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Grupos econômicos e frações de classe: o capital financeiro em questão [1]
Grupos económicos y fracciones de clase: el capital financiero en cuestión
Business groups and class fractions: the question of financial capital
Estudios Sociales Contemporáneos, núm. 20, pp. 65-81, 2019
Universidad Nacional de Cuyo

Dossier


Recepción: 19 Julio 2018

Aprobación: 07 Diciembre 2018

Resumo: O trabalho tem como objetivo traçar uma aproximação entre o arcabouço teórico-conceitual marxista dos grupos econômicos, de um lado, e das frações de classe a partir da teoria poulantziana do Estado e o bloco no poder, do outro. A problemática levantada está relacionada à análise do capital financeiro desde uma perspectiva sociopolítica. As hipóteses iniciais apontam para uma congruência entre os arcabouços teóricos mencionados por se trataram de instâncias analíticas diferentes (ainda que inter-relacionadas), isto é, uma do âmbito econômico do capital e a outra do âmbito político das classes. As elaborações trabalhadas fazem parte da etapa inicial de uma pesquisa ainda em andamento.

Palavras-chave: s: grupos econômicos, capital financeiro, frações de classe, bloco no poder, Nicos Poulantzas.

Resumen: El trabajo tiene como objetivo trazar una aproximación entre el marco teórico-conceptual marxista de los grupos económicos, de un lado, e de las fracciones de clase a partir da teoría poulantziana del Estado y del bloque en el poder, del otro. La problemática levantada está relacionada al análisis del capital financiero desde una perspectiva sociopolítica. Las hipótesis iniciales apuntan para una congruencia entre los marcos teóricos mencionados por trataren de instancias analíticas diferentes (aunque interrelacionadas), esto es, una del ámbito económico del capital y la otra del ámbito político de las clases. Las elaboraciones trabajadas hacen parte de una etapa inicial de una pesquisa aun en andamiento.

Palabras clave: grupos económicos, capital financiero, fracciones de clase, bloque en el poder, Nicos Poulantzas.

Abstract: The paper has the objective to trace the approximation between the Marxist theoretical framework of the business groups, on the one hand, and the class fraction of the Poulantzas’ state theory and power block, on the other hand. The raised problem is related with the financial capital’s analysis from a sociopolitical perspective. The initial hypotheses point towards a congruence between both theoretical frameworks as they refer to different analytical instances (although interrelated), this is, one from the economic scope of capital and the another from the political scope of class. The worked elaborations belong to an initial stage of an ongoing research.

Keywords: business groups, financial capital, class fractions, power block, Nicos Poulantzas.

1. Introducción

Apesar dos estudos sobre a burguesia serem relativamente escassos no Brasil, pode-se identificar um esforço crescente na tentativa de identificar e analisar como a classe capitalista atua politicamente. O intuito desse trabalho é traçar um diálogo entre duas teorias que se encarregam da investigação da burguesia teoricamente e empiricamente.

De um lado, as contribuições de Nicos Poulantzas, a teoria do bloco no poder e as frações de classe. Essas servem como marco aos esforços analíticos, de berço marxista, encarregados da compreensão da classe capitalista, em particular, e da classe dominante, como um todo. Aqui, daremos maior atenção à obra “o Estado, o poder, o socialismo”, escrito por Poulantzas em 1978 e considerada a sua última grande obra.

Do outro lado, as teorias dos grupos econômicos vêm sendo elaboradas, principalmente a partir da segunda metade do século XX com o intuito de apreender o intenso processo de concentração e centralização do capital a nível mundial, em que a empresa individual deixa de ser entendida como a unidade de análise primordial quanto ao trato investigativo da economia capitalista. Ao estabelecer um balanço sumarizado das diferentes concepções de grupos econômicos, elege-se a concepção marxista como o marco teórico a ser utilizado para o procedimento da pesquisa, devido à sua proximidade à também marxista teoria poulantziana do Estado.

O estabelecimento dessa aproximação entre essas duas teorias se justifica pelo fato de ambas teorias tratarem da questão do fracionamento de classe de maneiras diferentes. Esse é a principal questão pela qual o trabalho busca refletir. A teoria poulantziana pressupõe o fracionamento da classe capitalista e dá ênfase nas contradições entre as classes e frações de classe que compõe o bloco no poder. Já os grupos econômicos, desde a visão marxista, são compreendidos como a expressão institucional do capital financeiro (o entrelaçamento entre o capital industrial e o capital bancário) e dão ênfase na coesão dos grupos por meio do centro de comando via controle de propriedade.

Chega-se à conclusão preliminar de que o diálogo entre esses marcos teóricos é bem-sucedido desde a perspectiva que enxerga a distinção entre os enfoques analíticos, ou seja, a distinção entre a análise do capital e a análise da classe capitalista, reconhecendo sua interdependência. A partir desse cenário, busca-se lançar hipóteses sobre a investigação da atuação política dos grupos econômicos por meio de associações representativas, num esforço que faz parte de uma pesquisa em andamento.

2. Grupos econômicos: expressão institucional do capital financeiro

Os grupos econômicos representam a forma de organização empresarial predominante no capitalismo contemporâneo em que parcelas significativas de ativos, da produção, das trocas e de fluxos financeiros estão sob o seu controle. Além disso, os grupos econômicos dispõem de grande poder político oriundo de sua participação na produção, nos investimentos, na arrecadação tributária, na geração de divisas e na capacidade de exercer influência sobre a sociedade e o Estado (PORTUGAL JR., 1994).

