Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar como a inclusão digital pode ser eficiente para permitir a fruição dos serviços públicos prestados pela Administração Pública Brasileira, em especial daqueles voltados à execução da Seguridade Social. Para tanto, partiu-se da hipótese de que a inclusão digital é necessária e capaz de permitir, de forma mais eficiente e, também, efetiva, que os serviços sejam usufruídos de modo mais acessível e facilitado por quem deles necessita. A partir do método hipotético-dedutivo, por meio da revisão bibliográfica da doutrina e de dados estatísticos, foram apresentadas algumas modalidades de proteção do cidadão dos riscos sociais promovidas, em especial, durante a pandemia do COVID-19. Depois, o estudo analisou a ideia de eficiência do serviço público a partir da ótica das novas tecnologias de informação. Por fim, foram levantados argumentos que demonstram a necessidade da promoção da inclusão digital para a plena participação da vida em sociedade, inclusive com a fruição dos serviços públicos prestados.
Palavras-chave:serviços públicosserviços públicos,eficiênciaeficiência,desenvolvimentodesenvolvimento,seguridade socialseguridade social,inclusão digitalinclusão digital.
Abstract: The purpose of this article is to analyze how digital inclusion can be efficient to allow the enjoyment of public services provided by the Brazilian Public Administration, especially those focused on the implementation of Social Security. Therefore, it was assumed that digital inclusion is necessary and able to allow, in a more efficient and effective way, that the services are enjoyed in a more accessible and facilitated way by those who need them. Using the hypothetical-deductive method, through a bibliographic review of the doctrine and statistical data, were demonstrated some ways of protecting the citizen from the social risks promoted, especially during the COVID-19 pandemic. Then, the study analyzed the idea of public service efficiency from the perspective of new information technologies. Finally, arguments were raised that demonstrate the need to promote digital inclusion for the full participation of life in society, including the enjoyment of public services provided.
Keywords: public services, efficiency, development, social security, digital inclusion.
Serviços públicos digitais de seguridade social na pandemia de COVID-19: eficiência e inclusão
Digital social security public services in the COVID-19 pandemic: efficiency and inclusion
Recepción: 30 Agosto 2020
Aprobación: 29 Noviembre 2020
1. Introdução; 2. A proteção do cidadão dos riscos sociais no contexto da pandemia; 3. A implementação de tecnologias pela Administração Pública para a prestação de serviços públicos mais eficientes; 4. A necessidade da promoção da inclusão social digital como instrumento para a eficiência na concessão e fruição dos benefícios previdenciários; 5. Considerações Finais. Referências
A transposição do Estado Liberal para o Estado Social agregou novas funções à Administração Pública, que passou a ser titular do exercício de diversos serviços considerados essenciais à promoção da igualdade e do desenvolvimento socioeconômico. Para que esse papel fosse exercido de forma plena, tanto pelo titular quanto pelos destinatários, os princípios constitucionais nortearam a atuação do Poder Público e desenharam balizas para o processo decisório, de modo a permitir o controle pela sociedade.
A atividade prestacional deve ocorrer de forma eficiente e célere. Para tanto, deve estar alinhada com as novidades sociais que permitem o incremento do serviço. A quarta revolução industrial consolida-se pelo aprimoramento das tecnologias de informação disponíveis, que alteram tanto o modo como os cidadãos se relacionam entre si, quanto como se relacionam com o Estado.
Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo analisar a seguinte hipótese: “a inclusão digital é necessária e capaz de permitir, de forma mais eficiente e, também, efetiva, que os serviços sejam usufruídos de modo mais acessível e facilitado por quem deles necessita”. Para o enfrentamento dessa premissa, utilizar-se-á o método hipotético-dedutivo, por meio do desenvolvimento das ideias do seguinte modo: no item 1, serão abordados alguns dos mecanismos explorados pelo Governo Federal para a proteção dos cidadãos contra os riscos sociais, em especial aqueles que foram acentuados em virtude da pandemia de COVID-19. No item 2, será analisada a ideia de concretização da eficiência na Administração Pública por meio da utilização das tecnologias de informação, aplicando-se argumentos sob a ótica constitucional e pelas lentes da Análise Econômica do Direito. No item 3, serão retratados alguns aspectos da inclusão digital e da sua relevância na participação social, com foco na fruição eficiente dos serviços públicos de seguridade social. A partir disso, serão consolidadas as considerações finais do presente trabalho.
