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Para compreender a sociologia urbana de Robert Ezra Park
Thiago Oliveira Lima Matiolli
Thiago Oliveira Lima Matiolli
Para compreender a sociologia urbana de Robert Ezra Park
To comprehend the urban sociology of Robert Ezra Park
Plural - Revista de Ciências Sociais, vol. 25, núm. 2, pp. 163-168, 2018
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
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RESENHA

Para compreender a sociologia urbana de Robert Ezra Park

To comprehend the urban sociology of Robert Ezra Park

Thiago Oliveira Lima Matiolli
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Plural - Revista de Ciências Sociais, vol. 25, núm. 2, pp. 163-168, 2018
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
VALLADARES Licia do Prado. A sociologia urbana de Robert E. Park. 2018. Rio de Janeiro. Editora da UFRJ. 154 ppp.

Não é tarefa das mais fáceis resenhar uma coletânea de textos que conta com uma introdução escrita pela socióloga Licia do Prado Valladares, organizadora da publicação. Todavia, a riqueza e complexidade da obra de Robert Ezra Park, célebre sociólogo da Escola de Chicago, deixa tal empreitada um pouco menos atribulada, uma vez que ela se estende por dimensões que não caberiam em um único texto monográfico, mesmo que esse fosse produzido por alguém do porte de Licia.

De acordo com sua organizadora, A sociologia urbana de Robert E.Park (2018), recém-publicado, é um livro que conta com textos que apresentam a faceta de Park como “pai” da sociologia urbana - não estão presentes, por exemplo, intervenções nas quais o autor trataria das relações raciais ou de ecologia humana. Esse fato já é uma pequena pista que aponta para a multidimensionalidade do pensamento do sociólogo estadunidense, o que abriria caminhos possíveis para diversas leituras possíveis sobre sua produção. Contudo, a obra não me parece perder em relevância por não ir além da temática da cidade, seu eixo central, pois esse assunto, por si só, já é bastante representativo e substancial para alimentar um sem número de interpretações possíveis.

Com relação à dimensão urbana da sociologia de Park, duas tramas emergem das entrelinhas dos textos selecionados; acompanhá-las pode ser uma estratégia proveitosa para que o leitor ou a leitora possam se aprofundar na obra do sociólogo: o amálgama entre observador e espaço e a relação entre teoria social e teoria urbana. O contexto social e intelectual condiciona a forma como um(a) pesquisador(a) constrói seu objeto e se propõe a compreendê-lo. No caso de quem se debruça sobre as questões urbanas, isso ganha um peso especial, pois a forma como as cidades são experimentadas cotidianamente pelos(as) investigadores(as), os bairros pelos quais se circula, o lugar a partir do qual ela vai ser descrita e problematizada, e, ainda, o próprio envolvimento político e/ou afetivo que se passa a ter com a sua paisagem serão cruciais na definição do modo através do qual elas serão apreendidas. Nesse sentido, a trajetória intelectual de um(a) estudioso(a) do urbano é fruto, também, de sua cartografia cotidiana.

O primeiro texto da coletânea é uma autobiografia do autor, a partir da qual Park, dentre outros aspectos, acaba por destacar a importância da convivência com escandinavos em sua infância, a experiência em Tuskegee1 e as viagens que fez pela Europa, África e América do Sul. Segundo Valladares, Park teria sido “sobretudo, um grande curioso e viajante” (VALLADARES, 2018, p. 14). Ele próprio conta ter chegado à cidade de Chicago, como especialista, em 1913. Entretanto, o curioso nesse esboço de autoanálise é que a própria cidade de Chicago não ganha tanto espaço em sua pequena “História de vida”.

Contudo, ela estará presente como grande fonte de inspiração no capítulo seguinte da obra, o clássico “A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano”. Mas o texto não trata apenas de Chicago, pois Park acaba por fazer referência constante a outras cidades estadunidenses, as quais passaram, no início do século XX, por profundos debates que alimentaram planos de reformas urbanas. Isso fica mais evidente no primeiro tópico do texto, no qual, ao tratar do planejamento urbano, ele afirma: “por ter a cidade o que foi descrito aqui como seu caráter institucional, existe um limite para as modificações arbitrárias possíveis de serem feitas em sua estrutura física e em sua ordem moral” (PARK, 2018, p. 40). Assim, sua proposta de entender a cidade como “corpo de costumes, tradições, sentimentos e atitudes, associado intimamente aos processos vitais das pessoas que a compõem” (VALLADARES, 2018, p. 15), como sugere Valladares em seus comentários, parece ser, também, resposta aos planos elaborados para transformar, física e moralmente, cidadãs e cidadãos a partir da formatação do espaço em que essas pessoas vivem.

