RESENHA
SHANTZ Jeff. Green Syndicalism: An Alternative Red/Green Vision. 2012. New York. Syracuse University Press |
---|
DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2016.114639
Os argumentos apresentados por Jeff Shantz em Sindicalismo verde: uma visão alternativa vermelho/verde servem a um duplo propósito. Do ponto de vista teórico, a obra sugere um programa de pesquisas empíricas focadas nas experiências de trabalhadores que incorporaram demandas ambientalistas em suas práticas sindicais. A documentação e análise desses movimentos forneceria elementos para discussões teóricas acerca da formação da consciência de classe segundo parâmetros em que a opressão do sistema capitalista não seria percebida unicamente como usurpação dos frutos do trabalho, mas também como degradação ecológica. Já do ponto de vista da praxis política, essas investigações associam-se ao objetivo de verificar o potencial para a formação de coalizões em que ativistas ambientais e setores do operariado possam reconhecer-se mutuamente enquanto aliados contra a exploração da natureza característica das sociedades industriais avançadas.
A princípio, a formação de uma aliança política entre trabalhadores e ambientalistas poderia ser encarada como uma decorrência lógica das consequências negativas da produção capitalista de mercadorias, que recaem paralelamente sobre a mão de obra e sobre os ecossistemas. A ascensão dos movimentos ecologistas na Europa e nos Estados Unidos ao longo das décadas de 1960 e 1970 demonstrou, no entanto, que não existe qualquer coalizão automática entre sindicatos operários e organizações “verdes”. Mais do que isso, difundiu-se entre ecologistas a percepção de que os sindicatos constituem um dos pilares das ideologias desenvolvimentistas responsáveis pela integração dos trabalhadores aos padrões consumistas das sociedades industriais, ao mesmo tempo em que se difundiu nos meios sindicais a representação do ecologista como um indivíduo alheio à insegurança ocupacional e às demais preocupações materiais dos trabalhadores. Nesse sentido, o sindicalismo verde, tal qual apresentado por Shantz, teria como um de seus eixos principais a superação da contradição jobs versus environment.
A estratégia adotada por Shantz para definir o sindicalismo verde consistiu em estabelecer diferenciações teórico-metodológicas com pressupostos do marxismo economicista, dos escritos sociológicos sobre os “novos movimentos sociais” e representantes da “ecologia profunda”. Em primeiro lugar, Shantz corrobora os questionamentos dirigidos por autores como Laclau e Mouffe (1985) contra a redução, efetuada pelo marxismo economicista, da pluralidade dos conflitos societários à antinomia capital-trabalho. Eles sublinharam que os atores sociais se mobilizam e se organizam em torno de questões identitárias (gênero, etnia, orientação sexual, preocupação ambiental, hábitos alimentares) amalgamadas em valores que possuem uma dinâmica própria. Além de essas questões possuírem uma autonomia relativa perante determinações de cunho econômico, subsumir a multiplicidade de atores aos discursos teleológicos que afirmam a hegemonia e a missão histórica do proletariado nas lutas emancipatórias significaria também negar aos portadores dos novos movimentos sociais o protagonismo político por eles reivindicado.
Em segundo lugar, Shantz retoma os princípios da convivencionalidade e do biocentrismo desenvolvidos por vertentes diversas da ecologia profunda como pontos de apoio para distinguir o sindicalismo verde do sindicalismo mainstream. Por um lado, o sindicalismo verde reivindicaria as práticas alternativas e libertárias dos movimentos ecologistas enquanto contraponto aos mecanismos de disciplina impostos pela megamachine. Os operários poderiam desenvolver uma perspectiva crítica à exploração capitalista da natureza não em razão, mas apesar da disciplina que lhes é imposta nas fábricas. As concepções da ecologia profunda serviriam, portanto, como orientação para práticas contra-hegemônicas e antagônicas àquelas funções repetitivas e alienantes que atuam como via de adestramento para os valores difundidos pelas sociedades industriais (BOOKCHIN, 1980). Por outro lado, o viés biocêntrico dos ecologistas radicais constituiria uma baliza para a crítica da dicotomia entre homem e natureza que fundamenta o modelo vigente de exploração dos recursos naturais e a utilização do meio ambiente como escoadouro para os dejetos tóxicos da produção industrial. Segundo Schantz, o potencial emancipatório da ação sindical dependeria fundalmentalmente da capacidade dos trabalhadores de problematizar as relações humanas com a natureza como relações de exploração.
