Dossiê Campo Jurídico e Política - Artigo

O contato com o público importa? Uma análise exploratória sobre a construção da auto-legitimidade entre juízes paulistanos1,2

Does contact with citizens matter? An exploratory analysis about self-legitimacy development among São Paulo judges

Bruna Gisi
Universidade de São Paulo, Brazil
Maria Gorete Marques de Jesus
Universidade de São Paulo, Brazil
Giane Silvestre
Universidade de São Paulo, Brazil

O contato com o público importa? Uma análise exploratória sobre a construção da auto-legitimidade entre juízes paulistanos1,2

Plural – Revista de Ciências Sociais, vol. 26, núm. 2, pp. 247-270, 2019

Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FFLCH-USP

Recepção: 15 Abril 2019

Aprovação: 08 Novembro 2019

Financiamento

Fonte: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

Número do contrato: 2013/07923-7

Descrição completa: Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPESP. Processo nº. 2013/07923-7, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

Resumo: Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa que o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo vem desenvolvendo sobre a legitimidade das instituições no Brasil, dentre elas o Judiciário. Parte-se do conceito de procedural justice, de acordo com o qual a legitimidade é resultado da inter-relação entre os cidadãos e os servidores públicos, bem como da noção de auto-legitimidade, que considera a crença que os agentes possuem no direito de exercer sua autoridade. Neste trabalho, explora-se a auto-legitimidade construída por juízes de diferentes áreas do direito, a partir de entrevistas realizadas na cidade de São Paulo. As análises preliminares indicam duas concepções antagônicas sobre autoridade judicial, expressas nas posições elaboradas pelos juízes sobre a importância do contato entre eles e a população: uma - mais comum entre juízes da área cível - de que o direito é uma atividade técnica mediada por seus operadores e que prescinde do contato com o público; e outra - expressa por alguns juízes da área criminal - de que o contato com as pessoas envolvidas no processo e sua situação particular é importante para produzir decisões corretas e justas.

Palavras-chave: Auto-legitimidade, Legitimidade, Judiciário, Procedural justice, Contato.

Abstract: This article presents partial results of a research developed by the Center for the Study of Violence of the University of São Paulo on the legitimacy of institutions in Brazil, among which is the judiciary. We make use of the concept of procedural justice, according to which legitimacy is the result of an interrelation between citizens and public servants; and from the notion of self-legitimacy, which allows one to consider the belief public agents have in the right to exercise authority. In this article, we explore the construction of self-legitimacy by judges from different branches of law in interviews conducted in the city of São Paulo. Preliminary analyses indicate two competing views on judicial authority in the opinions judges express on the importance of contact with the population: the first - more common between judges working with civil law - stands that law is a technical activity mediated by its specialized agents and which dispenses interaction with the public. The second - expressed by part of the criminal law judges - stands that contact with people involved and their particular situations is important for better and fairer decisions.

Keywords: Self-legitimacy, Legitimacy, Judiciary, Procedural justice, Contact.

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa CEDIP-FAPESP “Construindo a democracia no cotidiano: direitos humanos, violência e confiança institucional” desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP). O objetivo geral do projeto é analisar como a legitimidade de instituições-chave para a democracia é construída ou prejudicada pelos contatos cotidianos entre cidadãos e funcionários públicos. O foco está principalmente nas instituições responsáveis pela aplicação da lei, como as polícias e o judiciário, e um dos eixos do programa é dedicado a investigar a perspectiva interna a essas instituições a partir da percepção de seus operadores3. Este eixo da pesquisa envolveu a realização de entrevistas semiestruturadas com juízes de São Paulo que atuam em diferentes áreas do direito. O objetivo foi analisar quais fatores estão relacionados com a construção interna da legitimidade do judiciário, discussão que será exposta neste artigo.

Partindo da perspectiva sobre a legitimidade presente no modelo de “justeza procedimental” (procedural justice model) desenvolvido por Tom Tyler (1990; 2003), bem como da análise de parte dos dados coletados junto ao judiciário paulistano, o objetivo deste trabalho é compreender de que maneira os juízes constroem a sua legitimidade e qual é o lugar ocupado pelo contato com a população nas suas visões sobre o exercício da autoridade judicial. Busca-se colocar em diálogo os dados obtidos e a literatura produzida pelos estudos sobre auto-legitimidade (self-legitimacy), bem como a produção nacional sobre as diferentes e conflitantes visões a respeito do exercício do direito.

O artigo está organizado em quatro partes, além dessa introdução. A primeira parte apresenta a literatura sobre legitimidade que orientou a construção da pesquisa e que fundamenta a questão que nos dedicamos a discutir, situando a pertinência teórica da noção de auto-legitimidade e da importância do contato para a construção da legitimidade da instituição. A segunda parte revisa a literatura nacional sobre o judiciário brasileiro, em particular os trabalhos que discutem a perspectiva dos magistrados sobre seu papel, sobre a justiça e sobre a autoridade judicial. A terceira parte apresenta os resultados da pesquisa, em que se analisa e descreve brevemente os procedimentos empregados na coleta dos dados. Por fim, a quarta parte é dedicada à discussão dos dados a partir da literatura apresentada.

“JUSTEZA PROCEDIMENTAL”: A CONSTRUÇÃO DAS NOÇÕES DE LEGITIMIDADE E AUTO-LEGITIMIDADE

A noção de legitimidade tem sido usualmente utilizada na teoria social e política para analisar a distribuição desigual de poder na sociedade a partir da chave do reconhecimento e da obediência voluntária às ordens de uma autoridade. No que diz respeito à análise da legitimidade como fenômeno empírico, a obra de Max Weber (1970; 2004) ocupa lugar de destaque por oferecer uma abordagem original e sociológica para o tema. Considerada como atributo da relação de dominação em virtude de autoridade, para Weber, a legitimidade traduziria o direito à obediência por parte do detentor do poder e o dever de obediência por parte do dominado. Esse sentimento de dever diante da autoridade poderia ser fundamentado por diferentes tipos de princípios que justificariam o exercício do poder: sistema de regras racionais, tradição e carisma. Assim, para Weber, o exercício do poder mediado pela legitimidade seria aquele baseado em algum princípio reconhecido pelo dominado que justifica esse exercício.

Em diálogo com a noção weberiana, autores da teoria política e social contemporâneas têm proposto desenvolver o conceito de legitimidade de modo a retomar a sua dimensão normativa. Tanto Jacques Coicaud (2004) quanto David Beetham (1991) destacam a dimensão da legitimidade como limite intrínseco ao exercício do poder. Compreendida como o reconhecimento do direito de governar, a legitimidade ofereceria um meio para tornar a distinção entre governantes e governados justificável. De maneira semelhante, ambos os autores buscam especificar as condições necessárias para que o exercício do poder seja considerado legítimo: (i) o poder deve ser legalmente válido; (ii) as regras ou leis que regulamentam esse poder precisam estar de acordo com valores e crenças compartilhadas; (iii) seria necessário haver evidências de consentimento por parte dos subordinados.