Para Portugal Jr. (1994), o estudo dos grupos econômicos envolve dimensões, enfoques teóricos e recortes analíticos diferentes que não podem cair num ecletismo que se mostre teoricamente e analiticamente inconsistente. Nesse sentido, o autor aborda diferentes enfoques teóricos e suas respectivas limitações em termos de caracterização teóricas e operacionalização da análise empírica de grupos econômicos. Devido às limitações do trabalho, nosso escopo se restringirá em apresentar tais enfoques e não em evidenciar as suas respectivas críticas.

Reconhece-se que não existe um corpo teórico unificado tampouco um conceito consolidado sobre a categoria analítica Grupo Econômico. Isso significa que as aproximações nesse sentido se afirmam pela sua diferenciação diante da unidade empresarial simples, a firma (PORTUGAL JR, 1994). Além do mais, Mark Granovetter (1994) ressalta que as diferentes perspectivas acerca do surgimento dos grupos econômicos deriva das variações de grupos econômicos ao redor do mundo.

Granovetter (1994) ressalta que a ausência de discussão pública ou acadêmica sobre o poder de grupos econômicos advém do imaginário social que enxerga empresas como firmas individuais. Ademais, essa situação é reforçada pelo fato dos grupos econômicos serem legalmente separados, permitindo que sejam, de certa maneira, “invisíveis”. É muito raro que grupos tenham um status legal, ainda que a condição dos grupos econômicos varie muito de país para país.

Segundo Granovetter (1994), grupos econômicos são conjuntos de empresas legalmente separadas que se unem de maneira persistente formal ou informalmente. Os grupos econômicos devem ser contrapostos a dois tipos diametralmente diferentes entre si: aquele conjunto de empresas vinculadas por alianças estratégicas de curto prazo e as legalmente consolidadas enquanto uma única entidade.

Quanto ao surgimento da forma organizacional dos grupos econômicos, o autor sugere que os argumentos sejam classificados segundo o nível de análise. Eles podem variar desde o enfoque da escolha racional dos indivíduos até o da organização em busca de eficiência. Para grupos econômicos, as teorias devem ser operacionalizadas de acordo com a origem do grupo, podendo ter sido originado de uma única empresa que adquiriu múltiplas empresas relacionadas e subordinadas. No entanto, em geral, a literatura aponta para o surgimento de grupos econômicos a partir da diversificação de atividades de uma única empresa (GRANOVETTER, 1994).

Esse processo de diversificação tem um limite e ele é abordado por Penrose (1995). A autora defende que o crescimento é fruto do esforço racional de empenho de recursos subutilizados. Para a autora, a diversificação em direção a áreas não relacionadas provoca um uso subótimo dos recursos existentes da firma. Dessa forma, uma empresa não está inclinada a comprar qualquer outra empresa em sua frente, mas somente aquelas que podem complementar as atividades existentes (GRANOVETTER, 1994).

A vertente evolucionista da economia considera aspectos mais amplos do ambiente empresarial além da competição e do sistema legal. Esse conjunto de argumentos coloca as empresas tentando racionalmente maximizar resultados econômicos e foca na via bottom-up ao que tange à forma dos atores estratégicos agiram em seus determinados ambientes. Aqui, o ambiente aparece como um fator de constrangimento (GRANOVETTER, 1994).

Outro conjunto de argumentos aponta que o surgimento de grupos econômicos resulta da necessidade de compensar falhas de mercado. A ênfase aqui é no sistema econômico como um todo e menos nos atores estratégicos. Grupos econômicos preencheriam esses vácuos porque é lucrativo e seu empenho nesse sentido se manteria conforme seja benéfico à economia como um todo (GRANOVETTER, 1994).

Na opinião do próprio Granovetter (1994), os grupos econômicos podem variar de acordo com seis elementos: 1) fonte de solidariedade: alguns grupos econômicos possuem senso de identidade baseado nos laços sociais entre as empresas que compõem o grupo e entre suas equipes, sendo a associação entre familiares um elemento que baliza diversos grupos econômicos. 2) Extensão da “economia moral”: grupos podem apresentar ou não forte senso de obrigação moral para com os demais membros, fato que confere um significado normativo e extraeconômico à atividade econômica. 3) Estrutura de propriedade: grupos variam desde aqueles controlados por apenas uma família até àqueles que se formam a partir de empresas independentes que se aliaram umas com as outras. 4) Estrutura de autoridade: grupos podem apresentar desde coordenação frouxa até uma centralização em apenas um grupo de presidentes (maior parte da literatura assume os casos de centralização de propriedade e autoridade) 5) O papel de instituições financeiras: tendo em vista a importância da providência de capital ao grupo econômico, muitos buscam possuir bancos ou demais instituições financeiras. A posição de poder dessas instituições financeiras varia, mas em alguns casos é tão dominante que analistas passam a designar como “grupos financeiros”. 6) Relação com o Estado: grupos podem variar desde grupos independentes de financiamento governamental e em oposição à elite política até grupos erguidos por empresas estatais ou por lideranças políticas.

José Geraldo Portugal Jr et al (1994) também fazem um balanço das principais vertentes teóricas sobres os grupos econômicos (convencional; estratégia-estrutura; marxista e contratual) e apresenta sua concepção própria, em que dá ênfase em três dessas dimensões delineadas por Granovetter: estrutura de propriedade, estrutura de autoridade e o papel das instituições financeiras.

A abordagem convencional encontra na eficiência econômica a razão da existência dos grupos econômicos. Questões como redução de custos, ganhos de escala, aumento da produtividade, flexibilidade diante dos sinais do mercado e qualidade de produtos são alguns aspectos pela qual se orientam seus interpretes. Nesse sentido, estratégias de diversificação ou de verticalização são explicadas pela busca por eficiência econômica, isto é, pela redução dos custos de transação (PORTUGAL JR et al, 1994).

