Editorial

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Plural - Revista de Ciências Sociais, vol. 22, núm. 1, pp. 1-3, 2015

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Em novembro de 2014, a Plural comemorou vinte anos, trazendo ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo o primeiro Simpósio Internacional “Movimentos Sociais e Instituições Políticas na América Latina”. Nesta edição de número 22.1, apresenta-se um dos resultados desse evento celebrativo: o dossiê homônimo, organizado por Franklin Ramírez Gallegos, professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, com contribuições de uma lavra de sociólogos dos seguintes países: Equador, México, Chile, Argentina, Brasil e Estados Unidos.

Os movimentos sociais têm sido um tema caro às Ciências Sociais, sobretudo na América Latina. A questão voltou à tona com força redobrada na Sociologia, depois da onda de protestos globais que se seguiram à crise econômica de 2008, com atenção especial para a chamada Primavera Árabe, os protestos estudantis no Chile e as manifestações contra o aumento da tarifa do transporte coletivo nas principais cidades brasileiras. Esta edição revela como a permanência do tema em análises recentes pode fornecer elementos para compreender os contornos e limites da onda contemporânea de indignação. A partir de perspectivas teóricas, problemas analíticos e recursos metodológicos distintos, o dossiê expõe diferentes panoramas sobre a relação entre movimentos sociais, instituições políticas, Estado e mercado, em seis países latino-americanos.

A capa dá feição a essa heterogeneidade de pontos de vista. No ímpeto dos protestos, a foto que abre a edição traz um pequeno flash das reivindicações que levaram milhares a tomar de assalto as ruas brasileiras, reverberando uma miríade de vozes no espaço público. A imagem, concedida pelo sociólogo e fotógrafo Gabriel Kubrusly, exibe um instante bastante singular do dia 17 de junho de 2013, em uma convulsionada noite carioca.

O dossiê principia com o trabalho de Franklin Ramírez Gallegos, da FLACSO- -Equador, e Soledad Stoessel, da Universidade Nacional de La Plata, intitulado “Campos de conflitividade política e movimentos sociais no Equador da Revolução Cidadã”. Os autores analisam as transformações abruptas por que passou a sociedade equatoriana, nos últimos anos, para mostrar a capacidade da ação coletiva na construção de problemas públicos, em meio a uma crise de representação e ao recuo de movimentos sociais. Por sua vez, “A crise das esquerdas mexicanas à luz do movimento pelos ‘43 de Ayotzinapa’, em 2014”, de Massimo Modonesi, da Universidade Nacional Autônoma do México, versa sobre a onda de protestos contra o assassinato de estudantes de uma escola rural em Iguala, cidade do Estado de Guerrero, lançando hipóteses sobre o impacto político das manifestações e as oportunidades abertas para a renovação da esquerda mexicana.

No artigo “O conflito social no Chile: Estado, mercado e democracia”, Carlos Ruiz Encina, da Universidade do Chile, discute o esgotamento da política firmada no pacto chileno de transição para a democracia. Para tanto, mostra como os processos de privatização e ampliação da desigualdade se encontram no cerne da formação de novos atores e da insatisfação com o governo, contexto que abre possibilidades de reestruturação política. Dos limites da política chilena, passamos à participação social no Uruguai. Carlos Moreira e Tamara Lajtman, da Universidade Nacional Autônoma do México, em “Uruguai: os movimentos sociais durante o governo de José Mujica (2010-2015)”, reconstituem o que consideram ser um processo de revitalização da participação que vai além das atividades efetuadas pelos partidos políticos, durante o governo de Mujica. Investigam, assim, a emergência de novos movimentos, suas características organizativas e o impacto das mobilizações nas políticas públicas mais recentes.