Outra contribuição contemporânea importante para o estudo empírico da legitimidade foi a proposta de Tom Tyler (1990; 2003; 2006) que deu origem a uma ampla agenda de pesquisas que tem sido desenvolvida por uma rede de pesquisadores. Em seu estudo, Tyler observou duas perspectivas distintas do comportamento de obediência às leis, a instrumental e a normativa. Dentro da perspectiva instrumental, há duas ideias de obediência: pela dissuasão, na qual as penalidades e sanções impostas pelo descumprimento das regras coagem os indivíduos; e pela opinião dos pares, na qual a desaprovação de pessoas próximas exerce um controle social que inibe o descumprimento das regras. Na perspectiva normativa, ele também identificou duas dimensões da obediência: a moralidade pessoal, na qual os valores morais de cada indivíduo influenciariam diretamente na obediência às regras; e a legitimidade, vista como o reconhecimento e o apoio às autoridades, baseado na ideia de que a regra é justa e que deve ser obedecida (TYLER, 2006). Uma das principais conclusões dos estudos de Tyler é que a crença na legitimidade das leis e dos seus operadores, bem como a crença na justiça ( fairness) de determinada regra ou ação, são fatores determinantes para que as pessoas obedeçam às leis, mais do que o receio de sofrer sanções e punições.

Tyler seguiu com seus estudos e, após ter identificado empiricamente uma associação positiva entre obediência voluntária e legitimidade, buscou investigar os fatores que podem influenciar os julgamentos públicos sobre a legitimidade. Para tanto, o autor desenvolveu o que ficou conhecido como o modelo da justeza procedimental (procedural justice model), de acordo com o qual a percepção das autoridades como legítimas é fortemente influenciada pela avaliação que os cidadãos fazem do tratamento recebido por essas autoridades (TYLER, 2003, p. 284). Assim, a legitimidade é tida como o resultado de uma inter-relação entre cidadãos e servidores públicos, avaliada pelo tratamento justo, igualitário e transparente, baseado em uma comunicação acessível e respeitosa, despendida pelos agentes do Estado. O conceito de justeza procedimental indica, assim, que a população é sensível à forma como é tratada pelas autoridades, o que ressalta a importância do contato. A obediência às leis não está somente relacionada à possibilidade do uso da força e da punição como elemento para conformar comportamentos, mas a outro fator relacionado à qualidade do contato entre população e servidores.

Além dos estudos de Tom Tyler em parceria com outros pesquisadores (SUNSHINE; TYLER, 2003; TYLER; HUO, 2002), o modelo da justeza procedimental tem sido testado empiricamente por uma rede de pesquisadores em diferentes contextos nacionais e com a inclusão de novas variáveis (Cf. JACKSON et al., 2012; JACKSON et al., 2013; TANKEBE, 2013). No cenário brasileiro, o modelo foi replicado por Oliveira e Cunha (2017). No estudo, as autoras se dedicaram a mensurar o grau de desobediência às leis, buscando ainda compreender os motivos que levam a tal comportamento. Após testarem uma série de variáreis, as autoras concluíram que no Brasil, o medo de sofrer sanções não é o principal motivo para a obediência às leis, sendo a moralidade pessoal o fator que mais influencia o comportamento de cumprimento das regras (OLIVEIRA; CUNHA, 2017, p. 292). Seguindo as conclusões de Tyler, as autoras afirmam que o respeito às regras não pode ser explicado exclusivamente pela perspectiva instrumental, uma vez que as variáveis ligadas aos valores morais apresentaram bastante influência sobre o comportamento de adesão às leis.

Ainda que a maioria desses estudos tenha como foco a legitimidade das organizações policiais, algumas pesquisas têm sido dedicadas a verificar a aplicação do modelo da justeza procedimental para investigação da atitude da população com relação aos tribunais de justiça. Tom Tyler (2007) produziu um balanço de pesquisas que mostraram o impacto da justeza procedimental na disposição das pessoas em aceitar decisões judiciais desfavoráveis e sua ligação com a avaliação que a população faz dos juízes e dos tribunais. De acordo com o autor, essas pesquisas têm demonstrado que a percepção de que os procedimentos legais foram justos e equitativos estava associada à legitimidade atribuída ao sistema legal de maneira geral. Neste texto, Tyler apresenta uma síntese dos elementos que constituem a justeza procedimental no caso dos tribunais: voz - a possibilidade de a pessoa expressar a sua perspectiva sobre o caso; neutralidade - as decisões serem baseadas em regras aplicadas igualmente nos diferentes casos; respeito - respeito às pessoas e aos seus direitos para que se sintam consideradas pelo Estado; confiança - demonstração de que as decisões estão sendo tomadas baseadas no melhor interesse das partes envolvidas. Em outro texto, Tyler (2006) propõe ainda uma proximidade entre o modelo da justeza procedimental com o modelo da justiça restaurativa no que diz respeito à concepção sobre as respostas estatais aos delitos. Ambas representariam alternativas ao modelo mais punitivo baseado na aplicação de sanções como modo privilegiado de controle do crime.

Mais recentemente, em parceria com David Rottman, Tyler (2014) realizou uma pesquisa com residentes e advogados da Califórnia, buscando verificar a importância da justeza procedimental para a confiança e percepção de legitimidade dos tribunais por parte da população. Os resultados dessa pesquisa mostram que as experiências que as pessoas têm com os tribunais alteram os fatores que influenciam a sua confiança: a justiça distributiva é mais importante entre as pessoas que não tiveram experiências pessoais com a justiça; para os que tiveram contato direto com os tribunais, a qualidade do processo decisório e o respeito às regras se tornam fatores significativos.

Outros pesquisadores têm produzido achados que vão na mesma direção. A pesquisa de Sara Benesh (2006), por exemplo, analisa o apoio público aos tribunais locais de algumas regiões dos Estados Unidos. No estudo, a autora destaca três fatores que explicam o apoio da população aos tribunais: a experiência, ou seja, o contato do cidadão com a instituição, as atitudes dos funcionários no tratamento dado aos usuários - considerando a equidade dos procedimentos empregados -, e o conhecimento da população sobre o funcionamento da instituição.

