Resumo: A contratação no modelo built to suit possibilita a fruição e adequação de imóveis de terceiros ou adequação dos imóveis da Administração Pública, sem o comprometimento imediato de relevante recurso orçamentário. Em tal contratação, o aporte financeiro se dá de forma diferida, ao contrário do que ocorreria em uma obra ou serviço de engenharia executado às expensas do Poder Público. O built to suit auxilia na desoneração imediata do investimento público com a execução de infraestrutura e o consequente direcionamento de recursos para a concretização dos serviços públicos delineados na Constituição Federal. Contudo, com a superveniência da Lei nº 14.133/2021, que determinou a revogação dos dispositivos que autorizavam o emprego do instituto no âmbito publicista, gerou-se a incerteza a respeito da legalidade de utilização do respectivo modelo de contratação pela Administração Pública, sob o novo paradigma. O presente estudo pretende analisar se há suporte para a aplicação do built to suit no âmbito público, bem como estabelecer os parâmetros jurídicos a serem observados sob o arquétipo da Lei nº 14.133/2021.
Palavras-chave: built to suit, locação sob medida, contrato administrativo, locação, lei de licitação.
Abstract: The contracting in the model built to allow the enjoyment and adaptation of third-party properties or adaptation of Public Administration properties, without the immediate commitment of budgetary resources. In such contracting, the financial contribution is given in a different way, as opposed to what occurs in a work or engineering service integrated to the expenses of the Public Authority. The one built to serve helps in the immediate exemption of public investment with an infrastructure execution and the consequent allocation of resources to the realization of public services outlined in the Federal Constitution. However, with the supervening of Law No. 14,133/2021, which determined the repeal of the provisions that authorized the use of the institute in the public sphere, uncertainty was generated regarding the legality of the use of the respective contracting model by the Public Administration, under the new paradigm. This study analyzes whether there is support for the application of built to suit in the public sphere, as well as establishing the legal parameters to be observed under the archetype of Law No. 14.133/2021.
Keywords: built to Suit, customized lease, administrative contract, rent, bidding law.
O contrato built to suit na esfera pública e a nova lei de licitações brasileira
The built to suit contract in the public sphere and the new Brazilian bidding law
Recepción: 30 Junio 2021
Aprobación: 17 Noviembre 2021
Traduzindo a expressão para o vernáculo como construído para servir ou construído sob medida, o built to suit se destina a um ajuste em que o contratante busca utilizar um imóvel de terceiro (ou próprio, mas carente das adaptações necessárias para sua usabilidade), com instalações específicas que somente podem ser obtidas através de construções ou reformas relevantes.[1]
O contratado passa, então, a adaptar seu imóvel ou o do próprio contratante sob os critérios e necessidades deste. Ao final, o contratante efetuará o pagamento através de prestações periódicas (costumeiramente mensais) que remunerarão tanto o investimento feito pelo contratado, como a fruição do bem durante o período de uso (caso a propriedade do bem seja do contratado) em que, dado o investimento antecipado, se justifica mais prolongado e mais estável que uma simples locação.[2]
A iniciativa privada brasileira passou a utilizar esta modalidade largamente e de forma atípica (uma vez que ainda não existia legislação específica para a sua operacionalização), quando houve o crescimento do mercado imobiliário nos anos noventa, após a consolidação do Plano Real.[3]
Sua regulação se deu, no entanto, no âmbito privado, com a alteração do art. 4º e inclusão do art. 54-A na Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações) e no âmbito Público, com a inclusão do art. 47-A na Lei nº 12.462/11 (Lei do Regime Diferenciado de Contratação - RDC).
A utilização do built to suit no âmbito público, se feita de forma estratégica e planejada, pode ser instrumento de concretização do princípio da eficiência, uma vez que visa a desoneração imediata do investimento público com obras e serviços de engenharia através de parceria privada. Consequentemente, possibilita-se o redirecionamento desses recursos para a expansão dos serviços públicos que visam garantir os direitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal, como saúde, educação e segurança pública.
Além disso, tendo em vista as necessidades específicas do Poder Público, como escolas, delegacias, postos de saúde, muitas vezes as Administrações Públicas têm dificuldade de encontrar imóveis apropriados às suas finalidades em determinada área de interesse para simples locação.
Sendo assim, nas hipóteses em que não se encontra imóveis adequados para a simples locação, o built to suit pode propiciar ganhos de economicidade, pois a Administração obtém imóvel sob medida para sua demanda. Alie-se a isso, a vantagem de evitar o dispêndio imediato de grandes montantes de recursos para construção ou reforma, delegando esse investimento, bem como o risco e responsabilidade das adaptações, à iniciativa privada, parcelando os gastos amortizados ao longo do tempo.
É oportuno destacar, de todo modo, que as adaptações de imóveis simplesmente locados pode significar o desperdício de recursos públicos, uma vez que esses investimentos ficam imobilizados na propriedade de terceiros. Já o built to suit permite a reversão desses bens, numa espécie de leasing,[4] de forma que os investimentos públicos possam ser mais bem aproveitados com a garantia de infraestrutura para atividade permanente da Administração Pública.[5]
A Lei nº 14.133/21, publicada em 1º de abril de 2021, determina que, após dois anos da sua publicação, sejam revogados os dispositivos do RDC, o que, consequentemente, abrange o art. 47-A do respectivo diploma, que regula a modalidade de contratação built to suit no âmbito público.