Reinaldo Gonçalves elabora uma rica análise conceitual e teórica dos grupos econômicos, elencando uma série de elementos que configuram tais grupos como circuito de relações, forma de organização, estratégias, processos de expansão, estrutura organizativa e internacionalização. O autor adota a abordagem convencional por creditar ao enfoque dos custos de transação a maior capacidade de generalização teórica ao que tange as estratégias de expansão dos grupos econômicos, definindo esses como

o conjunto de empresas que, ainda quando juridicamente independentes entre si, estão interligadas, seja por relações contratuais, seja pelo capital, e cuja propriedade (de ativos específicos e, principalmente, do capital) pertence a indivíduos ou instituições, que exercem o controle efetivo sobre este conjunto de empresas (GONÇALVES, 1991, p.494)

Doravante, como se apresenta em Alfred DuPont Chandler, um dos principais representantes da abordagem estratégia-estrutura, a estrutura da organização segue, com certa defasagem, as mudanças em sua estratégia, procurando a adaptação às demandas estratégicas. Aqui, estrutura é entendida como o formato organizacional pela qual a empresa é administrada, ao passo que estratégia é concebida como a determinação dos objetivos de longo prazo básicos da empresa, suas linhas de ação e alocação de recursos necessários aos objetivos (PORTUGAL JR. et al, 1994).

A abordagem de viés contratual dá ênfase à coesão comercial e tecnológica que as associações entre empresas assumem, sob a forma de acordos, alianças, joint-ventures, firmas em rede, etc. A partir das ideias de Montmorillon, evidencia-se a multiplicação de relações contratuais entre empresas enquanto a forma principal de coesão dos grupos econômicos, caracterizado sobre o fenômeno do “crescimento contratual” (PORTUGAL JR. et al, 1994).

Por fim, a abordagem de tradição marxista – a que adotamos para a pesquisa - entende o grupo econômico como a forma específica e dominante do capitalismo contemporâneo, “a expressão institucional do capital financeiro”. Para essa abordagem, a estruturação dos grupos econômicos deve partir da centralização financeira e não da concentração produtiva, refletindo a reestruturação radical da produção e das próprias necessidade de acumulação. Dessa forma, a dinâmica da concentração e de centralização dos capitais passa a ser cada vez mais orientada pela esfera da circulação e não da produção, em que a concentração do capital-dinheiro é a principal explicação da concentração global dos recursos produtivos e da estruturação dos grupos econômicos (PORTUGAL JR. et al, 1994, p.15).

Portugal Jr. et al (1994) apresentam seu próprio conceito de grupo econômico, compreendendo esses como 1) lócus de acumulação de capital e poder em que, com base no controle de propriedade, um centro de comando é capaz de articular decisões estratégicas e de valorização de capital acerca de 2) uma atuação produtiva e financeira de grandes escala e complexidade mediante 3) uma estruturação produtiva descentralizada e autônoma (em termos de decisões operacionais).

Em seu trabalho, Portugal Jr. et al concedem uma importância superlativa ao enfoque financeiro dos grupos econômicos. O estudo da estruturação empresarial característica dos grupos econômicos deve partir da esfera das estruturas financeiras que funcionam nacional e internacionalmente, sendo esses os principais fatores que explicam as mudanças nas estruturas empresariais (criação, destruição e aquisição de empresas) (PORTUGAL JR. et al, 1994).

A abordagem marxista prima pelo enfoque financeiro dos grupos econômicos que frisa as variáveis que possibilitam o acesso de massas concentradas e coesas de capital. Essas massas de capital são concretadas mediante uma centralização ex-ante de capital, diferente da centralização ex-post, isto é, aquela estritamente oriunda da acumulação anterior. A centralização ex-ante surge com o desenvolvimento da sociedade anônima e a expansão do crédito. Esses mecanismos permitem ao grupo a capacidade de centralizar capital alheio, diferentemente da empresa individual, dinâmica que dilui a identificação entre propriedade e posse dos meios de produção (PORTUGAL JR. et al, 1994).

Sob o capitalismo contemporâneo, a financeirização é a manifestação da redefinição da lógica de acumulação e reprodução ampliada do capital, agora mais flexível e com o horizonte temporal a curto prazo, em que se estabelece um regime de acumulação de dominância financeira baseada na valorização do capital fictício a nível mundial (CHESNAIS, 2001). As inovações financeiras e a importância crescente da acumulação financeira, no seio dos grupos econômicos, agrega às atividades industriais a circulação de capital advinda da circulação financeira, proporcionando a “acumulação fictícia” e a alavancagem creditícia à expansão do capital produtivo (PORTUGAL JR. et al, 1994).

Dessa forma, os grupos econômicos são considerados lócus de controle e de acumulação de capital com possibilidades de alavancagem financeira por meio de mecanismo acionários e/ou creditícios. Seu cálculo empresarial é dominado pela lógica financeira de acumulação. A estratégia empresarial orientada pela acumulação financeira condiciona a estruturação funcional/organizacional de qualquer grupo. Não apenas isso, mas também os objetivos estratégicos centrais dos grupos econômicos passam a se voltar à acumulação financeira (PORTUGAL JR. et al, 1994).

Dito isso, os grupos econômicos apresentam uma

nova dimensão que assume a tarefa de mobilizar capital e de buscar uma maior alavancagem financeira [que] define um atributo estrutural do capitalismo contemporâneo, sua financeirização. [...] A dimensão financeira da acumulação se sobrepõe à dimensão produtiva e desenvolve-se pela compra e venda de volumes cada vez maiores de ativos e de excedentes financeiros nos diversos mercados de capitais, que se faz num contexto internacionalizado e globalizado (PORTUGAL JR. et al, 1994, p.48).

A financeirização do capital, então, permite que empresas produtivas criem mecanismos próprios de captação e aplicação de recursos financeiros, assumindo as atividades financeiras com primazia e dificultando ainda mais as distinções entre os agentes que efetuam essas operações (PORTUGAL JR. et al, 1994).