Nina Peršak (2016) também pesquisa a legitimidade judicial a partir da perspectiva da justeza procedimental com base em observações sociológicas e sócio legais sobre instituições jurídicas na sociedade moderna tardia. A autora examina primeiramente os fatores que podem influenciar a confiança no Judiciário. Em seguida, analisa alguns dos elementos da legitimidade judicial que estão além da justeza procedimental ou no modelo de legitimidade baseado na confiança, para, então, se dedicar àqueles que são intimamente ligados à justeza procedimental, a saber: o acesso à justiça, a percepção de independência e de imparcialidade dos operadores, e da boa comunicação judicial. De maneira semelhante à pesquisa de Rottman e Tyler mencionada, um dos resultados de sua pesquisa demonstra que, para os que buscam os tribunais ou são acionados por eles (por exemplo, vítimas, demandantes, advogados, acusados) a avaliação da justeza procedimental está ligada à sua experiência direta com o processo judicial, diferente daqueles cujas informações e avaliações derivam de fontes secundárias como mídia, amigos, parentes, entre outros. A qualidade da comunicação é outro ponto destacado por Peršak. Informar as partes sobre todo o processo contribui para que acolham a decisão de forma compreensiva, ao contrário do que tende a ocorrer nos casos em que as razões da decisão são desconhecidas pelas partes.

Em uma perspectiva semelhante, Fagan (2007) afirma que a legitimidade e a eficácia da lei - especialmente no direito penal - dependem fortemente da credibilidade moral que elas têm para os cidadãos. Uma motivação para obedecer a lei seria a dimensão normativa ou ética: as pessoas sentem que obedecer é a coisa certa a fazer. O autor destaca três dimensões que, na operacionalização da justiça, produzem legitimidade: preocupação com a equidade processual e o tratamento respeitoso, reconhecimento dos direitos do cidadão; justiça distributiva, proporcional e consistente em suas respostas legais; capacidade do direito penal e das instituições criminais em detectar atos ilícitos e proteger os cidadãos. Quando as pessoas sentem que o sistema legal não aplica a justiça de forma consistente e igual entre pessoas e grupos, isso prejudica a noção que possuem sobre a legitimidade (FAGAN, 2007, p. 130). A percepção de ter recebido tratamento desigual seria a fonte mais importante de insatisfação popular com o sistema jurídico americano. De acordo com o autor, pesquisas de opinião pública, ao longo de quatro décadas, mostram que a população dos Estados Unidos tem pouca confiança na justiça e na eficácia do sistema de justiça criminal, assim como no direito penal em geral. Essa crise de confiança é mais aguda entre as minorias étnico-raciais e esse resultado persiste, independentemente de haver aumento ou queda do crime (FAGAN, 2007, p. 123). Tal insatisfação com o sistema de justiça criminal afeta a confiança nas instituições jurídicas e gera a falta de colaboração com o trabalho da polícia e da justiça.

Fagan (2007) destaca ainda as implicações que os desafios à legitimidade têm para a viabilidade da lei e do sistema legal. Em primeiro lugar, as pessoas que veem a lei como ilegítima teriam menos probabilidade de obedecer, e as pessoas que veem os policiais e juízes como desprovidos de legitimidade são menos propensas a seguir suas diretrizes. Embora a lei se baseie na ameaça implícita ou explícita de sanção por delito, o sistema legal depende fortemente da adesão voluntária da maioria dos cidadãos. Por conseguinte, níveis mais baixos de legitimidade tornam a regulamentação social mais onerosa e difícil.

As pesquisas citadas acima destacam a importância do contato entre a população e os operadores do Direito para o reconhecimento de autoridade e consequente legitimação das instituições de justiça. No entanto, elas tendem a avaliar a questão da legitimidade exclusivamente a partir do ponto de vista da população, deixando de considerar a visão dos operadores do Direito e demais servidores do Poder Judiciário. A necessidade de considerar não só a atribuição de legitimidade, mas também a reivindicação de legitimidade por parte dos detentores do poder foi destacada por Anthony Bottoms e Justice Tankebe (2012) em uma revisão crítica das pesquisas sobre justeza procedimental. Retomando a definição weberiana, os autores propõem uma abordagem dialógica da legitimidade, que considere também a dimensão da auto-legitimidade (self legitimacy) dos servidores públicos, ou seja, a crença que esses agentes possuem no direito moral de exercer autoridade. Nesta perspectiva, portanto, a questão da legitimidade precisaria ser ampliada, sendo importante considerar a relação recíproca entre aqueles que detêm o poder e seu público, e não apenas a percepção do público, sobretudo para perceber se o contato com a população é algo relevante ou não.

Esta abordagem foi incorporada por diversas pesquisas que têm investigado empiricamente a auto-legitimidade de policiais, relacionando essa dimensão com fatores relativos à existência de procedimentos justos no exercício da autoridade interna à instituição (TANKEBE, 2010; 2014; BRADFORD; QUINTON, 2014; JONATHAN-ZAMIR; HARPAZ, 2014). A auto-legitimidade de juízes, no entanto, é um aspecto ainda pouco explorado empiricamente, tanto na literatura internacional, quanto nacional. Com o objetivo de contribuir com esse campo de estudos, a pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos da Violência busca justamente identificar quais as percepções que os juízes possuem sobre sua autoridade e sua legitimidade e em que medida o contato com o público é considerado um fator relevante para a legitimação de suas decisões e da própria instituição de justiça.

DUAS VISÕES DE JUSTIÇA

As concepções e percepções de juízes sobre o direito e a justiça têm sido objeto de investigação na literatura nacional sobre o judiciário brasileiro. A pesquisa e análise das visões que os juízes formulam sobre seu papel e sobre a justiça são usualmente desenvolvidas em diálogo com o contexto de reforma do judiciário brasileiro. O processo de transição democrática brasileiro trouxe uma agenda de reformas substantivas, sobretudo para instituições fundamentais para a consolidação da democracia, como é o caso do Poder Judiciário. As décadas de 1990 e 2000 foram marcadas por debates e formulações legislativas, que foram avançando lentamente no cenário político da época. A reforma judiciária trazia alguns temas centrais, dentre eles o acesso à justiça, eficiência e desempenho do sistema judiciário e a questão da transparência. De acordo com Maria T. Sadek (2010), essa agenda foi intensamente debatida, não apenas em função dos aspectos materiais do funcionamento do sistema, mas em função do papel político do judiciário no exercício da democracia brasileira adquirido na Constituição de 1988, que ampliou consideravelmente as formas individuais e coletivas de acesso ao Judiciário, como guardião dos direitos constitucionais do cidadão.

