Dossiê Migrações Internacionais na Sociologia Contemporânea - Artigo
Recepção: 11 Outubro 2019
Aprovação: 30 Março 2020
DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2020.171535
Os mais difíceis problemas em ciências sociais são aqueles que já foram inúmeras vezes ventilados e “solucionados” por gerações de publicistas sectários. Sem dúvida, trata-se de questões de interesse vital para determinadas sociedades. Assim não pode surpreender a ninguém que elas preocupem, constantemente, grande número de pessoas e que estas procurem dar-lhes a solução que melhor corresponda a certos interesses grupais. Assim vão se sedimentando grossas camadas de preconceitos, de juízos fortemente carregados de emoções, de informações falsas e corretas, de um conglomerado de ideias enfim que predispõem o espírito de uma maneira pouco propícia a um exame objetivo dos fatos.
Provavelmente, ambos os termos do título devem ser incluídos no número dessas palavras cuja mera evocação é suficiente para trazer à lembrança uma série de ideias que não se coadunam com a realidade. Tão grande é a quantidade de representações duvidosas que se ligam aos termos “assimilação” e “judeus” como, particularmente, à associação dessas duas palavras, que nenhum estudo científico parece exequível enquanto não se fizer um trabalho preliminar destinado a desmanchar imagens convencionais e solidamente arraigadas na mentalidade dos povos ocidentais.
O conceito da assimilação. Comecemos pelo termo “assimilação” e “miscigenação” ou “cruzamento”, quase como se fossem sinônimos. Outros ainda consideram a miscibilidade como índice da assimilação.
Antes de mais nada, é preciso frisar que a miscigenação é um processo biológico, ao passo que a assimilação representa um processo social. Não há dúvida nenhuma de que a miscigenação pode exercer uma influência bem pronunciada sobre a assimilação. Mas, de modo algum a assimilação depende da miscigenação como muitas vezes se pensa. Onde quer que se tenham estabelecido contatos entre nacionalidades ou raças diferentes, inúmeras famílias assimilaram-se sem que nelas houvesse ocorrido um único casamento misto. Diferenças culturais ou raciais (ou ambas), dentro da mesma família, podem contribuir para assimilar seus membros, mas podem também constituir focos de desajustamento e desagregação. Na hipótese de favorecer a assimilação, resta saber em que sentido se processa a influência dos cruzamentos. A história dos judeus, por exemplo, registra não poucos casamentos com não-judeus. Às vezes, esses casamentos conduziram a assimilação do cônjuge e dos filhos à cultura israelita. Outras vezes, porém, tais casamentos levaram o cônjuge judeu a adotar a cultura representada pela outra parte.
Exemplos instrutivos oferece a campanha de prussianização dos poloneses, na época de Bismarck. Casamentos entre homens poloneses e mulheres alemãs eram tolerados, não porém uniões matrimoniais de mulheres polonesas com homens alemães. A experiência ensinara aos fautores dessa malograda campanha de nacionalização que, em regra, as mulheres polonesas faziam com que os maridos se tornassem poloneses. Esses e outros exemplos mostram que o casamento misto é uma arma de dois gumes do ponto de vista de quem deseja usá-lo como “instrumento” de assimilação.
Muita confusão há também quanto ao nexo causal entre intercasamento e assimilação. Diferenças culturais ou raciais (ou ambas simultaneamente) impedem, frequentemente, cruzamentos interétnicos. A não ser em casos de falta de mulheres, o coeficiente de casamentos mistos só aumenta à medida que as diferenças culturais ou preconceitos raciais vão diminuindo. Portanto: a assimilação, pelo menos parcial, é em regra, a condição fundamental para um incremento dos intercasamentos.
