do ‘nacional’ e do ‘regional’ como escalas distintas de organização econômica” e apontam a necessidade de se considerar a relação entre as escalas regionais e nacionais.
Quanto ao desequilíbrio regional, aqui expresso pelos padrões espaciais, Cantwell (1989) argumenta que a globalização e o acirramento da competição internacional conduzem ao fortalecimento acumulativo de certos espaços subnacionais preferidos pelas empresas multinacionais, o que, para ele, contribui para a desintegração crescente dos sistemas nacionais de produção e inovação menos atrativos. Já a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD em inglês) entende que os espaços subnacionais que reúnem a melhor combinação de atributos nessa escala situam-se na interface entre os mecanismos interativos e os processos cumulativos de competitividade. Sua importância reside em seu papel integrador dos sistemas nacionais de inovação, dependendo a competitividade estrutural da economia do número, da natureza e do grau de interações entre eles (Organisation for Economic Co-operation and Development, 1992, p. 253).
No item seguinte, problematiza-se a repercussão desses padrões espaciais nas estratégias de desenvolvimento preconizadas para a Amazônia Legal. Fica evidente, entretanto, que suas consequências são amplas e merecem análises que fogem em muito ao escopo deste artigo.
Ao se sobreporem as unidades territoriais estipuladas no âmbito do MacroZEE (Figura 1) aos recortes dos padrões espaciais revelados (Figura 3), é possível, a partir das interseções, associar àquelas as características desses padrões. Evidencia-se assim que os territórios TR1 e TZ1 correspondem ao padrão 18; os territórios TF1, TF2, TR4, TR5, TR6 e TZ2, ao padrão 15; o TR2, ao padrão 19; o TR3, simultaneamente, ao 19 e ao 20 (Figura 3).
Quando comparados entre si, os atributos dos padrões 18, 19 e 20 revelam semelhança, a diferença é mormente de gradação em relação ao valor médio dos atributos; já o padrão 15, que abarca seis territórios da Amazônia delimitados no MacroZEE, difere dos primeiros tanto em gradação quanto na direção da combinação de atributos. As combinações expressas pelos padrões 18, 19 e 20, ao serem comparadas às de outros, evidenciam dissimilaridade de variados graus em relação às demais combinações (Figura 3).
A extensão das diferenças entre os padrões espaciais fica mais evidente quando se comparam os atributos desses padrões com o padrão espacial 1, que representa uma das melhores combinações no Brasil e abarca 96 municípios, quase todos pertencentes às regiões intermediárias de São Paulo, Campinas, Pouso Alegre e São José dos Campos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017) (Figura 3). O cotejamento evidencia que o valor médio conferido a 8 atributos, entre os 9, apresenta comportamento diametralmente oposto. O valor médio do atributo referente às CDS dos padrões 18, 19 e 20 é de -0,72, -0,44, -0,3 respectivamente, enquanto, no padrão espacial 1, o valor médio desse atributo é 1,46. Esse resultado expressa a tendência que as firmas com esse perfil têm de manter-se nas cercanias de clientes demandantes de bens e serviços cujo nível de exigência é elevado e impulsiona processos inovativos. É coerente que também se registre nesse espaço (Padrão 1) elevada concentração tanto das IPE (1,01), quanto das IBC (1,03); também aí se destacam as FSE (0,61). Esses três atributos dos padrões 18, 19 e 20 são fragilíssimos, apresentando comportamento contrário: -0,2, -0,22 e -0,19; -0,21, -0,16 e -0,13; e -036, -0,29 e -0,06 – remetendo respectivamente a IPE, IBC e FSE (Figura 3).
