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O ateismo virtual e sua agenda de demandas [1]

El ateísmo virtual y su agenda de demandas

Virtual atheism and its demands agenda

Fernando Mezadri
Universidad Federal de Santa Catarina, Brasil

O ateismo virtual e sua agenda de demandas [1]

Estudios Sociales Contemporáneos, núm. 18, pp. 133-151, 2018

Universidad Nacional de Cuyo

Recepción: 08 Septiembre 2017

Aprobación: 23 Enero 2018

Resumo: O artigo que tem como intenção trazer uma reflexão sociológica acerca da visibilidade de grupos de ateus no cenário virtual latino-americano. Associações ateístas com sede virtual praticam um ativismo em defesa de causas próprias, mas também, reivindicam a participação na esfera pública enfatizando o respeito aos direitos humanos, à tolerância religiosa, ao pensamento livre entre outras manifestações. Quais as exigências colocadas na arena pública por essas associações? Percorrendo alguns conceitos ligados à sociologia da religião, secularização, secularismo, ateísmo, internet e ciberativismo; o texto apresenta dados estatísticos sobre os ateus em escala global e local, além de mostrar a existência de uma forma de ateísmo praticado por associações que se passa no mundo virtual. A metodologia empregada é de natureza qualitativa e descritiva. Empiricamente, oito associações ateístas do Cone Sul com foro virtual foram estudadas. O conteúdo de seus estatutos e websites após categorização, são analisados e comparados entre si e em relação ao referencial teórico. Como resultado, em função da dificuldade do encontro com grupos virtuais que defendam o ateísmo propriamente dito, optou-se pela análise de grupos que articulam outras formas de demandas para além da causa do ateísmo. Ora, além de trazerem o tema do ateísmo para uma análise sociológica, percebe-se que os reclames dessa população em si são difusos e plurais. Defendem a liberdade e o pensamento ateísta, mas também apoiam direitos reprodutivos, a não discriminação de gênero, a República e a democracia, tudo isso, assegurados pela premissa do Estado laico.

Palavras-chave: Sociologia da Religião, Associação de Ateus, Websites de Ateísmo, Demandas Sociais.

Resumen: El artículo que tiene como intención traer una reflexión sociológica acerca de la visibilidad de grupos de ateos en el escenario virtual latinoamericano. Las asociaciones ateístas con sede virtual practican un activismo en defensa de causas propias, pero también, reivindican la participación en la esfera pública enfatizando el respeto a los derechos humanos, a la tolerancia religiosa, al pensamiento libre entre otras manifestaciones. Cuáles son las exigencias planteadas en la arena pública por esas asociaciones? Recorriendo algunos conceptos ligados a la sociología de la religión, secularización, secularismo, ateísmo, internet y ciberativismo; el texto presenta datos estadísticos sobre los ateos a escala global y local, además de mostrar la existencia de una forma de ateísmo practicada por asociaciones que se pasa en el mundo virtual. La metodología empleada es de naturaleza cualitativa y descriptiva. Empíricamente, ocho asociaciones ateístas del Cono Sur con foro virtual fueron estudiadas. El contenido de sus estatutos y sitios web después de la categorización, son analizados y comparados entre sí y en relación al referencial teórico. Como resultado, en función de la dificultad del encuentro con grupos virtuales que defendían el ateísmo propiamente dicho, se optó por el análisis de grupos que articulan otras formas de demandas más allá de la causa del ateísmo. Ahora bien, además de traer el tema del ateísmo a un análisis sociológico, se percibe que los reclamos de esa población en sí son difusos y plurales. Defenden la libertad y el pensamiento ateos, pero también apoyan derechos reproductivos, la no discriminación de género, la República y la democracia, todo ello, asegurados por la premisa del Estado laico.

Palabras clave: Sociología de la Religión, Asociación de Ateos, Websites de Ateísmo, Demandas Sociales.

Abstract: The article intends to bring a sociological reflection on the visibility of groups of atheists in the Latin American virtual scenario. Atheist associations with virtual headquarters practice an activism in defense of their own causes, but also, they claim participation in the public sphere emphasizing respect for human rights, religious tolerance, free thinking among other manifestations. What are the demands placed on the public arena by these associations? Going through some concepts related to the sociology of religion, secularization, secularism, atheism, internet and cyber-liberation; the text presents statistics on atheists on a global and local scale, as well as showing the existence of a form of atheism practiced by associations that takes place in the virtual world. The methodology used is qualitative and descriptive. Empirically, eight atheistic associations of the Southern Cone with virtual forum were studied. The content of its statutes and websites after categorization are analyzed and compared to each other and to the theoretical framework. As a result, due to the difficulty of meeting with virtual groups that defend atheism itself, we opted for the analysis of groups that articulate other forms of demands beyond the cause of atheism. However, in addition to bringing the theme of atheism to a sociological analysis, one can perceive that the claims of this population itself are diffuse and plural. They defend freedom and atheistic thinking, but also support reproductive rights, non-discrimination of gender, the Republic and democracy, all this, assured by the premise of the secular state.

Keywords: Sociology of Religion, Association of Atheists, Websites of Atheism, Social Demands.

1. Introducción

O presente trabalho versa sobre aos ateus organizados em associações ou entidade representativas. Chamados de ateus ativos, após um processo de “conversão” (LeDrew, 2013), engajam-se em uma comunidade de visibilidade pública. Estes, por sua vez, de anônimos, passam ao ativismo virtual depositando na agenda pública suas demandas.

Em forma de artigo, o texto se divide em duas partes, uma de abordagem teórico-conceitual e outra empírica. Na primeira parte articulações conceituais são realizadas sobre o ateísmo à luz da sociologia da religião. São mobilizados dados estatísticos sobre os ateus nos países do Cone Sul e apontamentos analíticos sobre a internet como o meio de atuação, de visibilidade pública e cristalização das identidades e demandas de grupos ateístas. Na sequência, a metodologia da pesquisa explicita o modo de coleta e tratamento dos dados bem como, situa a internet enquanto campo de pesquisas. Na segunda parte, dá-se a apresentação e análise dos dados empíricos coletados em websites dos grupos de ateus. Encerra-se o artigo com as considerações finais, demarcando as limitações encontradas na pesquisa e as perspectivas para estudos sobre o ateísmo no campo sociológico.