A assimilação refere-se, exclusivamente, à obliteração, substituição e modificação de hábitos e atitudes, quer dizer, de traços adquiridos na vida social. A plasticidade da natureza originária do homem representa a condição biológica geral responsável pela integração de hábitos em uma estrutura que comumente se chama de “personalidade” ou “pessoas”. Todo ajustamento realizado pelo indivíduo redunda na aquisição de novos hábitos e todo reajustamento pode ser definido em termos de uma substituição de alguns hábitos por outros. A vida individual é uma sequência de ajustamentos e reajustamentos a situações variáveis no tempo e no espaço. A capacidade individual de ajustamento é maior na infância e vai diminuindo paulatinamente com a idade, mas nunca desaparece inteiramente.
O ajustamento a determinadas condições sociais chama-se socialização ou, em casos especiais, assimilação. A socialização ocorre no grupo de cuja vida o indivíduo participa desde a primeira infância2. Em assimilação falamos somente quando o indivíduo, por uma razão qualquer, deixa de participar do grupo primitivo para se integrar num outro, culturalmente diferente. A assimilação, portanto, pode ser definida como reajustamento da personalidade a condições culturais diversas. A diversidade cultural nunca é total, porque a natureza humana é uma só, suas necessidades fundamentais são as mesmas e limitadas às possibilidades da sua satisfação (Princípio das possibilidades limitadas).
Tendo em vista a plasticidade da natureza humana e o caráter social da personalidade, parece absurdo falar em grupos humanos inassimiláveis. E a tentativa de explicar biologicamente essa suposta “inassimilabilidade” de alguns grupos é uma forma de racismo genuíno. Em grupos humanos não pode haver inassimilabilidade que tem suas raízes, como acabamos de verificar, na própria natureza humana e esta é a mesma em todas as variedades da espécie, independentemente de cor, estatura, grossura dos lábios, textura do cabelo, índice cefálico, epicanto e outros caracteres somáticos. Verdade é que as condições de assimilação variam grandemente fazendo com que ela se processe rapidamente em alguns casos e com extrema lentidão em outros.
A ficção de uma raça judaica. Passamos a examinar alguns conceitos correntes relacionados com o outro termo do título: os judeus.
Repete-se, com frequência, que os judeus constituem uma raça ou apenas um ramo da raça “semítica”. Todavia, a Antropologia física desfez, há muito, a lenda de uma “raça israelita”3. O termo raça somente pode ser aplicado a grupos humanos que se caracterizam por uma relativa homogeneidade somática. Esta não existe no caso dos judeus. Ao contrário, as diversas minorias judaicas espalhadas por todos os continentes, distinguem-se por uma acentuada heterogeneidade. Alguns grupo judeus assemelham-se mais às populações circunvizinhas do que a outras minorias hebraicas. Casos há também em que se observam diferenças somáticas muito pronunciadas entre grupos judaicos e as populações de que vivem rodeados. Dixon (1923) apresenta uma síntese das pesquisas antropométricas realizadas entre os principais grupos israelitas europeus, asiáticos e africanos, chegando à conclusão de que os judeus se dividem em dois grupos bem diferentes:
O menor abrange judeus da África setentrional e o Yemen, os Sefardins de Constantinopla e Jerusalém e, talvez, os grupos da Mesopotâmia e da Pérsia meridional. Todos eles caracterizam-se pela predominância variável dos tipos mediterrâneos-cáspios com uma minoria braquicéfala, provavelmente alpina na sua maioria. A divisão maior compreende todos os judeus europeus, os do Cáucaso, da Ásia Central e das partes setentrionais da Pérsia e Síria. Todos eles são principalmente e, em alguns casos, muito acentuadamente braquicéfalos e alpinos, observando-se entre eles uma pequena minoria dos mesmos tipos dolicocéfalos que predominam no outro grupo (Dixon, 1923, p. 171).
Portanto, o primeiro grupo é sobretudo dolicocéfalo e alto, o segundo braquicéfalo e mais baixo, mas em ambos nota-se a existência de grupos que devem ser classificados como variantes extremas.
