RESENHA

Política migratória e os Direitos Humanos das pessoas migrantes: um olhar a partir da experiência do México

Migration Policy and the Human Rights of migrant people: a overview from Mexico

Anaxsuell Fernando Silva
Universidade Federal da Integração Latino-Americana

Política migratória e os Direitos Humanos das pessoas migrantes: um olhar a partir da experiência do México

Plural - Revista de Ciências Sociais, vol. 27, núm. 2, pp. 377-381, 2020

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

LÉON Vera C. B.. Política migratória y derechos de los migrantes en Mexico. 2018. México. FLACSO

Recepção: 30 Outubro 2019

Aprovação: 10 Fevereiro 2020

A temática da migração tem, nos últimos anos, ocupado um espaço privilegiado na pauta das instituições internacionais de defesa dos direitos fundamentais, sobretudo quando consideramos as questões em torno da segurança e da integração das pessoas migrantes em atividades econômicas e culturais. Desde meados do século XX, temos acompanhado a criação de espaços de discussão e cooperação entre as nações para subsidiar a construção de marcos normativos que assegurem a proteção dos diretos humanos nas zonas de influência das nações que subscrevem tais acordos. Nessa direção, a defesa desses dispositivos, por sua carga de legitimidade política, tem moldado instituições dos países que condensam em suas estruturas jurídicas nacionais os tratados internacionais firmados.

Se no plano discursivo e jurídico o direito dos migrantes - semelhante a outras formas de direitos humanos - estão assegurados por meio dos compromissos de validade jurídica dentro de cada Estado Nacional, na prática os países têm encontrado dificuldade para assegurar a proteção e a inclusão de populações estrangeiras no interior do seu território. No plano operativo, as deficiências institucionais e as resistências sociais para efetivação da proteção e integração das populações migrantes como preveem os tratados, caminham lado a lado.

O México, nos últimos anos, produziu importantes modificações nas políticas migratórias, e a relação destas com os Direitos Humanos, tanto no âmbito discursivo, quanto no legislativo e institucional tem atraído a atenção de pesquisadores preocupados em compreender as dinâmicas sociais em torno dos direitos das pessoas migrantes.

É nesse cenário intelectual e social que Velia Cecília Bobes León nos presenteia com: Política migratoria y derechos de los migrantes em México. O livro, de 212 páginas, é uma coletânea com seis capítulos nos quais encontramos algumas reflexões conclusivas do projeto de pesquisa Política y gestión migratória em México: câmbios recientes e impacto sobre la población extranjera realizado no âmbito da Sede mexicana da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO). A publicação é uma estimulante discussão em torno da atual política migratória e, de maneira específica, a respeito dos direitos dos migrantes no México.

O ponto de partida da análise é a tentativa de tessitura de um marco teórico geral que relacione migração e Direitos Humanos. Essa relação é, ao longo do livro, abordada a partir de dois eixos analíticos principais: primeiro, a inclusão explícita dos migrantes como sujeitos de direitos no marco normativo legal do México e, como derivação desta, a adoção de políticas migratórias com perspectiva dos direitos humanos.

A Introdução foi escrita pela organizadora da publicação, Velia Cecilia Bobes León que é doutora em Ciências Sociais com ênfase em Sociologia pelo Colégio de México e mestre pela Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO) - mesma instituição em que trabalha hoje como Professora Investigadora. Nela, a autora coloca a discussão em perspectiva histórica e demarca a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias1 somados a outros instrumentos internacionais2 como primeiros esforços coletivos para que os Estados incorporassem os princípios protetivos dos direitos humanos dos migrantes às suas políticas de gestão.

