Resumo: A Constituição Federal brasileira de 1988 acompanha uma tendência mundial do pós 2ª Guerra Mundial de valorização e proteção dos direitos fundamentais do cidadão. Neste contexto, o artigo busca analisar o direito humano de acesso à informação pública, tanto constitucionalmente quanto no cenário internacional, por meio da prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Investiga também o direito no ordenamento jurídico brasileiro e como se desenvolve o seu cumprimento. O método escolhido foi o indutivo, pois parte da análise de pedido de requerimento de informações acerca do caso Garibaldi vs. Brasil apresentado perante o Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic). O estudo conclui que o sistema jurídico brasileiro apresente avanços, como a promulgação da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), mas que há necessidade de aperfeiçoamento para alcançar a plena efetivação daquele direito para alcançar a cidadania à luz da convencionalidade.
Palavras-chave:direitos humanosdireitos humanos,acesso à informação públicaacesso à informação pública,controle de convencionalidadecontrole de convencionalidade,sistema eletrônico do serviço de informação ao cidadão (e-Sic)sistema eletrônico do serviço de informação ao cidadão (e-Sic),Convenção Americana sobre Direitos HumanosConvenção Americana sobre Direitos Humanos.
Abstract: The Brazilian Federal Constitution of 1988 follows a world trend after the 2nd World War of valuing and protecting the fundamental rights of the citizen. In this context, the article seeks to analyze the human right of access to public information, both constitutionally and internationally, through the provisions of the American Convention on Human Rights and the International Covenant on Civil and Political Rights. It also investigates the law in the Brazilian legal system and how compliance is developed. The method chosen was inductive, as part of the analysis of the request for information request about the Garibaldi vs. Brazil presented before the Electronic System of the Citizen Information Service (e-Sic). The study concludes that the Brazilian legal system presents advances, such as the enactment of the Access to Information Law (Law No. 12,527 / 2011), but that there is a need for improvement to achieve the full realization of that right to achieve citizenship in the light of conventionality.
Keywords: human rights, access to public information, conventionality control, electronic system of the citizen information service (e-Sic), American Convention on Human Rights.
Convencionalidade e direito de acesso à informação: estudo de caso de requerimento sobre cumprimento de sentença internacional no Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic)
Conventionality and right of access to information: case study of requirement on supervision onf international judgment in the Brazilian Electronic System of the Citizen Information Service (e-Sic)
Recepción: 30 Agosto 2020
Aprobación: 29 Noviembre 2020
1. Introdução; 2. O direito de acesso à informação nas convenções internacionais de direitos humanos - Convenção Americana sobre Direitos Humanos e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; 3. Convenções incorporadas no Direito brasileiro e a legislação infraconstitucional; 4. O (des)cumprimento do direito humano de acesso informação pelo Estado brasileiro: análise de caso. 5. Considerações finais. Referências.
