Resumo: A relação existente entre o Estado e as empresas é uma discussão antiga. O governo recorre ao Direito para criar as diretrizes que serão acatadas pelas empresas e pela sociedade e o Direito, por sua vez, utiliza os princípios e enunciados da economia para mensurar se as legislações e interferência propostas foram eficientes. O Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, precisa incentivar o desenvolvimento econômico, mas não pode desconsiderar a tutela da coletividade e a justiça social. Os avanços nessa temática, oriundos da Análise Econômica do Direito, motivam o debate da questão. Este texto discorre sobre a intervenção estatal nas relações empresariais e de consumo, exemplificando com alguns casos práticos e traçando apontamentos referentes a esta compatibilização. Para fundamentar o trabalho, realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre a relação do mercado e o Estado, passando pelas ferramentas de economia comportamental, quais sejam atalhos do pensamento, erros sistemáticos e nudges. Propõe, assim, que as intervenções estatais nas relações empresariais devem ser limitadas aos casos em que o próprio mercado não consiga apresentar soluções que estimulem a economia e garantam a tutela dos interesses da coletividade.
Palavras-chave: intervenção estatal, justiça social, relação empresarial, relação de consumo, nudges.
Abstract: The relationship between the State and companies is an old discussion. The government uses the Law to create guidelines that will be followed by companies and society and the Law, in turn, uses the principles and statements of the economy to measure whether the proposed legislation and interference were efficient. Brazil, as of the Federal Constitution of 1988, needs to encourage economic development, but it cannot disregard the protection of the community and social justice. Advances in this theme, arising from the Economic Analysis of Law, motivate the debate on the issue. This text discusses state intervention in business and consumer relations, exemplifying with some practical cases and drawing notes regarding this compatibility. To support the work, a bibliographical research was carried out on the relationship between the market and the State, passing through behavioral economics tools, namely shortcuts of thought, systematic errors and nudges. It proposes, therefore, that state interventions in business relations should be limited to cases in which the market itself cannot provide solutions that stimulate the economy and guarantee the protection of the interests of the community.
Keywords: state intervention, social justice, business relations, consumption relations, nudges.
A intervenção estatal nas relações empresariais e de consumo
State intervention in business and consumer relations
Recepción: 23 Junio 2021
Aprobación: 17 Noviembre 2021
Este texto discorre sobre os limites à intervenção do Estado nas relações empresariais e nas relações de consumo e de como essa intervenção, quando necessária, pode atingir melhores resultados com o auxílio da Análise Econômica do Direito.
Para tanto, visitou celeremente o conceito de Estado, a Constituição Federal brasileira e as políticas públicas no intuito de destacar que as intervenções do Estado na economia devem considerar os preceitos constitucionais sem deixar de tutelar a coletividade e garantir a justiça social. Verificou-se rapidamente a ideação de direito, economia e Análise Econômica do Direito, com alguns de seus instrumentais para realizar a correlação entre todos estes institutos.
Segundo Bresser Pereira, o Estado é um conceito impreciso na ciência política, ora associado ao governo, ora Estado-nação (país) e até mesmo a regime político. E diante de tal imprecisão conceitual, o Estado é como “uma parte da sociedade. É uma estrutura política e organizacional que se sobrepõe à sociedade ao mesmo tempo que dela faz parte”.[1]
E é a partir da Constituição Federal de 1988 que se retoma o Estado Democrático de Direito pautado em prol da democracia e da justiça social, tornando este momento como um marco na agenda das políticas públicas.[2] Em 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, essa política de viés social anunciada pela Constituição Federal recua em função da globalização do capital, que se centrava no neoliberalismo. Nesse processo prevalece à minimização do Estado na economia e na consolidação de políticas sociais, aliado a um forte processo de privatização. Em 2002, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, retoma-se mesmo no cenário do neoliberalismo, à materialização da Constituição Federal, em especial, as políticas sociais voltadas para a área social e os direitos sociais.[3]
A partir deste período, as políticas públicas entendidas como ações governamentais que buscam ao mesmo tempo “colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação [...] e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações [...]”,[4] começam a ser formuladas e implementadas.
