RESUMO: O artigo tem como principal objetivo realizar uma discussão teórica sobre o estado da arte da abordagem evolucionária no âmbito da Geografia Econômica, destacando seus pilares, principais conceitos, críticas e limitações. Também são abordadas as contribuições das demais vertentes da Geografia Econômica – Institucionalista, Relacional e Economia Política – que podem auxiliar na superação das lacunas existentes na GEE, culminando com a proposta de uma Geografia Econômica Evolucionária desenvolvimentista alicerçada no pluralismo engajado. A principal contribuição do estudo é propor um framework conceitual no âmbito da Geografia Econômica adequado à compreensão da evolução de lugares reais ao longo do tempo em perspectiva multiescalar.
PALAVRAS-CHAVE: Geografia Econômica Evolucionária, Desenvolvimento regional, Instituições, Redes.
ABSTRACT: The main objective of this paper is to conduct a theoretical discussion on the state of the art of the evolutionary approach within Economic Geography, highlighting its pillars, key concepts, critiques, and limitations. Additionally, it examines contributions from other strands within Economic Geography — namely Institutional, Relational, and Political Economy approaches — that may help bridge existing gaps in Evolutionary Economic Geography (EEG). This culminates in the proposal of a developmental EEG, grounded in engaged pluralism. The primary contribution of this study is the proposal of a conceptual framework within Economic Geography that supports an understanding of the evolution of real places over time through a multiscalar perspective.
KEYWORDS: Evolutionary Economic Geography, Regional development, Institutions, Networks.
ARTIGOS
Como as regiões evoluem ao longo do tempo? O debate atual no âmbito da Geografia Econômica Evolucionária
How do regions evolve over time? The current debate in the field of Evolutionary Economic Geography
Received: 03 September 2024
Revised document received: 01 November 2024
Accepted: 12 December 2024
A emergência da Geografia Econômica Evolucionária (GEE) nas últimas duas décadas foi um ponto de inflexão na compreensão teórica acerca dos condicionantes do processo de desenvolvimento regional (BOSCHMA; FRENKEN, 2006). Fortemente inspirada pela base teórica proposta pela economia evolucionária, a GEE buscou explicar a dinâmica e a evolução das regiões e países (GARCIA, 2017), focando, sobretudo, nos obstáculos e desafios aos processos de Diversificação Regional através dos conceitos de variedade relacionada (related variety), variedade não relacionada (unrelated variety) e ramificação (branching) (BOSCHMA; FRENKEN, 2009, 2017).
O avanço teórico e metodológico da GEE, principalmente em relação aos paradigmas neoclássicos de equilíbrio e neutralidade espacial que dominavam a literatura regional, esbarra em limitações conceituais na forma de lidar com o tempo (MARTIN; SUNLEY, 2022); o Estado, o papel das instituições e da agência social e econômica (KOGLER et al., 2023) e com lugares reais e contexto (GONG; HASSINK, 2020). Nesse sentido, Chu e Hassink (2023) defendem que a GEE construa sua própria ontologia de evolução espacial, que reconheça suas potencialidades e seja capaz de compreender e explicar a mudança econômica regional de forma mais sensível ao lugar e às diferentes escalas. Isto, portanto, passa pela incorporação de contribuições de abordagens alternativas da Geografia Econômica, com destaque para a Geografia Econômica Institucional(ista) (GEI), a Geografia Econômica Relacional (GER) e a Economia Política Geográfica (EPG) (MACKINNON et al., 2009; PIKE et al., 2009; HASSINK; KLAERDING; MARQUES, 2014; MARTIN; SUNLEY, 2015).
Na esteira deste debate, Martin e Sunley (2015) propuseram uma “virada desenvolvimentista” na Geografia Econômica Evolucionária, defendendo uma compreensão mais holística e sistêmica da evolução econômica, que deve considerar não somente a dinâmica industrial evolucionária, mas também as estruturas sociopolíticas, institucionais e econômicas mais amplas, produzidas pelo e constitutivas do desenvolvimento geográfico desigual. Desta maneira, pode-se inferir que a GEE permanece como uma abordagem diversa e em evolução, marcada pela pluralidade teórica e metodológica. Por meio do diálogo e das trocas mútuas, o pluralismo engajado (HASSINK; KLAERDING; MARQUES, 2014) torna-se crucial para avançar o paradigma e superar suas limitações. Contudo, vale reforçar que este debate ainda está em aberto na literatura, que caminha para uma disputa entre pluralismo engajado ou fragmentado (CHU et al., 2024).
Este artigo, portanto, defende o pluralismo engajado e tem como principal objetivo avançar na proposição de um framework teórico que englobe contribuições de diferentes vertentes da Geografia Econômica e seja mais adequado para lidar de forma escalar com os grandes desafios societais contemporâneos, como, por exemplo, a questão da resiliência regional1. Para tanto, primeiramente, será realizada uma breve revisão da abordagem evolucionária no âmbito da Geografia Econômica, identificando suas bases teóricas e as principais limitações e lacunas conceituais. Em seguida, a partir da sistematização dessas críticas, serão abordadas as contribuições das demais vertentes da Geografia Econômica capazes de contribuir no avanço deste paradigma teórico. A quarta seção irá abordar a virada desenvolvimentista e a importância do pluralismo engajado. A quinta seção irá consolidar os achados em um framework conceitual no âmbito da Geografia Econômica adequado à compreensão da evolução de lugares reais ao longo do tempo em perspectiva multiescalar. Por último, as considerações finais farão uma breve reflexão acerca da pertinência e dos benefícios em utilizar este referencial para dar conta de questões contemporâneas.