2. Fundamentação teórica

Denominados como religião dos descrentes ou igreja dos sem fé, o ateísmo vem se constituindo como objeto de estudo no campo da sociologia das religiões. Por esse motivo, adotamos dois pressupostos básico para este artigo. O primeiro está na compreensão deste fenômeno, também a partir de uma epistemologia sociológica, evitando interpretações da ordem do religioso, da filosofia e da teologia. E o segundo, que as práticas sociais atribuídas a esses grupos se distingues das práticas de outros grupos religioso, principalmente por conta do uso instrumental que ele faz da internet.

Quanto à ênfase sociológica atribuída por este trabalho, no plano investigativo, um mesmo objeto pode ser observado a partir de várias lentes, porém, na ausência de conceitos suficientes, é sensato que se sejam criados matizes apropriadas para se evitar a transposição inadequada de conceitos de um determinado campo epistemológico para outro.

Nessa perspectiva, Monteiro e Dullo (2014) pela insuficiência de conceitos sociológicos, interpretam e situam os ateus no Brasil na mesma lógica dos fundamentalistas religiosos. Tal como outras minorias religiosas, os ateus, atuariam na mesma arena de disputas religiosas, na esteia da lógica perde/ganha adeptos. Para tanto, na tentativa de situá-los no campo da sociologia, buscamos ancoragem sobretudo na matriz da secularização em Max Weber, mas também nas abordagens do secularismo de sociólogos de língua inglesa e europeus como contribuição na análise do fenômeno na américa latina

2.1. O ateísmo e a secularização

Como definir o ser ateu? Seguimos nesse texto Bullivant e Ruse (2013), quando a partir de diferentes significações, colocam o ateísmo como forma de um relacionamento negativo com as divindades. Ou ainda como ausência de crença em um ou mais deuses.

O ateísmo é definido como um abster-se de crença na existência de um deus ou deus. Tal como acontece com a maioria das definições principais do termo, é simplesmente o fruto de duas decisões básicas: o significado e o alcance de a-, e o significado e alcance do -theism (Bullivant & Ruse, 2013: 26-27. Tradução livre)[2].

Importantes implicações semânticas e etimológicas recaem sobre a construção da terminologia - ateu. Martin (2010) estipula dois tipos de ateísmo, o positivo e o negativo. O negativo em sua acepção ampla consiste na ausência de fé em qualquer tipo de deus ou deuses e não a rejeição a uma ideia de um deus antropomórfico. De forma estrita, seria a falta de fé em um deus teísta. Estaria ligado a etimologia grega do termo. A = sem ou não, e Theós = deus. Aqui não se nega a possibilidade da existência de um deus. Mas se trabalha dentro da regra de evidencia para se compor uma crença. O ateísmo positivo, em sentido amplo consiste na falta de fé em qualquer tipo de Deus, já que estes não existem. Seus representantes apresentam-se de forma estritamente racionalista, tecendo ataques à noção logicamente inconsistente de deus formulada pelas religiões.

Em termos elementares, o ateísmo seria efeito do processo de modernização das sociedades. Em Giddens (1991), na obra As Consequências da modernidade, pode-se entender que a revitalização, presença e mutabilidade das religiões ou do sagrado nas sociedades contemporâneas, demarcaram o terreno e as fronteiras para o posicionamento dos ateus; quer do ponto vista individual quer na ótica de grupos e coletivos. As descontinuidades em várias fases do desenvolvimento histórico, “os modos de vida trazidos pela modernidade nos desvencilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que não tem precedentes” (Giddens, 1991: 14). A modernidade corresponderia no desvencilhar-se dos feixes institucionais, mas que paulatinamente, migrar-se-ia para a “emergência de modos de vida e formas de organização social - maneira essa reflexiva - que divergem daquelas criadas pelas instituições modernas” (Giddens, 1991: 58).

Nessa perspectiva, a modernização trouxera consigo a racionalização do mundo, e como efeito dissolvente, ter-se-ia o desencantamento do mundo. Este é um movimento contínuo de eliminação dos elos mágicos que sustentam a relação entre os homens. A racionalidade diferenciada obtém cada vez mais forma e passa a operar dentro de seus constituintes explicativos próprios (Weber, 2004).

Cada orientação da conduta humana ganha a sua autonomia e afastando-se de qualquer tipo de unidade determinante e totalizadora. Para os agentes, a modernidade garantiria uma maior nitidez entre os meios e fins de uma ação. As ações dos indivíduos vão se orientando especificamente dentro de lógicas próprias (Weber, 2004). Nas palavras do próprio autor “destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo desencantamento do mundo levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes” (Weber, 2004: 51).

A intelectualização e racionalização seriam aquelas que dariam a prova de “que não existe, em princípio, nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa vida; em uma palavra, que podemos dominar tudo, por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo” (Weber, 2004: 30). Ora, no processo de desencantamento do mundo em curso na civilização ocidental, Max Weber (2004) coloca a ciência como a principal responsável dessa forma de racionalidade. Entretanto, Max Weber, subtrai dela qualquer possibilidade de se apresentar como uma ontologia do social, ou seja, não cabe a ciência qualquer possibilidade de atribuição de sentido para vida, haja vista sua direção para aspectos da vida imanente – aqui e agora -, e não do transcendente ou da vida futura (Weber, 2004: 31). Não teria a ciência a capacidade de dar um sentido à existência humana.

É no desencantamento que se compreende a possibilidade de haver no ateísmo um tipo ou variação extremada do asceticismo do mundo. Eminentemente mundano - o ascetismo -, assumiu um caráter racional, metódico, disciplinar de conduta da vida distanciando-se de qualquer tipo de significação extramundana. Seriam as camadas cívicas como um dos estratos sociais mais propensos a este ascetismo do mundo, por desenvolverem um racionalismo prático. “O fato empírico importante para nós, de que os homens têm qualificações diferentes, de uma forma religiosa, evidencia-se desde o início da história da religião” (Weber, 1982: 331). Sobre as camadas cívicas, consoante a Weber (1982), foram formadas por comerciantes, artesãos, empresários do artesanato. Mostravam-se ambíguos e de determinação variada. Ligavam-se a todos os tipos de práticas institucionalizadas bem como práticas individuais de salvação. “É precisamente entre elas que se destacam as afinidades eletivas para tipos especiais de religião. A tendência para um racionalismo prático na conduta é comum a todas as camadas cívicas” (Weber, 1982: 327-328).