Em “Mobilização social e mudanças políticas: revisitando o conceito de gramáticas de ação política”, Ana Natalucci, da Universidade de Buenos Aires, discute mudanças que ocorreram na dinâmica das mobilizações na Argentina, a partir da posse do Presidente Néstor Kirchner. A pesquisadora emprega a categoria “gramáticas de ação política” para problematizar a forma que assumiram os efeitos da mobilização popular no país: foram assimilados, integraram-se ou recriaram suas pautas de ação? Já o pesquisador Rafael de Souza, da Universidade de São Paulo, em “Democratização e política do confronto: perspectivas analíticas das redes no Brasil e na Argentina (1978-1984)”, revela a potencialidade da teoria de análise de redes para estudar transições políticas. Ao comparar os casos brasileiro e argentino, evidencia como a compreensão das redes de atores envolvidos na redemocratização dos dois países importa para entender de que forma os processos de inovação cultural e as novas identidades políticas foram estabelecidos.

O dossiê apresenta, por fim, uma entrevista com Ann Mische, socióloga da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, e especialista em movimentos sociais e redes de protestos. Na conversa com Catalina González Zambrano, Gabriela Pereira Martins e Rafael de Souza, Mische se detém, sobretudo, em sua pesquisa no Brasil com jovens ativistas, durante a reconstrução democrática, explorando, ao mesmo tempo, retóricas apartidárias ou antipartidaristas presentes nos anos 1990 e seu ressurgimento nos protestos de 2013.

A edição publica, ainda, “Encarando um mundo desigual”, texto recente do sociólogo Michael Burawoy, da Universidade da Califórnia, Berkeley, traduzido por José Guirado Neto. Burawoy parte dos conceitos de “mercadorias fictícias” e “contramovimento”, de Karl Polanyi, para defender a tese de que a Sociologia global deve não só interpretar a desigualdade mundial, mas se engajar na transformação dessa condição. Para tanto, toma como ponto de partida visões sobre desigualdade externas à Sociologia, a fim de elaborar uma teoria em diálogo com experiências globais diversas da mercantilização, desenvolver uma metodologia crítica e uma política em defesa da centralidade da sociedade civil contra o crescente poder do mercado e do Estado.

É disponibilizada aos leitores, também, uma entrevista com o sociólogo Michael Löwy, professor emérito da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS, França), em que Deni Alfaro Rubbo e Marcelo Netto Rodrigues discutem com o autor suas pesquisas contemporâneas sobre as formas de analisar a religião dentro da perspectiva marxista – que possam ir além da conhecida frase de Marx, da obra Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1844), de que “a religião é o ópio do povo”.

Em diálogo com outro clássico, “A questão universitária em Max Weber: entre escritos metodológicos e Sociologia Política”, a pesquisadora Mariana Toledo Ferreira, da Universidade de São Paulo, retraça de que modo a discussão sobre educação em Weber aparece relacionada a conceitos elaborados tanto no âmbito de sua Sociologia da Religião quanto da Sociologia Política, situando-os em um quadro analítico mais amplo, para explicitar a defesa weberiana da autonomia exigida pelo trabalho intelectual. De Weber, passa-se para um exame crítico da teoria comteana, em que Elton Corbanezi, da Universidade Estadual de Campinas, em “O terror do positivo: O Alienista e o positivismo comteano”, esquadrinha o texto de Machado de Assis, a partir de postulados teóricos de Auguste Comte, para evidenciar a maneira como o viés irônico machadiano pôde denunciar a fragilidade científica do alienismo da época e a pretensa positividade científica da Psiquiatria.

Por fim, a Plural oferece aos leitores uma resenha do livro A razão populista, do filósofo político argentino Ernesto Laclau, falecido recentemente. Em uma edição que tem como tema central movimentos sociais na América Latina, nada mais oportuno do que o texto de Fernando dos Santos Modelli, da Universidade de Brasília, sobre um dos trabalhos mais recentes acerca do populismo, assunto igualmente caro à Sociologia Política.

Esta edição pretende, portanto, reafirmar o compromisso de nosso periódico com o debate sociológico atual, atento às transformações mais recentes na esfera pública e com o anseio de refletir sobre nosso país, tarefa que requer, também, investigar fenômenos culturais, sociais e políticos em escala transnacional, os quais, de uma forma ou de outra, nos tocam.

Comissão Editorial da Revista Plural

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