Em meados dos anos 2000, Boschma e Frenken (2006) lançaram o artigo intitulado “Why is economic geography not an evolutionary science? Towards an evolutionary economic geography”, onde detalham os objetivos e pressupostos da Geografia Econômica Evolucionária (GEE). Esta abordagem emergente toma como base os fundamentos teóricos da Economia Evolucionária (NELSON; WINTER, 1982) a fim de compreender o processo pelo qual o conhecimento se difunde através de um território, como isso influencia as decisões de localização das firmas, e, por consequência, como as regiões evoluem ao longo do tempo.
Desde a publicação do artigo seminal de Boschma e Frenken, diversos acadêmicos, tanto geógrafos quanto economistas heterodoxos, se apropriaram da GEE e passaram a publicar em periódicos artigos de natureza teórica e empírica. Os trabalhos baseados na abordagem evolucionária superaram as outras perspectivas na geografia econômica, se tornando o paradigma dominante (CHU; HASSINK, 2023). Buscando se descolar das análises puramente estáticas e de corte ortodoxo, a exemplo da Nova Teoria do Crescimento (KRUGMAN, 1992), que explica o surgimento de uma concentração geográfica por meio da interação entre os rendimentos crescentes, os custos de transporte e a demanda, a GEE propõe uma visão evolutiva do processo de desenvolvimento regional. Apesar de tomar o “espaço neutro” (neutral space) como ponto de partida, a abordagem evolucionária proposta por Boschma e Frenken (2006) se diferencia de outros paradigmas clássicos da geografia econômica ao reconhecer a transformação do mesmo em um “espaço real” (real space) ao longo do tempo. Os autores explicam esse processo por meio da emergência de novos setores e redes, cuja base é o conceito de janela de oportunidade locacional (STORPER; WALKER, 1989).
Essa distinção entre espaço neutro e lugar real remete à distinta concepção do espaço da Nova Geografia Econômica e da Geografia Econômica Institucionalista. Os primeiros nem consideram que as diferenças entre regiões existam, abstraindo totalmente as especificidades locais nos distintos níveis de agregação espacial. Em oposição, os institucionalistas dispensam o uso de modelos formais e especificações econométricas, aplicando uma abordagem metodológica indutiva e, geralmente, baseada em estudos de caso, sinalizando a particularidade local, sobretudo, no que tange às instituições específicas ao lugar em diferentes escalas espaciais (BOSCHMA; FRENKEN, 2006).
Em adição ao binômio espaço neutro e real, os autores também se referem ao chamado “esquema multicamada” (multilayer scheme) para categorizar o seu foco empírico, que pode recair sobre as rotinas das firmas (micro), a evolução das redes e indústrias (meso) ou a evolução espacial do sistema (macro) (BOSCHMA; FRENKEN, 2006). Contudo, não se observa uma conceituação geográfica clara dessas escalas. Mais adiante veremos como as limitações decorrentes dessa frágil conceituação, bem como a ausência de uma ontologia espacial robusta, fizeram com que os geógrafos econômicos recorressem a outras abordagens da Geografia Econômica, ancoradas, sobretudo, na Geografia Humana, para enriquecer e ampliar a capacidade analítica da GEE sobre o processo de evolução das regiões ao longo do tempo.
Os pilares conceituais da GEE se encontram na intersecção das literaturas neo-schumpeteriana, economia evolucionária e rotinas organizacionais, se expressando na tríade “Darwinismo Generalizado”, “Complexidade” e “Dependência da Trajetória”. O primeiro oferece um framework capaz de explicar a mudança estrutural e a mudança tecnológica como processos dinâmicos, marcados pela comutatividade e adaptação, rompendo, portanto, com a ideia neoclássica de equilíbrio e seus pressupostos de informação completa, racionalidade plena e maximização da utilidade, oferecendo um novo jeito de olhar o processo de competição econômica, alicerçado na incerteza estrutural e na racionalidade limitada. A metáfora do princípio de seleção natural, por sua vez, fornece instrumentos para compreender o comportamento das firmas e as inovações (ou mutações).
De maneira similar, a Teoria da Complexidade se dedica a estudar o funcionamento de sistemas complexos, que exibem comportamento emergente auto-organizado, são conduzidos por interações coevolucionárias e possuem capacidade adaptativa, permitindo-os reorganizar sua estrutura interna espontaneamente. Tais sistemas, portanto, são caracterizados por representação e natureza distribuída, abertura, dinâmica não-linear, limitada capacidade de decomposição funcional, emergência e auto-organização, comportamento adaptativo e não determinação. Estes princípios são utilizados pelos geógrafos econômicos evolucionários para pensar a evolução das regiões ao longo do tempo, especialmente a forma como a estrutura espacial de uma economia regional emerge e se transforma, de que maneira cidades e regiões ascendem e declinam; a razão pela qual algumas economias regionais têm maior capacidade de adaptação que outras; por que certas indústrias e tecnologias se desenvolvem em áreas geográficas específicas em detrimentos de outras; e como as redes espaciais de relações e fluxos econômicos e de conhecimento se formam e evoluem (MARTIN; SUNLEY, 2006).
Por fim, o conceito de Dependência da Trajetória (path dependence) refere-se à ideia de que a evolução de sistemas ou processos é consequência de sua própria história (DAVID, 1994; MARTIN; SUNLEY, 2006). Ou seja, os eventos passados influenciam os resultados e trajetórias futuros (Pierson, 2000). Na GEE, esta noção de dependência da trajetória é utilizada, em geral, para explicar a especialização econômica de regiões, incluindo os efeitos de lock-in que impelem uma tecnologia, uma indústria ou uma economia regional em particular em direção a uma trajetória em detrimento de outra (STRAMBACH, 2010).
A partir da combinação destes três eixos teóricos, a Geografia Econômica Evolucionária estruturou um framework analítico para compreender a evolução das economias regionais com base nas capacidades industriais e as instituições já existentes (COENEN et al., 2016). Em síntese, a preocupação central da Geografia Econômica Evolucionária atualmente é compreender como as regiões evoluem, buscando analisar a dinâmica dos transbordamentos de conhecimento locais e as possibilidades que estas regiões têm de estender, renovar ou criar novas trajetórias de desenvolvimento. Para tanto, esta abordagem utiliza os conceitos de “variedade relacionada” (related variety), “variedade não-relacionada” (unrelated variety) e de “ramificação” (branching) (FRENKEN et al., 2004; FRENKEN; VAN OORT; VERBURG, 2007), para entender os processos de diversificação regional.