O entrelaçamento entre atividade financeira e atividade produtiva enfraquece a diferenciação clássica entre grupo industrial e grupo financeiro, como reflexo da confluência “das lógicas produtiva e financeira num mesmo escopo de decisão e de valorização do capital. ”Surge uma contradição (uma tensão, segundo os autores) entre dimensão produtiva e dimensão financeira porque, de um lado, a financeirização permite a alavancagem do investimento produtivo, e, de outro, fornece alternativas de acumulação frente à aplicação produtiva do capital, por meio da especulação de inovações financeiras. “O fluxo de recursos financeiros fica, então, cada vez mais dissociado do fluxo real de mercadorias, a despeito de potencializá-lo” (PORTUGAL JR. et al, 1994, p.49).

3. Estado, bloco no poder e frações de classe

Essas tendências de entrelaçamento entre os capitais, desde a perspectiva da financeirização e dos grupos econômicos, gera problemas para a identificação do fracionamento de classes. No entanto, uma série de interpretes marxistas defendem uma perspectiva oposta e advogam pelo instrumental analítico das frações de classe, cuja origem reside nas formulações teóricas de Nicos Poulantzas, que obstinou entender a relação entre Estado e classes sociais.

Poulantzas desfere uma série de críticas a diferentes perspectivas sobre o Estado. Por um lado, ele afirma que o Estado não deve ser entendido apenas como um instrumento de classe (Estado-Coisa), que, portanto, apresenta-se como neutro e manipulado por uma única classe ou fração. Desde essa perspectiva, não há autonomia ao Estado, como algumas correntes marxistas tendem a enxergar, sobretudo aquelas de inclinação leninista (CARNOY, 1988). Por outro, o Estado não pode ser entendido como sujeito-autônomo (Estado-Sujeito), concepção que se vincula a Hegel e é retomada por Max Weber, que possui autonomia absoluta sustentada pela racionalidade estatal, como instância racionalizante da sociedade civil, em que seu poder advém da burocracia e das elites políticas. Em ambos os casos, as abordagens acerca da relação entre Estado e classes sociais compreendem como uma relação de exterioridade e não levam em consideração as contradições internas do Estado, de forma que o Estado aparece como um bloco monolítico sem fissuras (POULANTZAS, 1980).

Ambos os erros encaram as relações entre o Estado e a economia como relações de exterioridade. Na realidade, o Estado sempre esteve constitutivamente presente, em diferentes formas, nas relações de produção. Essa pretensa separação é precisamente o que encobre, no capitalismo, o caráter político das relações de produção, considerando a economia como esfera invariável e imutável e desconsiderando as lutas travadas no seio das relações de produção e exploração (POULANTZAS, 1980).

Dessa forma, Poulantzas aponta que Estado e economia possuem uma relação de autonomia relativa e que essa constitui a base da ossatura (materialidade) institucional própria do Estado capitalista, uma vez que surgem novos espaços e campos relativos tanto ao Estado quanto à economia. Cada esfera possui dinâmicas peculiares, mas que se intercruzam em última instância (POULANTZAS, 1980).

Não se encontra nos clássicos do marxismo uma teoria geral do Estado, não por que não terem desenvolvido plenamente, mas sim porque não poderia haver tal teoria: defender uma teoria geral do Estado em diferentes modos de produção é negar a historicidade como pilar fundamental da construção da realidade social e sua inerente capacidade de transformação. Consequentemente, não é possível uma teoria geral da transição de um Estado a outro, especialmente do capitalista ao Estado socialista. Somente é possível apontar noções teórico-estratégicas, diretrizes e indicadores que sirvam como norte para a ação, e não uma receita teórica infalível de transição ao socialismo (POULANTZAS, 1980).

Dito isso, o desafio teórico de Poulantzas é: “compreender a inscrição da luta de classes, muito particularmente da luta e da dominação política, na ossatura institucional do Estado [...] de maneira tal que ela consiga explicar as formas diferenciais e as transformações históricas desse Estado” (POULANTZAS, 1980, p.144).

Como mencionado, a autonomia do Estado capitalista remete à materialidade desse Estado em sua separação relativa das relações de produção e à especificidade da luta de classes que essa separação implica. Essa autonomia relativa em relação a essa ou aquela fração do bloco no poder (inclusive a fração hegemônica, em certo grau) permite o Estado garantir a organização do interesse geral da burguesia (POULANTZAS, 1980).

Assim, Poulantzas argumenta que o Estado exerce o papel principal de organização dos interesses políticos a longo prazo do bloco no poder. O bloco no poder constitui a unidade contraditória entre classes e frações de classes, sob a hegemonia de uma delas. Essa hegemonia política (ou hegemonia restrita) significa a capacidade de uma classe/fração de liderar e colocar os seus interesses políticos, econômicos e ideológicos sobre o restante do bloco no poder, enquanto a hegemonia ideológica (ou hegemonia ampla) configura a capacidade de uma classe/fração de colocar seus interesses particulares como os interesses da sociedade de classes como um todo. (POULANTZAS, 1980; PINTO, BALANCO, 2014).

Segundo Pinto e Balanco (2014), o conflito entre capital e Estado no modo de produção capitalista somente é visível quando se leva em consideração as frações de classe, suas disputas e suas relações com o Estado em determinado contexto sócio-histórico (plano concreto-real), visto que na dimensão do capital em geral (plano abstrato-formal), há uma relação virtuosa entre os dois. Em outras palavras, embora o Estado às vezes possa contrariar os interesses de frações de classe e capitalistas individuais, ele atua, no longo prazo, a favor dos capitalistas enquanto classe, por meio, por exemplo, do monopólio do uso da violência para a garantia da propriedade privada; leis que resguardam o cumprimento de contratos; regramentos que garantem o disciplinamento da força de trabalho, etc.