Nesse cenário, percebe-se que a intervenção do Estado delineado legalmente na Constituição Federal sofreu alterações com a política neoliberal, deixando de intervir diretamente na economia. Por este motivo, sua condição de interpor ações em setores da economia é limitada, mas tais ações são formuladas e aplicadas para amenizar as desigualdades existentes entre consumidor e agentes econômicos/mercado.
O Estado se utiliza do Direito para intervir na sociedade criando legislações que intuem incentivar os cidadãos a realizarem/não realizarem certas condutas, conforme o interesse tutelado em determinada política pública, enfatizando a garantia dos interesses individuais dos cidadãos. Porém, como os recursos estatais são escassos e as necessidades humanas ilimitadas, não pode mais ser aceito a criação de legislações, políticas públicas e demais, sem que haja um planejamento estatal, com objetivos claros e que apresente resultados eficientes. Para isso, o Direito necessitou auxílio da Economia.
Objetivamente o Direito é a maneira utilizada para regular o comportamento humano, enquanto que a Economia analisa como os homens tomam suas decisões e se relacionam em um mundo que os recursos são finitos, além das consequências dessas deliberações. A Análise Econômica do Direito é o ramo do conhecimento humano que objetiva utilizar os aparatos econômicos para expandir a compreensão e relevância do Direito, aperfeiçoando o mesmo, avaliando as normas jurídicas e verificando suas consequências.[5]
Isso porque não adianta criarem várias políticas públicas ou normas legais com intuito de redistribuição da renda e desenvolvimento sem se analisar qual o alcance dessa política pública/norma, um prazo para se verificar o resultado que será obtido e, ainda mais importante, se não seria possível outra política pública ou norma que gastasse os mesmos recursos e obtivesse melhor resultado no item que se procura alcançar.
Para sustentar teoricamente esta pesquisa bibliográfica e entender os limites das intervenções estatais nas relações empresariais e nas de consumo, apropria-se do estudo realizado por Ribeiro e Barros (2014) que analisaram o mercado de bebidas frias e dialogaram com o direito antitrustes[6] e a propriedade industrial. Apodera-se da pesquisa de Ribeiro e Kobus (2013) que aprofundam a discussão acerca do mercado de bebida fria, conceituando o termo mercado relevante e as barreiras à entrada de novos agentes econômicos neste segmento. Recorre-se a tese de Alves (2019), em especial, o terceiro capítulo que elucida as ferramentas comportamentais (heurísticas, vieses e nugdes) que podem auxiliar nos litígios judiciários. Por fim, a discussão de Craswell (1991) que revela como o custo das regras legais ocorre tendo como referência analítica o pró-consumidor.
As grandes corporações visam o lucro, buscam ser economicamente eficientes em que se entende como eficiência econômica a possibilidade de se obter o maior retorno possível, levando-se em consideração os custos envolvidos no processo. Isso porque o sistema imperativo ao seu funcionamento é o capitalismo, em que é necessário lucrar sempre mais, sem preocupar-se com a perda social que pode advir dessa busca pela lucratividade.
O Estado, por sua vez, precisa alocar seus recursos de maneira social e economicamente eficiente, tendo custos de oportunidade diversos daqueles analisados pelas instituições privadas, pois não pode se preocupar somente com a economia de sua nação, mas também preocupar-se com o desenvolvimento social.
Como o capitalismo preocupa-se tão somente com a mais valia, o Estado precisa intervir para regular as situações comerciais existentes quando elas se sobrepõem as necessidades sociais da população. Essa intervenção pode ocorrer através da atividade regulatória. Para demonstrar casos em que a atividade regulatória se fez necessária analisou-se o seguimento de bebidas frias.