Alguns traços somáticos considerados tipicamente judaicos, ou têm um significado racial muito problemático ou não são peculiares aos israelitas. O porte inclinado ou andar “curvo”, a circunferência torácica, peso e estatura, por exemplo, dependem demasiadamente das condições do meio (social, sobretudo) para que se possa lançar mão deles num estudo antropológico. O nariz “aquilino”, símbolo da “rapacidade judaica” (argumento corriqueiro na propaganda antissemita), é muito mais comum entre populações não hebraicas do que entre os judeus (Dixon, 1923, p.172).
A cor do cabelo, por sua vez, que do ponto de vista genético poderia servir como característico racial, varia entre o castanho escuro e o loiro mais claro (Ripley, 1899, p.73).
As dúvidas sobre a homogeneidade somática dos judeus incluem mesmo a época à diáspora. As migrações que ocorreram desde então produziram inúmeros contatos com populações não hebraicas. Muito se tem discutido os efeitos de casamentos e uniões ilegítimas entre judeus e não judeus sobre as modificações físicas das minorias hebraicas. É provável que a atuação desse fato tenha sido menor do que alguns estudiosos afirmam. Mas há casos de conversão ao judaísmo que devem ter contribuído para aumentar a variabilidade somática dos judeus. No século V ocorreu a conversão de algumas tribos Berberes na África Setentrional (Dixon, 1923, p.169) e no século VIII os Khazars foram convertidos ao judaísmo.
Esse povo de cuja história não se conhece a primeira fase, foi talvez um ramo da população da Ásia Central que falava o idioma turco e que, no começo da era cristã, estava penetrando a Europa Oriental. É possível que uma parte dele tenha tido sua origem em uma das antigas populações do Cáucaso. Eles (os Khazars) ocuparam, durante cinco ou seis séculos, grande parte da região setentrional do Cáucaso, entre o Mar Negro e o Mar Cáspio. Sendo um povo urbano e dedicado ao comércio e vivendo sob um governo solidamente constituído, eles formaram um império poderoso cuja influência se fazia sentir até o coração da Rússia, onde os Eslavos mal haviam chegado. Sabe-se que um grande número de judeus se fixou entre os Khazars e estes então se converteram ao judaísmo. No século X, no entanto, os Khazars foram esmagados pelo poder crescente dos Eslavos e dispersos em todas as direções. Nesse povo largamente espalhado, fortemente comercial e convertido ao judaísmo, assim como no grande número de Hebreus vindos do Cáucaso e das divisas setentrionais da Ásia Menor onde tornaram braquicéfalos pelo contato multissecular com as populações circunvizinhas, em todos eles podemos ver, com toda probabilidade, a origem da grande massa dos judeus modernos da Europa Oriental (Dixon, 1923, p. 174).
Não há dúvida de que a vida nos guetos da Europa medieval exerceu influências somáticas sobre as diversas minorias hebraicas. É difícil determinar exatamente essas influências, mas as precárias condições econômicas e sanitárias, a limitação imposta às atividades profissionais contribuíram, provavelmente, para um depauperamento dos organismos. Pode-se mesmo aventar a hipótese de mutações genéticas, as quais, uma vez que não tivessem efeitos letais, teriam encontrado condições favoráveis de fixação e difusão devido ao regime de endogamia local observado durante vários séculos. É possível que em alguns casos, uma combinação de mutações e efeitos seletivos associados a uma severa endogamia tenha produzido linhagens locais (breeds) de relativa homogeneidade. Assim ter-se-ia repetido um processo que muitas vezes foi observado entre populações especialmente segregadas, durante muito tempo, por barreiras geográficas ou sociais. É de se notar, no entanto, que esse processo de homogeneização interna de minorias locais equivale a uma heterogeneização quando postas em confronto com grupos de localidades ou regiões diferentes e segregados uns dos outros.
Mais absurda ainda do que a ficção de uma raça judaica é a opinião de que os israelitas representam um ramo da raça “semítica”. A razão é simples: não existe uma raça “semítica”, mas apenas línguas semíticas. A ficção de uma raça “semítica” figura ao lado de outras criações mitológicas como a raça “ariana”, a raça “latina” e a raça “eslava”.