Estas qualificações distintas estão em função dos diferentes estratos sociais [intelectuais, camadas cívicas, camponeses]. Sobre este aspecto, comenta Weber (1982) que

os valores sagrados supremos prometidos pela religião [...] não foram necessariamente os mais universais. Nem todos tinham ingresso no Nirvana, na união contemplativa com o divino, na posse orgiástica ou ascética de Deus. [...] Até mesmo essa forma, porém, esses estados psíquicos não foram elementos da vida cotidiana (Weber, 1982: 331).

Ora, o que fica é o conflito entre o mundo e a religião. Logo, pressupõe-se que entre os três estratos sociais inseridos nesse conflito, as camadas cívicas comporiam os ateus. Em Weber, ao fazer referência ao Capitulo 7 da Religiöse Gemeinsschaften (Comunidades Religiosas), intitulado Estamentos, classes e religião, Sell (2013) destaca que na sociologia da estratificação weberiana haveria uma distinção entre os tipos de qualificações religiosas no interior da própria religião, já que

nem as religiões, nem os homens, são livros abertos. Foram antes construções históricas do que construções lógicas ou mesmo psicológicas sem contradições. [...] Nas questões religiosas a coerência foi a exceção e não a regra. As formas e meios de salvação também são psicologicamente ambíguos (Weber, 1982: 335).

Ou seja, haveriam os virtuosos e a massa fiel. Nela [na sociologia da estratificação], estariam duas racionalidades: a teórica e a prática. Nesse sentido, presume-se que os ateus estariam sujeitos muito mais a segunda racionalidade, haja vista a relação direta no ascetismo do mundo. Além do que, trabalha-se fortemente com a hipótese de ser o ateísmo uma diferenciação da racionalidade somente no plano teórico.

De toda ordem, caberia maior aprofundamento teórico no campo sociológico na tentativa de melhor situar a formação do ateísmo nas sociedades modernas, secularizadas, em especial no caso latino americano, pouco secular e densamente religioso. Embora Max Weber seja uma referência imprescindível nas discussões acerca da secularização no mundo ocidental, ele abre espaço para um diálogo direto com Oliver Tschannen (1991) e Karel Dobbelaere (1994) pelo enfoque sociológico dado à secularização, isto é, como um conjunto de teorias que explicam o social.

Em Tschannen (1991), a teoria da secularização ainda não alcançou o status de uma teoria sistemática e coerente, entretanto, já constituiria em si mesma, um quadro coerente de conceitos compartilhados em torno da diferenciação social das esferas sociais, da racionalização e da mundanização. Nessa toada, permite aproximações entre o fenômeno da secularização nos casos anglo-saxões e europeus com o contexto latino-americano. Nessa linha, Dobbelaere (1994) apresenta a secularização como um conceito de sensibilização, que oferece condições para compreensão de casos empíricos sendo a laicização - uma de suas dimensões -, que mediria as inter-relações entre instituições religiosas e instituições sociais. Nessa toada, José Casanova (1995), muito aproximado aos conceitos laicização supracitados, entende a secularização como diferenciação estrutural e funcional das esferas, como declínio das práticas religiosas e como marginalização da religião para esfera do privado.

2.2. Os ateus em números

A quantificação do número de ateus é imprecisa, pois para algumas agencias de pesquisa, censos e demais levantamentos estatísticos, estes são agrupados aos sem religião e também aos agnósticos. Essa classificação provoca variações tanto na quantidade como na qualidade da análise desse agrupamento social.

Conforme pesquisa elaborada pelo Worlwilde Independent Network [WIN] juntamente com Gallup International (2012) intitulada como Global Index of Religiosity and Atheism, após survey[3] realizado, apenas uma minoria do mundo, estes concentrados na China e no Leste Europeu, afirmam ser ateus. A síntese mais geral das respostas acusa: 59% de autodeclarados religiosos, 23% não religiosos e 13% ateus. Do grupo dos ateus convictos, 47% concentram-se na China, 31% no Japão, 30% na República Tcheca, 29% na França, 15% na Coreia do Sul e na Alemanha, 14% na Holanda e 10% na Áustria, Islândia, Austrália e Irlanda (Worlwilde Independent Network [WIN]-Gallup International, 2012).

Em relação ao banco de dados da Association of Religion Data Archieves (2010), a América do Norte concentra 0,6% de ateus e 14% de agnósticos. No norte da Europa, concentra-se 2,4% de ateus e 17,7% de agnósticos e região sul 2,1% e 8,5% de agnósticos. Já na América do Sul, 0,5% são ateus e 3,1% de agnósticos (Tabela 01). Os dados expostos evidenciam a afirmação de Berger e Luckmann (2012) de que a secularização se aplicaria muito mais na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, pois fora desses lugares, ela seria descabida. “O chamado Terceiro mundo estremece literalmente sob o ímpeto dos movimentos religiosos” (Berger & Luckmann, 2012: 50).

Tabela 01
Algumas regiões mundiais comparadas
RegiõesAteusAgnósticosCristãos
América do Norte0,6%14%79%
América do Sul0,5%3,1%88,63%
Norte da Europa2,4%17,7%74,8%
Sul da Europa2,1%8,5%90,89%
Associação of Religion Data Archieves (2010). Elaborado pelo autor (2015).

Quanto aos países do Cone Sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai) representantes de nossa pesquisa, os dados do ateísmo se revelam da seguinte maneira conforme mostra a tabela 02.

Tabela 02
Ateus e agnósticos nos países do Cone Sul
PaísAteusAgnósticosCristãos
Paraguai0,23%1,79%95,42%
Brasil0,39%2,43%90,97%
Argentina0,86%5,04%90,89%
Chile2,39%7,72%88,63%
Uruguai6,53%27,95%63,86%
Associação of Religion Data Archieves (2010). Elaborado pelo autor (2015).

Em relatório publicado pelo Latinobarômetro (2013), ateus, sem religião e agnósticos são contabilizados de forma homogênea, conforme aponta a tabela 03.