Os autores argumentam que o conceito de bloco no poder é útil para mediar as instâncias abstrato-formal e concreto-real do Estado, isto é, entre a acumulação (capital em geral) e as frações de classe (pluralidade de capitais). A abordagem do bloco no poder é capaz de incorporar as lutas políticas entre frações e classes em busca da manutenção ou ampliação da sua fatia de renda e riqueza e de sua legitimação por meio da influência exercida nos aparelhos do Estado e das consequentes proposições de políticas públicas (PINTO; BALANCO, 2014).

Ao circunscrever o nível político, o conceito de bloco no poder abarca o campo das práticas políticas de classe, isto é, o conjunto de instâncias, de mediações e de níveis da luta de classes numa determinada formação sócio-histórica. Dessa forma, o bloco no poder é formado por frações e por classes que ocupam os lócus da dominação da luta política de classes, em outras palavras, que possuem centros de poder no seio do aparelho de Estado. O bloco no poder é constituído por frações/classes que participam do espaço de dominação política. Os centros de poder do Estado correspondem aos aparelhos que concentram a capacidade de decidir (“poder efetivo”), onde as decisões fundamentais são efetivamente tomadas (inclusive sem nenhuma subordinação hierárquica a outra agência/órgão do sistema estatal). Esses sãos os principais locais institucionais para onde são direcionadas as demandas das classes/frações dominantes (PINTO; BALANCO, 2014; CODATO, 1997).

Quanto ao fracionamento de classe ao que tange o bloco no poder e o Estado, a fração hegemônica no bloco no poder consiste, dada a “repercussão objetiva da ação estatal no sistema de posições relativas de que participam classes dominantes e frações de classe dominantes”, na “classe ou fração cujos interesses são prioritariamente contemplados pela política econômica e social de Estado” (SAES, 2001, p.51). Dessa maneira, para Saes, a política de Estado, sobretudo a política econômica, é o critério fundamental para identificar a hegemonia política no bloco no poder (MARTUSCELLI, 2017).

A política econômica do Estado é um output estatal que reflete a relação de forças (luta política) entre as frações do bloco no poder. Esse ponto é muito importante de ser destacado porque evita com que a aferição da hegemonia signifique a realização de um procedimento mecânico. Frisa-se que o conceito de hegemonia política não coincide com a preponderância econômica de uma classe ou fração, que poderia ser aferida em termos contábeis pelo cálculo das taxas ou massas de lucros por participação dos setores econômicos no PIB, etc. Nem sempre a fração que detém a preponderância econômica é aquela que exerce a hegemonia (MARTUSCELLI, 2017).

Martuscelli (2017) defende que o indicador da política econômica do Estado não é suficiente e que se faz necessário abarcar, além da face decisional, a face não-decisional do processo político também. Isso significa levar em consideração não somente o “resultado” da luta política, mas também o seu “desenrolar”, isto é, o exame do “processo de formulação da política econômica”, da “constituição da hegemonia”.

O bloco no poder desenrola sua dinâmica política e histórica em dois planos: nas práticas políticas, marcadas pelo conjunto de instâncias, mediações e níveis da luta de classe em uma determinada conjuntura; e a cena política, caracterizada pelo campo dos partidos políticos e do sistema político representativo (PINTO, ALVES, 2012).

Poulantzas (1977) critica a ciência política contemporânea por fundir e confundir esses dois planos, reduzindo as relações de classes às relações entre partidos, e as relações entre partidos às relações de classes. Esse procedimento é míope aos limites e às defasagens entre práticas políticas de classe (ações do bloco no poder) e a cena política (representação dos partidos políticos em um determinado regime) (PINTO, ALVES, 2012).

Essas duas dimensões podem se interpenetrar em determinadas conjunturas políticas, mas frequentemente existe uma defasagem entre elas. Isso significa dizer que uma fração de classe pode ser hegemônica ao mesmo tempo que pode não estar representada de forma orgânica por nenhum partido no sistema político (cena política). O sistema político é dominado pelas frações reinantes, isto é, aquelas que mantém partidos políticos nos lugares dominantes da cena política. Há a possibilidade da fração ser hegemônica e tampouco ser fração detentora do aparelho do Estado, entendida como a fração que recruta os políticos, os burocratas e os militares das diversas frações de classe (inclusive, em alguns cenários, dos segmentos dominados) para ocupar cargos nos diversos órgãos/aparelhos do Estado (PINTO; BALANCO, 2014) (POULANTZAS, 1977).

Essas três dimensões/lugares concreto-históricas (fração hegemônica do bloco no poder, fração reinante e fração detentora) podem assumir diversas configurações, inclusive o caso em que a fração é detentora e reinante, sem necessariamente compor o bloco no poder (PINTO; BALANCO, 2014) (POULANTZAS, 1977).

Seguindo as postulações de Poulantzas, Décio Saes (2014) aponta que o fracionamento da classe capitalista ocorre segundo as funções do capital, a escala do capital e a inserção no sistema econômico internacional e propõe a intersecção dessas diferentes instâncias.

Quanto às funções do capital, as frações de classe seguem as divisões entre capital bancário, capital industrial e capital monetário. A diferenciação social da produção material implicou a diferenciação dos interesses econômicos dos agentes sociais responsáveis por cada função do capital: juros, lucro industrial e lucro comercial. Os interesses das frações de classe possuem caráter relacional, ou seja, cada fração quer aumentar seu percentual extraído do mais-valor total às custas das demais, como numa relação de poder de “soma-zero”. Dito isso, as políticas de Estado dificilmente infligem efeitos somente sobre os interesses econômicos de uma única fração, produzindo, de fato, efeitos simultaneamente sobre os interesses econômicos de todas as frações; sendo assim, é impossível uma partilha igualitária das políticas de Estado entre as frações capitalistas (SAES, 2014).