A Constituição Federal de 1988 demarca, no âmbito jurídico, um processo de democratização do Estado brasileiro, refletindo uma tendência regional de ruptura com regimes autoritários, a fim de garantir a consolidação e proteção das garantias fundamentais. Nessa linha, em um Estado Social Democrático de Direito os direitos fundamentais são imprescindíveis, seja pela posição que ocupam no ordenamento jurídico, seja pelas imposições que exercem na atuação estatal.1
Este movimento representa uma tendência em um cenário pós 2ª Guerra Mundial, no qual houve uma proliferação de tratados internacionais de direitos humanos, a fim de contribuir para a construção de um sistema internacional de proteção desses direitos.2
Principalmente a partir da década de 80 do século XX inúmeros tratados internacionais de direitos humanos foram recepcionados pelo Brasil, a exemplo do Pacto de São José da Costa Rica, internalizado pelo Brasil em 1992, por meio do Decreto nº 678. Na sequência, no ano de 2002, foi editado o Decreto Executivo nº 4.463, no qual se firmou o reconhecimento da inequívoca competência jurisdicional e consultiva do Brasil a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Dentre os direitos fundamentais e humanos reconhecidos está o direito de acesso à informação, previsto no art. 5º, XXXIII da Constituição Federal no ordenamento jurídico brasileiro. Este direito representa uma ferramenta essencial para a construção da cidadania.3 Diante da consolidação de sistemas democráticos nos países da América Latina a participação de seus cidadãos e cidadãs em assuntos de interesse público é essencial. Este ativismo cidadão é justamente um dos ideais que subjazem à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e à Carta Democrática Interamericana.4
Seguindo a tendência de consolidar os direitos humanos, especificamente o direito de acesso à informação objeto deste ensaio, os ordenamentos jurídicos propiciam mecanismos para sua implementação. Este direito também representa uma ferramenta particularmente útil para o exercício bem informado dos direitos civis e políticos, bem como dos direitos econômicos, sociais e culturais. Como um instrumento para a realização de outros direitos humanos o acesso à informação permite conhecer quais direitos existem e como defendê‐los.5
O objetivo central do presente artigo é investigar, a partir de um caso concreto de requerimento de acesso à informação no Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic), como o direito de acesso à informação é regulamentado no Brasil e se ele é efetivamente respeitado pelo Estado. Para tanto foi selecionado um pedido de acesso à informação sobre cumprimento de sentença internacional da Corte IDH no caso Garibaldi vs. Brasil.
O direito de acesso à informação representa um direito humano e fundamental de todos os cidadãos, corolário da liberdade de pensamento e de expressão. É um direito necessário para a consolidação, funcionamento e a preservação dos sistemas democráticos.6 No Brasil, possui status constitucional, nos termos do inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que garante a todos “o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse, ou de interesse coletivo (...)”.7 Este comando normativo é reiterado pela Constituição no inciso II do § 3º do artigo 378 e no § 2º do artigo 216.9
No plano internacional é reconhecido como um direito humano. O artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que todos têm direito à liberdade de pensamento e de expressão, compreendendo a liberdade de buscar, receber e difundir informações.10 Sobre o assunto, a Corte IDH reconheceu o direito de acesso a informações oficiais no caso relacionadas a projeto de industrialização florestal ao Sr. Marcel Claude Reyes, com base na referida norma do artigo 13.11
O caso Claude Reyes vs. Chile representa uma mudança de paradigma envolvendo o direito de acesso à informação no Sistema Interamericano, pois quando Marcel Claude Reyes se deparou com uma resposta parcial do Estado, ineficaz de responder aos seus questionamentos acerca de um projeto de desflorestamento que ocorreria no país, e após não obter êxito perante dos tribunais do Chile, recorreu ao procedimento da Corte IDH, a fim de alcançar a devida transparência e acesso à informação pública. Com a sentença proferida em 2006 a Corte IDH reconheceu que o direito de acesso à informação pública é um direito humano, protegido por tratados de direitos humanos que obrigam os países a respeitá-lo.12
A sentença do caso foi fundamentada no art. 13, art. 1º (obrigação de respeitar os direitos), art. 2º (dever de adotar disposições de direito interno), art. 8º (garantias judiciais, extensíveis a processos administrativos), art. 23 (direitos políticos) e art. 25 (proteção judicial) todos da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (CADH).
Desde então, houve uma mudança jurisprudencial no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a fim de garantir a promoção deste direito humano. O Chile se tornou um dos países de referência em políticas de acesso à informação, por ser um dos pioneiros na promulgação da Lei de Transparência (Lei n° 20.285/09) e a criação do Conselho para a Transparência em 2009.13
Posteriormente a este caso, no ano de 2010, foi publicada a Lei Modelo Interamericana sobre Acesso à Informação Pública,14 ratificada pela Assembleia Geral da OEA, juntamente com um guia para sua implementação, com o intuito de estabelecer diretrizes mínimas sobre o tema, além de incorporar a jurisprudência adotada pela Corte IDH.