No capítulo um Enfoque de derechos humanos y migración, escrito por Sandra Serrano e Daniel Vazquez, ambos professores da Universidade Autonoma do Mexico (UNAM), encontramos uma exposição minuciosa a respeito das bases teóricas fundamentais para interpretar a situação atual dos direitos dos migrantes. O enfoque dessa seção está na necessidade de promoção de uma cultura de direitos humanos que considere os padrões internacionais. Os autores destacam as obrigações dos Estados Nacionais (respeitar, garantir, proteger e promover), integrando os aspectos institucionais (disponibilidade, acessibilidade, qualidade e aceitabilidade) com os princípios de aplicação (núcleos de direitos, progressividade e maximização do uso dos recursos disponíveis). Em linhas gerais, neste capítulo, empreende-se uma análise que demarca a compreensão das necessidades e particularidades das pessoas migrantes partindo dos princípios de universalidade, igualdade e não discriminação. E, ao fazê-lo, nos ajuda a compreender os direitos humanos dos grupos vulnerabilizados.

No capítulo dois - Protección e inclusión del extranjero em México: la institucionalización de los derechos humanos del migrante (2007 - 2016) - Luis Alberto Peniche Moreno, mestre em Ciências Sociais pela FLACSO/México e pesquisador de doutorado na Universidade Autônoma do México, discute o grau de institucionalização dos direitos humanos para os migrantes no México e o faz a partir da análise das denúncias feitas no domínio da Comissão Nacional de Direitos Humanos. Moreno também considera as recomendações dadas como respostas a tais questões. Desde sua criação, a referida comissão investiga e documenta abusos e violações dos Direitos Humanos.

No que tange às pessoas migrantes, essa comissão criou instâncias especializadas em violações de direitos que têm se pronunciado tanto em nível geral, quanto em casos específicos. Este cenário permitiu ao autor do capítulo uma avaliação distinta dos avanços dos mecanismos de proteção, ao mesmo tempo que dimensiona os elementos de fragilização e exclusão que persistem nesses mecanismos institucionais. Para o pesquisador da UNAM, é possível delimitar marcadores temporais em torno de dois períodos: 2007-2011 e 2011-2016. Essa diferenciação está associada a um período anterior e posterior da aplicação de novo marco normativo da política e gestão migratória no México.

É com objetivo de explorar os impactos desse referido marco normativo e institucional sobre os migrantes que o capítulo três compõe o livro. Nomeado de Migrantes de tránsito: (des)protección, exclusión y (no) acceso a derechos, ele foi escrito pela organizadora da publicação Velia Cecilia Bobes León. Neste, merece destaque a análise do grau de acesso e exercício dos Direitos Humanos dos migrantes em trânsito no México. O ponto de partida é a percepção e experiência das pessoas envoltas nesses processos de deslocamento. A autora põe em relevo a compreensão dos próprios migrantes a respeito de como são recebidos pelo Estado e sociedade mexicana, atualmente. Ao longo do texto, nos deparamos com as experiências dos migrantes e a forma como estes se relacionam com os mecanismos que os protegem (direito à integridade pessoal, ao devido processo e acesso à justiça; direito à igualdade e não-discriminação, garantia de direitos econômicos e sociais como saúde, moradia, trabalho, alimentação, educação e promoção de direitos). A adoção de uma perspectiva qualitativa permitiu acessar as percepções das pessoas migrantes em torno das circunstâncias de permanência no país e o tratamento recebido seja das autoridades, seja da sociedade em geral. Assim, este capítulo fornece um ótimo panorama a respeito dos obstáculos em torno da inclusão social, das formas de discriminação e exclusão em razão da origem nacional ou étnica e da condição migratória.

O capítulo quatro Política migratoria y protección a población extranjera: el caso del riesgo por fenómenos naturales em el sur de México - escrito por Jesús Peña Muñoz, professor pesquisador do Colégio da Fronteira Norte - concentra-se em discutir a política migratória do Estado mexicano relacionando a migração internacional e a proteção ante os riscos causados por perigos naturais. O autor parte dos estudos que analisam a mudança climática como causa da mobilidade humana e questiona a existência de poucos trabalhos preocupados em enfocar a relação entre migração internacional e perigos naturais. Sua abordagem ao tema é a partir de Soconusco, Chiapas, uma região caracterizada por uma série de ameaças naturais, as quais são tão diversas quanto frequentes e impactam decisivamente seu território derivando em fluxos migratórios densos. O argumento de Jesus Peña Muñoz é que a incompreensão acerca dos desastres ambientais e seu papel na migração resulta em uma desatenção à proteção à população migrante por parte das autoridades do governo. Por fim, o autor propõe ampliar o enfoque de segurança humana da política migratória mexicana para incluir os riscos derivados dos perigos naturais.