Tanto o número quanto os conceitos sobre os ateus mostram-se controvertido. Não sem razão, isso se deve em partes ao tipo de classificação elaborado pelas agências de pesquisa. Além de aparecer como um dos integrantes do grande grupo dos None Religion, o ateísmo é colocado na mesma listagem de religiões, crenças e grupos religiosos. Isto é, o estudo desse fenômeno passa sobremaneira pelo cabedal teórico religioso e filosófico e em menor escala pelo sociológico. Por isso, ainda rareiam os estudos eminentemente sociológicos ou políticos acerca desse objeto. Ao se estudar o ateísmo virtual, pretende-se ampliar as possibilidades de pesquisa sobre o fenômeno, para além do universo exclusivamente religioso.

Tabela 03
Ateísmo nos países do Cone Sul
PaísAteus/Sem religião/Agnósticos
Paraguai1%
Brasil11%
Argentina13%
Chile25%
Uruguai38%
Latinobarômetro (2013). Elaborado pelo autor (2015).

Os dados citados nas tabelas 01, 02 e 03 mostram quantificações que remetem também ao agnosticismo. Ora, muito mais que uma postura religiosa, seria este um posicionamento filosófico diretamente relacionado ao ateísmo teórico. Neste tipo de ateísmo, há a negação do ser transcendente chamado Deus (Riezu, 1989).

A partir de Bullivant e Ruse (2013) entende-se o agnosticismo “tanto no sentido clássico de uma crença específica de que não há provas suficientes para acreditar ou não acreditar na existência de deus ou deuses e em seu senso mais popular de não ter feito as próprias ideias [...]” (Bullivant & Ruse, 2013: 26-27. Tradução livre)[4].

Para Martin (2010) o agnosticismo é uma suspenção do juízo sobre a existência de Deus. O agnosticismo seria compatível com o ateísmo negativo e não com o positivo, haja vista ser o agnosticismo uma postura assente no plano teórico. Ontologicamente não caberia nenhum tipo ativismo. No agnosticismo estaria contida uma indiferença, enquanto no ateísmo – o positivo -, um posicionamento explícito de não crença. Disso resulta o entendimento de que essa não crença manifestada pelos ateus superaria uma construção abstrata, ensimesmada e meramente especulativa [agnosticismo] compondo assim, um campo muito mais complexo nas relações e interações individuais e coletivas das quais resultariam a formação do imaginário da não crença.

Dito isso, nos aproximamos dos teóricos da sociologia, em especial Berger e Luckmann (2004) quando inserem o ser humano num processo dialético que está constante curso. O indivíduo não nasce membro da sociedade, nasce com predisposição para a sociabilidade e torna-se membro da sociedade aonde apreende um mundo no qual os outros já vivem. Não é um processo unilateral do todo social [macro] sobre o indivíduo [micro], mas um exercício constante de exteriorização, objetivação e interiorização da realidade.

Nota-se nos dados estatísticos uma dissonância do Uruguai e do Chile sobre os demais países, inclusive sobre a totalidade dos países da América com exceção dos EUA e Canadá. Diferente desses dois países em que os dados apontam um acentuado processo de secularização (Latinobarômetro, 2013), a religião nos países Latino americanos não cessa ou se extingue, mas se transforma. E mesmo que se acompanhe o decrescimento do catolicismo na América Latina, para o Latinobarômetro (2013) os católicos saíram de 80% em 1995 para 67% em 2013, não se enxerga o declínio do cristianismo de maneira ampla. Haveria somente o trânsito religioso (Teixeira, 2013; Almeida & Monteiro; 2001, Camurça, 2000) dentro do grande mercado das religiões (Mariano, 2011) no continente Latino americano, em especial nos países aqui pesquisados.

2.3. O ateísmo virtual

Os ateus estão na internet. Websites, páginas virtuais, blogs, fóruns online, entre outros, são espaços para os ateus construírem e partilharem preocupações comuns. Na internet sua existência é legitimada, além disso, [os espaços virtuais] são importantes para o ativismo ateu, especialmente em termos de distribuição de informação e sensibilização (Cimino & Smith, 2012).

Esse ativismo coletivo é justificável de forma online e somente na esfera do ciberespaço poderia ser generalizada. É um tipo de pluralidade de agentes/atores amparados sob o grande guarda-chuva do secularismo, que por sua vez, integram também grupos não religiosos, mesmo que não se identifiquem como ateus. Contudo, ser ateu, é premissa básica tanto para aglutinação, como para inserção desses grupos no ciberespaço.

Para Smith e Cimino (2012), ao pesquisarem sobre o ateísmo nos EUA, constataram que este se desenvolveu ao lado do adensamento de experiências religiosas. Comparado ao modelo de secularização europeia, um está em detrimento do outro. Berger, Davie e Fokas (2015) na obra América religiosa, Europa secular? Um tema e variações (Tradução Livre)[5] ao discutirem a tese da secularização no continente europeu, alegam que a Europa é secular, não por ser moderna, mas sim, por razões intrínsecas a sua constituição[6]. Enquanto na Europa a suposta secularização atuou no sentido de afastamento e restrição da Igreja na esfera pública, nos EUA, o Estado atuou em defesa das liberdades de crenças e de culto. Porém, essa condição jurídica acabou por cercear e insular os ‘não crentes’. No que se refere aos Estados Unidos, diferente do continente europeu, os ateus ficam na berlinda social e permanecem sob constantes ataques. Em certos casos, são transformados em bodes expiatórios simbólicos ou em inimigos comuns a todos os religiosos (Edgell, Gerteis & Hartmann, 2006).

Em nível de Brasil e para os demais países da América do Sul, a religião não apresenta declínio acentuado como nos países europeus, contudo, questões referentes à laicidade do Estado se mostram como maior premência. Com o catolicismo em declínio, Latinobarômetro (2013), assiste-se a um acentuado grau de disputadas entre Estado e Igreja. No que tange o aspecto da laicidade, em nível Latino-Americano, Blancarte (2011) argumenta que

[...] a laicidade e o laicismo latino-americano podem ser observados a partir de duas perspectivas possíveis, não necessariamente excludentes; o de uma laicidade em construção ou a de uma prática inevitável anticlericalismo, na medida em que a gestação de um novo Estado significava a criação de um espaço público temporário autônomo e instituições políticas soberana, com novas formas de legitimidade. A laicidade não é então intrinsecamente anti-clerical, e muito menos antireligioso. Na verdade, se pode argumentar que esta surge precisamente como um quadro institucional necessário para o desenvolvimento das liberdades religiosas, em particular a liberdade de crenças e culto. Se, pelo contrário, nos países de hegemonia Católica, a laicidade teve que atrair um laicismo combativo para gerar um espaço de liberdades, isso deveu-se principalmente à circunstâncias históricas, que enfrentaram o liberalismo com essa instituição eclesiástica e especialmente a intransigência doutrinária de sua hierarquia (Blancarte, 2011: 187).