A disparidade também é salientada na análise do atributo relativo aos SNM, que envolvem atividades cujos agentes têm potencial de indução de inovações muito menor quando comparado ao dos demais grupos: nos padrões 18, 19 e 20, os valores são, respectivamente, 1,33, 0,9 e 0,5, antípodas do padrão 1, que, em relação aos SNM, registra -0,95. Os valores médios dos padrões 18, 19 e 20 no que se refere às IIE são, respectivamente, -0,43, -0,34 e -0,35, mais uma vez dessemelhantes do padrão 1, cujo valor é 0,37. A dissimilaridade de comportamento registra-se também nos atributos relativos aos SDF: -0,6, -0,31 e -0,1 para os padrões 18, 19 e 20 e 0,52 para o padrão 1. Da mesma forma, há disparidade no que diz respeito aos SBI: -0,63, -0,51 e -0,32 são, respectivamente, os valores dos padrões 18, 19 e 20, enquanto o valor do padrão 1 é 0,58 (Figura 3).
O padrão 15, que abarca os territórios TF1, TF2, TR4, TR5, TR6 e TZ2, apresenta uma combinação em relação às IPE, às IBC, aos SDF e aos SBI que se alinha com tendências registradas nos padrões 18, 19 e 20, com diferenças relevantes de gradação; já em relação às IIE, às FSE e aos SNM, apresenta comportamento oposto ao dos padrões 18, 19 e 20; nesses aspectos os valores médios do padrão 15 seguem direção similar à dos valores do padrão 1, também com grandes diferenças de nuança. A maior especificidade do padrão 15 encontra-se no grupo atinente às BDF, cujo valor médio é o maior entre todos os recortes subnacionais: 0,64. Trata-se do reflexo da maciça presença de produção agrícola e de pecuária, amplamente dependentes de insumos e de implementos dominados por agentes externos (Figura 3).
O quadro apresentado revela a complexidade e as limitações da organização para a Amazônia de estratégias de desenvolvimento endogenamente impulsionadas, já que os padrões espaciais revelados explicitam obstáculos para a promoção de impulsos inovativos de base endógena. Esse aspecto não deve, porém, ser absolutizado ao se considerar a existência de paradigmas e de trajetórias tecnológicas concorrentes e distintas no âmbito dos setores econômicos. De fato, o desenvolvimento na Amazônia vincula-se a contextos espaciais e históricos caracterizados pela diversidade dos fundamentos reprodutivos de agentes. Por isso, é necessário que se distingam, mesmo em termos gerais, os processos de busca seletiva, os quais se processam no âmbito de corredores de escolhas, repercutindo diretamente na relação que se estabelece entre paradigmas tecnológicos e padrões de relação com a natureza.
Tais diferenças nos processos de inovação e de aprendizado vinculam-se a uma competição dinâmica entre diferentes hipóteses, crenças ou ações (ARTHUR; ARROW, 1994, p. 133), ensejando a existência de racionalidades distintas e de especificidades nos processos decisórios dos agentes econômicos. Há, por conseguinte, uma diferenciação entre as racionalidades que fundamentam a disputa e a concorrência entre paradigmas e trajetórias de inovação nos setores econômicos. Em processos produtivos que envolvem diretamente a apropriação da natureza, tais diferenciações são recorrentemente ligadas aos diversos fatores e condicionantes ambientais envolvidos (ABRAMOVAY, 2012; VEIGA, 1991).
No esforço interpretativo dos processos de desenvolvimento na Amazônia, quando se desconsideram as diferenças entre racionalidades, não se aquilatam devidamente as repercussões sociais, econômicas e ambientais da reprodução de agentes relevantes. Para Costa (2012, p. 43), no âmbito da Amazônia, em consonância com a racionalidade industrialista, dominam os grupos de soluções tecnoprodutivas escolhidas pela eficiência evidenciada no controle da natureza. O objetivo é atender às exigências industriais e capitalistas em detrimento de outros grupos, que encampam perspectivas particulares do uso social dos recursos do bioma, as quais pressupõem a manutenção da natureza originária. Essas diferenciações são, por conseguinte, cruciais tanto para o entendimento das dinâmicas de desenvolvimento quanto para a construção de alternativas.