Ribeiro e Barros salientam que o estudo que realizaram teve como escopo o segmento de bebidas frias (águas envasadas, refrigerantes, isotônicos e cervejas) que nos últimos anos têm crescido consideravelmente e se classifica como um setor importantíssimo para o desenvolvimento econômico brasileiro (representa 3% do PIB nacional) possuindo um mercado disputadíssimo entre seus agentes econômicos, ocasionando condutas anticoncorrenciais e violações de propriedade industrial.[7]
Por ter um alcance significativo no território brasileiro, o setor de bebidas frias é representado por grandes corporações, sendo que no setor de refrigerantes apenas duas corporações (Coca-Cola, AmBev) representam um percentual de 90% do mercado. Já no setor de cervejas, quatro grupos empresariais (AmBev, Brasil Kirin, Heineken e Cervejaria Petrópolis) dominam 99% da comercialização. Esses grupos, com estratégias de permanecer no mercado e eliminar a concorrência, investem em propaganda, embalagens, tecnologia e inovação.
Em contrapartida, as pequenas empresas cuja presença mercadológica é tímida são as que geram mais empregos (direto e indireto), são as fontes de desenvolvimento local e contribuem na preservação cultural regional. Tal realidade remete uma relação concorrencial desigual, ferindo os preceitos constitucionais:
Art. 1º estabelecem como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Art. 3º: como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais.[8]
Desse modo, “as pequenas empresas de bebidas, portanto, materializam fundamentos constitucionais, de modo que ao direito antitruste caberá o dever de preservá-las”.[9] Isso significa que o Estado preocupado com tais fundamentos e com os benefícios dos consumidores, elabora políticas públicas, como a Lei Antitruste, por considerar que a concorrência é um mecanismo saudável, fomenta possibilidades de oportunidade dentro do mercado e traz eficiência na produção. Bem como acredita que “constituir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, assegurar a existência digna e os ditames da justiça social”[10] é importante.
É certo que o Governo reconhece os investimentos em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e industrial pelas empresas de bebidas frias citadas anteriormente, todavia deve ainda atender, enquanto propriedade intelectual,[11] sua função social. Nessa mesma linha, as referidas instâncias reconhecem ainda como prática delituosa o monopólio e o poder centralizado na mão de um número pequeno de empresas. E para instaurar, instruir, fiscalizar, controlar e julgar, a entidade judicante Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE possui jurisdição em todo território nacional:
Em casos de exploração abusiva da propriedade intelectual, o Estado deve intervir, por meio de mecanismos previstos na própria Lei da Propriedade Industrial, como a concessão de licenças compulsórias, e pela aplicação de regras e sanções concorrenciais, impostas pela sua entidade judicante – CADE.[12]
Desse modo, o Estado intervém por meio de mecanismos legais que amparam a livre concorrência e a propriedade industrial, combatendo condutas anticoncorrenciais para alcançar a promoção do desenvolvimento nacional e o bem-estar dos consumidores.
Nessa mesma linha, o estudo realizado por Ribeiro e Kobus que analisa o setor de bebidas frias traz uma contribuição significativa ao discorrer sobre o conceito de mercado relevante, por ser um elemento importante na análise dos casos conduzidos por órgãos antitrustes. O setor de bebida “tem sido fundamental para a aprovação de atos concentracionistas”[13] porque impede novos competidores, dificulta a inserção de novos agentes econômicos, afetando de forma expressiva o processo concorrencial e favorecendo a concentração empresarial e de renda. E é nesse cenário que o Estado pode intervir no caso de danos concorrenciais que prejudiquem diretamente aos consumidores.
Nessa perspectiva, o mercado relevante do produto pode ser definido “como aquele constituído de produtos idênticos ou afins, nos tidos pelos consumidores como intercambiáveis em decorrência das suas características preço e uso”.[14]
Assim, refrigerantes e cervejas fazem parte deste mercado relevante formado pelas maiores empresas que exercem o poder de mercado e pelas empresas regionais que atuam de forma limitada em função das barreiras impostas por aquelas que comandam o mercado. Por este motivo, esse setor se classifica como altamente concentrado, permitindo a elevação de preços pela inexistência de concorrência e a formação de empresas cartelizadas que abusam e restringem a competição no mercado.