A implementação de políticas públicas de segurança social deriva da necessidade de o Estado proteger o cidadão dos riscos sociais (doença, acidente, desemprego, idade, etc.) ou, pelo menos, de reduzir os efeitos destes na vida do indivíduo, garantindo segurança econômica e condições dignas de subsistência em meio a tais adversidades.1
Uma das políticas públicas previstas no Estado brasileiro é a Seguridade Social, prevista no artigo 194 da Constituição Federal (CRFB).2 A seguridade se expressa pela Previdência, Assistência e Saúde e pode ser definida como um sistema complexo pelo qual a Administração Pública exercita o princípio da solidariedade com a distribuição de bens e serviços àqueles que necessitam,3 estruturando a sociedade para alcance dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, ao tratar da construção de uma sociedade livre, justa e solidária).
Assim, a previdência social constitui-se em um seguro social compulsório4 e contributivo,5 por meio do qual é garantido ao segurado, quando cumpridos os requisitos legais, o direito à percepção de um dos benefícios listados na Lei nº 8.213/91, como as aposentadorias, pensões e auxílios.
A Resolução nº 141 de 2011, do INSS, tinha como objetivo “aprimorar o controle dos pagamentos”6 efetuados pela autarquia. Para tanto, tornou obrigatório para os beneficiários que recebiam seus benefícios por meio de cartão magnético, conta-corrente ou conta-poupança a comprovação anual de vida no INSS ou na instituição financeira. Em 2019, a Resolução nº 6997 do INSS estendeu essa obrigatoriedade a todos os beneficiários, com base na Lei 13.846/19. Esse instrumento tem como objetivo a redução de fraudes no INSS, de modo a reduzir custos desnecessários que oneram o sistema previdenciário.
A comprovação deve ocorrer: (a) na instituição bancária pagadora do benefício, quando realizada pelo beneficiário; ou (b) na instituição bancária ou no INSS se for realizada por representante legal ou por procurador do beneficiário, nos casos excepcionais previstos na Resolução, se previamente cadastrado.
Caso a comprovação não seja realizada, o benefício será suspenso e, caso não haja correção, cassado. Isso demonstra a importância do procedimento e do seu enfrentamento acadêmico, pois pode ter uma consequência gravosa para o beneficiário e, por conseguinte, desatender o comando constitucional que estabelece a proteção dos cidadãos contra os riscos sociais.
Em virtude da situação epidemiológica decorrente do COVID-19, foi decretado, em 20 de março de 2020 (por meio do Decreto Legislativo nº 06), o Estado de Calamidade Pública. As medidas tomadas pelo Governo Federal para contenção da propagação do COVID-19 incluem a restrição das atividades presenciais não essenciais em todo país, nos termos da Lei nº 13.979/2020.
Entre as atividades que foram afetadas pelas alterações nos meios de atendimento presencial está a prova de vida. A necessidade de comprovação foi suspensa por 120 dias em março de 2020,8 sendo prorrogada até 30 de setembro de 2020,9 para proteção dos beneficiários durante a situação epidemiológica, em especial daqueles que integram o grupo de risco. Ainda, foi dispensado o cadastro prévio no INSS dos procuradores dos beneficiários maiores de 60 anos, de modo que o procedimento pode ser realizado diretamente nas agências bancárias.10 Cumpre ressaltar que esse procedimento não eliminou a possibilidade de recusa dos documentos em caso de suspeita de falsidade.
Essa suspensão justifica-se na ideia de que expor o beneficiário aos riscos da pandemia contrariaria o objetivo central da Seguridade Social: a proteção contra riscos sociais. Manter a possibilidade de suspensão do benefício em caso de não comprovação alteraria a capacidade do indivíduo de suprir suas necessidades, o que é ainda mais necessário durante a epidemia, com a restrição das atividades econômicas.
Entretanto, a medida criou um paradoxo, pois, de um lado visa proteger o benefíciário dos riscos da pandemia, mas de outro poderia sujeita-lo à falta de recursos porque o benefício, na maioria das hipóteses, é a única fonte de renda.