Os padrões inferidos (Figura 3) são a manifestação aparente de diferentes arranjos espaciais que conjugam empresas, força de trabalho, enfim, elementos de uma organização institucional que condiciona e é condicionada por paradigmas e trajetórias tecnológicas que parametrizam o comportamento de milhares de agentes, determinado, em grande medida, por dinâmicas mais gerais da produção social. Na interpretação das relações entre as possibilidades e os limites das dinâmicas de desenvolvimento regional, merece atenção especial a análise do papel desempenhado pelo grupo de agentes representado pelas grandes corporações (MARKUSEN, 2005, p. 63). Inadequadas interpretações dessas inter-relações fragilizaram o dimensionamento realista da amplitude e da extensão dos esforços institucionais necessários para impulsionar novas dinâmicas de desenvolvimento.
Os paradigmas que sustentam as atitudes e práticas organizacionais das grandes corporações ensejam padrões de relação com o bioma Amazônia nos quais seus componentes são vistos individualizadamente como fonte de matéria-prima. A sua base natural, por conseguinte, é “[...] tratada na sua condição mediata, como matéria genérica intercambiável e substituível” de forma que “[...] a capacidade produtiva das relações próprias e localizáveis das manifestações como bioma ou ecossistemas” (COSTA, 2012, p. 42) não é considerada relevante para as necessidades reprodutivas de tais agentes. São paradigmas que, à luz da racionalidade industrialista, afirmam-se por meio de conjuntos de soluções técnicas e institucionais que se contrapõem à diversidade regional e que bloqueiam dinâmicas de desenvolvimento de base territorial.
Mesmo de acordo com a racionalidade industrialista, o padrão dos processos decisórios de grandes corporações tem obstaculizado, na Amazônia, o desenvolvimento em bases territoriais. Esse padrão, em certa medida, deriva de uma estratégia de governança corporativa baseada no princípio de maximização do valor do acionista, que organiza a lógica de alocação de recursos e retornos da corporação segundo o ditame de “reduzir e distribuir” (LAZONICK; O'SULLIVAN, 2000, p. 18). Assim, a diretriz geral da corporação não é valorizar a possibilidade de reter lucros e trabalhadores e alocá-los em novos empreendimentos; é, antes, adotar estratégias de downsizing, especialização, recompras de ações, pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio (LAZONICK; O'SULLIVAN, 2000, p. 28). A gestão corporativa busca, dessa forma, tornar o “fluxo de caixa livre” o máximo possível, fazendo com que os lucros gerados sejam distribuídos aos acionistas, estes, sim, devem, então, alocá-los da maneira que lhes parecer mais eficiente (LAZONICK; O'SULLIVAN, 2000, p. 28).
Lazonick e O'Sullivan, (2000), Stockhammer (2005), Mazzucato (2020), entre outros, demonstram que a generalização da estratégia corporativa de maximização do valor do acionista tem tido vinculações diretas com a desaceleração das taxas de investimento em economias nacionais. Em termos das economias regionais, as implicações são mais relevantes, porque é reduzida em muitas delas a alocação de recursos ou reinvestimentos. Por conseguinte, nesse processo de “valorização do capital”, os acionistas têm acesso à maior parte do valor gerado e podem, em função da elevada liquidez do mercado financeiro, realocá-lo em qualquer alternativa. Trata-se de uma possibilidade que não existe para a miríade de agentes regionalmente envolvidos em processos de interatividade, dos quais resultam um arranjo institucional específico, condição que leva Mazzucato (2020) a afirmar que há, portanto, uma relação assimétrica.
Nesse contexto, o esforço de planejamento estatal avaliou equivocadamente tanto a capacidade de protagonismo de arranjos territoriais quanto o papel das corporações empresariais. Observe-se que, enquanto as estratégias preconizadas para o território TR2 apontam para a necessidade de se “[...] promover a industrialização in loco de parte da produção mineral, mediante a implantação e expansão de siderúrgicas, de outras indústrias da transformação mineral” (BRASIL, 2010, p. 85), as estratégias das corporações que atuam nesse território seguem o caminho oposto: a Vale, ao ser fortemente pressionada pelo governo federal, anunciou, em 2008, a implantação, em Marabá, Pará, da Aços Laminados do Pará, siderúrgica que representaria investimento de US$ 5 bilhões; posteriormente, porém, a corporação, em consonância com a estratégia de negócio do grupo de se “[...] tornar a maior empresa de mineração do mundo” e “[...] aumentar a diversificação geográfica e de produtos” oriundos da mineração (VALE, 2011, p. 17), abandonou o projeto da siderúrgica. Essa estratégia também afastou a Vale dos investimentos na construção de uma planta industrial destinada à transformação, na Zona de Processamento de Exportações de Barcarena, do minério de cobre extraído das minas do estado do Pará, também no território TR2 (Figura 1).