É neste contexto de luta pela laicidade, a internet vem se mostrando como o espaço popular para a cultura secularista. Propícia tanto a manifestação como o encontro de ateus individualizados ou de grupos já constituídos (Smith & Cimino, 2012). Nesse tipo de mídia, ganhariam visibilidade, personalidade e identidade. Além disso, ao se inserirem nesses espaços virtuais, ter-se-ia uma dupla transgressão: a) as clássicas fronteiras entre o público e privado estariam dissolvidas ou resignificadas, pois “a internet não é apenas espaço para interpretar o mundo, mas produzindo-o ativamente" (Smith & Cimino, 2012: 19. Tradução Livre)[7]; e b) a fragmentação do binarismo on/off pela representação não mais de dois mundos, mas de uma mesma realidade.

É a partir dessas duas modificações geradas a partir do plano virtual, que se pode compreender a existência de um ativismo ateu ou ciberativismo de grupos ateístas. Pois

O que acontece em linha não reflete apenas a realidade, mas também cria tal realidade. Destruindo a distinção privado / público, a Internet dá problemas privados e diz respeito a uma transmissão mais pública. Isso significa que o que acontece em linha, no domínio privado e pessoal dos secularistas, é potencialmente infundido com significado público (Smith & Cimino, 2012: 20. Tradução livre)[8].

Concordamos com a tese dos autores no aspecto de que as fronteiras entre público e privado ficam muito mais opacas e de que a internet é o lugar onde a política e a vida pública ganham o seu lugar. Preocupações, sentimentos e emoções de caráter individual, ganham repercussão pública através das arenas de debates que são criados, dos fóruns de discussões que invariavelmente impulsionam demandas públicas e agendas políticas, bem como pela simples adesão de novos interessados. Aqui estaria contido, por assim dizer, o ativismo secularista online.

Ao se dissolverem as fronteiras entre demandas e interesses privados e públicos, são também dissolvidas barreiras linguísticas, ‘formalismos’ no tratamento, limites entre ciência e não-ciência não são considerados. O nível da polidez nas postagens é um ponto que merece aprofundamento bem como o elevado grau de comédia, sarcasmo e peças inflamatórias comumente utilizadas. Nesta toada, blogs, websites, perfis em redes sociais, webchats, fóruns online, vídeos seriam apropriados de maneira distinta em função dos interesses dos agentes. Em nossa pesquisa, nos detivemos somente nos websites das associações ateístas, pois julgamos evitarem fluxos de mensagens depreciativos.

3. Metodologia da pesquisa

De natureza qualitativa e descritiva, a pesquisa adotou como linha de corte para a seleção das amostras: a) as associações que fazem a defesa do ateísmo como uma de suas principais plataformas, b) sediadas virtualmente e constituídas a partir de um estatuto jurídico c) pertencentes aos países membros do Cone Sul [Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile].

Pelos objetos investigados terem origem recente, trabalhou-se com amostras intencionais pensadas a partir do problema de pesquisa, das características do universo observado e das condições e métodos de observação e análise. A partir de metodologia de “bola de neve, ou seja, um “tipo de amostragem [...] não probabilística, que utiliza cadeias de referência”, nesse sentido não é possível determinar a probabilidade de seleção de cada participante na pesquisa (Vinuto, 2014: 203). Para tanto, partiu-se de uma associação (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos [ATEA-Brasil]) para um total de oito [08] entidades. Cada website foi visitado e analisado a partir das seguintes categorias: a) principal plataforma de defesa, b) objetivos postos no estatuto jurídico, c) principais defesas e ou apoio a causas públicas, políticas e cidadãs.

Com base nas informações coletadas, estabeleceram-se agrupamentos, tipificações e classificações dos conteúdos presentes nos discursos, textos e postagens. Sobre essa produção foram realizadas comparações, seguidas de análises e interpretações a partir do referencial bibliográfico desenvolvido. Ainda, sobre a metodologia, cabe um breve desenvolvimento sobre a internet enquanto campo de estudos.

A problemática escolhida para compreensão do ateísmo nos países do Cone Sul, foram suas websites, utilizadas como formas virtuais para manifestação e ou apoio de demandas incidentes sobre aspectos da cidadania e dos direitos humanos sobremaneira.

Ora, o estudo sobre ou através da internet é um campo em constante mutabilidade no meio acadêmico. A definição de fronteiras ainda é constante. A mobilização de estudos amparados pela internet, demanda a aplicação de métodos específicos, ora assemelhados, ora distintos daqueles convencionalmente trabalhados pela tradição das pesquisas empíricas. A questão nevrálgica sobre os estudos no mundo da internet reside sobre a natureza do campo, ou sobre o caráter, ora dual, ora ambíguo residente no binômio real/virtual. Além disso, a partir de Fragoso, Recuero e Amaral, (2013) é necessário considerar sua natureza constantemente mutável e efêmera, além de sua rápida e ampla adoção por pesquisadores nos mais diversos contextos de pesquisa, o que nos permite alinhavar questionamentos acerca da justificativa dos estudos e sua relevância para área e a confiabilidade e credibilidade dos dados assim obtidos (Fragoso, Recuero & Amaral, 2013: 29).

Recai sobre os estudos da internet elevados graus de complexidade teóricas advindos de suas diferentes apropriações e formatos que vêm alcançando desde a década de 1990, quando do seu surgimento e posterior popularização. Nesse sentido, a partir da obra de Christine Hine, intitulada como Virtual Ethnography publicada em 2000, Fragoso et al. (2013), orientam para a concepção da internet como artefato cultural. Isto é, não haveria distinção entre online e off-line. A Internet pode, portanto, ser vista como um produto do contexto social (Hine, 2004). Um espaço entre tantos outros naturalizados da vida cotidiana que conteria significados compartilhados produzidos por uma determinada comunidade. Assim, no lastro dos estudos sobre a internet, Amaral e Montardo (2010: 66) categorizam o ciberativismo como um subcampo de estudos. Isoladamente ou em grupos, os ateus estão ativos na internet.

