Recepción: 07 Julio 2022
Aprobación: 15 Octubre 2022
DOI: https://doi.org/10.14409/redoeda.v9i2.12396
Resumo: Tomando-se como premissa o direito ao desenvolvimento, notadamente o desenvolvimento sustentável, vinculado à Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas – ONU, fazendo-se um recorte específico quanto as parcerias e meios de implementação, prevista no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS nº 17, o presente artigo busca analisar se existe uma alternativa para ver o desenvolvimento sustentável efetivamente implementado na prática. Partindo, introdutoriamente, de um cenário de desigualdade, focado no Brasil, revisita-se todo um panorama histórico e ideológico do que se entende por desenvolvimento, e como a sua noção foi expandida para a ideia de um desenvolvimento sustentável. Após essa retomada, apresenta-se o instituto do fomento como uma possível e constitucional alternativa à concretização desse desenvolvimento sustentável. Ao final, adotando-se todas as noções trabalhadas ao longo do artigo, pretende-se demonstrar a viabilidade concreta da aplicação da atividade fomentadora inserida no contexto das cidades participativas. Para se chegar ao resultado da investigação, adotou-se uma metodologia qualitativa, promovida metodicamente por técnicas de revisão bibliográfica.
Palavras-chave: Agenda 2030, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, fomento, parcerias, cidades sustentáveis.
Abstract: Taking the right to development as a premise, notably sustainable development, linked to the 2030 Agenda of the United Nations - UN, making a specific cut in terms of partnerships and means of implementation, provided for in the Sustainable Development Goals - SDG nº 17, this article seeks to analyze whether there is an alternative to see sustainable development effectively implemented in practice. Starting, introductory, from a scenario of inequality, focused on Brazil, a whole historical and ideological panorama of what is understood by development is revisited, and how its notion was expanded to the idea of sustainable development. After this resumption, the development institute is presented as a possible and constitutional alternative to the achievement of this sustainable development. In the end, adopting all the notions worked throughout the article, it is intended to demonstrate the concrete viability of the application of the fomenting activity inserted in the context of participatory cities. To arrive at the result of the investigation, a qualitative methodology was adopted, methodically promoted by bibliographic review techniques.
Keywords: Agenda 2030, Sustainable Development Goals, funding, partnerships, sustainable cities.
1. INTRODUÇÃO
O cenário de desigualdade, pobreza e calamidade, palco em que vivem milhões de cidadãs e cidadãos do Século XXI, tem levado a sociedade global a buscar estratégias voltadas à construção de um mundo em que ninguém será deixado para trás. Nesse esforço global, a Organização das Nações Unidas – ONU vem exercendo um papel protagonista. Adotando um modelo de desenvolvimento econômico e socioambiental, assegurando-o como um direito humano universal desde 1986,[1] a entidade orienta a criação de condições que permitam a todas e a todos a expansão de suas capacidades e, consequentemente, a conquista de sua liberdade.[2] Para isso, demanda-se a criação de conjunturas que farão com que os cidadãos alcancem a concepção mais fundamental do processo de desenvolvimento, conquistando “uma vida mais livre e mais digna de ser vivida”.[3]
Assim, em 2015, a entidade propôs uma nova agenda de desenvolvimento nacional sustentável para os próximos 15 anos: a Agenda 2030, oportunidade em que foram fixados os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS. Tais objetivos foram firmados com o intuito de orientar políticas dirigidas a erradicar a pobreza, dizimar as desigualdades e injustiças, promover a igualdade de gênero. Ainda, eles estão voltados a buscar estratégias que minimizem os efeitos das mudanças climáticas e a assegurar um ambiente de prosperidade econômica sustentável, através de parcerias entre as instituições públicas e a sociedade civil.