Para tornar o cenário ainda mais complexo, estudo realizado pela FGV IBRE11 demonstra que a alteração abrupta do contexto econômico-social decorrente da pandemia do COVID-19 atingiu o mercado de trabalho de forma significativa. Entre os 1300 consumidores consultados, 43,9% foram impedidos de trabalhar e 24,9% tiveram a renda familiar reduzida. Ainda, em 14,7% dos casos pelo menos uma pessoa da família teve seu contrato de trabalho suspenso e em 12,7% uma pessoa do núcleo familiar foi demitida.
Em virtude dessas alterações no contexto socioeconômico, o Governo Federal promoveu a concessão do benefício “Auxílio Emergencial” para os cidadãos que cumprissem os requisitos legais. Tal benefício foi concedido como uma das “medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”,12 previstas na Lei nº 13.982/20.
Esse benefício foi concedido para 67,2 milhões de brasileiros, sendo que 109,1 milhões promoveram o cadastro para requerimento.13 Embora promovido de forma online, erros no sistema digital levaram a formação de aglomerações nas agências da Caixa Econômica Federal (responsável pela distribuição do Auxílio). Esse cenário justificou a manifestação dos órgãos de tutela de interesses coletivos em diferentes estados – como Rio Grande do Norte,14 Pernambuco,15 Goiás,16 Amazonas17 e Rio de Janeiro18 – para que a instituição bancária supervisionasse as filas de modo a evitar a propagação do COVID-19.
Essas filas extraordinárias, somadas aos horários de atendimento reduzidos que são praticados pelos bancos,19 desestimula ainda mais o beneficiário a dirigir-se a uma agência bancária para promover a comprovação de vida.
Assim, tem-se uma situação em que a própria atuação estatal, embora plenamente justificada, acabou por criar uma situação nova de impossibilidade de acesso do beneficiário aos recursos a que fazia jus e que precisavam da prova de vida.
Nesse contexto, é inviável que a ação estatal interfira negativamente no status quo e amplie o número de pessoas cuja renda familiar foi reduzida abruptamente, em especial quando a suspensão do benefício for justificada a partir de ausência decorrente de fatos alheios a vontade do indivíduo.
Desse modo, a prática da prova de vida, embora essencial para a redução de erros e fraudes, não pode ocorrer de forma presencial enquanto perdurarem os efeitos da pandemia. Faz-se necessária, portanto, a adoção de meios alternativos para a continuidade da fiscalização, sem colocar em risco o cidadão que é beneficiário da seguridade social e que, portanto, já se encontra em uma posição de vulnerabilidade.
Em janeiro de 2019, o tempo médio de trâmite de um processo administrativo no INSS era de 65 dias.20 Esse prazo aumentou em janeiro de 2020 para 78 dias, contados do requerimento até a concessão dos benefícios previdenciários analisados.21 Em março de 2020 o prazo era de 69 dias, sendo que nesse mesmo mês, mais de um milhão de processos aguardavam manifestação do INSS há mais de 45 dias.22
A ampliação e a realização de melhorias no aplicativo “Meu INSS” ocorreram nesse período com o objetivo de reduzir o tempo de espera pelo benefício.23 Atualmente, esse sistema já abrange mais de 90 serviços da autarquia24 e, em abril de 2020, passou a ser possível também o envio digital de atestados médicos,25 de modo a viabilizar a fruição do auxílio-doença sem a necessidade de entrega física dos documentos.
Além disso, o aplicativo do INSS passou a contar com a assistente virtual “Helô”, que ultrapassou a marca de um milhão de atendimentos com menos de dois meses de existência. Entre os principais assuntos tratados pela assistente virtual estão a consulta de processos, busca de informações sobre o atendimento nas agências e resultados de perícias.26
O app é o principal mecanismo do INSS para a redução dos impactos negativos decorrentes dos não atendimentos presenciais durante a pandemia. De acordo com dados do DataPrev, enquanto a média mensal de acessos ao aplicativo era de 24 milhões em 2019, no primeiro trimestre de 2020 a média já alcançou a marca de 34 milhões.27
Nos termos do artigo 69, §8º, da Lei nº 8.212/91 (que foi incluído pela Lei 13.846/19), a comprovação de vida poderá ocorrer por meio de atendimento eletrônico com o uso de biometria ou por qualquer meio definido pelo INSS que assegure a identificação do beneficiário. Em 17 de agosto de 2020, o INSS e o DataPrev divulgaram o projeto piloto da prova de vida digital: trata-se de mecanismo 100% online para que os segurados possam cumprir com sua obrigação sem correr riscos.