Há um interesse crescente na questão de como as regiões desenvolvem novas trajetórias de crescimento e porque as mesmas diferem em sua habilidade de fazer isso (BOSCHMA; FRENKEN, 2006). O debate recente sobre diversificação regional no âmbito da Geografia Econômica Evolucionária foca na presença de atividades localmente relacionadas como um fator habilitador (enabling factor). Os estudos concluem que o grau de relacionamento (relatedness) é um importante condutor da diversificação regional. Tal conceito ancora-se na ideia de que o conhecimento tem uma arquitetura que é baseada em similaridades e diferenças, possibilitando a utilização de diferentes tipos de conhecimento. Quando subconjuntos de conhecimento são substitutos próximos uns aos outros, ou quando eles demandam conjuntos similares de habilidades e capacidades cognitivas para o seu uso, nós pensamos neles como sendo relacionados ou próximos uns aos outros. A partir desta ideia, a diversificação regional é retratada como um processo emergente de “ramificação” (branching) (FRENKEN; BOSCHMA, 2007), no qual novas atividades se combinam e se baseiam em atividades locais relacionadas (FORNAHL; GUENTHER, 2010; MARTIN; SUNLEY, 2006). Sugere-se, portanto, que as economias regionais devem “ramificar” em novas direções ao invés de começar do início, e a variedade relacionada pode ser uma fonte crucial neste processo (BOSCHMA, 2009).
Neste sentido, as regiões necessitam de variedade relacionada no intuito de favorecer a transferência efetiva de conhecimento entre setores diferentes (porém relacionados), e estimular a recombinação de “blocos de conhecimento” (pieces of knowledge) de maneiras totalmente novas. Em outras palavras, a variedade relacionada cumpre duas necessidades básicas ao mesmo tempo: algum grau de proximidade cognitiva (isto é, relação entre setores) é requerido para assegurar que a comunicação efetiva e o aprendizado interativo entre setores ocorram; ao passo que, certo grau de distância cognitiva (isto é, variedade entre setores) é necessário, para evitar o lock-in cognitivo e estimular a novidade (NOOTEBOOM, 2000). Em síntese, a variedade relacionada é um conceito que articula os transbordamentos de conhecimento à renovação econômica, novas trajetórias de crescimento e desenvolvimento regional. Isto implica que o desenvolvimento das regiões no longo prazo depende de sua habilidade em se diversificar em novas aplicações e novos setores enquanto se alicerçam em sua atual base de conhecimento e competências (ASHEIM; BOSCHMA; COOKE, 2011).
Contudo, o conjunto atual de capacidades locais também impõe limites à diversificação regional. Se uma região não possui as capacidades necessárias para uma nova atividade, será mais difícil desenvolvê-la. Portanto, é mais provável que as regiões se diversifiquem em novas atividades que são relacionadas às atividades locais existentes (BOSCHMA, 2016). Ou seja, quanto mais relacionada é a variedade das indústrias vis-à-vis à nova indústria, maior é a probabilidade de uma região ser bem sucedida nesta nova indústria. Por isso, o conjunto de indústrias existente condiciona a probabilidade de novas indústrias emergirem, e, neste sentido, existe a “dependência da trajetória regional” (IAMMARINO, 2005; MARTIN; SUNLEY, 2006; FORNAHL; GUENTHER, 2010).
Neste prisma, a diversificação é imaginada como um processo de ramificação que impulsiona o surgimento de novas atividades dentro das regiões. A “diversificação relacionada” de cidades e regiões é vista como um reflexo de ordem superior das dinâmicas no nível micro, nas quais indivíduos e organizações expandem o escopo de suas atividades em torno de competências tecnológicas e rotinas comportamentais que eles acumulam ao longo do tempo (BALLAND, 2016).
Mais recentemente, os geógrafos econômicos evolucionários começaram a dar mais atenção às possibilidades de geração de inovações e diversificação regional a partir da variedade não-relacionada (unrelated variety) (CASTALDI; FRENKEN; LOS, 2015; BOSCHMA; FRENKEN, 2017; GRILLITSCH; ASHEIM; TRIPPL, 2018; PINHEIRO et al., 2018). Grosso modo, a variedade não-relacionada compreende setores baseados em conhecimentos não semelhantes (dissimilar) e ancorados em domínios institucionais diferentes, tornando-os indubitavelmente pouco adequados a processos de aprendizado e troca de conhecimento intersetoriais (GRILLITSCH; ASHEIM; TRIPPL, 2018). Saviotti e Frenken (2008) argumentam que a diversificação baseada na variedade não-relacionada é relevante para evitar lock-in regionais e assegurar vantagens competitivas de longo prazo. Pinheiro et al. (2018), por seu turno, apontam que a variedade não-relacionada protege melhor as regiões contra choques assimétricos externos na demanda e contra o aumento do desemprego.
Em linhas gerais, as contribuições da Geografia Econômica Evolucionária à análise do desenvolvimento regional são: i) “variedade relacionada”, um conceito-chave na GEE que tem dado novo fôlego ao debate acerca das vantagens das externalidades MAR vs. Jacobs2; ii) a compreensão de como as regiões se diversificam ao longo do tempo; iii) a diversificação não relacionada, que resulta da recombinação de campos anteriormente não relacionados, e, apesar de mais rara, tem maior probabilidade de gerar inovações radicais e disruptivas; iv) a utilização da teoria da complexidade para compreender o processo de evolução das economias regionais a partir das noções de auto-organização, emergência e adaptação e das métricas de variedade relacionada e não relacionada (MARTIN; SUNLEY, 2006; CASTALDI; FRENKEN; LOS, 2015; BOSCHMA; FRENKEN, 2017; GRILLITSCH; ASHEIM; TRIPPL, 2018).