A mesma estratégia corporativa fundamentou a venda por parte da Vale para a Norsk Hydro, por US$ 4,9 bilhões, da Alunorte – a maior refinaria de alumina do mundo fora da China e uma das mais eficientes –, da mina de bauxita de Paragominas – uma das maiores minas de bauxita do planeta –, da Companhia de Alumina do Pará (CAP) – abastecida com bauxita da mina de Paragominas – e da Albras – uma fábrica que viabiliza a produção de alumínio, todas localizadas no estado do Pará. Se as negociações, por um lado, conciliaram planos corporativos da Vale e da Norsk Hydro (HYDRO, 2011), por outro, contrapõem-se às indicações de necessidades estratégicas de transformação territorial a “[...] partir da inovação industrial integradora” (BRASIL, 2010, p. 85). De fato, tais negociações, entre outros aspectos, tornaram inexequível a implantação de três importantíssimos complexos de laboratórios no Parque de Ciência e Tecnologia do Guamá, implementado pelo governo do estado do Pará (CHAVES, 2021), já que a Norsk Hydro descartou a possibilidade de dar prosseguimento regional às ações de pesquisa e desenvolvimento (P&D) pactuadas anteriormente com a Vale. Por outro lado, não teria prosperado o esforço estratégico de criação e de difusão de redes de informação e comunicação pública, como o Navegapará, sem o alinhamento dos planos coorporativos da Eletronorte aos dos entes estatais (BRASIL, 2010, p. 55).
Portanto, o comportamento das corporações é muito relevante, e as estratégias de desenvolvimento e de organização espacial, ao tratarem o “território como protagonista” (BRASIL, 2010, p. 33), cometem um erro, que, segundo Markusen (2005, p. 59), é comum em parte da literatura: atribuir “[...] atenção que vai muito além de sua importância no mundo real” e, por outro lado, deixar “[...] de estudar o comportamento das empresas nas economias regionais”. Ademais, as aglomerações espaciais que se formam em torno dessas corporações não resultam, necessariamente, na organização de “meios inovadores” que se tornam repositórios de conhecimentos locais tácitos e especializados (LAWSON et al., 1997). Pesquisas empíricas realizadas nessas aglomerações concluíram que dinâmicas aí instaladas “[...] bloqueiam a cooperação, a produção, a incorporação e a difusão de tecnologias entre as empresas que orbitam em torno das empresas centrais” (MONTEIRO et al., 2008, p. 229). No que se refere especificamente às empresas dedicadas à mineração industrial, atividade econômica responsável pela maior parte do PIB do TR2 (Figura 1), historicamente, elas ensejaram “[...] grande concentração de capitais e pouca difusão de tecnologias” (MONTEIRO, 2005, p. 176). Contrariando as perspectivas das tentativas estratégicas de planejamento em análise, essas empresas não têm impulsionado a diversificação econômica regional; pelo contrário, apresentam grandes limitações para “[...] impulsionar o surgimento de arranjos produtivos capazes de alimentarem localmente dinâmicas que favoreçam o estabelecimento de processos de desenvolvimento socialmente enraizados” (MONTEIRO; SILVA; CRUZ, 2012, p. 137). Tais aspectos, entre outros, indicam que a extensão do papel das corporações e das dinâmicas a elas vinculadas não foi devidamente aquilatada ao serem desenhadas as estratégias institucionais que visam a impulsionar o desenvolvimento em bases territoriais.