E ainda, o setor de bebidas frias investe expressivamente em propaganda, marketing e embalagens, sem falar da fidelização dos consumidores e a distribuição destes produtos que está em todo território nacional, o que reforça e revela a imperfeição do sistema concorrencial, em consequência disso, “as forças de intervenção no âmbito concorrencial estão atreladas a questões muito mais próximas de opções de política econômica do que a serviço da garantia do princípio da liberdade de iniciativa e de concorrência”.[15] Desse jeito, percebem-se as práticas abusivas por parte do segmento de bebidas frias ferindo as normas de defesa da concorrência por deixar de tutelar a coletividade, ou seja, por gerar dano à coletividade.
A intervenção estatal nas relações empresariais ocorre de maneiras variadas, seja pela legislação anticoncorrencial ou através de agências reguladoras, que só devem ocorrer em casos de relevância social e territorial, como anteriormente explanado.
Exemplifica-se com as propostas recentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A primeira se refere à rotulagem nutricional dos alimentos, em que a ideia central é que a rotulagem nutricional seja utilizada como instrumento de saúde pública, promovendo uma dieta saudável, que possibilitará o enfrentamento ao excesso de peso e doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes e problemas cardiovasculares. A Análise de Impacto Regulatório enfatiza que às DCNT são atribuídas 74% dos óbitos, sendo que as doenças cardiovasculares estão em primeiro lugar nos motivos de internamentos hospitalares no Brasil.[16]
A mesma agência regulatória está em movimentação com o intuito de monitorar economicamente e divulgar informações sobre produtos de saúde, argumentando que a saúde é um bem público, de relevante valor social, fator predominante na economia de um Estado, pois pessoas doentes reduzem sua produção laboral e que a disfuncionalidade do mercado de produtos de saúde no Brasil geram consequências econômico-sociais imediatas, como: preços desproporcionais, crescimento da corrupção através da facilidade de negociação pessoal nas estruturas institucionais do sistema de saúde.[17]
A intervenção estatal no setor de bebidas frias, pelos estudos apontados, fez-se necessária para preservar o consumidor, dado a relevância do mercado nacional existente e as barreiras apresentadas pelo setor para que pequenas empresas possam competir, ferindo a concorrência.
Já nas questões de saúde, o Estado está interagindo com o mercado no sentido de regular os problemas que geram consequências enormes na economia nacional, lesando os consumidores. O Brasil possui um sistema de saúde público e, por isso, grande parte das verbas estatais é destinada a mantença deste sistema, portanto, os produtos de saúde são consumidos diretamente pelo Estado quando os compra para destinar a população.
A saúde pública brasileira está ligada aos alimentos que a população consome, sendo produtos industrializados em excesso sem sopesar a quantidade de açucares, conservantes, aditivos e demais itens prejudiciais existentes nos mesmos que faz com que as pessoas adoeçam. Com o intuito de frear esse consumo excessivo, o Estado pretende interferir no mercado de alimentos, exigindo padrões internacionais de rotulagem que informe aos consumidores os riscos existentes no produto consumido. Pretende diminuir o consumo de produtos capazes de gerar maiores riscos à saúde da população, o que fará com que seu gasto na área da saúde, pelo menos com as doenças crônicas, também diminua, o que possibilitará que os recursos sejam dirigidos para outras necessidades.
Se a proposta em análise for implementada, o governo está de fato interferindo no funcionamento do mercado, pois com a alteração da rotulagem as empresas serão incentivadas a criarem produtos com menos açucares e gorduras para que seus produtos não sejam rotulados negativamente. Isso sem mencionar que os custos maiores que serão gerados pela nova rotulagem, serão passados ao consumidor, que arcará com maior preço no produto final, o que causará alteração em todo o sistema de comercialização de alimentos.
A posição aqui defendida é a de que a interferência estatal só ocorra em casos específicos e essenciais, em que existe um risco social relevante, sempre intuindo garantir a livre negociação e concorrência entre empresas e consumidores.
Por sua vez, a proposta de monitorar economicamente e divulgar informações acerca de produtos de saúde tem uma natureza muito mais profunda no controle dos gastos estatais e no repasse desses produtos aos consumidores, que são itens essenciais para que os mesmos sejam produtivos e atuantes.