Del discurso a la acción em el derecho al libre tránsito para la población extranjera residente em México, é o título dado ao capítulo cinco do livro. Ele é resultado da reflexão da doutora em Geografia da Universidad Nacional Autónoma de México, Ana Melisa Pardo Montaño. O tema do capítulo é o direito ao livre trânsito e os problemas de sua aplicação. A autora discute nuances de discricionariedade, por parte do Estado Mexicano, na entrada de pessoas com distintas origens nacionais - ela destaca os colombianos, venezuelanos e peruanos. Ao longo do texto, são caracterizadas as problemáticas sofridas por grupos de pessoas que residem ou transitam pelo México e como estes estão à mercê de critérios pouco objetivos dos funcionários governamentais que arbitram sobre quem entra ou não no país. O argumento final da autora é que são as categorias de nacionalidade, raça e condições socioeconômicas os elementos que marcam o acesso ao direito de livre trânsito no México.

O direito dos migrantes cubanos no México é o tema levantado no último capítulo do livro. Chamado de Migración y acesso a derechos: una perspectiva analítica desde la realidade de los migrantes cubanos em México e escrito por Leduan Ramirez Pérez, pesquisador da FLACSO México. O ponto de partida é a análise da política e da legislação mexicana com as questões em torno das relações bilaterais Cuba-México. Ao longo do percurso argumentativo o autor analisa as fragilidades dos migrantes cubanos que elegem o país latino-americano do norte do continente como destino. A pesquisa na qual se sustenta o texto é feita a partir de entrevistas com migrantes cubanos em diferentes cidades do México e por meio desse instrumento chega a uma cuidadosa caracterização das percepções destas pessoas a respeito dos seus direitos, as formas de acessá-los e as estratégias adotadas para melhorar sua inclusão e adaptação na nação receptora.

O livro se propõe e efetivamente cumpre a promessa de oferecer um elucidativo panorama das modificações em torno das políticas migratórias e a relação destas com os Direitos Humanos, tanto no âmbito político e discursivo, quanto no legislativo e institucional. Os diferentes autores fazem uso, cada um ao seu modo, de vasto repertório teórico-metodológico, o que nos permite não apenas pensar algumas das principais questões migratórias do México, mas também contrastar as pesquisas mencionadas com os estudos migratórios brasileiros. O leitor estudioso ou não do direito, compreenderá o panorama apresentado no livro que descreve minuciosamente as mudanças registradas em torno dos marcos normativos, e o faz de maneira analítica uma vez que discute os avanços e aspectos positivos ao mesmo tempo que explicita a prevalência de muitas limitações e brechas no tratamento das pessoas migrantes.

Na minha perspectiva, este é o maior mérito da publicação: sustentar a partir das análises de casos pontuais ou através da avaliação da estrutura jurídico institucional as fragilidades na política de direitos aos migrantes e como no contexto dessas fragilidades emerge a impunidade e a violação de direitos. O livro Política migratoria y derechos de los migrantes em México, ainda que não seja contundente nas alternativas apresentadas, é exitoso em dissertar a respeito da necessidade de uma política de integração que efetivamente considere a população migrante sem acepção de origem, raça ou de condição migratória. E, por isso, trata-se de uma leitura necessária tanto aos migrantólogos quanto aos estudiosos ou ativistas de direitos humanos.

Notas

1 Adotada pela Resolução 45/158 da Assembleia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1990.
2 Aqui merece destaque o Protocolo contra o Tráfico ilícito de Migrantes por terra, mar e ar (2000) e os acordos da Conferência Regional sobre Migração (2003).
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