A escassa interpretação dos fundamentos de reprodução social de parte relevante dos agentes locais e a dificuldade de articulação entre as lógicas que os impulsionam e as estratégias propostas também merecem ser problematizadas, especialmente pelo fato de que as trajetórias tecnológicas que matizam o agrário amazônico possuem, majoritariamente, laços sociais com uma “economia de fronteira” (BECKER, 2005, p. 72) que trilha caminhos opostos aos do “[...] modelo de desenvolvimento pautado no uso sustentável dos recursos naturais amazônicos” (BRASIL, 2010, p. 31).
Costa (2021), ao examinar a economia agrária da região a partir da heterogeneidade de agentes, distinguindo no setor rural produtores camponeses e patronais em função da diferenciação de racionalidades, percepções sociais, características reprodutivas e formas de relação com bioma, identificou, em cada um desses segmentos básicos, três trajetórias tecnológicas distintas e, com base nos dados dos censos agropecuários de 1995, 2006 e 2017, extraiu delas uma evolução. Entre as trajetórias patronais, a que é sustentada principalmente pela pecuária de corte e a outra centrada na produção de culturas anuais (soja, arroz, milho e cana-de-açúcar) tiveram crescimento acelerado no último período, respectivamente, 9,3% e 13,4% a.a. (COSTA, 2021, p. 431). A terceira trajetória, que se distingue das demais pela importância das culturas perenes e da silvicultura, permaneceu estagnada (COSTA, 2021, p. 432) – justamente a mais compatível com a perspectiva de desenvolvimento sustentável e uma “[...] alternativa às trajetórias de alto impacto entrópico” (COSTA, 2012, p. 170).
No segmento camponês, no período, houve redução da importância relativa da trajetória liderada pela combinação relativamente especializada, tanto de culturas temporárias quanto de culturas permanentes; concomitantemente, houve a especialização dessa trajetória em culturas temporárias (mandioca, abacaxi, milho, arroz) e a consolidação do uso de insumos químicos na produção (COSTA, 2021, p. 425). Noutra trajetória, que se diferencia das demais pela importância da coleta extrativista (não madeireira) associada a uma grande variedade de composições entre os diferentes grupos de produtos – característica de sistemas agroflorestais –, foi registrado crescimento marcado pela diversificação e pela composição sinérgica entre espécies, além do aumento da produtividade do trabalho (COSTA, 2021, p. 426). Por fim, na terceira das trajetórias, caracterizada pelo peso predominante do gado de corte e pela relativa especialização, houve crescimento e a crescente especialização em rebanhos de corte, secundada pela produção de leite (COSTA, 2021, p. 427).
Por conseguinte, a evolução dessas estruturas produtivas expressa o fortalecimento e o rápido crescimento regional de trajetórias sustentadas por culturas temporárias e por bovinos de corte. Impulsionadas por uma configuração institucional que articula um mercado de terras e diversas políticas públicas – que têm favorecido largamente os setores voltados para a monocultura e que têm encontrado um decrescente contraponto em trajetórias baseadas em sistemas agroflorestais e em safras permanentes –, tiveram uma expressiva redução no agrário regional, que se deve menos a componentes path dependency ligados à dinâmica de fronteira e aos mercados e mais aos mecanismos institucionais mencionados.