Surge, portanto, a incerteza jurídica acerca da legitimidade da utilização do built to suit pela Administração Pública, bem como a necessidade do delineamento das diretrizes para sua aplicação sob as regras do novo paradigma administrativo: a Lei nº 14.133/21.
Com isso, o presente artigo pretende traçar de forma sistemática os cenários apropriados para o emprego do built to suit pela Administração Pública, e, ainda, estabelecer os parâmetros de aplicação do referido instituto sob os auspícios dessa nova lei.
Para enfrentar o tema proposto, este trabalho foi organizado da seguinte maneira: em primeiro lugar, analisou-se a possibilidade de utilização da contratualização na modalidade built to suit pelo Poder Público sob o paradigma da Lei nº 14.133/21, sobretudo quanto ao impacto da previsão de revogação do art. 47-A da Lei do RDC. Nessa oportunidade, foram explicitados os instrumentos que consubstanciam o regime jurídico dessa modalidade de contratualização no ambiente publicista.
Após isso, passou-se a examinar os formatos do built to suit passíveis de serem implementados no âmbito das contratações públicas e o impacto destes na configuração de negócio escolhido pela Administração Pública em aspectos pragmáticos como o cálculo da remuneração, o prazo de amortização, os elementos técnicos aptos a descrever a obra ou serviço de engenharia, e a exigência, ou não, de licitação.
Em seguida, teceram-se considerações acerca das harmonizações necessárias para a aplicação do built to suit no regime jurídico público, sob a vigência da Lei nº 14.133/21, explicitando as peculiaridades jurídicas a serem observadas sob pontos fulcrais como: a fase preparatória e os elementos técnicos instrutores que acompanham a instrumentalização da pretensão de contratualização; as hipóteses de contratação direta; a duração do contrato; as formas de equilíbrio econômico-financeiro; e a possibilidade da alteração e rescisão contratual unilateral pela Administração.
Por fim, foram tecidas breves considerações conclusivas.
O built to suit era frequentemente utilizado na iniciativa privada, como contrato atípico. Posteriormente, foi incluído no ordenamento jurídico pelo art. 54-A[6] da Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações) e pela Lei nº 12.744/12, concedendo maior higidez na utilização da modalidade.[7] Vejamos:
No âmbito público, anteriormente à previsão expressa da locação sob medida, que ocorreu por meio da Lei Federal nº 13.190/15, que incluiu o art. 47-A na Lei nº 12.462/11[8] (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas), a Administração, de forma discreta, já havia utilizado a respectiva modalidade de contratação. Nesse sentido, destaca-se o paradigmático Acórdão nº 1301/2013, do plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), que delineou as diretrizes da utilização do built to suit pelo Poder Público.
A Lei nº 14.133/21, a nova lei de Licitações, não incluiu expressamente o built to suit em sua redação, mas determinou a revogação dos artigos pertinentes ao Regime Diferenciado de Contratações (RDC), Lei nº 12.462/11, que faziam a previsão da locação sob medida no âmbito público.[9]
No entanto, o art. 51[10], da Lei nº 14.133/21 menciona a possibilidade de adaptações nas locações, com a devida amortização do investimento, sem utilizar a expressão “built to suit” ou “locação sob medida” e sem detalhar minuciosamente a sua instrumentalização.
O dispositivo aparenta sinalizar a não vedação do uso da modalidade built to suit pela Administração Pública. Por outro lado, a referida lei não estabelece o regramento necessário para a utilização plena da locação sob medida, o que pode ser elaborado pelos atos normativos dos entes federados que venham a regular a nova Lei de Licitações.
De todo modo, não se exige a previsão expressa em lei administrativa para a utilização do built to suit no âmbito do direito público. Isto porque, a incidência das regras do direito privado nas contratações da Administração Pública encontra suporte no ordenamento jurídico brasileiro, conforme art. 89, da Lei nº 14.133/21.[11]
Nesse sentido, constata-se a existência de acórdãos[12] proferidos pelo Tribunal de Contas da União, que reconhecem a licitude do built to suit antes mesmo da regulamentação do instituto explicitada pela Lei do RDC.
De acordo com entendimento tradicional da doutrina pátria, a Administração Pública pode figurar em dois tipos distintos de contratos, aqueles regidos pelo regime de direito Público e os regulados predominantemente pelas regras de direito privado.[13] Contudo, mesmo que a Administração possa se servir do Direito privado, “há aspectos do Regime administrativo inafastáveis na Atuação da Administração Pública, especialmente no que concerne a aplicação dos princípios gerais do direito Administrativo”.[14] Isto atrai, por exemplo, a necessidade de licitação em respeito ao princípio da isonomia – em regra – e à possibilidade de alteração e rescisão unilateral, tendo em vista a supremacia dos interesses fundamentais coletivos.
Não há contrassenso, portanto, na utilização subsidiária do direito privado pela Administração Pública, em que pese a sua aplicação estar adstrita aos princípios cogentes do direito público. Uma eventual normatização insuficiente na esfera Administrativa não pode obstar a utilização do built to suit, uma vez que o ordenamento jurídico permite, com as adaptações necessárias e pertinentes ao regime jurídico público, a utilização de figura de direito privado pelo Poder Público.