Qual é a importância do problema racial para a assimilação dos judeus? A crença humana numa origem racial diferente dos israelitas teve consequências nitidamente segregadoras. É que a caracteres somáticos diferenciais se ligam ordinariamente, significados culturais. Supõe-se que “os” judeus sejam culturalmente diferentes porque apresentam certas diferenças físicas. Em outros termos: constrói-se um nexo causal entre supostos ou reais traços somáticos e característicos culturais. Estes seriam condicionados biologicamente e, por isso mesmo, imutáveis. Portanto, qualquer tentativa de assimilação seria infrutífera, pois somente caracteres adquiridos podem ser modificados, nunca, porém traço inatos e geneticamente transmitidos. Temos aí o racismo em uma de suas formas mais genuínas.
Os traços culturais que judeus e não-judeus se atribuem mutuamente são de ordem psíquica: “maneiras de pensar, sentir e agir” que estariam arraigadas na misteriosa estrutura psíquica da “raça”. Cumpre notar que essa atitude racista se encontra não apenas em círculos antissemíticos, mas também entre não poucos judeus4. Esta, como qualquer outra forma de racismo implica a crença na própria “superioridade” racial e na “impureza” e “inferioridade” dos outros.
Em ambos os lados, o preconceito racial e as reações que se lhe associam, variam grandemente em forma e intensidade. Pode-se dizer mesmo que ele é completamente inexistente entre muitos judeus e não judeus. São justamente essas variações que complicam extraordinariamente o problema da assimilação.
A ficção da homogeneidade cultural dos judeus. É comum chamar os judeus de um “povo” ou, às vezes, de um “povo sem território”. As ideias que se associam a essa concepção são variadas e nebulosas. O conceito de povo abrange implicitamente um certo grau de homogeneidade cultural que os judeus, contrariamente ao que muitos pensam, absolutamente não possuem. É óbvio que a religião comum não é uma qualidade suscetível de justificar a classificação dos judeus como um povo. Ninguém se lembraria de denominar o conjunto de todos os indivíduos de religião católica ou maometana, “povo católico” ou “povo maometano”, pois sabe-se que muitos povos culturalmente heterogêneos compartilham dessas duas religiões.
A diferenciação cultural dos judeus reveste um tríplice aspecto, de acordo com uma série de fatores históricos e sociais.
É óbvia a inter-relação entre as três divisões, sobretudo entre a segunda e a terceira.
Ad. 1 - Sefardim e Aquenazim. Os Sefardins que representam um décimo, aproximadamente, de todos os judeus, são os descendentes de judeus espanhóis e portugueses expulsos da península ibérica no século 15. Eles se fixaram na África do Norte, Palestina, Smirna, na península Balcânica, na França meridional, Itália, Holanda, Inglaterra, Alemanha, Dinamarca, Áustria e Hungria.
“Em geral, os Sefardim consideram-se como espécie de aristocracia, permanecendo mais ou menos segregados dos demais judeus e pretendendo ser os descendentes mais puros dos primitivos hebreus” (DIXON, 1923, p. 163).
Parte dos Sefardins deixou o Velho Mundo e dirigiu-se para a América em cujos centros urbanos mais importantes se encontram atualmente comunidades hebraicas desse tipo.
Na Idade Média, os judeus ibéricos desfrutavam de um status social que os distinguia muito dos demais judeus da Europa. Eles podiam ser proprietários de terras, não eram obrigados a viver em guetos e não poucos conseguiram elevar-se na escala social chegando a ocupar posições de influência na vida política e comercial da Espanha e de Portugal. Não poucos assimilaram-se completamente (WIRTH, 1928, p. 131).
Cumpre notar também que o próprio nome Sefardim se refere a diferenças religiosas que separam os judeus de origem ibérica dos Asquenazins.