Essa configuração social e tecnoprodutiva amplia muitíssimo a dimensão dos esforços institucionais necessários à reversão dessa conformação e à indução de uma “[...] revolução científica e tecnológica para incentivar os usos inteligentes e sustentáveis dos recursos naturais” (BRASIL, 2010, p. 64), que conte com o protagonismo territorial (BRASIL, 2010, p. 64). De fato, as trajetórias majoritárias que se fortalecem são ampla, crescente e excessivamente dependentes de insumos químicos e mecânicos de origem extrarregional. A fabricação e a inovação ligadas ao maquinário agrícola a que se recorre são altamente concentradas em pouquíssimas corporações com liderança setorial e presença global – um segmento industrial que oferece enormes barreiras à entrada (SAFDAR; VAN GEVELT, 2020). A produção e a inovação dos insumos químicos também o são. Em 2017, 74% do mercado mundial de defensivos agrícolas eram comandados por cinco corporações que estão ampliando rapidamente o controle também do mercado de sementes (TSOLOMYTI; MAGOUTAS; TSOULFAS, 2021, p. 294). O problema central é que se trata de dependência que conflita com o uso sustentável dos recursos naturais da Amazônia. Com efeito, para sustentar os crescentes plantios de pastagens e de culturas anuais, recorre-se a insumos mecânicos e químicos que envolvem riscos e mudanças ambientais, uma vez que o peso das máquinas provoca degradação física do solo, erosão e outros problemas (OSMAN, 2014), o uso de pesticidas causa danos à microflora (MEENA et al., 2020), à microfauna dos solos (PRASHAR; SHAH, 2016) e à vida selvagem (ENSERINK et al., 2013) com grande impactos sobre insetos polinizadores (VOGEL, 2017), o que degrada todo o ecossistema a longo prazo. Além disso, microrganismos, insetos e ervas daninhas desenvolvem resistência aos pesticidas (SPARKS; LORSBACH, 2017), e as culturas passam a requerer cargas adicionais de pesticidas.
Para solucionar os problemas com que se defrontam, os agentes não se aproximam das estratégias propugnadas no MacroZEE e não o fazem em função da dependência das suas trajetórias tecnológicas, já que recorrem a sua base de conhecimento, criada a partir de experiências bem-sucedidas do passado no escopo da “economia de fronteira”. Agentes relevantes tornam-se, assim, obstáculos à introdução de um novo paradigma de desenvolvimento na região ao promoverem uma “fuga para frente”, na qual recorrem a novos, diferentes equipamentos mecânicos, sementes, formulações de agroquímicos, tecnologias de adubação e de fixação do nitrogênio no solo etc., tudo vinculado ao paradigma vigente e à dependência de fornecedores externos. Trata-se de uma dinâmica com grande aderência ao que foi inferido da conjugação de atributos do padrão espacial 2, que na Amazônia abarca os territórios TF1, TF2, TR4, TR5, TR6 e TZ2 (Figura 3).
A conformação e a evolução das trajetórias tecnológicas no agrário regional, sobretudo, os componentes de ordem institucional explicitados evidenciam os obstáculos às diretrizes estratégicas que visam integrar “[...] cadeias de conhecimento a cadeias de produção, desde o interior da floresta aos centros avançados de biotecnologia e a bioindústria” (BRASIL, 2010, p. 63). Adicionalmente, a redução da importância relativa do uso de recursos florestais ou de plantações permanentes fragiliza a estratégia de se “[...] implantar uma indústria madeireira moderna, com base no manejo florestal sustentável” (BRASIL, 2010, p. 112); já que não só no território TF1, mas em toda a região, há redução relativa da importância de produtos florestais. Essa constatação corrobora a observação de Scholz (2000), para quem as trajetórias tecnológicas que marcam a maioria das empresas da indústria madeireira na região dificultam a adesão a novos paradigmas no manejo florestal e de plantações. Scholz (2000, p. 68) lembra que a nova configuração no mercado mundial da madeira “[...] caracteriza-se por uma demanda crescente de fibra de madeira para a produção de painéis de madeira reconstituída, intensivos em tecnologia”. Por fim, mas não menos importante, a perda da relevância relativa da produção camponesa no agrário amazônico e a ampliação crescente do peso do gado de corte (COSTA, 2021, p. 427) representam mais um obstáculo à consecução da estratégia preconizada no MacroZEE, especialmente para o território TR4 (Figura 1), sobretudo no que concerne ao fortalecimento e à diversificação da agropecuária, do extrativismo, dos assentamentos de reforma agrária, da agricultura familiar e da pequena agroindústria.