A trama das cidades que percorre a coletânea se verifica nos textos seguintes, duas introduções a trabalhos de alunos de Robert Park. Uma delas, ao livro The ghetto, de Louis Wirth2, e outra ao The Gold Coast and the Slum, de Harvey Zorbaugh3. O último texto da publicação também é uma introdução do sociólogo estadunidense a uma obra importante, Brancos e pretos na Bahia: estudo do contato racial, de Donald Pierson4, também seu aluno na Escola de Chicago. A inclusão deste, segundo Licia Valladares (2018), se deveria não tanto por se tratar de um trabalho de sociologia urbana, mas por ter sido o único escrito por Park sobre o Brasil, país que visitou em meados de 1937, indo ao Rio de Janeiro e a Salvador, onde teria ficado por cerca de dois meses, supervisionando o trabalho de campo de Pierson.

Licia destaca outro aspecto da trajetória de Park, o de “grande articulador”; afinal, o sociólogo foi presidente da American Sociology Association (em 1925), membro ativo do American Journal of Sociology, consultor de fundações e instituições de financiamento de pesquisa e militante das questões políticas no Congo. Essas atuações fecham um circuito no qual a trajetória intelectual e social, a atuação enquanto jornalista, seu engajamento político e a forma como orientava os trabalhos empíricos de seus alunos vão compor a primeira das tramas a partir da qual Park reflete sobre as questões urbanas.

A outra trama possível de ser encontrada no livro é a da relação entre teoria social e teoria urbana. O sociólogo espanhol Manuel Castells, em A questão urbana5, afirma que não haveria teoria do espaço sem que houvesse uma teoria social geral implícita, em qualquer análise. Ele faz essa afirmação em um capítulo em que, justamente, empreende sua crítica à ecologia humana/urbana representada, sobretudo, pela Escola sociológica de Chicago, e com isso propõe como alternativa analítica uma leitura marxista mais estruturalista da cidade. A crítica empreendida por Castells não interessa tanto aqui, mas sua afirmação sim, pois dá uma chave de leitura frutífera da obra de Park.

O segundo capítulo da coletânea, um de seus textos mais clássicos, apresentado por Lícia Valladares (2018, p. 16) como a “verdadeira agenda da pesquisa urbana ou programa científico”, serviu de guia para o estudo das cidades. O que se pode apreender desse texto é uma agenda de pesquisa de sociologia geral, não só urbana. Parte das perguntas que compõem esse “roteiro” de pesquisa não dispõem de problemas típicos da vida citadina, como, por exemplo: “o que queremos saber sobre essas vizinhanças, comunidades raciais e áreas segregadas da cidade, existentes dentro ou nas margens externas das grandes cidades, é o mesmo que queremos saber sobre todos os outros grupos sociais” (PARK, 2018, p. 46). Por conseguinte, Park elabora, entre outras coisas, as seguintes perguntas: “em que medida eles são o resultado de um processo seletivo?”, ou “como as pessoas entram e saem do grupo assim formado?”, e mais, “quem são seus líderes?”, “qual o ritual social, ou seja, o que se deve fazer na vizinhança para evitar ser visto com suspeita ou considerado estranho?” (PARK, 2018, p. 46).

Ao menos dois temas mais ligados aos aspectos da organização social em si emergem de forma evidente nesse artigo: o problema do controle social que os agrupamentos aplicam para garantir sua coesão e a integração dos indivíduos; e a questão da proximidade física e da distância social, que teriam se tornado mais visíveis nas grandes cidades - mas que, certamente, não é um problema tipicamente urbano, tão somente. Tais dimensões da vida social estarão presentes nos dois textos do livro ainda não mencionados aqui.

Por isso, o autor apresenta a cidade como laboratório ou clínica do social:

Em suma, a cidade mostra excessivamente o bem e o mal na natureza humana. Talvez esse fato seja, mais do que qualquer outro, o que justifica a visão que tornaria a cidade um laboratório, ou uma clínica, em que a natureza humana e os processos sociais podem ser estudados de maneira mais conveniente e proveitosa (PARK, 2018, p. 80).

Essa comparação ocupará o quinto texto de Park presente na coletânea: “A cidade como laboratório social”, no qual ele explica que nela as instituições se desenvolveriam mais rapidamente que em qualquer outro espaço, abrindo caminho para experimentações, e as características da natureza humana seriam não só visíveis, mas estariam ampliadas; logo, mais favoráveis à observação.