Perseguidos e expulsos da península ibérica, os Sefardins “mantinham sua vida religiosa e suas tradições, produtos de um meio de relativa liberdade que os fazia encarar os Asquenazins como grupo muito inferior” (WIRTH, 1928, p. 131-132)5. Embora pobres na maioria, conservavam a antiga “grandeza” espanhola evitando certas profissões que tanto desprezo haviam acarretado aos judeus em geral.
Preservaram não somente a dignidade espanhola, mas também o idioma espanhol e este com tanto carinho e com tamanha tenacidade que tem permanecido surpreendentemente puro até hoje. Deve ser lembrado que o idioma judeu-espanhol está longe de ser tão corrompido quanto o judeu-alemão (THE JEWISH ENCYCLOPEDIA, 1905, p. 197).
Em muitas colônias Sefardins fundaram-se escolas em que o castelhano era a língua didática (THE JEWISH ENCYCLOPEDIA, 1905, p. 198). A assimilação dos judeus ibéricos havia chegado a ponto de, exilados da Espanha e de Portugal, perpetuarem o folclore ibérico e muitos outros elementos materiais e não materiais da cultura ibérica. Às particularidades religiosas associaram-se-lhes os característicos culturais, ambos suficientes para segregá-los com relação a grupos Asquenazins:
Embora os Sefardins vivessem em paz com outros judeus, raramente se casaram com eles, nem se lhes uniram para fazer formar congregações, mas aderiram a um ritual próprio que era bem diferente do Asquenázico. Onde quer que judeus Sefárdicos se fixassem, eles se agruparam de acordo com o país ou distrito de onde vieram, instalando comunidades separadas com estatutos legalizados. Em Constantinopla e Salônica, por exemplo, havia não somente congregações castilianas, aragonesas, catalânicas e portuguesas, mas também congregações compostas de indivíduos de Toledo, Córdoba, Évora e Lisboa (THE JEWISH ENCYCLOPEDIA, 1905, p. 198).
Portanto: os laços que os prendiam às culturas regionais e locais da península ibérica eram tão fortes que lhes influenciaram até a constituição das comunidades religiosas.
Ad. 2 - Grupos nacionais de israelitas. As diferenças que caracterizavam os diversos guetos faziam-se sentir, principalmente, na maneira e no grau de participação dos judeus na cultura circundante. O que lhes era permitido num país, o outro lhes vedava, havendo, não raro, diferenças consideráveis de cidade para cidade. A segregação cultural e espacial dos judeus criava condições propícias a movimentos como o cabalismo e chassidismo que agiam no sentido centrípeta, impermeabilizando inúmeras comunidades judaicas da Europa Oriental, com relação à cultura “cristã”. Entretanto, em França e na Alemanha, os contatos com as culturas nacionais se multiplicavam e levavam ao desaparecimento de alguns traços distintivos do judaísmo. A equiparação dos judeus com outros cidadãos deu-se, nos países europeus, em datas bastante distantes umas das outras, como mostra a seguinte Tabela:
Não foi apenas a possibilidade de participar, em grau variável, das culturas nacionais, mas também o próprio desenvolvimento dessas culturas, que explica grande parte das diferenças que se observam entre os judeus dos diversos países europeus. A atração que as culturas nacionais exerciam sobre as minorias israelitas aumentava de Leste para Oeste. O próprio movimento de “iluminação”, encabeçado por Moses Mendelssohn, nasceu no Oeste e penetrou, lentamente, os países orientais. Todavia, também entre eles, as diferenças eram acentuadas a ponto de criar diferenças culturais, por exemplo, entre judeus bálticos e judeus poloneses. Atualmente, essas diferenças refletem-se nos preconceitos, mais ou menos acentuados, com que esses judeus se consideram mutuamente. Os grupos mais assimilados eram ou são mais franceses, mais ingleses, mais alemães e etc. do que judeus. A experiência sionista confirmou mais uma vez essa observação: Em Tel-Aviv, por exemplo, a solidariedade entre os diversos grupos nacionais foi notada por muitos observadores, embora se pudesse supor que os círculos sionistas consistissem de israelitas menos assimilados.