As formulações do PAS e do MacroZEE partiram da pertinente constatação de que a reprodução da vida social na Amazônia tem resultado na prevalência de dinâmicas produtivas marcadas pelo uso extensivo, predatório e pouco qualificado dos recursos naturais, pela externalização de custos sociais e ambientais e pela utilização de tecnologias inadequadas às realidades locais, entre outros importantes aspectos. Constataram, com igual adequação, que há novos “modos de produzir” baseados na ciência, na tecnologia e na inovação capazes de otimizar o uso dos recursos naturais. Por isso, indicam como tarefa estratégica a introdução desses modos de produzir como fundamento para a efetivação do desenvolvimento em bases sustentáveis, tarefa que seria protagonizada por forças territoriais endógenas. Assim, o esforço de análise empreendido neste artigo confirma a pertinência de se atribuir centralidade à interação entre inovação, aprendizagem, conhecimento, instituições e território na elaboração de estratégias de desenvolvimento de novo tipo para a Amazônia, mas por outro lado identifica equívocos na avaliação do potencial endógeno dos territórios realizados por esses planos.
Os padrões subnacionais de articulação de agentes, de capacidades e de fontes de inovação evidenciaram tanto a fragilidade, na Amazônia, de articulações inovativas sustentadas pela racionalidade industrialista quanto os limites da indução de dinâmicas inovativas de base local, uma vez que padrões de inovação não são facilmente transferíveis de um território para outro, especialmente quando se considera a complexa configuração histórica e social da Amazônia, que envolve heterogeneidade de agentes econômicos, uns submetidos àquela racionalidade e outros, a razões distintas dela.
No caso do primeiro grupo de agentes, os padrões subnacionais espaciais identificados expõem gaps e barreiras muito significativas contra tais transferências e a promoção de impulsos inovativos expressivos de base endógena. Soma-se a isso o fato de que o padrão produtivo e reprodutivo e o peso econômico e social das grandes corporações, importantes agentes desse grupo, no contexto econômico e institucional vigente na Amazônia, estimulam tendências contra-arrestantes à implementação de estratégias capazes de impulsionar a incorporação de ciência, tecnologia e inovação a dinâmicas produtivas aptas a conformar um novo modelo de desenvolvimento baseado em novas formas de relação da sociedade com o bioma.
No caso do segundo grupo de agentes, sobretudo os camponeses, o avanço entre eles de trajetórias tecnológicas ambientalmente deletérias, em detrimento daquelas ligadas ao sustento das condições de preservação do bioma amazônico, evidencia o subdimensionamento do papel desempenhado pelos mecanismos institucionais de favorecimento da pecuária de corte e da produção de grãos em desfavor de atividades agroflorestais e de dinâmicas territoriais associadas ao avanço de uma economia de base florestal.
Diante desse quadro, é possível constatar que a formulação de estratégias para um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia – pautado pela valorização de potenciais endógenos e do patrimônio natural do bioma e pelo aporte de investimentos em CT&I – requer tratamento teórico, metodológico e empírico capaz de integrar a diversidade de agentes e de estruturas, os padrões de interação entre eles, as capacidades ligadas a alternativas reais de inovação em bases endógenas, as estratégias empresariais das grandes corporações, a inter-relação entre as conexões extrarregionais e o potencial de inovação endógeno. Importa, enfim, considerar a relação entre componentes de ordem institucional regional, as políticas públicas estratégicas e a organização do mercado de terras. Os esforços interpretativos articulados às noções de paradigmas e de trajetórias tecnológicas e de diversidade institucional constituem um caminho fecundo para aprofundar a apreensão dessas complexas interferências e interações, premissa fundamental para dimensionar a abrangência, a extensão e as reorientações de arranjos institucionais necessárias para incorporar ciência, tecnologia e inovação a dinâmicas produtivas capazes de conformar um novo modelo de desenvolvimento na Amazônia brasileira.
O autor agradece às sugestões dos avaliadores anônimos que aprimoraram significativamente o texto.
B. Pesquisa de dados e análise estatística: Maurílio de Abreu Monteiro
C. Elaboração de figuras e tabelas: Maurílio de Abreu Monteiro
D. Elaboração e redação do texto: Maurílio de Abreu Monteiro
E. Seleção das referências bibliográficas: Maurílio de Abreu Monteiro