Na relação entre espaço e sociedade, o primeiro elemento não seria, apenas, expressão direta do segundo, mas ambos se influenciariam e condicionariam mutuamente. Quer dizer, o que acontece na cidade não é apenas reflexo da sua organização social, mas ela coloca novas questões que vão mais além dela própria, as quais, por sua vez, vão impactar os modos de vida coletivos. Park exemplifica: “uma vez que foi na cidade que surgiu o problema político, ou seja, o problema do controle social, é na cidade que o problema deve ser estudado” (PARK, 2018, p. 94). Por fim, mas não menos importante, está “A migração humana e o homem marginal”, mais um texto clássico de Park, reflexão profundamente influenciada pela sociologia de Georg Simmel. Essa reflexão seria uma atualização da figura do estrangeiro, tal como proposta pelo sociólogo alemão6, afinal: “normalmente, o homem marginal é miscigenado [...], aquele que vive em dois mundos, nos quais ele é mais ou menos estrangeiro” (PARK, 2018, p. 123). Também nesse texto há uma preocupação sociológica mais geral por parte de Park. A análise da migração e da figura do homem marginal tornam-se gatilhos para que se possa entender melhor, segundo o autor, os processos de civilização e progresso, de proximidade física e de distância social.

Espero que esta sugestão de leitura, baseada em duas tramas sociológicas possíveis, uma que ressalta a relação do(a) pesquisador(a) com a cidade e, outra, as teorias sociais que se retroalimentam junto às teorias urbanas, desperte no(a) leitor(a), por um lado, a curiosidade para extrair novas tramas desse necessário e bem-vindo conjunto de textos de Robert Park, organizado pela competente Licia do Prado Valladares.

Por outro lado, espero que sirvam, também, de indicação sobre como pensar os recortes particulares dos campos da sociologia. Por mais que a coletânea enfatize a dimensão urbana da obra de Park, as proposições do autor serão melhor compreendidas se levarmos em conta que elas foram elaboradas dentro de um contexto social e intelectual específico, refletindo as preocupações políticas do autor em sua época - e mesmo suas relações com as instituições de financiamento de pesquisa. Christian Topalov7 destaca em sua análise sobre a experiência francesa de pesquisa urbana três elementos: os objetos de pesquisa, as instituições de fomento e os conceitos utilizados. Todos os três aspectos refletem a realidade social na qual são construídos.

Na apresentação do livro, Licia descreve as dificuldades em selecionar os textos para uma coletânea, mas não adverte o leitor e a leitora para o fato de que a dimensão urbana da obra de Park deve ser entendida à luz de perspectivas sociológicas mais gerais. As cidades não são objetos autônomos de análise, mas cenários nos quais perspectivas sociológicas mais amplas podem ser formuladas. Assim, não há “sociologia urbana” sem que haja uma reflexão mais ampla sobre interesses sociológicos e políticos em jogo. E isso Robert Park deixa evidente quando pensa a cidade como laboratório do social, local onde se podem investigar questões mais gerais.

Material suplementar
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
PARK, Robert Ezra. A sociologia urbana de Robert E. Park. Organização e introdução, Licia do Prado Valladares, Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2018.
PIERSON, Donald. Negroes in Brazil: a study of race contact at Bahia. Chicago: University of Chicago Press, 1942.
_____. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. Trad. Luís Polanah, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1971.
SIMMEL, Georg. O estrangeiro. Berlim: Ducker e Humblot Editores, 1908, p. 509-512.
TOPALOV, Christian. Fazer a história da pesquisa urbana: a experiência francesa desde 1965. Espaços & Debates, São Paulo, n. 23, 1988, p. 5-30.
VALLADARES, Licia do Prado. “Introdução”. In: A sociologia urbana de Robert E. Park . Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2018, pp. 11-19.
WIRTH, Louis. The ghetto. Chicago: University of Chicago Press , 1929.
ZORBAUGH, Harvey W. The Gold Coast and the Slum. Chicago: University of Chicago Press , 1929.
Notas
Notas
1 Universidade privada situada em Tuskegee, no estado do Alabama, Estados Unidos.
2 WIRTH, Louis. The ghetto. Chicago: University of Chicago Press, 1929.
3 ZORBAUGH, Harvey W. The Gold Coast and the Slum. Chicago: University of Chicago Press, 1929.
4 Texto presente na edição estadunidense: PIERSON, Donald. Negroes in Brazil: a study of race contact at Bahia. Chicago: University of Chicago Press, 1942; bem como na brasileira: PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. Trad. Luís Polanah, São Paulo: Cia Editora Nacional, 1971.
5 CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
6 SIMMEL, Georg. O estrangeiro. Berlim: Ducker e Humblot Editores, 1908, p. 509-512.
7 TOPALOV, Christian. Fazer a história da pesquisa urbana: a experiência francesa desde 1965. Espaços & Debates, São Paulo, n. 23, 1988, p. 5-30.
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