O direito e garantia de acesso às informações também está previsto no art. 19.2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDSCP).15 O pacto do sistema onusiano impõe aos respectivos Estados a obrigação de proteger e garantir os direitos nele previstos, a todas as pessoas sujeitas à sua jurisdição.
O Comitê dos Direitos Humanos monitora o cumprimento das obrigações impostas pelo PIDSCP, e busca evitar que os Estados apresentem informações genéricas em seus relatórios acerca da garantia dos direitos humanos. De modo que o Comitê permite conhecer o exato regime do direito de acesso à informação na legislação e na prática. Também averigua as normas que prevejam certas restrições ou outras condições que afetem o exercício desse direito nos casos concretos.16
Diante da relevância do direito de acesso à informação, a Comissão Jurídica Interamericana aprovou a Declaração de Princípios sobre o Direito de Acesso à Informação. O documento contém 13 princípios que regem este direito, destacando principalmente seu status de direito humano a ser respeitado por todos os órgãos públicos, entre eles o Legislativo, Executivo e Judiciário, e reafirmando a essencialidade do direito para o avanço do conhecimento da atuação estatal e do entendimento entre os povos.17
Portanto, é inegável a importância do efetivo cumprimento do direito de acesso à informação em uma sociedade democrática, cabendo aos Estados adotar legislação apropriada que propicie os meios necessários para sua implementação.18 A Administração Pública, aliás, está diretamente vinculada aos direitos humanos previstos em tratados internacionais de direitos humanos incorporados.19 Isto reflete diretamente na transparência do Poder Público, intrinsecamente ligada ao Estado Democrático de Direito, pois a retenção ou ocultação de informações podem representar características de um regime ditatorial e sem legitimidade de atuação.20
Diante da regulamentação do direito de acesso à informação no âmbito internacional, conforme exposto acima, neste tópico o direito será analisado pelo prisma do ordenamento jurídico brasileiro, através das Convenções incorporadas pelo Brasil, bem como da regulamentação pela legislação infraconstitucional.
Inicialmente, há de se destacar a hierarquia dos tratados adotada por este trabalho. Ainda que haja controvérsia sobre hierarquia dos tratados no Direito brasileiro, este trabalho adota a tese da hierarquia supraconstitucional relativa. Relativa, pois a solução hierarquizante para resolver de conflitos normativos não é absoluta. No paradigma da convencionalidade, a hierarquia cede ao critério pro persona e às interpretações jurisprudenciais internacionais e nacionais vinculantes aos Poderes de Estado.21
A hierarquia supraconstitucional relativa fundamenta-se na interpretação dos seguintes dispositivos constitucionais: artigo 4º, I; artigo 5º, §§ 1º, 2º e 3º; artigo 102, III, “b”; artigo 105, III, “a”.22 Como o Brasil assumiu a primazia dos direitos humanos e afirmou em sua Constituição que o catálogo de direitos fundamentos não exclui as normas de tratados internacionais, ao fazê-lo deu privilégio aos tratados inclusive frente a normas constitucionais que limitem o exercício dos direitos humanos.
Como lembra Romeu Felipe Bacellar Filho, “após a ratificação, o tratado é promulgado por decreto do Presidente da República e publicado no Diário Oficial da União, integrando-se ao ordenamento jurídico infraconstitucional e passando a ter aplicabilidade e executoriedade internas.”23 Assim, tanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), como Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDSCP) foram devidamente recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme o Decreto nº 678 de 1992 e o Decreto nº 592, que internalizaram as referidas Convenções no ordenamento brasileiro.
Ou seja, após a conclusão do procedimento de recepção dos tratados internacionais o Estado brasileiro passou a estar submetido às normas e princípios estabelecidos pelas convenções internacionais e deve garantir os instrumentos necessários para seu fiel cumprimento.