Apesar do aumento de popularidade observado ao longo dos anos após a obra seminal de Boschma e Frenken, a Geografia Econômica Evolucionária começou a receber críticas, sobretudo em relação ao aspecto geográfico da análise. Chu e Hassink (2023) organizam tais críticas em três pilares. O primeiro se refere à negligência do papel das instituições, em nível meso, e da agência individual, em nível micro. Recentemente, os trabalhos sobre coevolução, que enfatizam as relações mútuas entre instituições e desenvolvimento industrial, foram ampliados na tentativa de endereçar esta fragilidade (BENNER, 2022; GANCARCZYK et al., 2023; GONG; HASSINK, 2019).
Em segundo lugar, os autores argumentam que a GEE apresenta um entendimento limitado sobre os elementos que impulsionam o desenvolvimento econômico e a mudança estrutural, que, nessa abordagem, estão fortemente restritos à inovação baseada no mercado. Contudo, há um conjunto muito mais amplo e heterogêneo de fatores, para além da inovação, que não são considerados pela GEE. Nesse sentido, nota-se um número cada vez maior de elementos, muitas vezes conflitantes, que afetam as atividades econômicas nos locais e são afetados pelo contexto particular do mesmo. Estes incluem, por exemplo, criatividade (GONG; HASSINK, 2017), lucros financeiros oriundos do mercado de ações, sustentabilidade e empreendedorismo social (SMITH; STEVENS, 2010).
Em terceiro lugar, a GEE é criticada pela fraca ontologia espacial que oferece. Sugere-se que, ao invés de considerar a evolução das entidades no espaço, seja levada em conta a evolução do lugar em si. Similarmente, Bathelt et al. (2017) criticam o conceito de variedade relacionada por desconsiderar o papel específico exercido pelo contexto local, regional ou demais contextos territoriais ou não territoriais envolvidos (BATHELT; STORPER, 2023).
O principal foco da deficiente ontologia espacial da GEE, contudo, reside na escolha, feita por razões teóricas, do conceito de espaço neutro como ponto de partida (BOSCHMA; FRENKEN, 2006). O conceito é facilmente confundido com o espaço vazio ou absoluto da geografia econômica neoclássica, que o mobiliza por questões relacionadas à abstração e modelagem. Uma vez que os próprios autores (BOSCHMA; FRENKEN, 2006, p. 290) admitem a existência de diferentes graus de neutralidade no espaço (ou diferentes graus de abertura de janelas de oportunidade locacional para novas indústrias), a depender da importância das condições regionais, a distinção entre espaço neutro e lugar real é artificial e enganosa (CHU; HASSINK, 2023). Seria mais preciso, portanto, distinguir entre diferentes graus de particularidade dos lugares reais do que utilizar espaço neutro, que, por sua vez, deve ser confinado à geografia econômica neoclássica.
As condições regionais sempre diferem de lugar para lugar e não incluem apenas instituições territoriais, mas também a existência e a história de um conjunto específico de indústrias relacionadas com competências e habilidades próprias. Assim, tanto na geografia econômica evolucionária quanto na institucional, os lugares reais importam, embora em diferentes extensões e graus, dependendo da questão empírica sob análise (CHU; HASSINK, 2023).
Para atenuar tais fraquezas, Hassink, Klaerding e Marques (2014) sugerem: i) adotar uma abordagem mais ampla das instituições, que enfatize seu forte impacto na agência individual (HODGSON, 2009); ii) incorporar a dimensão do poder em seu quadro analítico, a fim de compreender melhor a distribuição desigual de recursos econômicos; e iii) agregar outras escalas espaciais no seu referencial, a fim de examinar a relação entre a “emergência” das macroestruturas a partir de processos em níveis mais baixos e o “enraizamento” destes microprocessos em relações e estruturas socioespaciais mais amplas (CORIAT; DOSI, 1998; PECK, 2005).
Para superar essas lacunas, fortalecer sua ontologia espacial e construir uma compreensão holística dos diferentes níveis (micro, meso e macro) para além da simples coleta de dados, MacKinnon et al. (2009), Pike et al. (2009) e Hassink, Klaerding e Marques (2014), defendem que a Geografia Econômica Evolucionária deveria incorporar as contribuições de abordagens alternativas da Geografia Econômica, em especial da Geografia Econômica Institucional(ista), da Geografia Econômica Relacional e da Economia Política Geográfica3.
A abordagem institucional no âmbito da Geografia Econômica tem como objetivo explicar a transformação da paisagem econômica através da análise de como as instituições mudam no decorrer de um percurso dependente da trajetória (AMIN, 2001; PECK, 2005). Deste modo, a partir da ideia de que as instituições são “portadoras da história”, os geógrafos observam que nos níveis regional e local os efeitos da dependência de trajetória institucional são particularmente significantes, uma vez que as instituições locais são portadoras privilegiadas das histórias locais. Neste sentido, a “densidade institucional” da região, determinada pela combinação virtuosa de instituições informais, que engendram confiança e capital social e permitem cooperação, aprendizado e fluxos de conhecimento, com instituições formais, tais como firmas dinâmicas, universidades e agências governamentais, serve de lastro para o desenvolvimento regional liderado pela geração e difusão de inovações.