O rol de produtos de saúde é extenso, assim sendo, de grande dificuldade para sua observação econômica pela administração pública, isso aliado ao fato do Brasil possuir um extenso território, auxiliar sua população com um sistema de saúde público, o que dificulta a conferência real dos gastos realizados. Os valores pagos pelos mesmos itens dentro do território nacional são muito diversos e, numa análise microeconômica, quase impossível visualizar se deveria esses itens sofrerem tanta alteração por causa do espaço geográfico em que se localizam. Assim, com um monitoramento econômico ficaria possível essa aferição.[18]
Acertada interferência no mercado ocorreu com a quebra de patente ou licenciamento compulsório e a implementação da lei dos genéricos, que possibilitou que milhões de brasileiros tivessem acesso a medicamentos essenciais, bem como acelerou a indústria nacional.[19]
Desta feita, demonstra-se que a interferência estatal, mesmo em uma economia de mercado que se assemelha as teses neoliberalistas,[20]como é o caso do Brasil, pode ocorrer desde que seja para garantir princípios do Estado Social de maneira limitada e controlada.
O Estado precisa se preocupar com o desenvolvimento social, entretanto é evidente que o mesmo só ocorrerá se houverem recursos financeiros, que por sua vez advém do capital privado, através de impostos. Assim, é primordial que o Estado e o capital privado dialoguem no sentido de transitarem positivamente entre todos os interesses envolvidos, que o Estado permita o crescimento econômico empresarial, deixando que as empresas negociem livremente, mas intervindo para que o mínimo social seja garantido.
Para isso, o Estado precisa utilizar as ferramentas da Análise Econômica do Direito, principalmente realizando estudos prévios das políticas/interferências que pretende utilizar. As empresas, em suas relações privadas, já fazem uso dessas ferramentas, conforme os estudos sequenciais apontarão.
A pesquisa realizada por Alves (2019) discute a inserção de novos elementos na análise do funcionamento da empresa a partir da economia comportamental, que pode ser compreendida como:
[...] um dos movimentos que romperam com o pensamento neoclássico da economia e que propuseram novas formas de se analisar o comportamento humano, para desenvolver uma linha autônoma de estudo econômico que buscou ampliar a compreensão acerca das tomadas de decisões dos agentes.[21]
A economia comportamental ao analisar o comportamento humano auxilia na compreensão da tomada de decisões dos agentes econômicos que, por sua vez, são suas condutas na prática empresarial que vão alicerçar suas decisões, ora acertando outra errando. Ou seja:
A economia comportamental se revelou importante com a criação de novas categorias de análise, aprofundando o entendimento sobre o que leva os agentes econômicos a errar e de como é possível criar mecanismos que diminuam ou evitem muitos dos equívocos cometidos nas variadas relações humanas.[22]
As ferramentas comportamentais[23] e/ou indutores de comportamento contribuem não somente para compreender os agentes econômicos, mas servem de aporte para as interpretações jurídicas aplicadas aos negócios, na economia. Em outras palavras, se ocorrem erros que não se deram em função da irracionalidade dos sujeitos envolvidos, considerando que a racionalidade costuma ser uma das características marcantes na atividade empresarial, já que o risco é um elemento recorrente neste setor, mas aconteceram em função dos atalhos do pensamento dos agentes econômicos que, direta ou indiretamente, contribuem para o acontecimento de equívocos durante uma negociação empresarial.
Desse modo, traça-se a seguir os atalhos que interferem segundo a economia comportamental na decisão e/ou nas escolhas, como, por exemplo, a compra e venda empresarial.