Nesse campo de debates surgiram também discussões sobre o papel dos juízes e o compromisso com o processo de democratização, com a defesa de direitos e garantias fundamentais da população, numa sociedade extremamente marcada pela desigualdade social. Talvez por essa razão, a literatura nacional sobre o judiciário aponte para a existência de uma disputa entre duas visões: de um lado, a que compreende a atividade dos juízes como técnica, politicamente neutra, independente das demandas populares e que arbitraria sobre litígios individuais com base em valores considerados universais. De outro, a compreensão da atividade jurídica como parte das relações políticas da sociedade, com uma atuação engajada com causas sociais coletivas.

Para Maria da Glória Bonelli (2001; 2005) há uma persistência histórica dessas duas posições como ideologias profissionais em disputa no mundo do direito, bem como dos conflitos em torno das fronteiras que separam política e profissão nas relações profissionais deste universo. A autora aponta que o profissionalismo que valoriza a autonomia e a independência com relação aos demais poderes não é homogêneo e envolve concepções em disputa: por um lado, a visão convencional da política das profissões como “antipolítica”, baseando-se em valores como o de formalismo legal, do “procedimentalismo” e do conhecimento técnico-jurídico e, de outro, a crítica ao ideário da neutralidade profissional e a defesa do compromisso político dos juízes com a efetivação da democracia.

Nesse período de novos papéis assumidos pelo Judiciário, podemos destacar a incorporação de propostas de inovações no sistema judicial, sobretudo com o propósito de solução rápida de litígios e agilização dos trâmites processuais, tendo como grande destaque os Juizados Especiais Cíveis (JEC) e Criminais (JECrim), criados pela Lei Federal 9.099/954. Chamados também de “juizados de pequenas causas”, por tratarem de delitos de menor potencial ofensivo, esses tribunais são orientados por critérios de oralidade, informalidade, economia processual e celeridade. Um dos principais objetivos consiste na possível reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. Esse “novo” modelo ampliou o contato da população com as instituições de justiça, sobretudo ao exigir que juízes deixassem de realizar decisões punitivas ou absolutórias, na figura de alguém neutro e alheio ao ambiente social, para assumir um papel mais ativo e conciliador (AZEVEDO, 2001, p. 105). No entanto, houve uma grande dificuldade entre os magistrados para se adaptarem a esse novo papel, porque os juízes que atuavam nos Juizados eram os mesmos que atuavam nas Varas Criminais, reproduzindo, portanto, a mesma “relação de poder hierárquica e intimidatória sobre as partes para encaminhar uma solução do caso do que de uma proximidade advinda de vínculos societais comunitários” (AZEVEDO, 2001, p. 107).

Também no sentido de analisar projetos de aproximação entre o judiciário e a população, Jacqueline Sinhoretto (2011; 2017) destaca o conflito de visões ao analisar a proposta de reforma da justiça do final dos anos 1980 em São Paulo, formulada por um grupo de juristas reconhecidos como “garantistas” e contrário à versão liberal do direito como atividade técnica. Tal grupo acreditava que, ao tratar os conflitos como litígios individuais, haveria uma visão política que desmobilizaria as lutas sociais por direitos coletivos. Esses juízes questionavam o distanciamento do judiciário com relação à vivência popular e defendiam a reforma da justiça para que se tornasse mais receptiva às reivindicações coletivas, em especial aquelas das classes populares, apostando assim na transformação da relação do judiciário com a periferia. Um dos expoentes dessa visão foi a criação dos Centros de Integração da Cidadania (CIC), cuja proposta era aproximar as instituições jurídicas da população e, no contato com a comunidade, modificar a forma de atuação do judiciário, sendo ela mais democratizada, popular, acessível e permeável à realidade, sobretudo das periferias da cidade. “O projeto foi implementado a partir de 1996, marcado pela incorporação de uma nova forma de crítica ao funcionamento da justiça, ao formalismo jurídico e ao distanciamento simbólico” (SINHORETTO, 2017, p. 38).

Podemos dizer que a proposta dos CICs se aproxima muito do que a literatura sobre justeza procedimental indica como importante para a legitimação das instituições, sobretudo a ideia de que esses Centros teriam papel ético-pedagógico da utilização da justiça, com o aprendizado dos direitos e da cidadania, por meio da valorização do contato, da possibilidade de o cidadão sentir-se ouvido e de resolver seus conflitos de forma rápida e compreensível. A proposta inicial dos CICs era, portanto, aproximar os órgãos do Estado da população, cuja convivência tornaria possível à comunidade tomar contato com o funcionamento da justiça e com os seus direitos de cidadania.

Em sua pesquisa, Sinhoretto (2017) demonstra que, do ponto de vista dos juízes, esse contato maior com a população poderia ter um impacto transformador sobre a “mentalidade” dos operadores jurídicos, sendo eles também modificados na forma de pensar o seu próprio papel. Essa ideia se aproxima bastante da literatura sobre auto legitimidade, que indica o contato como parte importante no processo de auto reconhecimento de autoridade dos servidores públicos.

Contudo, Sinhoretto (2017) demonstrou que, muito embora houvesse grande entusiasmo com o papel transformador dos CICs - seja na comunidade, seja para os funcionários desses Centros -, sua implementação pouco impactou o modo clássico de funcionamento das instituições judiciais. Permaneceu o formalismo, o distanciamento, os rituais e os símbolos de marcação das diferenças próprios do mundo jurídico - como a linguagem e a roupa -, mas também os procedimentos, que seguiram inalterados. As tensões entre visões sobre o papel da justiça e do juiz podem contribuir para explicar por que o projeto dos CICs não conseguiu avançar conforme preconizavam seus idealizadores, que apresentavam a visão do direito como agente político de construção e consolidação da democracia. Permaneceu a ideia de que os operadores do direito precisam manter certo distanciamento com relação à população para garantir objetividade e neutralidade e que devem atuar somente em casos individuais e não em ações coletivas.

No tocante às concepções dos juízes sobre a autoridade judicial e sobre o seu papel, a revisão da literatura nacional5 indica, portanto, que existe uma tensão e uma disputa entre duas visões. Conforme indicado, é possível estabelecer um nexo entre essa discussão e o modelo da justeza procedimental proposto por Tom Tyler na medida em que um elemento central da divergência entre essas duas posições diz respeito precisamente à importância atribuída à proximidade dos juízes com relação a população e suas demandas. Como será demonstrado a seguir, na pesquisa do NEV-USP realizada com os juízes também foi possível identificar posições divergentes sobre o lugar ocupado pelo contato com a população no exercício da autoridade judicial.