Ante problemáticas e inconsistências conceituais ainda em disputa (Alcântara, 2013), tencionamos na direção de Ugarte (2008) quando define o ciberativismo como toda estratégia que persegue a mudança da agenda pública, a inclusão de um novo tema na ordem do dia da grande discussão social, mediante a difusão de uma determinada mensagem e sua propagação através do “boca a boca” multiplicado pelos meios de comunicação e publicação eletrônica pessoal (Ugarte, 2008: 55).

A internet opera como um novo espaço de partilha, de relacionamentos, de trocas, de pertencimento e formação de identidades coletivas. Para Castells (2003: 15), a internet, como um ciberespaço aonde os movimentos adquirem força, tornou-se uma “ágora eletrônica global, em que a diversidade da divergência humana explode numa cacofonia de sotaques”. Através da internet, determinados grupos locais transformam-se em grupos de atuação global.

Essa discussão inevitavelmente resvala sobre a perspectiva teórica dos movimentos sociais. Contudo, não é o percurso desse texto. Não tencionamos declinar para avaliações teóricas que enquadrem as associações ateístas na mesma categoria dos movimentos sociais, pois o cenário do secularismo virtual é heterogêneo, plural, composto por grupos e subgrupos defensores de ideias, filosofias e políticas muito distintas (Cimino & Smith, 2012). No entanto, para os fins deste artigo, delimitamos como associações ateístas, aquelas constituídas por um estatuto jurídico. Sob esse aspecto, atribuímos a elas condições de orbitarem como atores políticos em disputa no macro cenário político, jurídico e social. Diferentemente de outras associações localizadas em uma sede física, essas entidades jurídicas, em sua maioria, têm sua sede hospedada em um servidor da internet. É nesse sentido, que alocamos o conceito de ciberativismo para compreender também o tipo de atuação dessas associações

4. Apresentação e análise da pesquisa

As associações identificadas pelo método bola de neve tinham o ateísmo ou como a principal bandeira ou com um de seus principais princípios. Mas, em função da carência de amostras exemplares nos países pesquisados, ampliou-se a busca para associações defensoras do racionalismo e ou do livre pensamento como principal plataforma. A internet é povoada pelos mais diferentes grupos e manifestações ateístas, porém, nem todas atendiam as exigências postas na metodologia. Na tabela 04 estão elencadas as associações visitadas.

Sobre o ambiente encontrado. Muitos websites estavam ‘fora do ar’ ou em manutenção, careciam de informações mínimas, estavam desatualizados. E como muitos grupos de ateístas com websites não possuíam constituição estatutária, a amostra ficaria restrita, logo, a busca por outras representações – os céticos, racionalistas, agnósticos e livre pensadores (Tabela 04).

Tabela 04
Associações pesquisadas
NomeSedeFundaçãoWebsite
Sociedade RacionalistaBrasil2011www.sociedaderacionalista.org
Liga Humanista Secular (LIHS)*Brasil2010www.ligahumanista.org.br
Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA)Brasil2008www.atea.org.br
Fundacíon Sociedad AteaChile2012www.sociedadatea.cl/
Asociacion Civil Ateos Mar del Plata*Argentina2009www.ateosmardelplata.com.ar
Associaçao civil de ateos da Argentina (ARGATEA)**Argentina2006 2010 (oficial)www.argatea.com.ar/
Asociación Paraguaya Racionalista (APRA)Paraguai2008www.apra.org.py
Asociación Uruguaya de librepensadores (AULP)Uruguai2012www.aulp.uy/
Elaborado pelo autor (2015) *Possuem sede física.

**Associação já extinta.

Tabela 05
Descritivos, frases princípios das associações.
NomeObjetivos
Sociedade Racionalista (Brasil)Ser uma sociedade de natureza democrática e pluralista Falando todas as línguas da razão
Liga Humanista Secular (Brasil)Para céticos, agnósticos, ateus, livres-pensadores e secularistas Associação dedicada ao humanismo, visão de mundo preocupada em fundar ética e conhecimento em evidência e argumento. Sem deuses. Pois a verdadeiras fontes do conhecimento e ética, não são sobrenaturais A favor da laicidade do Estado para que as crenças de alguns não se imponham a todos Em defesa das pessoas, de qualquer fenótipo, origem, gênero, sexo, orientação sexual, credo ou espécie.
Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Brasil)Luta contra a discriminação que os ateus sofrem na sociedade brasileira e pela verdadeira laicidade do estado. “Pela laicidade e contra o preconceito” Ateísmo, uma relação pessoal com a realidade Deus não ajuda pessoas, pessoas ajudam pessoas Não vote com fé, use a razão Escola pública não é lugar de culto. O Estado brasileiro é laico Sua religião, não é nossa lei
Fundacíon Sociedad Atea (Chile)[...] compuesta por laicos, agnósticos, escépticos y ateos, que busca discutir, debatir y construir un espacio que no existe en nuestro país. Piensa que el pluralismo y la aceptación de la diversidad son el punto de partida para que la sociedad acepte el laicismo, el agnosticismo y el ateísmo con naturalidad
Asociacion Civil Ateos Mar del Plata (Argentina)Nuestra organización se fundo con el objetivo de difundir el ateísmo junto con los valores racionalistas, humanistas seculares y adogmaticos.Trabajamos por un Estado laico, por la defensa de la libertad de conciencia, de pensamiento y de expresión
Associaçao civil de ateos da Argentina (Argentina)Promover la difusión del pensamiento ateo, defender las libertades y derechos civiles de los ciudadanos con una ética, moral y valores sociales y unas normas de conducta ateas y humanistas, y luchar por la implantación de valores laicos en la sociedad.
Asociación Paraguaya Racionalista (Paraguai)La aplicación de la razón y la ciencia son fundamentales para la comprensión del universo y para la búsqueda de solución de los problemas humanos.No existe ningún tema sagrado o prohibido que la razón no pueda examinar.
Asociación Uruguaya de librepensadores (Uruguai)Agrupar a personas y asociaciones sinceramente comprometidas con el Librepensamiento y la Libertad Absoluta de Conciencia y trabajar convergentemente junto a quienes impulsan principios similares.República, laicidade, Razón
Elaborado pelo autor (2015). Consulta nas websites das associações.