Em consonância com o regramento constitucional e convencional citados, o direito de acesso à informação no Brasil está regulamentado pela legislação infraconstitucional, especificamente pela Lei nº 12.527, promulgada em 18 de novembro de 2011. A lei é regulamentada no âmbito federal pelo Decreto nº 7.724 de novembro de 2012. O direito não é, porém, exercido de modo irrestrito. No sistema jurídico brasileiro não há um direito absoluto, e com o direito de acesso à informação não é diferente.24 O constituinte originário elencou a primeira hipótese de restrição no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, o qual determina que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações “ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Todavia, o conceito de “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” não foi trazido pela Constituição Federal de 1988, de modo que representa hipótese genérica e ampla. O constituinte deixou a encargo do legislador a regulamentação desta hipótese de restrição. Assim, o artigo 23 da Lei nº 12.527/2011 busca reduzir a indeterminação deste conceito, elencando em seus incisos os casos em que são considerados imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado.25 Além disto, a lei estabelece uma classificação das informações em três categorias - ultrassecreta, secreta ou reservada – as quais possuem diferentes prazos máximos de restrições ao seu acesso.26 A segunda hipótese de restrição ao acesso a informações públicas está ligada ao direito constitucional de privacidade,27 regulamentado pelo legislados no artigo 31 da Lei nº 12.527/2011.28
Essas hipóteses evidenciam o fato de que o acesso a informações públicas não representa um direito absoluto. Mas seja como for, a regra geral é a da publicidade, sendo o sigilo da informação sempre uma exceção, como determina o inciso I do artigo 3º da Lei nº 12.527.29
Importante destacar também que o direito de acesso à informação regulamentado pela referida lei é muito mais amplo que o direito geral de acesso a arquivos e documentos públicos decorrentes de processo administrativo. Se o direito de acesso à informação é garantido genericamente a todos os cidadãos, não resta dúvidas quanto à necessidade de seu absoluto respeito em favor de quem for diretamente interessado pela informação pública.30
O legislador conceituou informação no inciso I do artigo 4º da lei como “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato”. Assim, informação representa os dados disponíveis nos órgãos administrativos, especialmente em algum documento, físico ou eletrônico, que está em posse da Administração no momento em que o pedido é solicitado. De forma que se exclui do direito de acesso dados de que a Administração Pública não dispõe.31
Tendo em vista que a Lei nº 12.527/2011 regula um direito fundamental e humano, todas as pessoas, brasileiras ou estrangeiras, são titulares do direito de acesso à informação pública. E embora seja polêmica a questão da titularidade de direitos humanos por pessoas jurídicas, tem-se que toda vez que a informação implica algum dado de interesse de pessoa natural as pessoas jurídicas de direito privado também têm o direito de acesso à informação pública.32
A fim de verificar o cumprimento do direito de acesso à informação e o próprio cumprimento de sentenças internacionais pelo Estado brasileiro, no decorrer de pesquisa sobre o caso Garibaldi vs. Brasil33 foram realizados dois pedidos de acesso à informação por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic).34 O e-Sic permite que qualquer pessoa, física ou jurídica, encaminhe pedidos de acesso à informação, acompanhe seu andamento e prazos, e receba a resposta da solicitação realizada para órgãos e entidades do Executivo Federal.