Extraem-se, portanto, da Lei de Locações (Lei nº 8.245/91) e da Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21), o conjunto de regras que serão aplicadas nos contratos de built to suit que figurem a Administração Pública.[15]
Como esquadrinhado até aqui, o objetivo do built to suit é delegar o investimento e a responsabilidade pela execução da obra ou adaptação de imóvel ao contratado. A Administração Pública fica incumbida de compensar a utilização do bem e o respectivo investimento através de pagamento efetuado de forma parcelada ao longo do tempo de fruição do bem.
Entretanto, existem formatos possíveis que podem ser configurados no desenho do built to suit no âmbito público e que influenciam diretamente: no cálculo da remuneração e prazo de amortização; nos elementos técnicos aptos a descrever a obra ou serviço de engenharia; na exigência de licitação ou na contratação direta etc. Dessa forma, é relevante que esses possíveis formatos do built to suit, sejam explicitados para que se tornem passíveis de implementação no âmbito das contratações públicas.
É necessário ressaltar, contudo, que o presente tópico visa apenas elucidar os possíveis cenários de implementação do built to suit, traçando um panorama geral. A análise pormenorizada da harmonização do built to suit e da Lei nº 14.133/21 será feita nos itens que seguem.
De todo modo, é necessário ressaltar que o built to suit nem sempre será a primeira escolha da Administração Pública ao lidar com eventuais necessidades de novos edifícios para a prestação de serviço público ou administrativo. Antes de se cogitar uma contratação na modalidade built to suit, cabe a Administração procurar por alternativas menos dispendiosas para os cofres públicos. A Administração, por exemplo, deverá verificar, na área de interesse, a existência de imóveis próprios subaproveitados, bem como a possibilidade de cessão por outros entes públicos, a viabilidade de permuta e eventual locação, antes de se passar para o planejamento da e uma contração nos moldes do built to suit.[16]
Portanto, o built to suit será adequado, especialmente quando a) a Administração tiver um imóvel que nas condições atuais não seja compatível com o que pretende a administração, necessitando de construção ou de reforma substancial; ou b) quando a Administração não possua imóvel passível de adaptação na área de interesse e não encontre imóveis pertinentes para simples locação, necessitando de conformação relevante de imóvel de terceiro.
É oportuno, também, esclarecer que no âmbito privado o built to suit possui formatações com a possibilidade de participação de investidor não proprietário, que ficará incumbido de comprar o imóvel e efetuar as respectivas adaptações.[17] Contudo, a regra é que o built to suit, no regime público, seja configurado preferencialmente de forma mais simples: ou o contratado faz adaptações em imóvel estatal ou o contratado faz adaptações em imóvel de sua titularidade (o que não impede que os interessados, sabendo da pretensão da Administração, comprem imóvel na área de interesse, mesmo antes da licitação ou contratação direta). Isto porque, a intermediação da seleção do imóvel por investidor pode configurar burla ao Princípio da Isonomia,[18] bem como pode transparecer a dificuldade de se traçar um orçamento,[19] conforme exige o art. 18, IV, da Lei nº 14.133/21.[20]
Sendo assim, as duas formatações básicas do built to suit a serem executadas no âmbito público, em regra, são: a) em terreno público ou b) em terreno particular.
É possível, portanto, que o Poder Público já tenha o imóvel que necessita de construção ou adaptação relevante para estar adequado às pretensões da Administração Pública. Nessa hipótese é elementar que seja feito o procedimento licitatório, uma vez que em caso de contratação direta, em regra, as características particulares do imóvel são determinantes, e nesse caso, este já é domínio da Administração Pública. A licitação é necessária pois vários interessados (inclusive as próprias empreiteiras) podem ter interesse na execução da obra, sob a promessa de remuneração por período de tempo.
Além disso, como se tem a individualização do terreno, a Administração possui a oportunidade de ser mais precisa acerca da descrição do pretendido, possibilitando uma maior robustez dos elementos técnicos, o que permite a utilização, por exemplo, de um projeto básico completo para a descrição do pretendido.
Ademais, quando o Poder Público é titular do imóvel, é pertinente que seja disposta cláusula prevendo a reversão das construções ou benfeitorias em favor da Administração Pública.[21] Isto porque, não é razoável que ao final do contrato a Administração seja proprietária do terreno e o particular da construção.[22]
Além disso, deve ser considerada a necessidade de concessão do direito de superfície ao contratado, autorizando a construção e exploração temporária ( a locação da construção em si) em imóvel de propriedade do Poder Público.[23]
Por outro lado, existe a hipótese de a Administração Pública não possuir imóvel a ser adaptado na área de interesse. Nesse caso, surge a possibilidade da utilização do chamamento público para prospecção de imóveis adequados para simples locação e/ou imóveis que necessitam de adequações relevantes (o built to suit).[24]
Para a instrução do respectivo chamamento público não é possível a elaboração de um projeto básico completo com orçamento em unidades, uma vez que não se tem, ainda, o imóvel individualizado em que será implementado o respectivo empreendimento.[25]
Em caso da existência de vários terrenos sem edificação, por exemplo, não é possível a elaboração de um projeto de implantação e complementares, tendo em vista a não individualização do terrento. Por outro lado, a incerteza pode ser ainda maior quando há a possibilidade de se encontrar terrenos edificados, pois não é possível saber de antemão quais serão as adaptações necessárias para atender as pretensões da Administração Pública.
Nesses casos, portanto, os elementos técnicos tendem a ser menos minuciosos, inclusive para que não se limite de forma irrazoável, os interessados em contratar com o Poder Público.