O projeto conta com a utilização da base de dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do Tribunal Superior Eleitoral, de modo que os primeiros a participar serão aqueles que possuem título de eleitor e carteira de motorista,28 o que pode reduzir o alcance dos beneficiários, se for considerada a facultatividade do voto para maiores de 70 anos (art. 14, §1º, II, “b” da Constituição Federal) e a exigibilidade de comprovação recorrente da capacidade de dirigir a partir dos 65 anos (art. 147, §2º do Código de Trânsito Brasileiro).29 Portanto, é possível que parte dos usuários do sistema não se enquadre nos requisitos exigidos no projeto por não constarem em nenhuma das bases de dados utilizadas.
Para que ocorra a comprovação, será utilizada a biometria facial, ou seja, com a utilização da câmera frontal de um smartphone, o sistema, em tese, será capaz de reconhecer se o indivíduo que se apresenta é o beneficiário registrado na base de dados.30
Desse modo, a tecnologia é utilizada para reduzir os entraves que retardam a fruição dos direitos. Esses entraves decorrem da escassez de recursos (mão de obra, tempo, material, dinheiro, entre outros), o que motiva a busca por meios alternativos para prestação do serviço público de maneira eficiente. Aplicando-se a Análise Econômica do Direito (AED) à Seguridade Social, é possível a promoção da maximização dos recursos disponíveis.31
A realidade social onde recursos são escassos obriga o agente a fazer escolhas, pautado no objetivo de maximizar seus interesses,32 sendo que a escolha que foi preterida é denominada custo de oportunidade.33 O Governo, por sua vez, faz escolhas visando maximizar o interesse público. Quando os recursos públicos (escassos) são mal investidos, o custo de oportunidade torna-se extremamente oneroso, uma vez que o agente econômico poderia ter priorizado outra área de atuação estatal para investimento desses recursos.
A ocorrência de gastos desnecessários pelo Poder Público poderia ser evitada por meio da observância dos critérios intrínsecos à AED (método de interpretação que vai além dos aspectos financeiros, sendo uma técnica de raciocínio que auxilia o agente a alcançar conclusões acertadas).34 Um desses critérios é a eficiência, que, segundo Cooter e Ulen, é alcançada quando não for possível gerar o mesmo resultado empregando menos recursos e quando não for possível promover melhores resultados com a mesma quantidade de recursos empregados.35
Partindo-se da premissa de que “a Previdência também é movida por sua racionalidade e visa maximizar o seu interesse pessoal”,36 essa maximização aproxima a atuação da entidade de um nível de eficiência ao facilitar a concretização dos objetivos que justificaram a criação da autarquia. Essa aproximação tem como base também o princípio da eficiência previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Incluído pela Emenda Constitucional nº 19 de 1998, o princípio da eficiência tornou expressa a necessidade de a Administração Pública ampliar seu desempenho em função dos recursos disponíveis.37 A intepretação desse princípio sob a ótica constitucional permite compreender que o alcance da eficiência também está conectado com a expansão da concretização dos direitos fundamentais. Ainda, a eficiência pode ser vista como um mecanismo de controle da discricionariedade administrativa, tornando ainda mais rigorosa a responsabilidade do agente público, alcançando tanto o resultado quanto o processo.38
A eficiência estatal é um dos objetivos da Estratégia de Governo Digital - 2020 a 2022, instituída pelo Decreto nº 10.332, de 2020, que fixa como meta para 2022 a oferta digital de todos os serviços públicos federais digitalizáveis, além da unificação das bases de dados nacionais para maior agilidade do processamento das informações.39 Desse modo, o governo federal propõe-se a reduzir o volume de recursos (financeiros e de tempo) necessários para o exercício desses serviços públicos.40
A ideia de tecnologia está conectada com a ideia de ciência: enquanto a ciência engloba a teoria, a compreensão da natureza e de suas leis, a tecnologia corresponde às ferramentas úteis ao ser humano, sendo que esta decorre daquela.41 Ainda, a informação diz respeito ao conhecimento (ou seja, à ciência), e o sistema compreende a organização das informações. O sistema de informação teria, então, a finalidade de organizar a informação disponível de modo a sustentar a atividade informacional e permitir sua automação.42
A rápida expansão e atualização das tecnologias e sistemas de informação reflete-se no curto intervalo de tempo existente entre as revoluções industriais, sendo que a quarta revolução se caracteriza pela velocidade, alcance e o impacto dos sistemas.43
Nesse ponto é importante associar o termo “efetividade”, ou seja, a capacidade que a inovação tem de produzir um efeito real no mundo dos fatos. Dessa forma, não basta que o sistema de prova de vida seja eficiente sob a ótica da relação de custo e benefício, mas que também possa ser efetivo. Assim, a efetividade do sistema reside na possibilidade concreta de os segurados poderem acessar os benefícios sem sair de casa. A inovação proposta, então, não é apenas eficiente sob a ótica da Administração Pública, mas também efetiva para o cidadão.