Os pedidos analisados neste estudo, gratuitos segundo a legislação, foram realizados no marco de pesquisa de Projeto financiado pelo CNPq e intitulado “Impacto das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Administração Pública brasileira: uma análise de casos”.35
O primeiro pedido foi enviado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos na data de 12 de dezembro de 2018.36 Questionou-se no pedido a competência do Ministério para cumprimento da sentença; quais medidas foram adotadas para o efetivo cumprimento da sentença e para viabilizar a conclusão da investigação dos responsáveis pela morte de Sétimo Graibaldi dentro de um prazo razoável e, também, qual o andamento processual após o ano de 2012 até o momento atual, tendo em vista que a última atualização pela Corte IDH acerca do cumprimento da sentença foi feita anos atrás, em 2012. As perguntas dirigidas com base na Lei de Acesso à Informação forma:
A Advocacia Geral da União é o órgão responsável pelo cumprimento da sentença internacional do Caso Garibaldi? Em caso negativo, qual o órgão a Administração Federal ou Estadual responsável?;
Quais medidas foram, até o momento, efetivadas pelo(s) órgão(s) para obrigar o ente federado/Estado a cumprir o item da decisão corresponde a “conduzir eficazmente e dentro de um prazo razoável a investigação acerca da morte de Sétimo, para identificar e principalmente, julgar e sancionar os autores do crime”?;
Qual o período médio de demora de resposta dos órgãos brasileiros à Corte Interamericana de Direitos Humanos?;
A respeito da indenização dos familiares de Sétimo. Por que não foram apresentados os cálculos de juros dos valores? E, qual órgão da administração brasileira foi responsável pelo pagamento? Ainda, há algum documento que comprove o efetivo pagamento, além do relatório de supervisão de cumprimento de sentença de 2012?
Desde 2012, qual foi o andamento processual a respeito da investigação criminal da morte de Sétimo Garibaldi?
Este pedido inicial foi respondido na data de 27 de dezembro de 2018, esclarecendo que a competência do dito Ministério é, tão-somente, contribuir para a construção dos documentos que têm a finalidade de relatar aos órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos as ações do Estado brasileiro para o cumprimento de decisões da Comissão e da Corte IDH, conforme o Decreto nº 9.112/2017.37
Quanto ao requisito acerca do pagamento das indenizações à família de Sétimo Garibaldi, o Ministério respondeu que o Estado brasileiro realizou o pagamento integral das indenizações em 15 de março de 2011 (conforme Decreto Presidencial nº 7.307 de 22 de setembro de 2010). O pagamento, segundo a resposta enviada, foi complementado com o pagamento de juros de mora sobre a quantia devida, correspondente aos juros bancários de mora no Brasil (Ofício nº 380/2011).38
O pagamento, segundo o ofício de resposta ao pedido de acesso à informação, foi realizado pela Secretaria de Gestão de Política em Direitos Humanos da Presidência da República e do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio de transferência bancária, realizados diretamente às vítimas mencionadas na sentença. Essas informações complementares foram obtidas através dos anexos enviados na resposta ao pedido de acesso à informação.
Quanto aos demais questionamentos enviados no primeiro pedido de acesso à informação, a resposta genérica obtida foi que o restante das informações era de competência do Ministério de Relações Exteriores, sendo necessário solicitar explicações ao referido órgão.
Seguindo a orientação traçada pelo Ministério requisitado, foi realizado o segundo pedido de acesso à informação na pesquisa, dirigido ao Ministério das Relações Exteriores no dia 20 de junho de 2019. Neste segundo pedido as perguntas mencionadas acima foram repetidas, indagando principalmente quais medidas foram tomadas até o momento para obrigar o ente federado Estado do Paraná (local dos fatos) a cumprir as determinações da sentença da Corte IDH.
A resposta ao pedido de acesso à informação foi enviada na data de 18 de julho de 2019, e todos os pedidos foram negados com fundamento do art. 36 da Lei nº 12.527/2011. Constou no ofício de resposta: “O tratamento de informação sigilosa resultante de tratados, acordos ou atos internacionais atenderá às normas e recomendações constantes desses instrumentos”.