Nesse sentido já dispôs o Tribunal de Contas da União,[26] que “o excessivo detalhamento das características do imóvel que se pretende adquirir ou alugar, sem a demonstração da necessidade dessas particularidades, evidencia restrição ao caráter competitivo do certame e direcionamento da contratação.”
Cabe, portanto, nesses casos, o setor técnico verificar o conjunto de elementos técnicos instrutores adequados para caracterização do bem, podendo ser um anteprojeto de engenharia[27] ou termo de referência,[28] a depender de cada situação.
Por outro lado, o chamamento pode ser dispensado se, de acordo com os requisitos do art. 74, V e art. 75 da Lei nº 14.133/21, configurar-se a hipótese de contratação direta. Neste caso, a Administração já tem conhecimento do imóvel que será adaptado. Recomenda-se, portanto, a utilização de elementos técnicos mais detalhados, como o projeto básico completo.
Mesmo na hipótese de built to suit utilizando terreno de particular, é possível à Administração optar pela reversão do bem ao fim do contrato, desde que demonstrado tecnicamente e economicamente as vantagens que esta possa obter.[29]
Com intuito de tentar sintetizar esse panorama geral, e sem querer restringir as hipóteses de formatação do built to suit, sugere-se o seguinte roteiro a ser seguido pela Administração Pública, com intuito de individualizar o desenho adequado da contratação pretendida:
I. Antes de se cogitar o built to suit, a Administração deve verificar a existência de imóveis disponíveis no âmbito da Administração Pública que atendam às necessidades da atividade a ser desenvolvida no raio da área de interesse, bem como esgotar as possibilidades de obtenção de outras entidades públicas, bem como eventuais permutas ou cessões. Caso ocorra alguma dessas possibilidades, é provável que o built to suit não seja a escolha adequada.
II. Caso não se tenha imóvel adequado para as respectivas pretensões, deve a Administração verificar a hipótese de imóvel público que possa ser adaptado. Nesses casos, caso a Administração Pública repute ser a o built to suit a opção que converge ao interesse coletivo, é recomendável que se opte pela reversão do bem, e como regra, utilize os elementos instrutores mais precisos possíveis.
III. Caso não se encontre nenhum imóvel público para ser adaptado, é o caso de se conceber a hipótese do chamamento público, que visa a prospecção de imóveis adequados (o que pode levar inclusive a uma simples locação), ou imóveis que possuam condições técnicas de serem adaptados para adequação da pretensão da Administração. Ressalte-se que se a Administração já tenha conhecimento que somente um imóvel é adequado para os fins que pretende, nos termos do art. 74, V e art. 75 da Lei nº 14.133/2021, a contratação direta pode ser feita escusando a fase do chamamento público
IV. A contratação direta é possível quando se tenha ciência de que somente um imóvel supre as necessidades da Administração ou, ainda, se após o chamamento público restar apenas um interessado em firmar contrato com administração. Nestes casos, como se trata de um imóvel individualizado, é recomendável que a administração cogite a utilização de elementos instrutores minuciosos, inclusive a avaliação da hipótese de reversão ao final do contrato, o que, consequentemente, impactará nos valores a serem pagos ao contratado.
V. Caso o resultado do chamamento encontre mais de um imóvel adequado às pretensões da Administração, há o dever de licitar para escolher a opção mais vantajosa.
A partir disso, passa-se a análise das diretrizes jurídicas do built to suit no âmbito público e as harmonizações necessárias para a sua aplicação sob a vigência da Lei nº 14.133/21.
A fase preparatória envolve o planejamento da contratação, delineia as especificidades técnicas, mercadológicas e de gestão que influenciam a contratação, devendo ser compatibilizada com o plano de contratação anual,[31] quando houver, e com as leis orçamentárias (art. 18 da Lei nº 14.133/21).[32] Nesta etapa, também deve ser avaliada a viabilidade do built to suit em comparação com as demais opções de contratação, acompanhada das considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir no empreendimento.
O estudo técnico preliminar (ETP) é o documento que materializa a fase preparatória explicitando o interesse público envolvido e os melhores caminhos para solução do problema, de forma a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação (Art. 6, XX, da Lei nº 14.133/21).
Portanto, o estudo técnico preliminar consubstancia a fase de planejamento, para delimitar todos os possíveis percalços e deve atestar, ou não, a viabilidade do empreendimento sob os aspectos técnico, ambiental e econômico.