No entanto, Shantz identifica desequilíbrios tanto nas teorias sociológicas acerca dos novos movimentos sociais como nas proposições da ecologia profunda. Embora o movimento feminista, as marchas pelos direitos civis dos negros e a contracultura ambientalista tenham legitimidade própria e não possam ser reduzidos a uma única lógica binária fundada nas relações de produção, parte da teoria sociológica incorreu no extremo oposto de negar qualquer peso às determinações específicas de classe.
É necessária uma abordagem que escape tanto ao culturalismo acrítico - como nos escritos sobre os novos movimentos sociais - quanto ao determinismo econômico ao qual frequentemente as análises marxistas sucumbiram, olhando para a imbricação dos significados culturais e experiências políticas dos movimentos sociais (SHANTZ, 2012, p. 21).
Shantz dirige uma crítica análoga à ecologia profunda, pois a ênfase desta na oposição homem-natureza mascara a integração existente entre processos de degradação ecológica e problemas de dominação, privação e exclusão social. Não apenas porque os estratos sociais inferiores costumam ser os mais afetados pela poluição, mas também porque as decisões estratégicas acerca da produção industrial e agrícola estão concentradas na reduzida camada de proprietários e managers. Em resumo, os discursos que responsabilizam de maneira abstrata o conjunto da humanidade pela destruição do planeta subscrevem, no limite, a afirmação irrazoável de que uma camponesa do Bangladesh afeta o meio ambiente da mesma maneira que o presidente da ExxonMobil.
Além das polêmicas teórico-metodológicas, Shantz explicita a ideia de sindicalismo verde por meio da descrição de um caso exemplar. No terceiro capítulo, o autor relata a experiência dos ativistas ambientais agrupados em torno da organização Earth First, que se baseou em métodos de ação direta para confrontar a indústria madeireira do Norte da Califórnia no final da década de 1980. Num primeiro momento, as relações entre conservacionistas e trabalhadores madeireiros estiveram permeadas de animosidade porque os últimos eram vistos como cúmplices dos empresários na derrubada de sequoias, ao passo que os ambientalistas eram hostilizados pelos trabalhadores em virtude da ameaça que estes representavam à manutenção de seus empregos. A tática adotada pelos membros de Earth First consistia, então, em fincar pregos nas sequoias [tree-spiking] de modo a comprometer o valor comercial da madeira sem, contudo, prejudicar a fisiologia das árvores. Tais ações de ecossabotagem colocavam, porém, os trabalhadores em risco e foram responsáveis por um acidente que quase custou a vida do carpinteiro George Alexander.
De acordo com Shantz, o cenário mudou de figura quando Judi Bari, militante ecofeminista, interveio para promover a aproximação entre Earth First e os sindicalistas da Industrial Workers of the World (IWW). Sua intenção era superar a contradição jobs versus environment a partir de uma coalizão sindical ampla e capaz de pressionar a indústria madeireira por melhores salários e condições de trabalho para os funcionários, além de cobrar a adoção de práticas ecologicamente mais adequadas. Isso contribuiu decisivamente para que os trabalhadores deixassem de ser alvos de ecossabotagem para se converter, eles próprios, em ecossabotadores.
O primeiro passo é parar de culpar os madeireiros e carpinteiros pela destruição do planeta. As companhias madeireiras tratam essas pessoas da mesma maneira que tratam as florestas - como objetos de exploração para o máximo de lucro. Não conseguiremos formar uma aliança dizendo “ei, trabalhador, venha nos ajudar a salvar as árvores”. Nós temos que entender que suas condições de trabalho são indissociáveis da violência contra as florestas (BARI apudSHANTZ, 2012, p. 78).