Segundo Tverksy e Kahneman, as ferramentas comportamentais são formadas pelos atalhos do pensamento, pelos erros sistemáticos e pelos nudges.[24] Os atalhos do pensamento são as heurísticas e, os erros sistemáticos são os vieses. As heurísticas podem se manifestar no contexto empresarial a partir: da disponibilidade; da ancoragem; e da representatividade. A primeira refere-se quando o agente econômico recorre aos fatos que já aconteceram, como possíveis ganhos ou perdas consideráveis; a segunda, gera entusiasmo deixando de enxergar possíveis deficiências na negociação empresarial; a última, remete aquela visão de destaque no mercado, possibilidades de se tornar referência num determinado ramo. E, ao fazer a diligência in loco, o agente econômico não analisa profundamente o contrato, realiza a operação intuindo se tornar um importante concorrente no mercado.[25]
Como as heurísticas foram incidentes consequentemente os vieses serão também, que por sua vez são: viés de aversão ao extremo, viés de retrospectiva, viés de otimismo e viés do status quo. O primeiro quando o agente econômico pondera e estuda todas as alternativas possíveis para tentar evitar riscos; o segundo trata de averiguar dados passados de uma ação (ganho ou perda) ocorrida e avaliar, a partir dela, o futuro, como se o erro ou o risco ora acontecido se repetirá, por ter sido previsto; o terceiro, o otimismo, conduz o agente a pensar que os riscos ou situação com ele será diferente do que com outros agentes, em função da sua própria capacidade de escolha e decisão; o último, o status quo é uma ação em que o agente está satisfeito como está, portanto, não deseja mudança, não se preocupa em se ocupar ou buscar novas ações.
A terceira ferramenta comportamental é o nudge, entendido como empurrões e/ou cutucões para que as escolhas feitas pelos agentes econômicos promovam o bem-estar, tanto no setor público como privado.
A implementação de nudges nas políticas públicas por meio de intervenções suaves na decisão dos indivíduos. Por se tratar de uma ação que intervêm em processos decisórios, deve haver uma atenção redobrada sobre a vontade do cidadão de modo a garantir que o agente influenciador (responsável pelo nudge) encontra-se, realmente, na busca do bem-estar social. Somente com este tipo de cuidado, considera-se essa intervenção legítima.[26]
Richard Thaler[27] e Cass Sunstein,[28] ao defenderem a intervenção estatal reguladora no campo empresarial cuja finalidade é melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, fez com que eles criassem o modelo de paternalismo libertário que por sua vez está “vinculado à economia comportamental em suas premissas - para indicar uma forma de intervenção na liberdade individual que tem por objetivo promover (incentivar) ou evitar (desincentivar) determinados comportamentos dos agentes”.[29] E ainda o paternalismo libertário:
[...] pretende reforçar a liberdade do sujeito a partir dos estímulos fornecidos por aquele que arquiteta as opções. Afirmam que a intenção é de ampliar a capacidade de observação do agente, com o pressuposto de que a partir do nudge se faria mais evidente a melhor alternativa disponível ao tomador de decisão.[30]
Tal medida que não limita a tomada de decisão faz com que as escolhas e as tomadas de decisões sejam observadas atentamente pelo agente econômico. E no que se refere ao melhoramento das análises de contratos de compra e venda de empresas, Alves (2019) afirma que a visão política do paternalismo libertário seria um recurso, como o nudges, para ser adotado tanto pelos entes públicos como os privados, que poderiam auxiliá-los frente aos resultados ruins, frutos de decisões heurísticas e vieses.
Assim, os mecanismos paternalismo libertário e nudges podem ser “adotados por entes públicos e privados para vencer os resultados tidos como ruins, provenientes das decisões embasadas nessas heurísticas e vieses, sem, ainda, comprometer as decisões tomadas de forma deliberada por outros indivíduos”.[31]
Caberia, portanto, uma atuação estatal, inclusive de forma regulatória, perante essas questões; uma política intervencionista que inspirada na crença dos vieses de incompetência realizaria intervenções, enquanto dispositivos de influência de escolha. Seria como um “empurrãozinho” para as coisas certas. Dentre os possíveis exemplos: a) doação de órgãos; b) poupar para aposentar; c) evitar empréstimos a juros altos; d) diminuir o consumo de açúcar; e) diminuir a obesidade e, outros, os quais são frutos de comportamento individual, e quando tidos como errados, ruins, o Estado intervém com medidas que favoreçam tais indivíduos a tomada de decisão.