Ressalta-se, ainda, que havendo a possibilidade de compra ou de locação de bens, o estudo técnico preliminar deverá considerar os custos e os benefícios de cada opção, com indicação da alternativa mais vantajosa (art. 44, Lei nº 14.133/21). Desta forma, cabe à equipe responsável pelo estudo técnico preliminar analisar, no que tange a pretensão de contratação built to suit, entre outros aspectos:[33]
A caracterização da efetiva necessidade do novo imóvel, com demonstração de que o imóvel até então porventura em uso não atende, ou é insuficiente para atendimento do interesse público envolvido, e, ainda, de que não comporta readequação.[34]
O delineamento da área a qual se necessita um novo imóvel para o atendimento das finalidades públicas, bem como os mapas e coordenadas da localização e abrangência.[35]
A comprovação da inexistência de imóveis disponíveis no âmbito da Administração Pública que atendam às necessidades da atividade a ser desenvolvida no raio da área de interesse, bem como esgotada as possibilidades de obtenção de imóveis de outras entidades públicas, ou eventuais possibilidades de cessão, permuta etc.[36]
A demonstração da inexistência de imóveis que potencialmente poderiam ser locados que atendam as pretensões da Administração pública, caso a Administração não tenha optado na prospecção, também, de imóveis aptos para simples locação.[37]
A fundamentação da decisão pelo built to suit baseada em estudos técnicos, pareceres e documentos comprobatórios que justifiquem a opção, com a demonstração que a solução é mais vantajosa comparada às outras alternativas, inclusive a Parceria Público-Privada (PPP), na modalidade administrativa.[38]
A motivação acerca da formatação de built to suit escolhida: se a locação será feita em terreno Público ou particular, se haverá ou não reversão do empreendimento, ao final, para titularidade do Poder Público e o evemtual acréscimo de serviços a serem contratados etc.[39]
A demonstração da vantajosidade da junção de serviços (locação + execução indireta da obra), com apresentação de eventual economia de recursos, ou vantagem técnica, bem como a motivação do não parcelamento.[40]
As justificativas dos valores atribuídos para remuneração, do prazo de amortização dos investimentos e para reversão bem (sendo o caso), acompanhada das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte.[41]
Ademais, o estudo técnico preliminar é etapa anterior que dá suporte à elaboração dos elementos técnicos instrutores mais minuciosos e precisos: o anteprojeto, o termo de referência ou o projeto básico a serem elaborados, caso se conclua pela viabilidade da contratação (art. 6º, XX, da Lei nº 14.133/21).
Acerca dos elementos técnicos instrutores aptos a descrever o empreendimento no built to suit, é preciso ater-se que este não se trata de um contrato de empreitada,[42] mas sim de uma espécie de locação, e, portanto, está desobrigado de ser necessariamente descrito por projeto básico.[43]
Contudo, nada impede que a Administração se socorra dos conceitos e do detalhamento minucioso de um projeto básico completo para definir as adaptações que pretende em referido imóvel. É evidente que a Administração Pública almeja elaborar a descrição do pretendido com o fim de obter maior precisão e segurança seu objetivo, evitando percalços e imprecisões não desejosas.
Por outro lado, nas situações em que a Administração não tenha conhecimento do terreno específico em que será realizada a adaptação, fica impossibilitada de obter o projeto básico completo, com toda a descrição exigida nos termos da Lei Geral de Licitações, sobretudo pela impossibilidade fática[44] de elaboração e um orçamento em unidades, conforme a alínea f, art. 6º, da Lei nº 14.133/21.[45]
Nesses casos, é possível se amparar ao conceito do anteprojeto de engenharia[46] ou ao termo de referência.[47] Ressalte-se que nessas hipóteses não é possível que a Administração Pública elabore um orçamento por unidades, e, portanto, deve utilizar das metodologias paramétrica sintética ou expedita, para elaboração da estimativa de custo mais precisa possível.[48]
Ressalte-se, ainda, que, a presença da matriz de riscos nas contratações built to suit é fundamental, independentemente do nível de descrição dos elementos técnicos instrutores.
A matriz de riscos é conceituada pelo inciso XXVII do art. 6º, da Lei nº 14.133/21[49] e se refere ao documento, parte integrante do contrato, que delineia as responsabilidades entre as partes acerca dos riscos contratuais, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes que possam impactar o equilíbrio financeiro previamente estabelecido.[50]
É recomendável a utilização da matriz de riscos nas contratações built to suit, pois como se trata de um contrato complexo, com distintas parcelas de responsabilidade entre os participantes, é necessária maior precaução com a segurança e a previsão expressa da divisão de infortúnios futuros.
Nesse sentido, a Lei nº 14.133/21[51] definiu as balizas norteadoras da distribuição dos riscos contratuais, devendo ser considerada a natureza destes, o beneficiário das prestações a que se vinculam e a capacidade de cada setor para melhor gerenciá-los.
Acerca dos parâmetros para definição da remuneração do built to suit, o art. 47-A da Lei nº 12.462/2011 define que o montante mensal referente a locação não deve ultrapassar 1% do valor do bem. O dispositivo gera interpretações dúbias, pois não é possível compreender se o limite legal abarca, ou não, as hipóteses de built to suit com reversão de bens.
O Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 1928/2021, ponderou que tal limite só seria aplicável nos casos em que o imóvel não seria revertido, considerando que não haveria sentido limitar o montante referente ao abatimento mensal do imóvel que ao final será revertido à Administração, uma vez que isso afetaria diretamente o fator tempo, podendo, inclusive, ser mais dispendioso para a Administração Pública.[52]
Com a regulamentação da Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), a porcentagem pertinente ao valor da remuneração do built to suit poderá ser ajustada em outros níveis, tanto para menos, quanto para mais, bem como poderá ser convencionado de forma diferente nas hipóteses de reversão ou não do bem. De todo modo, na ausência de regulação, não há limites para a remuneração do built to suit, devendo se aplicar os princípios da Lei de Geral de Licitações, que inibem contratações acima do valor de mercado.
O valor máximo de locação deve ser estimado a partir do valor bem a ser locado, através de um laudo de avaliação. Os parâmetros para a definição do valor do bem são delineadas na NBR 14653-1.[53]
No que tange o built to suit, deve-se atentar, ainda, para definição do valor da remuneração, a imbricação de todos os componentes do contrato: o montante concernente a própria locação, o investimento que foi feito pelo proprietário/locador, o prazo necessário para amortização deste investimento, bem como o valor dos bens a serem eventualmente revertidos.