Quanto à escala, Saes (2014) afirma que o plano da análise política pode ser dividido entre grande e médio capitais. Vale frisar que o declínio da pequena e média empresa não significa o seu desaparecimento, visto que existem setores da economia capitalista nos quais a implantação da grande empresa se mostraria antieconômica ou economicamente onerosa.

O conflito entre grande e médio capitais tende a surgir na medida em que o Estado capitalista atua na direção do que lhe parecer ser a lógica de funcionamento do capitalismo: a concentração/centralização do capital. E um dos motivos principais desse conflito é a política creditícia (acompanhado de outros elementos como: isenções, subvenções) (SAES, 2014).

Segundo Poulantzas (1977), não se deve confundir “grande capital” com “capital monopolista” nem mesmo “médio capital” com “capital-não monopolista”, visto que há cenários em que o médio capital pode atuar por meio de monopólio. O capital monopolista não configura uma fração de classe capitalista porque não é possível tecer interesses gerais capazes de unificar os capitalistas detentores de monopólio, visto a amplitude de nichos econômicos em que o monopólio pode existir. Além disso, pega mal para o Estado defender monopólios, visto que, em tese, ele precisa se orientar pelo princípio da concorrência (SAES, 2014).

Ao que tange o fracionamento conforme a posição no sistema econômico internacional, Poulantzas e Saes divergem pelo fato do primeiro fundamentar tal fracionamento mais em termos políticos enquanto o segundo fundamenta mais em termos econômicos, reconhecendo a existência de efeitos pertinentes no plano político “- isto é, exprima-se politicamente no plano da relação de forças entre as classes sociais, das alianças de classe etc.” (SAES, 2014, p. 114).

Aqui o fracionamento se dá entre burguesia compradora, interna e nacional. A burguesia compradora é aquela cujo capital se associa ao capital estrangeiro e defende internamente os seus interesses. Saes (2014) prefere o termo “burguesia associada” porque o termo “compradora” se remete apenas à esfera comercial, sendo que tal burguesia pode se constituir na esfera bancária e industrial.

A burguesia nacional consiste naquela em que o capital pauta o fortalecimento da nação, o progresso social e o desenvolvimento capitalista independente, variando de acordo com o estado da relação de forças da classe capitalista com as classes populares; e o grau de pressão do capital estrangeiro e da burguesia associada sobre o Estado nacional (SAES, 2014).

Já a burguesia interna é identificada com o capital que ocupa uma posição dependente dentro do sistema internacional, por estar subordinado ao capital estrangeiro por meio da 1) prestação de serviços permanente ao capital estrangeiro instalado no país (empresas fornecedoras de insumos a indústrias montadoras de origem estrangeira) e 2) da orientação ao mercado externo, colocando em segundo plano o desenvolvimento do mercado interno (burguesia industrial exportadora). Essa burguesia possui um comportamento oscilante: ora defende políticas que consolidem sua posição diante da pressão do capital estrangeiro (dimensão nacional), e ora, por servir a tal capital, sente cautela ao lidar com os interesses estrangeiros (dimensão antinacional). Esse tipo de burguesia assume uma posição reticente perante propostas de alianças ou formação de frentes com as classes populares (SAES, 2014).

Apesar de destacar a existência de diferentes sistemas de fracionamento, Poulantzas não aponta como operam tais sistemas numa dada conjuntura (FARIAS, 2009). Faltou a Poulantzas reconhecer que no processo político real, as diferentes modalidades de fracionamento podem ocorrer simultaneamente, complicando a questão teórica da hegemonia política. Ainda que o autor tenha mencionado casos concretos de entrecruzamento dos sistemas de fracionamento, a exemplo do grande capital industrial ou grande burguesia bancária associada, Poulantzas não logrou apreender esses processos teoricamente (SAES, 2014). Diante disso, Saes (2014) advoga pelo conceito de sistema hegemônico de frações da classe dominante, por esse permitir uma análise mais complexa do processo político das sociedades capitalistas.

4. Grupos econômicos, capital financeiro e frações de classe

No seio da questão do entrecruzamento de fracionamentos, vale levantar o debate sobre como o capital financeiro é captado diante da teoria poulantziana das frações de classe. Acreditamos que é nessa interface que se configura a relação entre os grupos econômicos e a teoria das frações de classe.

Para Farias (2009), em “As classes sociais no capitalismo hoje”, Poulantzas não chega a uma conclusão acerca do status do capital financeiro: se esse constitui uma nova fração caracterizada pela fusão entre os capitais industrial e bancário, ou se vigora a luta de frações dentro do capital financeiro. De qualquer forma, Poulantzas lança uma distinção entre o capital financeiro com dominância do capital industrial (em que as indústrias criam e controlam bancos próprios) e o capital financeiro com dominância do capital bancário (em que os bancos dispõem do controle de indústrias próprias) (FARIAS, 2009).

A interpretação pessoal de Farias (2009) entende o capital financeiro como uma fração economicamente diferenciada, com o poder de se opor tanto ao capital industrial quanto ao capital bancário, desde que considerados os casos de controle externo (poder de chantagem do banco sobre a indústria por conta de empréstimos) em que contradições e tensões podem emergir. Eduardo Costa Pinto e Paulo Balanco (2014), ao criticarem Fiori (2007) por um suposto politicismo ao tratar do capital financeiro a partir da ótica do sistema interestatal capitalista, afirmam que tal capital consiste sim numa nova fração de capital, ainda que seja uma categoria histórico-institucional datada. Em contraposição aos três, a leitura de Saes sobre a obra poulantziana aponta que o intelectual grego não compreende o capital financeiro como uma “fração capitalista dotada de uma função específica, distinta das demais funções do capital”, a saber, capital (SAES, 2014, p.110).