Em suma, o Ministério negou acesso às informações pelo fundamento de que os questionamentos eram referentes ao procedimento em trâmite na Corte IDH, cujos relatórios finais ainda não foram publicados. A resposta enviada pelo Ministério se fundamentou no fato de que no âmbito da Corte IDH a negativa de informações tem levado supostamente em conta três elementos:
(i) os documentos internos da Corte IDH são tratados por esse órgão como sigilosos, inclusive aqueles trocados entre Estados e peticionários – tratamento baseado em interpretação do disposto no Artigo 20 do Regulamento da Corte IDH, relativo às atas das reuniões de trabalho; (ii) a Corte IDH preserva o direito das vítimas de manterem seus nomes reservados, caso esse interesse tenha sido manifestado e justificado, e pode ocultar o nome de testemunhas e peritos caso considere prudente; e (iii) os relatórios de admissibilidade e de mérito são documentos confidenciais até que a Comissão os divulgue.39
A resposta representa uma aplicação genérica da restrição de acesso à informação pública. Pior: não se enquadra nas hipóteses de sigilo previstas na Lei de Acesso à Informação, pois as vítimas são conhecidas na sentença e a condenação é pública. Ademais, ainda que os relatórios da Corte IDH ainda não estivessem publicados, seria o caso ao menos de resposta parcial, tendo em vista que foram enviadas perguntas que poderiam ter sido respondidas a contento, como por exemplo “Qual o período médio de demora de resposta dos órgãos brasileiros à Corte IDH?”.40
Diante disto, é possível notar que as normas legais não são respeitadas pela União Federal, ainda que a regra que emana do direito humano de acesso à informação seja a transparência. Isto é, os pedidos de acesso não podem ser rejeitados arbitrariamente, como aconteceu no caso em tela mediante utilização de respostas e fundamentos genéricos, como fez o Estado brasileiro.
Sendo assim, ainda que o retorno enviado pelo Ministério requisitado tenha sido rápido, dentro do prazo de um mês, a resposta não se mostrou adequada às determinações da Lei nº 12.527/2011, a Constituição Federal e às Convenções Internacionais, pois evidentemente incompletas e não fundamentadas. Disso só se poderia extrair que o Estado brasileiro além de não cumprir o direito humano de acesso à informação, também não cumpre as condenações internacionais a que sujeito.
A proteção aos direitos humanos é um dos valores mais essenciais para a sociedade e de maior relevância para o Direito Internacional. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 representa a preocupação do Estado em garantir a proteção aos direitos fundamentais e humanos, refletindo uma tendência mundial, na qual a pessoa humana passa a ser o centro das relações jurídicas.
É inegável a importância do direito fundamental e humano de acesso à informação pública no cenário internacional, pois conforme demonstrado, mas sem o intuito de esgotar o tema, há diversas previsões normativas que garantem aquele direito.
Contudo, para que o acesso à informação cumpra efetivamente seu papel, sendo um elemento essencial a democracia, é necessário que os Estados além de recepcionarem as Convenções Internacionais, tenham uma legislação nacional compatível com as normas internacionais, bem como apresentem as ferramentas necessárias para que o cidadão exerça este direito.
O Governo brasileiro apresenta como ferramenta o do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic). Mas conforme se extrai do caso sob estudo, embora o e-Sic apresente respostas rápidas aos cidadãos, não cumpre com o dever de informar plenamente os questionamentos dirigidos ao Estado. As respostas ou são incompletas, ou não atendem a regra geral de transparência, fundamentando-se em hipótese de sigilo que é ilegal. Na pior das hipóteses, há um amálgama dessas duas situações de inconvencionalidade, inconstitucionalidade e ilegalidade.
Em que pese o progresso representado pela promulgação da Lei nº 12.527/2011, na realidade brasileira ainda persiste a cultura do sigilo, manifestada por conceitos abstratos e fundamentações genéricas que dão espaço para arbitrariedades e negativas antijurídicas.
Ainda que o presente trabalho aborde o estudo apenas do Caso Garibaldi vs. Brasil, a solução dada para uma das condenações que o Brasil sofreu, representada pela negativa de resposta, mostra o atraso no cumprimento das sentenças internacionais e no cumprimento do próprio direito fundamental e humano de acesso à informação.
Como citar este artículo | How to cite this article: ANTUNES, Camila de Azevedo; GUSSOLI, Felipe Klein Convencionalidade e direito de acesso à informação: estudo de caso de requerimento sobre cumprimento de sentença internacional no Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-Sic). Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 7, n. 2, p. 333-346, jul./dic. 2020. DOI 10.14409/redoeda.v7i2.9535