Necessário esclarecer que é permitido à Administração, excepcionalmente, eximir-se da necessidade de procedimento licitatório e realizar contratação direta, por meio dos institutos da inexigibilidade[54] ou da dispensa de licitação.[55]
Nesse contexto, é necessário avaliar a titularidade da propriedade do terreno em que se pretende construir o imóvel. No caso de a Administração Pública ser proprietária do terreno e pretender que uma empresa construa a edificação na sistemática built to suit, não é possível vislumbrar, em regra, alguma especialidade que torne a contratação direta plausível, haja vista a viabilidade de competição entre os possíveis investidores que irão edificar o bem.[56]
Por outro lado, o simples fato de se utilizar terreno alheio para a construção, ou adaptação do empreendimento, não implica na contratação direta, uma vez que diante do princípio da isonomia, deve se aventar a possibilidade de que aquela região possua mais imóveis adequados para utilização do fim que a Administração pretenda. Nestes casos, é recomendável a utilização do chamamento público.[57]
Assim, é possível a utilização do chamamento público para a busca de possíveis imóveis (tanto para simples locação como para serem adaptados) que atendam as pretensões da Administração e dos proprietários interessados em firmar contrato com o Poder Público.[58]
O Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 1479/2019-Plenário, já decidiu nesse sentido, ao orientar que “admite-se a utilização, como mecanismo de prospecção de mercado, de chamamentos públicos previamente às locações de imóveis, a fim de identificar aqueles que atendem às necessidades da Administração”.[59]
O chamamento público é recomendável, pois proporciona à Administração conhecer com maior precisão os imóveis disponíveis na região para tanto e, ainda, caso haja somente um imóvel que satisfaça às necessidades da Administração, fica facilitada a demonstração da hipótese de inexigibilidade pelo gestor público.[60]
Por outro lado, quando ficar demonstrado que apenas um imóvel atende às necessidades do Poder Público, seja pela particularidade do imóvel (como sua localização) ou pelas peculiaridades de eventual construção já existente, a qual visa reformar, é possível a contratação direta do contrato para simples locação ou para firmar-se o contrato built to suit.[61]
O art. 24, X, da Lei nº 8.666/93, prevê que a licitação é dispensável para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração. Parte da doutrina, no contexto da Lei nº 8.666/93, entende que o supracitado artigo trata de inexigibilidade e não dispensa, uma vez que a licitação nessas condições é inviável.[62] Neste sentido, a Lei nº 14.133/21 prevê expressamente, como hipótese de inexigibilidade, a locação ou aquisição de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem a sua escolha necessária, conforme o art. 74, V.
O contrato de locação, pelo seu caráter de direito privado, ainda que seja realizado pelo Poder Público, não se sujeita aos prazos que a Lei nº 14.133/2021 propõe. O Tribunal de Contas da União já julgou no seguinte sentido, naquela feita com base na Lei nº 8.666, de 1993:
17. Também é fato que o contrato de locação de imóvel, mesmo celebrado pela Administração Pública, tem características essenciais de direito privado. No dizer da Administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
‘...quando a Administração celebra contrato cujo objeto apenas indiretamente ou acessoriamente diz respeito ao interesse geral (na medida em que tem repercussão orçamentária, quer do lado da despesa, quer do lado da receita), ela se submete ou pode submeter-se ao direito privado; por exemplo, para comprar materiais necessários a uma obra ou serviço público, para colocar no seguro os veículos oficiais, para alugar um imóvel necessário à instalação de repartição pública, enfim, para se equipar dos instrumentos necessários à realização da atividade principal, esta sim regida pelo direito público. (grifos nossos)’
18. Além disso, é certo que o art. 62, § 3º, inciso I, particularizou alguns dispositivos, sem olvidar as demais normas gerais, obrigando sua incidência sobre os contratos cujo conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado, inclusos aí os contratos de locação em que o poder público seja locatário.
19. Isso objetivando que na participação de entidade administrativa em relação contratual caracteristicamente privada houvesse sujeição do particular a algumas normas de direito público com vistas a assegurar a observância da legalidade e o respeito ao interesse público. Sujeição essa parcial, sob pena de supressão do regime de mercado ou do desequilíbrio econômico que ofenderia a livre concorrência e inviabilizaria a empresa privada.
20. Ocorre que o art. 57 que trata da duração e prorrogação dos contratos administrativos não foi mencionado entre as regras aplicáveis, no que couber (arts. 55 e 58 a 61 e demais normas gerais), aos contratos sob comento. Desse modo, entende-se plausível a argumentação de que o referido artigo possa não ser aplicável a esses contratos.
21. Nesse caso, a norma que disciplina a matéria recairia sobre a Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), a qual prevê para o imóvel urbano a livre convenção no ajuste do prazo no tocante à duração do contrato, com exceção aos que tiverem prazo estipulado igual ou superior a dez anos, por depender de vênia conjugal. (TCU - Acórdão nº1.127/09 – Plenário. Relator Ministro Benjamin Zymler)
Dessa forma, os contratos de locação se sujeitam a Lei nº 8.245/91 e não aos prazos estabelecidos na Lei geral de Licitações. Caso fosse utilizado os prazos rígidos dispostos na Lei nº 14.133/21, o contrato built to suit não seria vantajoso ao particular, visto que não possibilitaria a obtenção de lucro e o retorno do investimento inicial em virtude do tempo.