Como primeira constatação de evidência, tem-se que, o surgimento dessas associações, que datam entre o ano de 2006 e 2013, é relativamente recente. Pode-se afirmar, que essa aparição esteja relacionada ao surgimento de expoentes do New Atheism[9] quando da publicação de livros Best-Sellers a exemplo de Deus um delírio do biólogo Richard Dawkins.

Em relação aos termos, proposições e enunciados colocados em seus websites, compreendemos como um ‘cartão de visitas’. É o anúncio que desejam passar aos interessados. São páginas carregadas de símbolos, marcas e frases em destaque. As causas que apoiam, ações e mobilizações de cunho político e jurídico aparecem de forma explícita. Depoimentos pessoais e frases de impacto também são visíveis. Os sites aglutinam diferentes demandas, remetem à blogs, para outras associações. É uma miríade de interesses. Neste aspecto, parece haver uma fuga da condição de agrupamento ou vínculos que denotem formação de comunidades coesas, para análogas às comunidades religiosas (Cimino & Smith, 2012). Alguns desses descritivos estão contidos na tabela 05.

O ateísmo não é a principal defesa praticada por estas associações. A laicidade do Estado aparece como uma prerrogativa básica para todas elas. Importa saber, que o ateísmo não aparece como um pré-requisito de adesão, mas, antes de tudo, o livre pensamento atrelado a posturas racionais, céticas e correlatas aparentam ser a premissa básica. Chama atenção a defesa por valores como liberdade, pluralismo e tolerância; confluindo para a manutenção de um ethos humanista em oposição às condutas ordenadas pelas religiões. Como aponta Cimino e Smith (2012), os grupos ateístas, por serem tão plurais nos interesses que reverberam na esfera pública, não configurariam movimentos sociais. O ethos humanista é extremamente alargado. A tabela 06, elaborada a partir dos princípios, apoios e defesas das associações; denota a abrangência de sua rede ético-cívico-cidadã. Embora algumas associações fossem excluídas dessa lista, ou por não estarem atualizadas em suas informações, ou por terem seus websites desativados ou ainda, por não conterem informações básicas para a análise de seus estatutos, aquelas que cumpriram as exigências, apresentaram questões de gênero, direitos reprodutivos e liberdade de crenças como assuntos na ordem do dia.

Sobre a Associação Paraguaia Racionalista e a Associação Uruguaia de Livres Pensadores nada pode ser encontrado de maneira explícita. As demais, mostram defesas e ou apoios à direitos reprodutivos, às liberdades de gênero, de crença e à tolerância e no não fundamentalismo religioso. Os ateus são contemplados em suas defesas como minorias merecedoras de proteção legal. Suas defesas são difusas e mostram a pluralidade de interesses, sejam daquelas associações tipificadas como racionalistas ou somente as ateístas. Infere-se que ao fazer defesa de uma agenda ampla e de um ethos humanista e plural, esses grupos colocam-se no mesmo status de minorias que buscam identidade e reconhecimento público conforme já haviam percebido Dullo e Montero (2012). Ao colocarem-se como minorias sociais, tais associações se conectariam com demais grupos ainda não reconhecidos pelo Estado de direito resultando assim na formação de um bloco monolítico de interesses.

Tabela 06
defesa declarada de um ethos humanista, de cidadania e de direitos humanos
NomeEthos humanista
Sociedade Racionalista (Brasil)Apoio ao Aborto, ao feminismo, à liberdade de expressão limitada, à liberdade de crença Contra a pena de morte
Liga Humanista Secular (Brasil)Humanismo
Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Brasil)Lutar contra discriminação que os ateus sofrem na sociedade brasileira Contra o fundamentalismo religioso Repudiar a intolerância fundamentalista A favor da diversidade
Fundacíon Sociedad Atea (Chile)Lutar pelos direitos de igualdade das mulheres frente aos homens, Contra o sexismo
Asociacion Civil Ateos Mar del Plata (Argentina)Erradicar a ignorância, a discriminação, a pobreza e violência
Associaçao civil de ateos da Argentina (Argentina)Defender os ateus contra discriminações; A favor da alteração na legislação nacional para acepção da legalização da interrupção da gravidez. A favor do direito ao aborto legal, seguro e gratuito
Elaborado pelo autor (2015). Consulta nas websites das associações.

A tabela 07 evidencia toda cobertura de interesses, defesas e apoios dessas associações. O conteúdo de suas proposições é diversificado, heterogêneo e difuso. Categorizamos 04 agrupamentos: ethos epistêmico, ethos ético-jurídico, ethos político democrático-republicano e ethos religioso. Categorizados com base em suas defesas, apoios e ou combates. Portanto, n=119. Cabe explicar que a categorização supracitada se deveu às observações realizadas após a sistematização dos estatutos de cada uma das associações. Após a realização de tabelas comparativas, foram definidas categorias analíticas. Por ethos, entendemos um tipo de comportamento e ou conduta padrão derivado de princípios gerais que tais associações fazem defesa.

Tabela 07
principais expressões ou termos
Tipo de EthosSubstantivos com maior ocorrênciaNº absoluto ePercentual
ethos epistêmicométodo científico/ciência/razão/consciência, pensamento/racional/racionalismo/ceticismo/cético/ agnosticismo/agnóstico5025,12%
ethos ético-jurídicoliberdade/livre/secular/secularismo/ tolerância/discriminação/preconceito/direitos/ humanos/respeito/igualdade/solidariedade/ética/ honestidade/plural/pluralismo/diversidade/direitos humanos7537,68%
ethos político democrático republicanoEstado/política/público/coletivo/cidadão/cidadania3316,58%
ethos religiosoReligião/religiões/religiosa/mitos/magia/crença/ superstição/dogma/dogmatismos4120,6%
* n=199

Por fim, esta tabela, evidencia as principais balizas das associações pesquisadas. Entre todas as palavras recolhidas nas frases, aquelas que tiveram a maior quantidade de aparições foram: Religião [23], Estado [20], liberdade [18], Consciência e pensamento [21] e ateus [20]. Expressões comumente usadas, adotaram o termo defesa para tratar de interesses próprios – “defender o direito dos ateus e agnósticos” ou “defesa da liberdade de consciência”. Quando do apoio, esse é dirigido à demarcação de fronteiras entre Estado e Religião – “apoio ao fim de ostentação de objetos religiosos em locais públicos” ou “ao fim do ensino religioso nas escolas”. Todavia, as inserções voltadas à manutenção, apoio e ou defesa de princípios humanísticos ganharam destaque. Mais de 37% das palavras evocam a salvaguarda de direitos, principalmente os humanos. Tais princípios humanistas, estão atrelados à liberdade individual e a uma lógica liberal. Nesse sentido, há uma aproximação maior com os EUA do que com experiências de secularização dos países europeus.