Uma das principais contribuições da literatura para investigar a relação entre inovação e desenvolvimento regional se expressa no conceito de Sistemas Regionais de Inovação (SRI). Formalizado primeiramente por Cooke (1992), o conceito de SRI se desenvolveu em torno de duas ideias: da percepção de que a inovação é um processo sistêmico e interativo (LUNDVALL, 1992), e dos benefícios da concentração das atividades econômicas e da proximidade geográfica (COOKE et al., 2004; BOSCHMA, 2005; TORRE; RALLET, 2005). A ideia central por trás desta abordagem é a de que a performance inovativa não depende somente do conhecimento acumulado pelas firmas e outras organizações do sistema, mas também da maneira como estes diferentes atores se articulam e interagem no que se refere à produção e disseminação de conhecimento. O Sistema Regional de Inovação, portanto, pode ser definido como
[…] um conjunto de interesses públicos e privados, instituições formais e outras organizações que, interagindo entre si, funcionam de forma a conduzir à geração, uso e difusão do conhecimento em uma determinada região” (DOLOREUX; PARTO, 2005, p. 134-135, tradução nossa).
Em relação aos componentes do sistema, pode-se pensar o SRI como um esquema formado por subsistemas com coerência e dinâmica próprias. Os subsistemas mencionados são quatro e compreendem: a demanda; a produção, que articula e utiliza tecnologias e conhecimentos; as organizações responsáveis que impulsionam a geração e difusão desses conhecimentos; e, por fim, as instituições capazes de formular e implementar políticas. As conexões entre esses subsistemas, por seu turno, contribuem para determinar a vitalidade da dinâmica do sistema em termos de inovação e da ocorrência do aprendizado interativo (COOKE, 1998). A Figura 1 busca representar esquematicamente um SRI.
Complementarmente, um SRI deve ser entendido como um sistema aberto ao passo que a inserção da região no contexto nacional e internacional são importantes. O SRI se relaciona com dois contextos mais amplos: o do Sistema Nacional de Inovação (SNI), que inclui infraestrutura, arcabouço institucional (legal e regulatório), sistema financeiro e sistema de educação; e do Sistema Global de Inovação, que engloba empresas transnacionais, leis internacionais, acordos comerciais, regulamentações financeiras e direitos de propriedade intelectual.
Influenciada pela Nova Sociologia Econômica, a abordagem relacional da Geografia Econômica ganhou destaque na chamada escola da Califórnia. Storper (1997), um dos expoentes desta escola, tornou-se uma das referências da Geografia Econômica ao abordar a contribuição das chamadas “interdependências não comercializáveis” para o desenvolvimento regional. Estas “interdependências não comercializáveis” incluem linguagem, normais sociais e convenções, cultura e expectativas compartilhadas, e todas elas, embora informais e em algum sentido efêmeras, são vistas como geradoras de confiança e capital social, e, portanto, contribuem para a cooperação contínua, aprendizado coletivo, networking e para o fluxo de conhecimento entre organizações, agentes e localidades específicas (GERTLER; LEVITTE, 2005). Este conjunto de normas, regras e convenções permite a comunicação, ajustes e o aprendizado entre agentes econômicos e rege a coordenação das atividades econômicas, formando a base do que Storper (1997) chama de “patrimônio relacional” de uma região. Neste sentido, a Geografia Econômica Relacional (GER), enfatiza o enraizamento (embeddedness) das firmas e estruturas organizacionais em uma ampla rede de relações sociais e instituições perpassada por diferentes escalas espaciais (BATHELT; GLÜCKLER, 2003).
No entanto, as redes em geral, e as redes de inovação e conhecimento em particular, não são aleatoriamente estruturadas, mas distorcidas, ou seja, algumas organizações são mais conectadas que outras (POWELL; KOPUT; SMITH-DOERR, 1996; GIULIANI, 2007). Neste prisma, nota-se que, como outras formas de proximidade podem substituir a proximidade geográfica, o conceito de proximidade pode explicar porque as redes dentro das regiões não são pervasivas, e porque algumas firmas dentro destas regiões, às vezes agem como gatekeepers (MORRISON, 2008), estabelecendo a maioria de suas relações com firmas localizadas em outros territórios (BOSCHMA; FRENKEN, 2017).
As diferentes dimensões da proximidade foram propostas como ferramentas analíticas para entender este processo dinâmico de formação e evolução das redes nas regiões. Neste contexto, a formação de “territórios” é entendida como um constructo socioeconômico que emerge da interação entre atores locais, e, portanto, que se transforma continuamente ao longo do tempo (BALLAND; BOSCHMA; FRENKEN, 2014). Cabe ressaltar, que o princípio mais importante da “escola da proximidade” na Geografia Econômica é a tese de que a proximidade geográfica entre instituições não é condição necessária e nem suficiente para o aprendizado interativo e a inovação ocorrerem (BOSCHMA, 2005).
Deste modo, em relação às diferentes dimensões da proximidade, observa-se que: a proximidade cognitiva se estabelece quando dois atores compartilham a mesma base de conhecimento (NOOTEBOOM, 1999). A proximidade social geralmente está associada às relações pessoais entre atores (UZZI, 1996), resultantes de colaborações passadas (BRESCHI; LISSONI, 2009). A proximidade institucional é alta quando os atores operam sob o mesmo conjunto de normas e incentivos, i. e., quando estão colocalizados no mesmo país (GERTLER, 1995; HOEKMAN; FRENKEN; VAN OORT, 2009), ou operam no mesmo subsistema social, especificamente dentro da academia, de uma indústria ou do governo (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 2000; PONDS; VAN OORT; FRENKEN, 2007). Finalmente, a proximidade organizacional se refere a ser membro de uma mesma entidade organizacional, como, por exemplo, no caso de duas subsidiárias de uma mesma companhia (BALLAND, 2012).
Complementarmente, a literatura aponta que os processos de inovação dependem cada vez menos das dinâmicas de conhecimento dentro das fronteiras de espaços cognitivos coerentes, comunidades de prática individuais e sistemas de aprendizado social, e acontecem cada vez mais através de dinâmicas de conhecimento que perpassam múltiplos lugares, setores econômicos, disciplinas científicas, domínios organizacionais e comunidades sociais (ASHEIM; BOSCHMA; COOKE, 2011; MANNICHE, 2012; STRAMBACH; KLEMENT, 2012). Portanto, é por meio da combinação de diferentes Bases de Conhecimento que os processos de inovação são impulsionados (MACNEILL; JEANNERAT, 2016).