Ad. 3 - Classificação dos judeus segundo o grau de distanciamento da cultura israelita.
Baseado principalmente no critério da aculturação, Arthur Ruppin (1913) dividiu os judeus em quatro categorias. Embora um tanto antiquada nas suas informações quantitativas, essa classificação ainda possui algum valor se deixarmos de lado as modificações trazidas pela atual guerra. Ruppin (1913) distingue:
O esquematismo dessa classificação pode ser objeto de críticas. Provavelmente havia, em 1913, grupos que não se enquadravam na divisão proposta por Ruppin (1913). Certo, porém, é que havia grupos mais ou menos assimilados e centenas de milhares de famílias judaicas não se distinguiam culturalmente do meio em que viviam, pois compartilhavam a atitude agnóstica com outros tantos milhares de concidadãos não-judeus dos diversos países ocidentais.
A cultura judaica como realidade e ficção. No século XIX, a atitude para com as minorias israelitas entrou numa fase de lenta transformação. Abolidas a segregação compulsória e as discriminações jurídicas, esperava-se que os judeus se assimilassem. Todavia, essa expectativa era hesitante e cheia de contradições. O antissemitismo continuava e o século XIX foi rico em pogroms e perseguições. Os mesmo círculos que desejavam ou exigiam a assimilação dos judeus, não desejavam os assimilados cujo aparecimento na vida pública e profissional lhes significa uma competição incômoda. Apesar da equiparação jurídica, os judeus continuavam excluídos de facto de não poucos cargos ou profissões. Essa ambivalência de atitudes, que oscilavam entre a tolerância completa e o mais estreito antissemitismo, não podia deixar de dividir também as opiniões dos próprios judeus quanto à conveniência da assimilação. Entre eles havia “assimilacionistas” de todos os matizes, judeus, liberais, ortodoxos e, enfim, os sionistas. No meio de tanta incerteza, a assimilação continuava. Na Alemanha e Áustria (anteriores a 1914), encorajavam-se as conversões e milhares de judeus fundiram-se completamente na população. Uma análise mais acurada, no entanto, merecem os milhões de judeus que aceitaram a cultura de seus países, mas continuaram fieis à religião judaica. Geralmente, a opinião pública dos países ocidentais tende a considerar esses judeus como “não-assimilados”. Pessoas que assim pensam nem sempre parecem estar conscientes das implicações e consequências dessa maneira de encarar o problema da assimilação dos judeus.
Em primeiro lugar: não é possível fazer generalizações quanto ao número ou à espécie de valores culturais que simbolizam a integração numa cultura nacional. A religião pode estar entre esses valores, sobretudo em países onde existe uma ligação entre trono e altar, como na antiga Prússia, no Brasil imperial, na Rússia tzarista ou na monarquia austríaca. Nesses países, à nacionalização associava-se a adoção da religião oficial do país. Mas parece tratar-se de uma fase que pertence ao passado. Entre os símbolos nacionais da maioria dos países ocidentais deixou de figurar a religião. Em países americanos que receberam grandes contingentes de imigrantes de procedência variada, o número de igrejas e seitas multiplicou-se de tal maneira que qualquer tentativa de elevar uma delas à categoria de igreja nacional significaria apenas uma ameaça muito séria à solidariedade nacional. Em geral, os imigrantes conservaram seus credos religiosos e estes se acrescentaram ao número de igrejas já existentes nos diversos países de adoção. As expectativas de assimilação não abrangem, em geral, o abandono da fé da parte do imigrante e sua conversão a uma determinada religião. No Brasil, por exemplo, ninguém espera seriamente que os descendentes de certos imigrantes deixem de ser protestantes, maronitas, ortodoxos ou maometanos. Não estamos afirmando que, em determinadas circunstâncias, a conversão religiosa não possa ser considerada como índice de assimilação. Nem todos os índices de assimilação correspondem realmente a expectativas de comportamento e a conversão está entre as ações simbólicas incidentais, com referência à assimilação.