RESULTADOS

Com o objetivo de compreender a maneira como os juízes constroem a sua legitimidade e autoridade, a presente pesquisa partiu de uma abordagem qualitativa, mais adequada para acessar as percepções dos atores sobre suas práticas. A pesquisa envolveu entrevistas semiestruturadas em profundidade com juízes paulistanos de diferentes áreas e instâncias da justiça. Foram entrevistados 19 juízes, sendo 15 homens e 4 mulheres6. Dos entrevistados, 9 juízes atuavam na área Cível (4 nos Juizados Especiais Cíveis), 7 atuavam na área Criminal, 2 no Direito Público e 1 em um cargo de assessoria do Tribunal de Justiça de São Paulo. Dos 19 juízes entrevistados, 4 atuavam na segunda instância (1 desembargador e 3 assessores). A maior parte dos entrevistados (8) se formou em direito na década de 2000, seguidos pelos que se formaram na década de 1990 (6) e 1980 (5), e a maioria (13) dos entrevistados ingressou na carreira em até cinco anos após a formação. Em relação à faixa etária dos juízes, a maior parte deles (7) tem entre 34 e 39 anos, e no que diz respeito à formação, mais da metade deles (10) fez sua graduação na Universidade de São Paulo.

Para a realização das entrevistas, optou-se por um roteiro com questões semiestruturadas sobre o contato que os juízes mantêm com a população, bem como suas visões sobre tal contato. Todas as entrevistas foram gravadas mediante autorização prévia e posteriormente transcritas. Devido à dificuldade de acesso aos juízes para realização das entrevistas, adotou-se a estratégia “bola de neve” para coleta dos dados. A partir da rede de contatos das próprias pesquisadoras, foram realizadas as primeiras entrevistas e, com a indicação dos entrevistados, outros juízes foram acionados os quais, por sua vez, também indicaram outros colegas. A limitação evidente dessa estratégia é o risco de restringir as entrevistas a uma rede de juízes de um perfil específico. Como forma de minimizar os possíveis problemas gerados por esta estratégia de coleta, além desse fator ter sido considerado na análise das entrevistas, o material coletado tem sido analisado como fonte para formulação de hipóteses que podem ser desenvolvidas e exploradas com a ampliação e diversificação da coleta de dados já planejada na continuidade da pesquisa.

A partir da leitura sistemática das entrevistas realizadas foram criados dois eixos analíticos: i) relações do judiciário com a sociedade e ii) relações internas ao judiciário. No presente trabalho apresentaremos as análises preliminares do eixo relações do judiciário com a sociedade, buscando demonstrar, mais especificamente, de que maneira a visão dos entrevistados sobre o contato com a população expressa elementos importantes da forma como eles constroem a própria autoridade.

Tendo em vista que no modelo da justeza procedimental desenvolvido por Tom Tyler a qualidade do contato entre os cidadãos e os representantes das instituições que aplicam as leis é decisiva para a legitimidade atribuída a essas instituições, a investigação sobre a construção da auto-legitimidade dos juízes considerou o modo como esses atores percebem sua atuação junto à população e se o contato é relevante ou não. Ao responderem a questão sobre a importância do contato com a população, os entrevistados formularam diferentes concepções sobre a autoridade judicial e sobre o próprio funcionamento da justiça. A análise das entrevistas permitiu formular duas opiniões que dividem os entrevistados: a) o contato com a população não é frequente e nem relevante para a decisão judicial, porque o juiz considera somente os argumentos técnicos, desenvolvidos pelos advogados e incluídos no processo e; b) o contato com a população pode produzir decisões melhores e mais justas porque permite levar em conta o contexto específico e a situação particular de cada caso.

JUSTIÇA COMO TÉCNICA

A primeira posição, mais frequente e formulada, sobretudo pelos juízes da área cível7, envolve uma concepção do direito como área técnica, cujas atividades necessariamente são mediadas pelo saber especializado de seus operadores. O contato com a população é visto como irrelevante para os procedimentos, porque, de acordo com os entrevistados, as pessoas não possuem o conhecimento técnico necessário para formular seus pedidos. Como é possível observar no exemplo a seguir, de acordo com essa visão, o contato do juiz deve ser sempre mediado pelo advogado:

A outra possibilidade seria a parte vir falar com a gente, mas esse contato é bem mais raro, porque a parte não sabe explicar o que está acontecendo. Então é melhor que a explicação técnica venha por meio de um advogado, isso já dificulta esse contato com a parte. [...] Eu acho assim, a parte tem um advogado, acho que é melhor que esse contato seja feito tendo um advogado, a parte muitas vezes não tem a noção do contexto da decisão, ou não sabe... [...] É claro que elas estão representadas pelo advogado que é o técnico, é um ato do processo, por exemplo, a audiência. Então é o técnico que fala (Juiz 12).

Assim, ainda que a parte seja a pessoa interessada no conflito que está sendo arbitrado pela justiça, a falta de conhecimento especializado a incapacitaria a compreender e saber explicar o caso. Por este motivo, o processo ocorreria exclusivamente entre os operadores.

Essa concepção das atividades jurídicas era ainda associada pelos entrevistados à ideia de que o juiz só pode se comunicar e se pronunciar no processo e só pode decidir a partir do que consta nos autos. Assim, a interação e o contato presencial com a população seriam irrelevantes também porque o que não é registrado e documentado não importa para a decisão.

O contato que eu tenho é com o processo e quando alguém precisa vir aqui falar comigo é obrigatoriamente o advogado. A gente não atende a parte. Por várias razões, mas porque a parte não pode vir por ela mesma pretender qualquer coisa em juízo, nesta vara. [...] Eu só posso ter contato através do advogado, o contato que eu tenho com eles é nas audiências. Aí a parte vem, às vezes vem testemunha, mas meu contato é 99% através de advogado. [...] O máximo que eu faço e falar “olha, se o senhor não está contente com o advogado, o senhor troca”. Mais do que isso eu não posso, porque o juiz só pode falar no processo, né. Isso a gente aprende bem cedo na carreira (Juiz 11).

É interessante observar que essa visão também foi formulada pelos juízes que atuavam nos Juizados Especiais Cíveis, onde o contato com a população é mais frequente. Como nos JECs a população pode ajuizar ações sem precisar da representação de um advogado8, esses juízes necessariamente estabelecem um contato não mediado com a população. Os quatro juízes dos JECs entrevistados elaboraram esse contato “forçado” como uma fonte de problemas e conflitos, seja por dificultar o trabalho, seja por aumentar a chance de a parte expressar seu descontentamento com relação aos procedimentos e às decisões judiciais.

Aqui, a gente atende muito o público. Muito. Mais do que qualquer outra vara no Juizado Especial. A gente tem que fazer petição inicial, a gente tem que explicar o processo, explicar o andamento... explicar para alguém que não entende nada de Direito, tudo o que está acontecendo, inclusive a condenação, a vitória, a derrota. Nas outras varas não é assim, porque você tem o advogado. Então, o advogado é um profissional que você não tem que ficar explicando nada. Então assim, o nosso atendimento dura meia hora, às vezes. E aí o pessoal não entende, você tem que ter paciência (Juiz 3).