Esse cenário amolda-se ao que se pretende a título de desenvolvimento que, para Schumpeter, está ligado à ideia de rompimento, transformação da realidade socioeconômica, com a impossibilidade de retorno à realidade anterior (“leap-like changes”).44Desse modo, as alterações promovidas em virtude da situação epidemiológica tendem a permanecer vigentes mesmo após o levantamento das medidas impostas para retenção da propagação, já que alteram a forma como o cidadão interage com a Administração Pública.
Assim como essas características inerentes à quarta revolução industrial alteraram a vida dos indivíduos,45 também geraram efeitos na Administração Pública, que tem o dever de prestar os serviços públicos de forma adequada. Serviço público adequado, nos termos do artigo 6º, § 1º da Lei nº 8.987/95, é aquele que “satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.46
A Administração Pública para manter suas atividades atualizadas – de modo a estruturar a possibilidade do alcance da eficiência e da efetividade para os cidadãos– utiliza-se das tecnologias e dos sistemas de informação, conforme demonstrado no caso do INSS.
Portanto, a utilização de sistemas virtuais atende não somente à Administração Pública, mas, principalmente, às necessidades dos beneficiários da seguridade social que estão em situação de vulnerabilidade, representando um meio eficiente e menos custoso para todos, e que acaba por ajudar a promover a proteção dos cidadãos contra os riscos sociais.
A relação entre inclusão social e digital tornou-se cada vez mais clara com a disseminação das tecnologias na sociedade, em especial quando essas passam a ocupar papel central na participação democrática e na conquista da independência produtiva.47 Percebe-se, portanto, que a inclusão digital está conectada com ao menos dois fundamentos da República, a cidadania e a dignidade humana (art. 1º da CRFB), e com os objetivos da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, da garantia do desenvolvimento nacional, da redução das desigualdades sociais e da promoção do bem de todos sem quaisquer formas de discriminação (art. 3ª da CRFB).
Nesse contexto, como a exclusão digital acarreta a exclusão social, as políticas de promoção da igualdade de oportunidade encontram mais um desafio: a inclusão digital.48
O acesso às ferramentas tecnológicas aplicadas pela Administração Pública é essencial para que os resultados almejados sejam alcançados. Em 2018, mais de 45 mil brasileiros não utilizavam a internet,49 dentre os quais 53,3% tinham 55 anos ou mais.
Essas informações são importantes, porque, das 93.604 aposentadorias concedidas em maio de 2020, 63.216 dos beneficiários tinham mais de 55 anos.50 O valor médio dos benefícios concedidos no mesmo mês foi de R$ 1.252,72.51 Esse valor se enquadra na parcela mais baixa das classes de rendimento mensal familiar.52 As classes D e E são as que menos acessam a internet (aproximadamente 50%, em comparação aos mais de 90% das classes A e B) e, quando o fazem, é exclusivamente por meio do aparelho celular, e dados parecidos são encontrados nos indivíduos de 60 anos ou mais.53 Logo, a mera conversão dos serviços de presenciais para online pode não alcançar os níveis de eficiência desejados, em especial porque o perfil do usuário do serviço não está digitalmente incluído na sociedade.