Sob o prisma poulantziano, o capital financeiro é frequentemente vinculado à categoria de “grupos multifuncionais”. Décio Saes (2001, 2014) é um dos principais críticos da “sociologia dos grupos sociais”, evidenciado em sua crítica às formulações teóricas de Renato Perissinotto (2000) em “Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1889-1930)”.

A primeira crítica de Saes é a respeito do esforço de Perissinotto em “colocar a suposição poulantziana do fracionamento dos interesses da classe dominante no processo político capitalista a serviço de uma ‘sociologia dos grupos sociais’” (SAES, 2001, p. 157). Segundo Saes (2001), Perissinotto insinua que o fracionamento depende da constituição prévia de membros da classe dominante enquanto grupo social dotado de uma coesão interna e orientado para o exercício de influência política a favor de seus interesses comuns.

Perissinotto identifica o grande capital cafeeiro como o ator político fundamental da Primeira República brasileira, sendo esse um grupo dominante multifuncional ou polivalente, isto é, seus membros são exportadores e banqueiros ao mesmo tempo que fazendeiros de café, donos de ações de ferroviais e industriais. Dessa forma, esse grupo comporta interesses econômicos diferentes: os da propriedade fundiária, os do capital comercial e bancários, os do capital industrial (SAES, 2001).

Para Saes, um grupo social dominante e portador de múltiplos interesses econômico só pode exercer pressão sobre o Estado de acordo com os interesses que forem mais significativos, aqueles que são potenciais geradores dos maiores ganhos. Isso se justifica porque “num sistema de posições relativas como aquele que relaciona os diferentes interesses econômicos das diferentes frações da classe dominante, é politicamente inviável equacionar uma repartição igualitária ideal dos ganhos totais (lucros, juros, renda da terra)” (SAES, 2001, p.156).

Ao tratar do capital financeiro especificamente, Saes aponta que “uma unidade individual do capital financeiro pode pressionar o Estado para que este decrete alguma medida particular que contemple o conjunto de seus interesses” (SAES, 2014, p. 110). No entanto, o conjunto da política de Estado (isto é a política tributária, cambial, monetária, creditícia, etc.) cobra que essa unidade opte por “defender os interesses econômicos de uma fração capitalista ou outra, e essa decisão dependerá, fundamentalmente, de qual dimensão for predominante em sua ação econômica global” (SAES, 2014, p. 110).

Saes reitera a ideia de que é possível que alguns grupos multifuncionais possam pressionar o Estado para contemplar seus interesses particulares, mas é inviável

“uma política estatal capaz de contemplar os interesses gerais dos grupos multifuncionais [como um todo], pois tais interesses não existem: cada grupo multifuncional define seu interesse particular a partir de uma combinação específica, não reiterável, de interesses próprios às frações capitalistas que o compõem” (SAES, 2014, p. 110).

Em contraposição a essa ideia, Gonçalves (1991) aponta como, sob o “capitalismo institucional” (USSEM, 1984), há o surgimento de redes transcorporativas, isto é, uma rede de diretores e altos executivos que participam das diretorias e dos conselhos de administração dos grandes grupos econômicos e que se caracterizam pela coesão social e convergência ideológica, de forma a defender os interesses dos grupos econômicos. Segundo Gonçalves (1991, p.513), “esta rede transcorporativa tem uma concepção sistêmica dos interesses de longo prazo dos grupos econômicos e, consequentemente, organiza-se para influenciar a política governamental e a opinião pública”.

Nessa direção, a partir da análise da América Latina, Ary Minella (2007) destaca a existência de uma rede transassociativa, formada pela participação de uma mesma empresa ou grupo econômico (no caso, um grupo financeiro, por dispor de um banco no núcleo central do grupo econômico) em várias associações de classe (sobretudo, de bancos) em diferentes países, de forma a possibilitar uma atuação articulada desses grupos na definição de estratégias comuns para tais associações.

5. Hipóteses levantadas

A partir dessa tentativa de diálogo entre grupos econômicos e o aporte teórico das frações de classe, fica evidenciado que a compatibilização entre as duas vertentes teórico-analíticas talvez se encontre na diferença de enfoques analíticos. Os grupos econômicos constituem um bom referencial teórico para a compreensão da configuração do capitalismo contemporâneo, em que as frações de capital se entrelaçam. Como mencionado, os grupos econômicos são a expressão institucional do capital financeiro. A instância de análise se refere ao processo de acumulação, concentração e centralização de capital, na forma dos grupos econômicos.

Já as frações de classe podem ser aplicadas à análise política de suas relações com o Estado. O bloco no poder e as frações de classe se referem a uma análise política em que o foco está no político e no Estado e não apenas na reprodução ampliada do capital. Existe uma diferenciação entre classe e capital que deve ser respeitada e isso é particularmente cumprido com a conjugação dos dois marcos teóricos. De um lado, ao tratamento da reprodução do capital, utiliza-se dos grupos econômicos; do outro, ao tratar do processo político e da hegemonia política no bloco no poder, aplica-se as frações de classe.