As referências a Judi Bari e à coalizão Earth First/IWW cumprem, ao longo da obra, o papel de destacar a viabilidade de mobilizações que associem demandas trabalhistas e ecológicas, formuladas a partir da colaboração entre operários de “colarinho azul” e ativistas ambientais nos próprios locais de trabalho. Além disso, Shantz referencia-se nessa experiência para discutir as concepções e práticas do sindicalismo verde em oposição ao sindicalismo tradicional.
Aos seus olhos, o sindicalismo norte-americano e europeu - especialmente com a ascensão do Estado de bem-estar social no período pós-guerras - deixou-se contagiar pelas ilusões do progresso. A partir do momento em que os ganhos de produtividade foram convertidos em aumento de salários e cláusulas de seguridade social em proveito dos trabalhadores, os sindicatos e partidos social-democratas teriam aderido às ideologias do crescimento ilimitado, sem atentar para a maior complexidade dos fenômenos de degradação ambiental nesse período. Mesmo com as crises sociais e o agravamento das questões ecológicas que se seguiram aos governos de Reagan e Thatcher, os sindicatos tradicionais continuaram girando em torno daquele ideário da produção centralizada e em larga escala, voltada para a produção em massa. Ao fim e ao cabo, tanto organizações social-democratas como socialistas mantiveram-se apegadas ao otimismo de um suposto potencial libertador promovido pelo industrialismo.
Nesse sentido, uma lacuna importante da obra de Shantz é oferecer apenas algumas pistas, e não uma discussão de maior fôlego, sobre as medidas de reestruturação da economia capazes de promover uma nova configuração societária alinhada com as premissas do sindicalismo verde. Assim, o abandono da ideologia do crescimento ilimitado viria acompanhado de um amplo processo de desindustrialização da economia, que preservaria somente as empresas responsáveis pela produção daquilo que poderíamos denominar bens de uso ambiental. Certas oficinas e procedimentos industriais continuariam a ser necessários, do contrário “como as bicicletas e moinhos de vento continuariam sendo produzidos?” (SHANTZ, 2012, p. 169).
Em termos genéricos, Shantz argumenta que a reconstrução da economia estaria baseada na produção de comida e na provisão de energia em bases sustentáveis, juntamente com atividades de recuperação e monitoramento dos danos ecológicos. Já a contrapartida política desse processo estaria baseada na substituição dos Estados-nação por comunidades biorregionais, mas sem que o autor indique por quais mecanismos ou entidades regulatórias seria garantida a integração política e econômica entre tais comunidades.
Não seria incorreto afirmar que o sindicalismo verde, tal como apresentado por Shantz, consiste numa reatualização histórica do anarcossindicalismo francês sob o enquadramento da questão ambiental. Em primeiro lugar, porque o sindicalismo verde apresenta-se como um movimento de contracultura, de modo que a perspectiva de enraizamento do biocentrismo nos meios operários pretende-se como um desafio à moralidade burguesa. A substituição do olhar instrumental do operário em relação à natureza por experiências embasadas nas concepções de interconectividade, mutualismo e continuidade apareceria, então, como fundamento de uma práxis sindical subversiva.
Em segundo lugar, porque a definição de sindicalismo verde também está ancorada na crítica das experiências históricas de burocratização das organizações operárias. A adesão dos sindicatos às ideologias produtivistas seria, no entender de Shantz, indissociável do processo de concentração de poder decisório nos organismos de direção e do movimento paralelo de afastamento entre as lideranças e suas bases. A defesa do princípio de autogestão, juntamente com a aposta nos métodos de ação direta, são conclusões resultantes desse diagnóstico. Por um lado, os mecanismos de autogestão permitiriam aos trabalhadores substituir os imperativos de lucratividade por critérios que reorganizassem os processos produtivos de maneira mais integrada com os fluxos de equilíbrio dinâmico dos ecossistemas. Por outro lado, em associação com os métodos de ação direta, responderiam tanto pela eficácia das lutas ecossindicais como ao propósito de assegurar que o protagonismo das bases trabalhadoras não se visse sequestrado pela formação de organismos centralizadores de direção.