Sendo assim, as expectativas que se referem aos credos religiosos trazidos pelos imigrantes não se aplicam à religião israelita. Pois à medida que a opinião pública toma conhecimento de questões ligadas à existência de “colônias” judaicas no Brasil, ela usa pesos e medidas diferentes, esperando ou mesmo exigindo que “o judeu se assimile abjurando sua crença religiosa e casando-se com brasileiros”. O mero fato de os judeus formarem comunidades religiosas próprias e seguirem preceitos endógamos parece significar, no modo de pensar de não poucas pessoas, “enquistamento”. É sabido que todas as igrejas cristãs procuram impor a seus fieis normas endógamas. A Igreja Católica proíbe terminantemente casamentos com não-cristãos, permitindo consórcios com pessoas de outros credos cristãos somente sob determinadas condições. Todas essas formas de endogamia não teriam as consequências que certa corrente da opinião pública parece atribuir à endogamia dos judeus. Pois esta, associada à prática da religião israelita, parece obstar, irremediavelmente, à assimilação.
É muito difícil saber se nessa expectativa diferencial há simplesmente um equívoco ou uma atitude antissemita. É possível que haja um pouco de ambos, pois parece improvável que a propaganda antissemita não se tenha infiltrado no Brasil e, de outro lado, o observador menos prevenido geralmente não distingue a cultura estritamente religiosa de outros elementos culturais de origem vária. Há, no Brasil, ao lado de imigrantes antigos, uma imigração israelita recente oriunda da Polônia, Rússia, de países bálticos, balcânicos e, ultimamente, também da Alemanha, Áustria, Itália, França e outros países invadidos pelos alemães. Esses judeus falam ídiche, alemão ou qualquer outra língua nacional e muitos de seus hábitos têm sua origem nos guetos orientais ou nas culturas nacionais de que procedem. Não há relação intrínseca entre esses hábitos e a cultura religiosa que os imigrantes trouxeram. Se a maioria deles está decidida a perpetuar a sua fé, o mesmo já não se pode afirmar da língua, do vestuário, de hábitos alimentares e de hábitos mentais funcionalmente ligados à cultura de origem. Nada justifica a suposição de que a assimilação, nesses setores, seja mais difícil ou mais demorada do que entre imigrantes de outras procedências. E, naturalmente, entre os judeus que ainda se sentem ligados à sua igreja não existe nenhuma prevenção contra casamentos com brasileiros, contanto que estes sejam judeus. Se o judaísmo representa apenas um sistema religioso para muitos milhões de israelitas (e este é o caso a que nos estamos limitando), a qualidade de judeu não é incompatível com a qualidade de brasileiro. Essa conclusão é válida se a premissa é válida, se entre os símbolos da nacionalidade deixou de figurar a religião.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIXON, Roland B. The Racial History of Mankind. New York e Londres: Charles Scribner’s Sons, 1923.
GOLDBLATT, David. The Jew and His Language Problem. Nova York, 1943.
HESS, Moses. A Study in Jewish Nationalism. Rome and Jerusalem. Nova York: Bloch, 1943 [1862].
REGNAULT, F. Il n’y a pas une race juive. Revue Anthropologique, pp.390-393. 1932.
RIPLEY, W.Z. The Races of Europe. Nova York: Appleton and Co., 1899.
RUPPIN, Arthur. Jews of Today. Londres: Kessinger Publishing, 1913.
SOMBART, Werner. The Jews and Modern Capitalism. Londres: Fisher Unwin, 1913.
THE JEWISH ENCYCLOPEDIA. The Jewish Encyclopedia. Vol. XI. Londres e Nova York: Funk and Wagnalls Co., 1905.
WIRTH, Louis. The Ghetto. Chicago: University of Chicago Press, 1928.
Notas