A capacidade dos grupos econômicos de atuarem politicamente enquanto frações de classe é contraditória. De um lado, com o surgimento da governança corporativa na década de 80, houve o processo que Granovetter (1994) chama de isomorfismo coercitivo, isto é, a promoção de mudanças de formas de organização em vistas a tornarem elas mais similares, no caso, sob a forma dos grupos econômicos. Há países onde grupos não foram inicialmente afetados pela legislação, garantindo sua manutenção pela atuação e lobby em revisões de leis corporativas e marcos regulatórios. Segundo Roe (1994), as leis corporativas variam de acordo com o país como reflexo de seus processos políticos. De outro lado, a atuação política de tais grupos é viabilizada pelas lacunas nos regramentos jurídicos que são míopes à existência da forma organizacional dos grupos econômicos e, portanto, omissas quanto sua ação. Como as leis abarcam juridicamente o capital na forma da empresa individual (GRANOVETTER, 1994), a existência dos grupos econômicos passa despercebida pelo Estado, o que permite com que esses mesmos grupos tomem partido na forma de unidades empresariais individuais que refletem interesses de determinada fração do capital.

Além disso, como afirma Portugal Jr. (1994), a literatura sobre grupos econômicos tende a tratar esses e os Estados como agentes dissociados, sendo, portanto, míopes à forte vinculação e interação entre eles. Junto a isso, Farias (2009, p.85) afirma que “não dispomos de uma caracterização geral dos efeitos político-ideológicos do capital financeiro”, apenas alguns elementos diagnosticados com análises específicas, a exemplo do período da implantação das reformas neoliberais no Brasil, em que o capital bancário nacional resistiu a tais medidas por conta à aversão à concorrência do capital externo (BOITO, 2012).

Então, pretende-se partir da hipótese geral de que “a atuação concreta de grupos multifuncionais [aqui, no caso, grupos econômicos] não anula [...] a segmentação da classe capitalista em diferentes frações” (SAES, 2014, p. 110).

Essa hipótese geral parte da ideia de que os grupos econômicos, quando diante da necessidade de pleitear seus interesses na esfera política, devem prezar pelos interesses de alguma fração de capital que lhe compõem, sendo, a princípio, inviável que se defenda ao mesmo tempo, por exemplo, maiores spreads bancários e menor custos de financiamento produtivo, visto que a taxa de juros, enquanto manifestação de apropriação de mais-valor, é única. O mais-valor total não pode ser apropriado equitativamente por ambas frações do capital, portanto, a atuação política deve priorizar alguma das frações da classe capitalista (SAES, 2001; 2014), ainda que componham o(s) mesmo(s) grupo(s) econômico(s).

Em reforço dessa perspectiva, Portugal Jr et al reconhecem que “o grupo econômico expressa relações de força e de poder, em torno das quais se movimentam indivíduos, classes, grupos sociais de um modo geral, formando redes de solidariedade e campos de conflito”, visto que, dentro dos grupos econômicos, existe “uma diversidade de interesses – de acionistas, gerentes e trabalhadores – frente aos recursos que precisam ser organizados, estruturados e hierarquizados” (PORTUGAL JR et al, 1994, p.16). Ou seja, se por um lado há a existência de coesão e vínculos de solidariedade; por outro, há a possibilidade de disputa interna que expresse uma luta política entre diferentes frações de classe dentro dos grupos econômicos.

Reconhecendo que “as burguesias comercial e bancária preferem as ações [políticas] pela via do associativismo e do lobby” (FARIAS, 2009, p.85) e que “o movimento de agregação de capitais individuais” se dá por meio “associações, sindicatos, etc.” (CRUZ, 1979, p.18), faz-se necessário investigar como é realizada a atuação política dos grupos econômicos enquanto frações de classe, sob a forma das associações representativas.

Partindo desse ponto, nossa pesquisa[2] lança como hipótese específica a existência de uma ação coordenada entre associações representativas correspondentes às frações industriais e financeiras, mas permeadas pelos mesmos grupos econômicos. Se os grupos econômicos, por deterem um centro de comando com controle de propriedade acionária, tomam decisões estratégicas a serem seguidas tanto por suas instituições financeiras quanto por suas empresas industriais individuais, supõem-se que tal ação coordenada possa ser tomada pelo centro de comando também ao que tange à participação e atuação política dos grupos econômicos em associações representativas industrial e financeira.

A pesquisa adotará como recorte temporal o primeiro governo de Dilma Rousseff (2010-2014), período de implementação das medidas conhecidas como “Nova Matriz Macroeconômica”, cujo intuito foi o estímulo do investimento privado industrial, mediante ações que atentaram contra os interesses dos segmentos financeiros[3]. No entanto, tais medidas malograram econômica e politicamente, de modo que a grande burguesia interna passou a gravitar em torno do que Boito (2016) denomina como campo neoliberal ortodoxo, formado, sobretudo, pelo capital internacional e a fração da burguesia brasileira integrada a ele. Esse recorte se justifica, em partes, por conta do interesse em averiguar se o fim do apoio político por parte das associações representativas dos industriais ao governo Rousseff e a orientação dessas em torno dos interesses manifestos pelas associações representativas do setor financeiro correspondem a uma ação coordenada levada à cabo pelos mesmos grupos econômicos.

Vale ressaltar que a problemática postulada se trata de uma tentativa de compreensão dos grupos econômicos a partir da teoria poulantziana das frações de classe. Aqui focamos na questão da financeirização e como ela, ao entrelaçar os capitais industrial e bancário na forma do capital financeiro, impacta a atuação da burguesia em termos de fracionamento de classes. Apenas o fracionamento funcional do capital foi levantado aqui, sendo necessário maior aprofundamento acerca da posição dentro do sistema econômico internacional, ou seja, nos termos poulantzianos, como as burguesias nacional, associada ou interna se articulam com o fenômeno da financeirização.

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Notas

[1] Essa pesquisa faz parte do conjunto de investigações do Núcleo de Estudos Sociopolíticos do Sistema Financeiro (NESFI), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mediante financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
[2] Essa pesquisa faz parte do conjunto de investigações do Núcleo de Estudos Sociopolíticos do Sistema Financeiro (NESFI), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mediante financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
[3] Para uma maior contextualização, ver Singer (2015).


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