Para Prensky,54 a sociedade divide-se nos nativos digitais e nos imigrantes digitais: enquanto os nativos nasceram em uma realidade em que as tecnologias de informação e comunicação são inerentes à atividade humana, os imigrantes são pessoas que nasceram antes dessa ampla disseminação, mas que se interessam pela utilização das novas ferramentas. Essa diferença altera inclusive o padrão de aprendizagem e de comunicação entre gerações,55 de modo que se faz necessária a “resiliência virtual”, relacionada à capacidade do indivíduo de utilizar as próprias limitações a favor de sua aprendizagem.56 A exclusão digital está cercada de outros fatores para além da abrupta alteração intergeracional das tecnologias de informação: a indisponibilidade física ou financeira do acesso57 também impacta na participação do indivíduo no compartilhamento digital de informações.
A utilização de ferramentas online de atendimento ao público reflete-se no cenário nacional: enquanto o telefone fixo está presente em 28% dos domicílios, o celular está em 93% deles.58 A migração da utilização da telefonia para a internet pode ser considerada um exemplo da inovação disruptiva,59 proposta por Christensen.60 Ainda, a utilização de novas alternativas para a promoção de serviços públicos pode ser considerada inovação catalítica, por alcançar alterações sociais significativas, ao permitir o suprimento das necessidades de grupos marginalizados por alternativas mais simples e menos onerosas.61
Esse tipo de inovação é ainda mais relevante em um cenário em que as limitações da utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) englobam não saber usar a internet (19%), não ter interesse (24%) ou o alto custo do acesso (28%),62 o que demonstra a realidade de analfabetismo digital por parcela significativa da população. São considerados analfabetos funcionais aqueles que exercem suas atividades apenas por meio de recursos tradicionais e concretos, seja por impossibilidade, seja por incapacidade de acesso aos novos recursos.63 Com isso, a promoção de novos mecanismos para utilização das ferramentas permite o alcance dos grupos sociais inicialmente não atendidos.
A inclusão digital deve ocorrer de forma plena, transformando, para melhor, a vida do indivíduo, sob pena de ampliar a marginalização na sociedade atual.64 A partir disso, a garantia da inclusão digital pode ser vista por três perspectivas: como política de estado, como forma de ampliação da competitividade e como direito civil.65 A política de estado está relacionada ao viés do desenvolvimento socioeconômico decorrente da garantia do acesso rápido à informação. A ampliação da competitividade justifica-se a partir da ideia de aprimoramento do “capital humano”. Por sua vez, como direito civil, a inclusão digital abarca o contexto de informação como essencial para o exercício da cidadania, e a tecnologia como essencial ao acesso à informação.
Desse modo, tanto a “Estratégia de Governo Digital” quanto as ampliações promovidas pelo INSS em conjunto com o DataPrev e com a Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia devem estar conectadas com meios de viabilização do acesso às tecnologias disponibilizadas.
Uma das características essenciais ao programa a ser utilizado pelo Governo Federal é a interface de fácil compreensão e manuseio, com tamanho de fonte grande e ícones com cores contrastantes, além da utilização de termos familiares, inerentes ao cotidiano do público-alvo.66 Considerando a dificuldade de memorização de processos por parte dos idosos,67 o número de comandos a serem dados para concretizar o objetivo deve ser pequeno, para que os entraves não impeçam a participação nas plataformas digitais.
A partir disso, a interação digital entre Administração Pública e beneficiários será facilitada, de modo a permitir que o projeto de digitalização dos serviços públicos alcance resultados eficientes, com a redução (a) do tempo de espera para a fruição do benefícios, (b) das filas nas agências bancárias e do INSS, e (c) do número de fraudes e erros envolvidos na concessão dos benefícios previdenciários.
Como citar este artículo | How to cite this article: GONÇALVES, Oksandro Osdival; LUCIANI, Danna Catharina Mascarello. Serviços públicos digitais de seguridade social na pandemia de COVID-19: eficiência e inclusão. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 7, n. 2, p. 207-226, jul./dic. 2020. DOI 10.14409/redoeda.v7i2.9549