5. Considerações finais

O artigo apresentou elementos novos acerca do estudo do ateísmo a partir da perspectiva da sociologia do fato religioso, todavia, é mister explicitar que o texto possui uma limitação empírica no que tange o real escopo da pesquisa. Em outros termos, os resultados não podem ser generalizados para os grupos de adeptos ao ateísmo, mas aqueles restritos ao universo desta pesquisa – as associações que defendem a causa ateísta através da internet.

A problemática do artigo reverbera três questões de fundo: qual a relevância sociológica de se colocar os ateus como objeto de estudo no cenário religioso latino americano? Seriam os ateus uma categoria de estudo relevante no cenário religioso latino americano? Os ateus latino americanos poderiam ser estudados sob os moldes da secularização estadunidense e europeia? As problemáticas conduzem a amplitudes tanto empírica quanto teóricas.

Os ateus na internet são propositivos e participam da agenda pública com seus interesses. Mas, reconhecemos que a causa de maior relevância emergida das pesquisas seja o direito em ser um ateu. Para tanto, o Estado laico pleno é urgente. Todas as outras investidas, lutas, apoios [direitos humanos, direitos reprodutivos, liberdade de pensamento, de gênero, defesa da democracia entre outros] ou ‘pegam carona’ ou emprestam de outros grupos. A defesa única e exclusiva do ateísmo no cenário sócio-político latino americano densamente cristão, mostra-se nebuloso quanto os limites entre Estado e Religião. Ressoa como um reclame ilegítimo, quando não imoral ou politicamente incorreto. Logo, deve vir maquiado de proposições já reconhecidas para alcançarem visibilidade em relação aos tomadores de decisão. Resultante disso, estão as ações coordenadas e coletivas sob a forma de processos judiciais, protestos, passeatas, campanhas publicitárias. Na verdade, “alianças e estratégias seculares demonstraram algum sucesso contra os esforços do direito religioso de restringir o aborto e o casamento gay e introduzir o design inteligente nas escolas públicas” (Cimino & Smith, 2012: 25. Tradução Livre)[10].

Impossibilitados dessa legitimidade, encontrariam na internet a autorização para manifestação de suas demandas. Assim, uma tripla função desse campo em relação aos indivíduos que se autodeclaram ateus: 1) as mídias sociais funcionariam como meios de aglutinação dos ausentes territorialmente. Indivíduos, associações e ou grupos ateístas sediados virtualmente possuiriam um meio para se encontrarem. Identidades atomizadas, insuladas e possuidoras de posição não privilegiada, formariam um corpo social coeso. 2) diminuição dos custos de participação para os associados, já que a natureza da ação política ocorre na modalidade online e 3) tangenciando Ugarte (2008) seriam herdeiros de uma cultura hacker, aonde a palavra de ordem é o ‘faça você mesmo’. Como os websites permitem grande interação com os usuários e simpatizantes, ter-se-ia um caminho livre para a criação e inserção de conteúdo, em sua maioria, somente performáticos

No que tange ao método utilizado, o campo da internet é um universo de investigação particularmente difícil de se recortar, em função de sua escala, heterogeneidade e dinamismo constantes. Suas unidades analíticas são voláteis. Por essa razão, o objeto de estudo – associações ateístas virtuais – apresentavam-se sempre muito dinâmicas. Cabe parcimônia em caso de generalização dos resultados em escalas ampliadas, tendo em vista a restrição da amostragem para somente alguns casos latinos americanos.

Muito já se sabe sobre os religiosos autodeclarados e estudos avançam em direção aos sem religião; porém, pouco ainda se sabe sobre quem se autodeclara ateu. Individualmente ou em grupos e longe de serem um grupo com interesses homogêneos, fazem dos espaços virtuais, um campo para o reconhecimento não só de suas identidades, como também para atuação política em prol da igualdade nos direitos civis.

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Notas

[1] Uma versão deste texto foi apresentada na XVIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas em América Latina na cidade de Mendoza –Argentina -, no ano de 2015.
[2] Atheism is defined as an abscense of belief in the existence os a God or gods. As with most mainstrean definitons of the term it is simply the fruit of two basics decisions: the meaning and scope of a-, and the meaning and scope of –theism.
[3] A pergunta dirigida a todos foi [tradução pessoal]: Independentemente de você participar/assistir de um culto, você diria que é uma pessoa religiosa, não religiosa ou ateu?
[4] in both its classical sense of a specific belief that there is insufficient evidence either to believe or disbelieve in the existence of God or gods and in its more popular sense of not having made up one’s minds [...].
[5] Religious America, Secular Europe? A theme and variations.
[6] No que se refere a ausência de um mercado religioso, no tipo de entendimento do iluminismo feito pelas elites que colocaram o Estado e Igreja belicamente separados (laicismo) e sobre as restrições legais imputadas às igrejas de atuação e atendimentos das demandas sociais.
[7] the Internet is not only space for interpreting the world but actively producting it”
[8] What happens online doesn’t merely reflect reality but also creates such a reality. Blurring the private/public distinction, the Internet gives private issues and concerns a more public airing. This means that what happens online, in the private and personal domain of secularists, is potentially infused with public meaning
[9] Estes referem-se ao biólogo Richard Dawnkins, o filósofo Daniel Dennett, o neurocientista Sam Harris e o jornalista Christopher Hitchens. Disponível em Acesso em: 19 setembro 2015.
[10] secular alliances and strategies have shown some success against efforts by the religious right to restrict abortion and gay marriage and introduce intelligent design into public schools.
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