Necessário destacar, nesse sentido, a realidade dos contratos built to suit, que pelas suas características demandam a realização de uma engenharia financeira para se chegar ao cálculo referente à amortização, e desta forma, é inerente a modalidade contratual em tela longos prazos contratuais. A limitação do prazo do contrato built to suit tornaria difícil a capacidade de amortização do investimento realizado inicialmente, visto que as características desta contratação se referem justamente a possibilidade do pagamento da contraprestação de forma parcelada durante longo período.[63]
O built to suit exige um período predeterminado de tempo para satisfação, uma vez que exige o tempo para execução da adaptação pretendida somada com o período necessário para amortização do investimento.
Essa lógica decorre do art. 51 da Lei nº 14.133/21, visto que estabeleceu que as locações devem ter o prazo de vigência consubstanciado no tempo necessário para amortização dos investimentos feitos a respeito de eventual adaptação no imóvel.
A vista disso, para identificar qual o prazo de vigência do contrato built to suit, é necessário realizar um estudo econômico com o intuito de averiguar o tamanho do investimento a ser feito pelo contratado e o tempo exigido para o retorno dos valores devidos.[64]
A garantia de equilíbrio econômico-financeiro do contrato é prevista na Constituição Federal, por intermédio do art. 37, inciso XXI,[65] bem como na Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/21, no art. 104, §2º, pois estabelecem que as condições da proposta devem ser mantidas ao longo do contrato.
No built to suit, assim como nos demais contratos firmados pela Administração Pública, quando houver a necessidade de alteração contratual, por motivo que não possa ser imputada à contratada, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato deve ser reestabelecido.[66]
Para a doutrina, existem três figuras jurídicas que possibilitam o reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro: o reajuste, a revisão contratual e a correção monetária.[67]
O reajuste de preços, disciplinado no inciso LVIII do art. 6º da Lei nº 14.133/21, é a forma de manutenção do valor real do contrato consistente na aplicação do índice de correção monetária previsto contratualmente, que deve retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais. A Lei nº 14.133/21[68] previu a obrigatoriedade de uma cláusula de reajuste nos contratos, bem como exige cláusulas que estabeleçam os critérios e a periodicidade do reajustamento.
Avançando, a revisão contratual fundamenta-se na teoria da imprevisão, aplicada ao direito público: a superveniência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, mas de consequências incalculáveis, alheios a vontades das partes e que modifiquem de maneira considerável o equilíbrio econômico-financeiro, implicam na alteração contratual para se mantenha a equação inicialmente estabelecida.[69]
Necessário pontuar que da compreensão da Lei nº 8.666/93 infere-se que na ocorrência desses fatores imprevisíveis que modificavam o equilíbrio contratual, a Administração, na maioria das vezes, deve arcar com os eventuais encargos sobrevindos deles.[70] No entanto, com o advento da Lei nº 14.133/21, foi prevista a inclusão da matriz de riscos,[71] onde a divisão de responsabilidade acerca dos eventos que podem advir a impactar o equilíbrio contratual, é realizada diante das particularidades das obrigações assumidas pelos contratantes em cada caso.
Adotada a matriz de alocação de riscos, se determinado evento tenha sido atribuído ao contratado, este não poderá solicitar termo aditivo visando o reequilíbrio com fundamento neste fato. Por outro lado, se o risco de um eventual fato que foi atribuído ao Poder Público ocorresse, o contratado teria direito a alteração contratual visando o reestabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro e o encargo pecuniário seria incumbido à Administração Pública.
A Lei de Locações (Lei nº 8.245/91), em seu art. 19, prevê, de todo modo, que não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.[72]
Entretanto, no que tange à contratação built to suit, é necessária atenção ao fato de que a remuneração não reflete apenas a contraprestação acerca da disponibilidade do imóvel cedido, mas também a quantia necessária para pagar o investimento feito. Isso torna a revisional focada exclusivamente no valor da locação temerária.[73]
Nesse sentido, o art. 54-A, §1º da Lei de Locações, está expresso, que na modalidade locação sob medida existe a possibilidade de ajustar a renúncia ao direito de revisão. Portanto, visando (i) obter o retorno financeiro dos investimentos, (ii) a amortização dos investimentos pretendida e (iii) manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos built to suit, é recomendável que haja cláusula contratual prevendo a renúncia quanto ao direito à ação revisional, inclusive quando a Administração Pública for parte.[74]
Por fim, a última figura jurídica que possibilita o reequilíbrio contratual é a correção monetária, cabível em virtude da inflação, quando a Administração atrasar os pagamentos devidos à contratada. A Lei de Licitações indica que o contrato deve conter cláusula que estabeleça os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento.[75]
Diferentemente dos contratos privados, a Administração possui competências singulares que estabelecem a possibilidade de alterar e rescindir unilateralmente os contratos formalizados, sem a necessidade de anuência do particular, quando realizados no âmbito público. Trata-se das cláusulas exorbitantes, que configuram deveres e prerrogativas necessárias para garantia da persecução do interesse coletivo que envolve a atuação da Administração Pública.[76]
As hipóteses de alteração consensual estão previstas no inciso II do art. 124 da Lei nº 14.133/21,[77] e compreendem, principalmente, as questões relacionadas ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como analisado anteriormente.