Então, vai depender do nível de simplicidade das pessoas, às vezes a pessoa nem alfabetizada é, é muito difícil lidar com essa situação, porque assim, o direito é técnico, [...] às vezes a pessoa não entende mesmo, mesmo explicando tipo para criança “olha, cinco mais cinco é igual a dez”, então desenha uma casinha, porque às vezes precisa, não é brincadeira [...] a gente tem essa mesa um pouco separada, às vezes por uma questão de segurança, mas eu acho que é até bom ficar ali um pouquinho separado né, para as pessoas saberem que ali é uma autoridade, porque senão também todo mundo acha que “ah o juiz é amigão...” não é bem assim, é uma pessoa simpática, mas tem várias questões super sérias, falso testemunho, às vezes até sobre mentira e achar que ela está ali em uma mesa de bar e às vezes elas acham isso, então assim, essas pessoas mais simples, elas têm dificuldade e às vezes ela vem sem advogado aqui e essa dificuldade de entender, porque às vezes ela não tem razão.

[...]

Teve outro sujeito que reclamou na ouvidoria, faz uns 15 dias, ele não ganhou porque ele não tinha razão, queria danos morais e não sei o que e eu falei “olha, não tem razão, não tem danos morais por causa disso, disso e daquilo”, o juiz tem que dizer o porquê né, mas era uma pessoa leiga, veio sem advogado também e achou... “Essa audiência foi muito rápida, durou menos de cincos minutos e não sei o que...” [...] E às vezes eu não preciso ouvir também, aí não vai me convencer porque ela chorou, porque ela fez drama e tudo mais, o juiz não pode julgar por pena, o juiz tem pena porque é ser humano, mas ele não pode aplicar essa pena dele no papel, porque se não vai cometer uma injustiça com outras partes e esse indivíduo eu acho que ele não compreendia o funcionamento, a audiência de fato foi rápida (Juiz 5).

O contato mais direto com a população é percebido, assim, como elemento que atrapalha o trabalho do juiz por demandar mais tempo e “paciência”, mas também como fator que interfere na afirmação da sua autoridade. Na fala do Juiz 5 fica evidente de que maneira, nessa visão, a distância garantida pelo caráter técnico do direito é tida como necessária para o exercício da autoridade judicial. A insatisfação expressa pelas pessoas é interpretada como resultado do desconhecimento. É porque elas não entendem os procedimentos, não conhecem o direito, que emergem conflitos com o juiz.

Em uma das entrevistas, o juiz comenta que a possibilidade de sua decisão ser mal recebida pelas partes ou gerar alguma “animosidade” faz com que ele evite explicar a decisão em audiência. É interessante observar de que maneira ele elabora o fundamento de sua legitimidade em outro momento:

O juiz sempre tentou ser coerente porque nossa legitimidade é uma legitimidade argumentativa, é uma legitimidade racional. Então se a gente não consegue convencer racionalmente a outra pessoa que o que a gente está fazendo é correto. A gente perde legitimidade e num contexto maior a gente perde a cabeça. Então a nossa legitimidade é uma legitimidade racional. É importante que a gente fundamente bem as nossas decisões, que é importante que a gente tenha uma certa coerência conosco e com os superiores, pra população achar que a gente é importante. [...] Mas, dentro da minha visão, a gente adquire legitimidade de várias formas. Tem a questão da simbologia de usar gravata, de usar toga, os caras lá de fora usar peruca, um sentar um pouquinho mais alto do que os outros, tudo isso tem uma simbologia que eu acho importante. É claro que vocês como cientistas podem e devem contestar isso, mas eu particularmente acho que essa simbologia é importante. Mas, do ponto de vista absolutamente racional, essa simbologia se esvai, afinal de contas o juiz nem é mais importante e nem etc., etc. Mas a simbologia pro povo, eu acho importante. Mas, pra convencer os técnicos, que são vocês e a população mais esclarecida, nossa argumentação é racional. Se a gente não for coerente com as nossas decisões com os precedentes dos tribunais superiores e se vocês, que são a elite, né... (Juiz 6).

Para esse entrevistado haveria, assim, dois fundamentos para a legitimidade dos juízes a depender de qual é a audiência. No caso dos técnicos e da população “esclarecida” a legitimidade seria racional, baseada no convencimento racional e na coerência das decisões. Diferentemente, para o “povo”, a legitimidade viria da “simbologia”, dos elementos simbólicos associados à autoridade e à distância. Somente um dos entrevistados identificou a própria recusa em “deixar a pessoa falar” como possível fonte de conflitos e insatisfação com as decisões. De acordo com ele, os cidadãos chegam ao juizado com uma demanda por ter “voz” e o juiz não poderia lhe negar esse direito.

JUSTIÇA “HUMANISTA”

A segunda posição identificada na análise das entrevistas foi formulada por parte dos juízes que atuam na área criminal e, com frequência, fazendo referência às audiências de custódia. Para esses entrevistados, o contato com a população nas audiências seria importante para acessar o contexto específico do caso e as características do réu, bem como por permitir a conversa, a negociação e a orientação das pessoas, fatores que teriam impacto direto nas decisões:

Fiz uma audiência nesse final de semana de violência doméstica. No fundo ele é um dependente químico e não tem episódios recorrentes de violência, acabou usando drogas naquele dia, se excedeu e agrediu fisicamente a mulher dele mesmo. Ele tinha uma condição muito boa, ele é um jogador de futebol, tinha uma condição boa, tinha dinheiro e aí perdeu tudo. Acabou caindo nas drogas e hoje é uma pessoa muito simples. Aí eu conversava com ele e eu falava assim “o senhor não vai ficar preso, o senhor não tem o perfil de um homem que vai ficar preso, mas o senhor também não vai voltar pra casa”. Aí ele disse “mas eu preciso sair de casa?”. Eu dizia “o senhor não precisa sair de casa, mas não convêm o senhor voltar pra casa agora, né, então pra evitar a sua prisão o senhor vai morar com a sua mãe”. E ele disse “mas a minha mãe mora em Carapicuíba”. Eu falei “olha, se o senhor não for pra sua mãe, o senhor vai ficar preso, porque eu não me sinto segura em autorizar o senhor voltar pra casa hoje; mas o senhor não é uma pessoa de perfil de centro de detenção provisória”. E falei “peça pra sua mãe trazer um comprovante de residência, o senhor tem o telefone dela, liga pra ela pra ela vir aqui”. “Ok” Então assim, 5 minutos aquilo se resolveu. Ele disse “ok, eu aceito, vou pra casa da minha mãe”. Eu falei, “depois, se o senhor se reconciliar com a sua mulher e tal...”. Então, eu gosto muito desse contato (Juiz 19).