Como sugerido por Asheim e Gertler (2005), a distinção entre diferentes tipos de Base de Conhecimento – Analítica (científica), Sintética (técnica) e Simbólica (baseada em cultura) – leva em consideração que as inovações se baseiam não somente em tipos de conhecimento diferentes, mas também em distintos modos de aprendizado, critérios para validação do conhecimento e desafios à inovação específicos, bem como diferentes tipos de interação entre atores nos processos de criação, transmissão e absorção do conhecimento. Esta classificação é entendida como uma lista de tipos ideais. Na prática, a maioria das atividades compreende mais de uma base de conhecimento, e o grau em que prevalece certa base de conhecimento varia entre indústrias, firmas e diferentes tipos de atividades e ocupações dentro das mesmas. O Quadro 1 resume as principais características das Bases de Conhecimento citadas anteriormente.
A Economia Política Geográfica é caracterizada como um framework teórico interessado nas relações entre Estado, trabalho e capital e na tendência inerente do capitalismo em gerar desenvolvimento territorial desigual. Pike et al. (2009) enumeram três pilares centrais desta abordagem: i) primeiramente, a EPG concebe o capitalismo como uma forma particular de organização política, social e econômica, e argumenta que as suas geografias emergem da coevolução de processos e relações econômicas, sociais, políticas, culturais e biofísicas (CASTREE, 2010); ii) em segundo lugar, sendo sensível às críticas de economicismo, reducionismo e estruturalismo, a EPG concebe a economia como resultado de relações socioespaciais em detrimento de atores individuais atomizados no tempo e espaço, e enfatiza as relações mutuamente constitutivas e recursivas entre agentes e estruturas (Harvey, 2006); e iii) finalmente, a Economia Política Geográfica interpreta o capitalismo como gerador de desenvolvimento desigual e de desigualdades socioespaciais (HARVEY, 1990).
Segundo Coe (2011) e Martin e Sunley (2015) a Geografia Econômica Evolucionária poderia se beneficiar de um engajamento mais forte com a Economia Política Geográfica em virtude da ênfase que esta última dá ao desenvolvimento territorial desigual, ao poder e ao papel das instituições. Neste contexto, as reflexões oriundas da literatura de Cadeia Global de Valor e de Regime Global de Acumulação poderiam ser úteis para compreender a articulação entre o global e o local, enfatizando as dinâmicas de poder e interesses que perpassam as estratégias e relações entre firmas de diferentes portes e origens, que caracterizam os padrões de competição do capitalismo globalizado.
Nas últimas décadas, tornou-se comum para as empresas terceirizar um conjunto de atividades que anteriormente eram desenvolvidas internamente, mantendo aquelas nas quais essas empresas possuem competências chave. Neste contexto, os processos de produção estão cada vez mais fragmentados, tendo suas etapas espalhadas por diversos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, formando assim, Cadeias Globais de Valor (CGV). Contudo, esta nova divisão global do trabalho não é neutra, uma vez que na maioria dos casos as firmas líderes, geralmente oriundas de países desenvolvidos, são responsáveis pela coordenação das atividades e de seus parceiros de negócio em cada fase do processo produtivo (PIETROBELLI; RABELLOTTI, 2011).
Desta forma, a natureza específica da coevolução de cadeias globais de valor e sistemas de inovação pode variar substancialmente, dependendo da conjunção de fatores micro e macro. Estes fatores incluem: o nível de desenvolvimento e capacidade de governança do país ou da região, o contexto macroeconômico, a política comercial, os segmentos de mercado principais, a existência e o nível de desenvolvimento de outros canais externos (e.g. Investimento Direto Externo, mobilidade de capital humano, exportações), as características tecnológicas e as bases de conhecimento dos setores predominantes e as características das firmas locais (e.g. tamanho, abertura, presença de gatekeepers de conhecimento, nível de formalidade, entre outros). Além disso, dependendo destes fatores, a coevolução entre CVG e SI pode se desdobrar em um amplo conjunto de trajetórias específicas (LEMA; RABELLOTTI; GEHL SAMPATH, 2018).
A Economia Política Geográfica, portanto, completa o quebra-cabeça teórico que serve de suporte para superar as limitações e enriquecer o framework analítico da Geografia Econômica Evolucionária. Neste contexto, Martin e Sunley (2015) propõem uma “virada desenvolvimentista” na GEE com objetivo de ampliar o seu instrumental conceitual e metodológico, bem como sua capacidade analítica. A pluralidade teórica, portanto, é vista como fundamental para o avanço do paradigma evolucionário no âmbito da Geografia Econômica.
Martin e Sunley (2015), inspirados pela “virada desenvolvimentista” (developmental turn) na Teoria Evolucionária, propõem uma “virada desenvolvimentista” na Geografia Econômica Evolucionária, aproveitando as contribuições das diferentes vertentes teóricas da Geografia Econômica para propor novos mecanismos, conceitos e perspectivas capazes de explicar de forma consistente o desenvolvimento geográfico desigual e a evolução das regiões ao longo do tempo.
Segundo Martin e Sunley (2015) a GEE tende a focar apenas no nível micro da firma, mais especificamente na evolução da população de firmas que compõem uma indústria particular. A maior parte dos estudos, portanto, se preocupa mais em analisar como indústrias específicas evoluem ao longo do tempo em um espaço do que considerar a sinergia entre os processos e estruturas econômicas em locais específicos e a tendência sistêmica em direção ao desenvolvimento regional desigual. Portanto, a GEE tem dificuldade em conectar os processos da escala micro com os processos, padrões e regularidades da escala macro.