A alteração contratual feita unilateralmente pela Administração, fundamentada no art. 124, I, da nova Lei de Licitações,[78] envolve, geralmente, a modificação referente ao objeto do contrato, bem como a necessidade de alteração de projeto, visando o melhor atendimento dos interesses fundamentais coletivos.[79] No entanto, esta alteração não poderá transfigurar o objeto da contratação, conforme indica o art. 126, da Lei nº 14.133/21.[80]
É necessário ressaltar que a alteração do projeto nos contratos built to suit exigem certa cautela. Isto porque, a locação sob medida é uma operação complexa em que o valor da remuneração é fruto de uma engenharia econômica que envolve uma parcela referente à fruição do bem e outra referente ao retorno do investimento feito pelo contratado, com sua devida amortização no tempo. Sendo assim, as eventuais alterações de projetos podem ensejar a reformulação do cálculo de remuneração do respectivo contrato.[81]
As hipóteses de rescisão dos contratos administrativos foram previstas na Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21). Podem ocorrer de forma unilateral pela Administração Pública, quando houver descumprimento das obrigações, exceto quando essa for em consequência de sua própria conduta ou, de modo consensual, quando houver acordo entre as partes e for conveniente à Administração, bem como em virtude de decisão arbitral ou judicial.[82]
A Lei nº 14.133/21 dispôs que nos casos em que a extinção do contrato decorrer de culpa exclusiva da Administração, o contratado será ressarcido pelos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido e terá direito à devolução da garantia, pagamentos devidos pela execução do contrato até a data de extinção e pagamento do custo da desmobilização.[83]
De todo modo, as mesmas cautelas referentes à alteração unilateral devem ser dadas às hipóteses de rescisão deste tipo, sem que a culpa possa ser imputada à contratada. Isto porque, diante de uma simples locação em que há uma compensação mês a mês entre locador e locatário, com a utilização do bem e o recebimento do aluguel, a interrupção contratual antes do termo final estabelecido inicialmente não implica um desequilíbrio econômico-financeiro.[84]
Por outro lado, no contexto do built to suit, a remuneração do contrato é diluída no tempo, para amortizar o investimento inicial realizado pelo contratado, que realizou as adaptações para atender às especificidades desejadas pela Administração. Dessa forma, diferente do que ocorre na simples locação, o particular não obtém o retorno do investimento mês a mês e dificilmente será compensado pelo investimento adiantado inicialmente, antes do final do contrato.[85]
Nesse sentido, discorre Tadeu Ferreira Guedes:
Nesse sentido, discorre Tadeu Ferreira Guedes:
Muitas vezes, o retorno do capital investido somente é verificado próximo ao final do período contratado. Isso quer dizer que, até que se atinja o equilíbrio entre o valor investido por uma das partes e a remuneração paga pela outra, o contrato é absolutamente deficitário para aquele que comprou o imóvel ou nele fez investimentos consideráveis. A devolução do imóvel antes do prazo contratado e a interrupção do fluxo de pagamentos mensais coloca o investidor em absoluta desvantagem financeira, já que o equilíbrio contratual é calculado com base no prazo/extensão total do contrato e não com base na remuneração mensalmente recebida, isoladamente considerada.[86]
Sendo assim, nesse modelo de contrato, para que haja a rescisão unilateral por conveniência da Administração, deve-se indenizar o particular acerca do investimento ainda não amortizado, sobretudo porque o imóvel, feito sob medida, muitas vezes não terá grande utilidade para o mercado privado, se não forem feitas novas adequações.[87]
Na mesma sintonia, a jurisprudência pacífica tem decidido que a multa para devolução antecipada do imóvel não deve superar três vezes o valor do aluguel nas locações simples.[88] No caso do built to suit, sobretudo pela necessidade de amortização do investimento, a devolução antecipada do imóvel poderá ter valores de multa superiores a três meses do aluguel, mas não deve exceder à soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.[89]
A utilização do built to suit no âmbito público só será factível caso haja previsão de cláusula que considere o investimento não amortizado no valor da multa para desocupação antecipada. A ausência de um planejamento adequado pela Administração Pública, nos casos desse tipo de contratação, pode causar consequências muito mais danosas para o erário público, tendo em vista o risco de se pagar pela adequação de imóvel e não gozar da sua fruição.
Prevista na Lei nº 8.245/91, a ação renovatória tem seus requisitos no artigo 51,[90] deste diploma normativo, e cabível na contratação built to suit, pode ser proposta judicialmente para que o contrato de locação seja renovado, ainda que contra a vontade do locador, , desde que o contrato tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado, e o prazo contratual (ou a soma de contratos ininterruptos) seja superior a 5 (cinco) anos, e que a atividade prestada seja a mesma por no mínimo 3 (três)anos, não sendo permitido o afastamento por acordo entre as partes, de acordo com o art. 45 da Lei.[91]
Como citar este artículo | How to cite this article: SANTOS; Rafael Costa; SOUZA, Letícia Franco de. O contrato built to suit na esfera pública e a nova lei de licitações brasileira. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 8, n. 2, p. 157-184, jul./dez. 2021. DOI 10.14409/redoeda.v8i2.10447
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou do serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado e vedada a antecipação do pagamento em relação ao cronograma financeiro fixado sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;
d) para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos;
b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
I - devolução da garantia;
II - pagamentos devidos pela execução do contrato até a data de extinção;
III - pagamento do custo da desmobilização.