Esse exemplo foi usado pelo entrevistado para demonstrar de que maneira o contato com o réu pode permitir uma negociação que impacta a decisão. Porém, cabe destacar que essa negociação foi fundamentada na identificação do “perfil” do réu, considerado incompatível com a prisão por parte do juiz. A fala desse juiz permite analisar uma das dimensões contidas na importância atribuída ao contexto do caso julgado para as decisões.

Além da possibilidade de conversar que a presença física diante do juiz proporcionaria, a importância do contato direto com a população foi vinculada também à noção de “humanização” dos procedimentos judiciais e da atuação do juiz:

A partir desse contato físico, nós notamos aqui uma redução do número de encarceramento. E por conta também, talvez, de um desenvolvimento de um processo de humanização, ou de contextualização do crime no contexto social de que aquela pessoa se encontra inserida, então, era muito comum que alguém viesse preso em flagrante, por um delito doloso de furto, por exemplo, e ser multi-reincidente em furto. Antigamente o juiz não tinha contato com essa pessoa, ele analisava o processo. Aí a verificação que o juiz fazia era: trata-se de crime doloso, furto qualificado que seja, de alguém, praticado por alguém que tem vários outros crimes de furto, seja um multi-reincidente específico, e essa pessoa acaba sendo invariavelmente enviado, acaba sendo enviado ao cárcere. A audiência de custódia permitiu ao juiz enxergar quem é, nesse caso específico, né, o multi-reincidente em furto, que é apresentado pelo furto de fios de cobre, por furtos de mercados, furtos de campa de cemitério... e que chegam aqui à audiência de custódia com roupas rasgadas, malvestidos, sujos... [...]. Então, na maioria das vezes, quem pratica esse tipo de furto e que tem esse tipo de histórico são moradores de rua que acabam vendo na prática do crime um meio de vida. E os juízes justificavam a manutenção da prisão com esse argumento, de que a prática do crime era um meio de vida daquelas pessoas, logo deveriam ser enviadas ao cárcere. E é a mesma justificativa que dão hoje para não enviar essas pessoas ao cárcere, de que a prática do delito é meio de vida por conta da insuficiência social constatada e por conta, e em razão dela, essas pessoas não deveriam ser enviadas ao cárcere, mas a um centro de atendimento social onde pudessem ter a possibilidade de resgatar a sua dignidade (Juiz 18).

O contato permitiria, assim, acessar o contexto em que o acusado está inserido, entender o que está acontecendo naquele “caso específico” e, com isso, decidir de modo mais adequado qual a decisão a ser aplicada. Nesse sentido, a presença física do custodiado diante do juiz seria decisiva para a produção da decisão correta, pois forneceria elementos que o “papel” não fornece. As audiências de custódia teriam impacto por permitirem uma inversão: ao invés do juiz ver mais o caso do que a pessoa (como ocorre tradicionalmente), passaria a enxergar primeiro a pessoa e depois o caso.

A associação dessa valorização do contato com a dimensão “humana” do trabalho judicial e, em alguns casos, com a “sensibilidade” do juiz apareceu também na entrevista de juízes que não atuavam em audiências de custódia, ainda que atuassem na área criminal. Havia a defesa da audiência como oportunidade para conversar e orientar as pessoas para tentar intervir na situação. Um dos entrevistados havia atuado na justiça juvenil por muito tempo e comenta como trata-se de um modelo de justiça em que, devido à maior informalidade, haveria mais espaço para essa conversa.

Antes de fazer isso [conversar com o adolescente], eu tinha uma salinha do lado, que é uma salinha como essa aqui, duas cadeiras assim e tal, entrava a mãe. “Ô Dona, o que está acontecendo com seu filho, ou sua filha?”. Principalmente quando era o primeiro caso daquela criança. O primeiro caso, gente, é muito importante. [...] Mas é a primeira vez que ele foi pego, então é o primeiro ritual. É o primeiro ritual que ele tomou os conselhos da PM. Que ele foi esculhambado. É a primeira vez que ele percebeu que a casa caiu, que assustou até, entendeu? É a primeira vez que a mãe viu o que está acontecendo, que aquela família foi acordada de madrugada com a polícia batendo na porta. Aquela primeira ocasião, se há um momento em que você pode fazer alguma coisa, é ali. [...] Eu não quis nem ver o menino ou a menina naquele primeiro momento, queria ver o pai e a mãe, porque com o pai e mãe você consegue ali, entendeu? Então eu chamava o pai e a mãe. “O que está acontecendo?”. E quando você conversava com os dois você conseguia entender que cada caso era um caso e estava acontecendo alguma coisa, que era um problema e tal, sabe? [...] Porque o problema é a pobreza, essa pobreza que juiz, promotor e advogado transformaram o direito penal, que liberar é prender e soltar, isso é uma pobreza de discurso muito grande. Você transformar isso tudo nesses dois signos, soltar e prender, tá, é muito pouco. A gente tem que ter muito mais recursos que isso, porque só soltar ou prender, não vai resolver nada. Nem prender resolve e nem soltar resolve. Tem que ter muito mais intervenção do que simplesmente... né. (....) Ninguém conversava com aquela mãe, com aquele pai. Ninguém conversa. O Estado não conversa. E evidentemente que a reincidência acontece, porque não adianta eu conversar com aquele menino ou com aquela menina. Aquilo não tem sentido, você tem que encontrar o que está acontecendo com aquela família. Sabe o que aconteceu? Ministério público e defensoria pública começaram a brigar comigo porque eu estava fazendo isso (Juiz 13).

De acordo com esse entrevistado, o contato e a “conversa” seriam importantes para conhecer a situação particular do adolescente porque isso permitiria não somente decisões mais justas, mas algum tipo de intervenção que permitisse “resolver” a situação.

Como é possível observar, a posição formulada por esses juízes não diverge da visão técnica somente pela valorização do contato, mas também pela concepção sobre o papel do juiz. Aqui o juiz não é um operador técnico que observa os critérios estritamente legais e as provas processuais, mas é alguém que interage com a situação específica do caso e busca a decisão que terá as melhores consequências para aquela pessoa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o objetivo de analisar as duas concepções sobre o contato dos juízes com a população formulada pelos entrevistados, é interessante notar que existe uma diferença com relação às posições em disputa identificadas pela literatura nacional. Por um lado, a visão de que o exercício da atividade do juiz envolve um conhecimento compartilhado exclusivamente por aqueles que receberam treina- mento profissional coincide com o ideário mais convencionalmente associado ao profissionalismo. A defesa da necessidade do saber especializado e técnico como fundamento da autoridade judicial é parte constitutiva da separação entre profissionais e “profanos”, condição da autonomia do campo jurídico (BOURDIEU, 1989). Nesse caso, encontramos a formulação de uma posição semelhante à identificada na literatura da importância da distância, neutralidade e tecnicalidade para o funcionamento da justiça.