Inclusive, até mesmo o “o Poder Judiciário se depara com a necessidade de intervir nas relações privadas, a fim de equilibrar, reequilibrar ou cessar abusos de uma das partes em relação à outra”.[32] Tal cenário intervencionista conduz a seguinte indagação: será que recorrer às estruturas de escolhas e nudges não compromete a autonomia humana frente a suas escolhas? Essa interferência não limita, coibi a liberdade do indivíduo? Mesmo não sendo coercitivo, o paternalismo libertário não considera como válido o entendimento das pessoas em mensurar suas escolhas?
As limitações à intervenção do Estado, de forma geral, e do poder julgador, de forma específica, não se tornam menos questionáveis ao se compreender as falhas de julgamento nas escolhas que a teoria comportamentalista destaca. Nem mesmo, sob a ótica dos pequenos estímulos, ou do Paternalismo Libertário, a intervenção deve prevalecer sobre as escolhas dos agentes econômicos nas situações ordinárias.[33]
Apesar de intervir, o Estado deixa claro que as escolhas dos agentes econômicos prevalecem, exceto em situações ordinárias. Todavia, induz a questionar se: tal política não seria uma forma de manipular potencialmente a autonomia e a liberdade humana? E ainda, direcionar determinados comportamentos, desconsiderando talvez a cultura local? Por fim, os riscos e as escolhas erradas e ruins não educam?
Sabe-se que o risco é parte integrante de qualquer transação econômica, raro são os contratos perfeitos, por este motivo, faz-se importante à intervenção do Estado “por meio de lei, estipulando limitações e ingerindo nas relações estabelecidas entre os empresários, mitigando a autonomia privada, como se observa na redação originária do art. 421 do Código Civil brasileiro”.[34] Outro instrumento foi a Medida Provisória 881,[35] convertida na Lei 13.874/19, com a finalidade de reforçar a autonomia privada e/ou regular o campo empresarial, possibilitando flexibilização de leis trabalhistas, eliminando a anterior necessidade de alvarás para atividades de baixo risco e outras medidas.
E para finalizar a presente discussão, o estudo de Craswell[36] destaca que muitas regras legais definem as relações entre vendedores de bens e serviços e seus clientes (o direito contratual, a lei de responsabilidade sobre produtos, lei de responsabilidade dos proprietários de moradias, a lei devedor-credor) preconizando a eficiência econômica e o bem-estar conjunto de compradores e vendedores sem distinguir, de forma objetiva, o que cada vendedor e comprador ganham. Ainda lembra que as pessoas, geralmente, atribuem mais peso ao bem-estar dos consumidores do que para o bem-estar dos vendedores.
Para isso, define a posição pró-consumidor pautada como uma análise de eficiência, uma vez que o efeito de uma regra irá alterar o preço final que será atribuído ao produto. O principal obstáculo para o argumento do repasse é que ele pressupõe que todos os custos ou benefícios dos vendedores serão repassados na forma de valores mais altos ou mais baixo preços.[37]
Para elucidar essa prerrogativa, utiliza o teste de eficiência de Kaldor-Hicks, que mostra que quando os vendedores repassam os custos (aumentos de impostos e matéria prima) eles repassam 80% de seus custos totais, mesmo assim, recebem todos os benefícios da regra. Agora, quando se considera a disposição do consumidor de pagar pelo produto nesta regra, torna-se o produto nada atraente ao consumidor.
Mas, para tornar este produto atraente ao consumidor, sugere a adição de uma garantia, ou seja, a combinação produto/garantia.[38] Para elucidar sua proposta analítica ele discute em duas linhas: i) na primeira ele analisa consumidor homogêneo, ou seja, aquele que pagaria exatamente a mesma quantia pela adição de uma garantia, considerando que o consumidor não pode ganhar se a garantia for ineficiente; ii) na segunda, analisa o consumidor heterogêneo, aquele que difere em sua posição de pagar por uma garantia (se o preço subir, a garantia é valorizada), porque no mercado os consumidores atribuem diferentes valores a uma garantia, para tanto considera o montante no aumento do preço do produto, podendo ganhar ou perder com a introdução da garantia.