Os leitores de Shantz perceberão, contudo, que a definição de sindicalismo verde proposta por ele é nitidamente orientada de acordo com suas inclinações anarcossindicalistas. Além disso, os questionamentos acerca da viabilidade de uma coalizão política entre operários e ativistas ambientais não figuram como uma contribuição propriamente original de Shantz, uma vez que a tradição do neomarxismo na sociologia ambiental, representada por Schnaiberg e Gould (1994), já havia discutido anteriormente os interesses comuns de trabalhadores e ambientalistas na superação do industrialismo. Mesmo a conceitualização metafórica do produtivismo capitalista - megamachine em Shantz, linha de produção em Schnaiberg - representaria um ponto de contato no campo mais amplo da crítica ecológica anticapitalista. Embora o foco de Shantz recaia sobre os métodos de luta específicos do sindicalismo verde, enquanto Schnaiberg dedica maior atenção ao incontornável trade-off entre preservação ecológica e bem-estar material, ambos convergiriam em afirmar que a emergência de um modelo econômico não predatório dependeria da decentralização democrática do poder decisório, de modo que os trabalhadores deslocariam proprietários e managers de suas posições de controle para orientar a produção segundo critérios ambientais alternativos à autorreprodução expansionista do capital.
O aspecto de originalidade presente na obra de Shantz consiste em fornecer referências para a fundamentação de um programa de pesquisas que investigue a formação histórica da consciência de classe ambiental em setores do operariado. É claro que essa formação não se apresenta como um processo inelutável, mas como uma tendência plausível em vistas da escalada dos processos de degradação ambiental e do fato de que os trabalhadores, especialmente aqueles dos países em desenvolvimento, permanecerão entre os grupos mais afetados pelos desequilíbrios ecológicos. Não obstante o estudo de caso sobre a luta de trabalhadores e ambientalistas no Norte da Califórnia pela preservação das sequoias seja um fenômeno circunscrito, o exemplo analisado por Shantz demonstrou como o engajamento dos sindicatos em conflitos ambientais deve ser investigado a partir da análise concreta das múltiplas determinações que constituem a experiência histórica do operariado.
Tendo em conta a importância crescente dos problemas ecológicos na “modernidade avançada”, Shantz abre caminho para um programa de pesquisas empíricas na fronteira entre as contribuições da sociologia do trabalho e da sociologia ambiental capaz de delinear a formação de uma consciência de classe ambiental no interior do proletariado em contraposição à forma pela qual os discursos sobre desenvolvimento sustentável são enunciados a partir do mundo corporativo empresarial. Mesmo que a obra de Shantz não tenha sido formulada exatamente nesses termos, Green Syndicalism poderia também ser lida como uma reatualização ecológica das obras de E. P. Thompson (1966; 1998). Em linhas gerais, trata-se de observar como os diversos processos de poluição e depredação ambiental, acentuados pelo modo de produção capitalista, repercutem sobre a consciência dos trabalhadores nas situações concretas por eles vivenciadas, redefinindo seu imaginário e sua práxis a partir das múltiplas determinações concretas que configuram suas experiências e aspirações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOOKCHIN, Murray. Toward an Ecological Society. Montreal: Black Rose Books, 1980.
_____. Post-Scarcity Anarchism. Montreal: Black Rose Books, 1986.
LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy. Londres: Verso, 1985.
MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1982.
SCHNAIBERG, Allan; GOULD, Kenneth Alan. Environment and Society: The Enduring Conflict. New York: St. Martin’s Press, 1994.
SCHNAIBERG, Allan. The Environment: From Surplus to Scarcity. Nova Iorque: Oxford University Press, 1980.
SHANTZ, Jeff. Green Syndicalism: An Alternative Red/Green Vision. Nova Iorque: Syracuse University Press, 2012.
_____. “Beyond Productivism: Syndicalism and Ecology.” Anarcho-Syndicalist Review, n. 25, p. 20-23, 1999.
THOMPSON, Edward Palmer. The Making of the English Working Class. New York: Vantage Books, 1966.
_____. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.