Por outro lado, a visão que valoriza o contato com a população pela possibilidade de acessar o contexto da situação particular e garantir decisões mais adequadas ao caso concreto não pode ser imediatamente associada a uma visão do direito como engajado politicamente com movimentos sociais e pautas coletivas. No caso analisado por Sinhoretto (2011), por exemplo, a necessidade de proximidade com a população periférica era formulada a partir da possibilidade de tornar a justiça mais acessível a essa população e os operadores mais sensíveis às suas demandas. Já a posição construída pelos entrevistados introduz outros elementos associados à importância da proximidade entre o juiz e as pessoas que acessam a justiça. Essa proximidade seria importante porque permitiria “particularizar” as considerações do juiz ao caso específico. Nesse caso, não há o contraponto entre o enquadramento liberal e o direito permeável a pautas coletivas, mas uma atuação judicial ainda mais “individualizante” em um registro que parece remeter ao raciocínio criminológico.

Nesse sentido, cabe destacar que a divergência entre as posições dos juízes com relação ao contato com o público se diferenciou justamente pela área de atuação no judiciário. Os juízes que atuam na área Cível foram os que perceberam o contato com as partes do processo como “desnecessário” para suas tomadas de decisão, sobretudo porque compreendem o direito como área técnica, cujas atividades são essencialmente mediadas pelo saber especializado de seus operadores. Além disso, consideram que pessoas não possuem o conhecimento técnico necessário para formular seus pedidos. O contato mais relevante para eles seria com o advogado. Destacamos, sobretudo, que essa posição foi compartilhada pelos juízes que atuam nos JECs, justamente aqueles que têm mais contato com a população sem a presença de advogado. Para os entrevistados, a aproximação com as partes seria, na verdade, uma fonte de problemas e conflitos, uma vez que as pessoas poderiam expressar diretamente seu descontentamento com a decisão.

Já os juízes que atuam na área criminal foram os que consideraram o contato com a população nas audiências importante, sobretudo por possibilitar conhecer o contexto específico do caso e as características do acusado para a tomada de decisão. O contato permitiria “humanizar” os procedimentos e abriria espaço para a negociação e a conversa que poderiam impactar na trajetória do réu. Ou seja, o juiz não é visto apenas como um operador técnico que observa os critérios estritamente legais e as provas processuais, mas alguém que interage com o contexto do caso e toma a decisão de modo que possa intervir na situação específica da pessoa julgada.

Nesse sentido, seria possível propor como hipótese interpretativa que a ligação entre as posições identificadas e as áreas do direito não é fortuita. Para os que atuam na área cível, decidindo sobre conflitos de interesse, lidar com papéis faz mais sentido do que lidar diretamente com as pessoas envolvidas. A sua decisão independe de conhecer o perfil das partes envolvidas porque isso não faz diferença em suas decisões. Já para os juízes da área criminal, o contato pode ter impacto na decisão porque de alguma maneira a contexto de vida, a trajetória e as características do réu são elementos tidos como relevantes para o tipo de resposta judicial. De alguma forma, essa valorização do contato parece ter ligação com a inclusão de elementos considerados necessários para o julgamento correto na área criminal e que ultrapassam a infração.

Por fim, destaca-se que esse lugar concedido ao contato e à proximidade com a população não é só divergente da defesa do direito como politicamente engajado em causas coletivas e com a democratização da sociedade, mas diverge também da concepção de legitimidade proposta na literatura sobre justeza procedimental. O contato não é valorizado como meio de promover a legitimidade do sistema de justiça pela garantia de um tratamento justo e equitativo. A finalidade do contato é, como visto, oferecer mais elementos para o juiz julgar a particularidade do caso.

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Notas

1 Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPESP. Processo nº. 2013/07923-7, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
2 Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada no 42º Encontro Anual da ANPOCS em 2018 dentro das discussões do GT 21 “Os juristas e a sociedade: conflitos políticos e sentidos do direito”.
3 O Programa CEPID-FAPESP “Construindo a democracia no cotidiano: direitos humanos, violência e confiança institucional” é composto por três grandes eixos de pesquisa. O primeiro envolve um estudo quantitativo longitudinal realizado com a população da cidade de São Paulo e investiga as percepções da população sobre as instituições responsáveis por aplicar as leis. Com a aplicação de um survey com moradores de diferentes regiões da cidade, o objetivo é compreender se a população atribui legitimidade a essas instituições e quais são os preditores dessa percepção. O segundo eixo também consiste em um estudo quantitativo longitudinal, mas tem como foco a população pré-adolescente e é realizado em escolas. O foco dessa pesquisa é o processo envolvido na noção de “socialização legal” e busca compreender como os pré-adolescentes se relacionam com diferentes figuras de autoridade. Por fim, para o terceiro eixo, as pesquisas desenvolvidas envolveram a aplicação de um survey com policiais civis e militares e a realização de entrevistas qualitativas com juízes do Tribunal de Justiça de São Paulo (NEV, 2016).
4 Previstos na Constituição Federal de 1988, os Juizados Especiais Cíveis tiveram seu funcionamento regulamentado pela Lei Nº 9.099 de 26 de setembro de 1995. A lei estabelece que nos juizados especiais (cíveis e criminais) os processos devem se orientar “pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação” (Art. 2º). A competência dos JECs envolve a conciliação, processo e julgamento de causas cíveis de “menor complexidade” cujo valor não exceda 40 salários-mínimos.
5 Ainda no que diz respeito à literatura nacional, seria possível incluir a ampla discussão sobre o tema da judicialização da política (VIANNA et al., 1997; 1999; VIANNA; BURGOS, 2002; 2005; VIANNA, 2013). Ainda que esse debate tangencie a questão das diferentes concepções sobre o papel do juiz, esse não é o foco desses estudos, concentrados na relação entre os poderes e no papel do judiciário como protagonista da questão social e da garantia de direitos de maneira mais ampla.
6 Com o objetivo de garantir o anonimato dos entrevistados, optamos por adotar sempre pronomes masculinos.
7 Essa posição foi formulada por todos os juízes da área cível entrevistados, mas não somente por eles.
8 Nas causas de valor até 20 salários mínimos, a assistência por advogado não é obrigatória (Art. 9º - Lei 9.099/95).
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