A garantia pode beneficiar alguns consumidores enquanto a outros não. O autor ressalta certo que, em alguns casos, quem ganha e quem perde com uma garantia pode ser distribuído aleatoriamente em relação a qualquer política social referente a redistribuição. Há os consumidores que são neutros ou que apresentam risco baixo, atribuindo um valor relativamente baixo à proteção contra riscos e estão, portanto, provavelmente entre aqueles que perdem com a introdução de um garantia.[39]
Se a aversão ao risco for distribuída aleatoriamente por toda a população, garantia que beneficia os avessos ao risco, prejudicando a preferência ou o risco neutro, os consumidores não avançariam nem retardariam nenhuma política social atual sobre a direção correta da redistribuição. Noutros casos, contudo, a identidade dos vencedores e perdedores pode ser correlacionada com a riqueza, de uma maneira que torna a redistribuição resultante regressiva. Desse modo, evidenciou-se que o repasse dos custos pelos vendedores ao mercado é diferente do que a maioria das pessoas supõe.[40]
O estudo delineado demonstra que o Estado quando intervem no mercado, mesmo que de maneira limitada e controlada, deve fazê-lo com o cuidado que o interesse público exige, pois os vendedores não conseguem repassar todos os custos aos consumidores de seus produtos, o que leva ao raciocínio imediato de que se o Estado intervir na economia, inflingindo custos extras aos industriários/comerciantes, pode ocorrer que esses produtos, mesmo com um repasse menor do custo ao consumidor, não se tornem atrativos, nem para o produtor ou mesmo para o consumidor, desestimulando a economia.
Em linhas gerais, o presente estudo mostrou que a intervenção do Estado nas relações empresariais e de consumo é limitada. No campo de bebidas frias, o Estado exerce influência legal quando a concorrência de mercado fica comprometida em função dos monopólios exercidos pelas empresas deste segmento que eliminam os pequenos agentes econômicos que concorrem no mercado local.
A Lei 12.529/11[41] foi criada para combater o monopólio das empresas, estimulando a liberdade de competição através da coibição de duas práticas usuais em mercados de inspiração neoliberal, quais sejam a concorrência desleal e infrações à ordem econômica.
Nessa mesma vertente, destacou-se o mercado relevante como um importante instrumento nos casos conduzidos por órgãos reguladores antitrustes, como o CADE, por gerar preocupação ou restringir a concorrência empresarial decorrente dos monopólios econômicos.
Utilizou-se o estudo de compra e venda de empresas com a finalidade de reforçar a autonomia privada e demonstrar que assim como o campo empresarial utilizou as ferramentas da economia comportamental – o paternalismo libertário também as pode utilizar para avaliar os litígios no segmento empresarial e evitar determinados comportamentos e escolhas ruins de seus agentes econômicos.
No caso de empresas que possuem direta ligação com as garantias mínimas exigidas do Estado, como, por exemplo, preconizar a saúde da população, se apresenta como necessário a intervenção estatal por meio da regularização dos produtos de saúde ou a criação de nudges para ajudar aos nacionais na escolha correta.
Por fim, este estudo contemplou ainda como se estabelece as regras legais nas relações entre vendedores de bens e serviços e seus clientes, mostrando que o repasse dos custos pelos vendedores ao mercado é diferente do que a maioria das pessoas supõe e que por isso o Estado precisa ser cauteloso ao intervir no mercado, mesmo que intua proteger o interesse público, pois pode desincentivar a economia, gerando perdas tanto econômicas como sociais.
Tal percurso analítico revelou que a intervenção do Estado nas relações empresariais e de consumo é limitada, mas perpassa na garantia do crescimento econômico para validar a política de regulamentação concorrencial sem deixar de tutelar a coletividade e garantir a justiça social.
Como citar este artículo | How to cite this article: BOZO, Aline Maria Hagers; CICERI, Pedro Vitor Botan. A intervenção estatal nas relações empresariais e de consumo. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 8, n. 2, p. 89-106, jul./dez. 2021. DOI 10.14409/redoeda.v8i2.10427