Partindo do pressuposto que uma determinada economia e suas formas e arranjos institucionais coevoluem, os autores argumentam que as instituições são ao mesmo tempo o contexto e a consequência da evolução econômica. A virada desenvolvimentista, portanto, tem como objetivo incorporar as contribuições de outras vertentes da Geografia Econômica e engajar a GEE em um pluralismo teórico e metodológico necessário para a superação de suas limitações.
Em primeiro lugar, os autores defendem uma compreensão mais holística e sistêmica do processo de evolução econômica espacial, transitando da noção de rotinas e regras como unidades de variedade e seleção para a visão de sistemas desenvolvimentistas econômico-espaciais multiescalares como “unidades de evolução”.
Além disso, a perspectiva desenvolvimentista da Geografia Econômica Evolucionária deve buscar uma “contextualização profunda” (deep contextualization), ou seja, considerar todo o conjunto de entidades, fatores e influências, incluindo os internos (endógenos) e externos (exógenos), locais e não-locais, estruturais e contingentes, que condicionam e moldam a trajetória e a dinâmica evolucionária do sistema econômico-espacial desenvolvimentista em estudo (MARTIN; SUNLEY, 2015).
Complementarmente, a abordagem desenvolvimentista contribui para a visão do sistema econômico-espacial como uma entidade auto organizada com propriedades emergentes, que resulta das interações entre seus componentes e de sua conectividade. Estes processos, no entanto, não são controlados por nenhum agente ou subsistema dentro ou fora do sistema. Há também a necessidade de examinar o grau em que cada sistema econômico-espacial pode construir seus próprios ambientes competitivos e institucionais, o que demanda o entendimento das estruturas de poder envolvidas e das condições regulatórias que estimulam e obstruem esses processos.
Por fim, Martin e Sunley argumentam que a virada desenvolvimentista traz a perspectiva de trabalhar com uma visão mais ampla da influência dos legados herdados na evolução dos sistemas econômico-espaciais, sobretudo estruturas institucionais e práticas econômicas, além de introduzir a necessidade de levar em conta as implicações de robustez e plasticidade nas trajetórias de desenvolvimento, o que impacta a capacidade de adaptação e resiliência do sistema ao longo do tempo.
Neste sentido, argumenta-se que tanto a Geografia Econômica Institucional quanto a Economia Política Geográfica e a Geografia Econômica Relacional podem auxiliar na incorporação dessas perspectivas sugeridas pela “virada desenvolvimentista” no âmbito da Geografia Econômica Evolucionária. Desta feita, formas e práticas institucionais (desde normas socioculturais individuais até redes sociais e o Estado), por um lado, e dinâmicas e redes de conhecimento, bem como “grandes” processos e estruturas sistêmicas, tais como regimes de acumulação de capital, modos de regulação e tendências a crises, de outro, influenciam e condicionam os mecanismos da evolução econômica e suas consequências espaciais. Em síntese, GEE, GEI, EPG e GER não devem ser vistas como teorias rivais, mas como perspectivas complementares capazes de enriquecerem umas às outras.
A Geografia Econômica Evolucionária teve o mérito de romper com a perspectiva abstrata e de equilíbrio oriunda do paradigma da nova geografia econômica, trazendo uma série de contribuições teóricas e metodológicas para a compreensão do processo de evolução regional, sobretudo através dos conceitos de variedade relacionada e não relacionada e de ramificação. A partir da noção evolucionária de rotinas, seleção e retenção4, os geógrafos econômicos evolucionários demonstraram como o comportamento das firmas e indústrias, no nível micro, moldam trajetórias tecnológicas e condicionam o desenvolvimento regional, definindo, inclusive, as possibilidades de diversificação. No entanto, ao utilizar o mesmo ponto de partida da geografia econômica neoclássica – os lugares neutros – a GEE se defrontou com limitações para explicar de maneira adequada a persistência do desenvolvimento regional desigual.
Nesse sentido, para a GEE se firmar como uma abordagem teórica sólida e realmente alternativa ao equilíbrio neoclássico é imperioso que a análise desta dinâmica liderada por firmas e indústrias no nível micro, que engloba os limites e possibilidades de diversificação e constrangimentos derivados da dependência da trajetória, seja adequadamente contextualizada de forma profunda, holística e multiescalar no âmbito do sistema econômico-espacial em questão. O ponto de partida, portanto, deve ser o lugar real e não um espaço neutro com possíveis janelas de oportunidade locacional.
Os lugares reais, por sua vez, se referem às especificidades locais, englobando as estruturas industriais, ativos e recursos regionais e instituições e práticas (BOSCHMA, 2016; HENNING, 2022), se opondo frontalmente ao espaço neutro. O lugar real está fortemente relacionado ao conceito de dependência do lugar (place dependence), que decorre da reprodução local de conhecimentos, instituições territoriais e interesses declarados enraizados no local (BOSCHMA et al., 2017).
Tanto a dependência da trajetória quanto a dependência do lugar são processos evolucionários que se influenciam e se moldam mutuamente. Enquanto a primeira enfatiza a importância do tempo e dos eventos históricos, a segunda reforça a inter-relação (inter-embededdness) e a interdependência entre múltiplos atores no local, que afeta seus comportamentos e processos de tomada de decisão e, consequentemente, a transformação econômica estrutural da região (CHU; HASSINK, 2023).
Depreende-se então, que para ir além da simples coleta de dados empíricos e da construção de indicadores sintéticos (variedade relacionada e não relacionada), a GEE precisa incorporar as contribuições de outras vertentes da Geografia Econômica para enriquecer sua análise e torná-la de fato multiescalar e evolucionária. Isto é ainda mais crítico no caso de regiões periféricas, que possuem ambientes institucionais e dinâmicas de poder com forte influência sobre o comportamento de firmas e indústrias.
Chu e Hassink (2023) argumentam que a dependência do lugar está fortemente relacionada ao conceito de enraizamento (embededdness) (GRANOVETTER, 1985), i. e., as rotinas das firmas só podem ser entendidas a partir de uma densa rede de relações sociais e institucionais que a sustenta. As possibilidades de diversificação regional, portanto, são fortemente ancoradas nas redes e bases de conhecimento específicas à região e dependem do grau de confiança e capital social de atores chave. Os diferentes tipos de proximidade também concorrem para o sucesso desse processo. A Geografia Econômica Relacional, portanto, oferece uma valiosa base conceitual de apoio para compreender essa dinâmica.
Ainda no nível meso, fica evidente a impossibilidade de entender a dinâmica das firmas e as janelas de oportunidade locacionais sem considerar o ambiente institucional mais amplo e os arranjos institucionais específicos que condicionam e permitem a interação entre os diferentes atores envolvidos no processo. O modelo conceitual de sistema regional de inovação, desta feita, tem o mérito de enquadrar os diferentes subsistemas no âmbito da dinâmica territorial mais ampla, explicitando o papel das instituições formais e informais para a geração e difusão de conhecimento e inovação na região. A Geografia Econômica Institucionalista se torna, assim, decisiva para complementar a abordagem evolucionária aqui descrita.
Por fim, não é possível, sobretudo quando consideramos regiões periféricas, ignorar a organização espacial do capitalismo e de suas crises. Para tanto, é necessário um forte engajamento com a Economia Política Geográfica e sua análise do Estado em nível macro. Além disso, identificar o papel das regiões dentro das cadeias globais de valor ajuda a compreender como diferentes locais são afetados de diferentes maneiras e graus pela mesma crise global.
A Figura 2, portanto, propõe um framework contendo as principais contribuições e conceitos e cada uma das abordagens voltadas para analisar o desenvolvimento geográfico desigual e responder à pergunta: “como as regiões evoluem ao longo do tempo?” Sintetizando o estado da arte das perspectivas evolucionárias, este quadro de referência serve como um guia para os interessados em investigar os potenciais e limites para o desenvolvimento de regiões de forma profunda.
No final do século passado duas tendências complementares eram dominantes na geografia econômica e no debate regional: por um lado, a “morte” da distância inerente ao avanço da globalização preconizava um mundo conectado em que barreiras geográficas não seriam mais relevantes e as oportunidades de desenvolvimento e a geração de inovação estariam disponíveis a todos; por outro lado, a nova geografia econômica, baseada na teoria do equilíbrio geral, servia de suporte teórico a esta visão.
O primeiro quarto do século XXI desmontou ambas as crenças de forma decisiva: os desequilíbrios regionais aumentaram em favor das regiões mais desenvolvidas, que, por sua vez, concentraram ainda mais o processo de inovação. Além disso, as crises sistêmicas se tornaram mais agudas e frequentes e os desafios societais escalaram fortemente, marcando o início da era das “grandes transições” – demográfica, energética, ecológica, climática e digital. A pandemia global no início da presente década foi a culminância deste processo, alavancando o debate sobre resiliência regional e, de forma associada, a governança e as políticas públicas necessárias para enfrentar tais desafios.
Nesse contexto, emerge como campo teórico e metodológico a Geografia Econômica Evolucionária, que busca justamente romper com a lógica de equilíbrio e explicar de forma dinâmica o processo da evolução das regiões ao longo do tempo. A robustez conceitual fez com que essa abordagem se tornasse dominante nos anos posteriores ao seu lançamento. O sucesso, no entanto, expôs suas lacunas e fragilidades, mas, ao mesmo tempo, mostrou sua flexibilidade em se adaptar e incorporar insights, contribuições e conceitos de outras abordagens da Geografia Econômica, tais como a Institucionalista, Relacional e a Economia Política Geográfica, agregando outros níveis de análise (meso e macro) e permitindo a expansão do framework analítico e do instrumental conceitual e metodológico.
Este engajamento em um pluralismo conceitual que não é concorrente, e sim complementar, enriquece a ontologia espacial da GEE e facilita analisar a evolução do sistema econômico-espacial como um todo e não somente do comportamento das firmas e indústrias e de suas rotinas. Incluir as dimensões de redes, bases de conhecimento, cultura, arquitetura institucional, poder e desigualdade, dentre outras, torna o debate acerca das possibilidades e limites para a diversificação regional mais realista, além de possibilitar a análise dos grandes desafios contemporâneos, incluindo a resiliência regional.
Ademais, contextualizar a decisão das firmas e indústrias e os indicadores de variedade relacionada e não relacionada no âmbito das redes, instituições e dinâmicas de poder é de grande relevância para estudar regiões menos desenvolvidas e que não estão localizadas nos países centrais, uma vez que as mesmas, em geral, possuem ambientes institucionais que constrangem os processos de inovação, são constituídas por Sistemas Regionais de Inovação pouco densos, dispõem de bases de conhecimento precárias e pouco diversificadas, tem dificuldade de construir redes de conhecimento e inovação robustas e ocupam posições periféricas nas cadeias globais de valor, sendo muitas vezes dominadas por multinacionais externas (KANTIS; FEDERICO, 2012; FERNANDEZ; COMBA, 2017).
Este artigo, portanto, contribui para organizar o debate recente no âmbito da Geografia Econômica Evolucionária e avança na proposição de um quadro de referência teórico e analítico que pode servir de guia para aqueles que buscam estudar a evolução das regiões, sobretudo localizadas nos países em desenvolvimento, em perspectiva evolucionária. Para tanto é preciso fazer uma contextualização profunda, considerando os diferentes níveis de análise – micro, meso e macro –, combinando métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos e adotando uma visão dinâmica, em detrimento de uma visão estática, ou seja, levando em consideração a evolução do sistema econômico-espacial ao longo do tempo, visando integrar passado, presente e as perspectivas futuras.
O autor agradece à sua orientadora Renata Lèbre La Rovere pela parceria durante os últimos 9 anos.