Nesse panorama, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS n. 17 – Parcerias e meios de implementação – estabelece como objetivo o reforço de meios de implementação e revitalização da parceria global para o desenvolvimento sustentável.[4] Parte-se da premissa de que as parcerias entre o Estado e a sociedade civil são condições básicas para o desenvolvimento sustentável das nações, admitindo essas parcerias como uma das chaves para as soluções dos desafios econômicos e ambientais. Dentre as metas de tal objetivo, destaca-se, para o desenho da presente pesquisa, a de 17.17: “Incentivar e promover parcerias públicas, público-privadas e com a sociedade civil eficazes, a partir da experiência das estratégias de mobilização de recursos dessas parcerias”.[5]
Aderindo à Agenda 2030, desde 2015 o Brasil vem adotando ações direcionadas ao alcance das metas e objetivos do Milênio. No entanto, a simples adesão do país à referida Agenda não foi suficiente para extirpar da sociedade brasileira os altos índices de exclusão social. Com um modesto crescimento econômico, o Brasil, em 2020, recuou de 79º lugar para 84º lugar no ranking dos países em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, conforme Relatório divulgado em dezembro de 2020, pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.[6]
Assim, com um aumento considerável da concentração de renda, constata-se a crescente desigualdade social: no índice ajustado à desigualdade, que insere uma espécie de filtro no valor de Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, chamado de redutor do efeito de desigualdade, verifica-se uma perda global de 25,5% nos últimos anos, passando o Brasil de 0,765 para 0,570, o que significa uma diferença de 20 posições na classificação geral do referido Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.[7]
Em 2020, foi elaborado Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar – Rede PENSSAN, em que se apurou que, naquele ano, 19,1 milhões de pessoas conviviam com a fome no país. Os resultados coletados mostraram, ainda, que nos três meses que antecederam à coleta de dados – setembro, outubro e novembro de 2020 –, apenas 44,8% dos lares tinham seus moradores e suas moradoras em situação de segurança alimentar. Isso significa que em 55,2% dos domicílios os habitantes conviviam com a insegurança alimentar, um aumento de 54% desde 2018 (36,7%), significando, em números absolutos, que no período abrangido pela pesquisa, 116,8 milhões de brasileiros não tinham acesso pleno e permanente a alimentos.[8]
No ano de 2022, após mais de dois anos de pandemia, um novo Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil foi divulgado, atestando que a insegurança alimentar se tornou ainda mais presente entre as famílias brasileiras. O número de casas com moradoras e moradores passando fome saltou de 19,1 milhões de pessoas em 2020 para 33,1 milhões de pessoas em 2022, ou seja, houve um aumento de 14 milhões de novas brasileiras e novos brasileiros em situação de fome em um período de pouco mais de um ano.[9]
Nesse cenário, exige-se da Administração Pública a adoção de soluções criativas voltadas a viabilizar o alcance dos objetivos da República, previstos no artigo 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, colaborando para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, capaz de garantir o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Faz-se premente que o Direito Administrativo ofereça à sociedade alternativas capazes de impulsionar o crescimento econômico, sem descuidar da proteção dos direitos daqueles que ainda demandam uma intervenção protetiva do Estado, propondo estratégias capazes de realizar as metas e compromissos da Agenda 2030.
É nesse contexto que se insere o problema que norteia o presente artigo: dentro do contexto histórico-social do Brasil, qual a melhor alternativa para ver o desenvolvimento sustentável efetivamente implementado na prática, concretizando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS elencados na Agenda 2030?
Para responder tal indagação, é necessário revisitar todo um panorama do que se entende por desenvolvimento, como as desigualdades interferem na sua realização, e como a sua noção foi expandida para a ideia de um desenvolvimento sustentável, notadamente dentro da realidade brasileira que tem previsto, constitucionalmente, como um objetivo da República Federativa, o desenvolvimento nacional – sustentável. Após essa retomada, apresentar-se-á o instituto do fomento como uma possível e constitucional alternativa à concretização desse desenvolvimento sustentável. Ao final, adotando-se todas as noções trabalhadas ao longo do artigo, pretende-se demonstrar a viabilidade concreta da aplicação da atividade fomentadora inserida no contexto das cidades participativas, com o apontamento de um exemplo de projeto desenvolvido dentro da cidade de Curitiba.
A metodologia de pesquisa adotada é o método qualitativo, por meio da qual se analisam a noção de desenvolvimento e desenvolvimento sustentável, inseridos no contexto constitucional de Estado Social; como o fomento pode ser uma alternativa para concretizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, sem substituir o Estado em seus deveres; e a aplicação concreta da atividade fomentadora nas cidades participativas. A técnica de pesquisa adotada, por sua vez, foi a bibliográfica.
2. DO DESENVOLVIMENTO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Não só a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas no ordenamento jurídico em geral, percebe-se que tanto o constituinte quanto o legislador tentaram tomar muito cuidado ao tratar de direitos e garantias fundamentais, tentando garantir a todos os indivíduos as melhores condições de vida digna, edificando aquilo que está previsto no artigo 3º da Carta Constitucional: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.[10]
O marco jurídico consolidado com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe diversos avanços econômicos e sociais – isso é inegável –,[11] mas esses avanços não alcançaram a todos. As boas intenções do constituinte e do legislador não foram suficientes “para permitir que o país vencesse os sérios problemas de desigualdade e exclusão, de estagnação econômica, de ineficiência da infraestrutura, de corrupção e de apatia social”.[12]
A realidade, com base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que esculpiu o modelo de sociedade em que o Brasil está hoje inserido, demanda novas práticas. Algumas estratégias precisam ser revistas para que a cultura de privilégios seja substituída.[13] Apenas dessa maneira a existência do Estado, espelhado na sua Administração Pública, tem sentido, em função de uma justa e equitativa distribuição, entre os cidadãos, dos direitos e encargos sociais. Assim, “as elevadas e numerosas tarefas administrativas não resultariam exitosas sem a imposição de meios de atuação capazes de oferecer garantias exigíveis de um Estado justo e igualitário”.[14] A função administrativa do Estado, portanto, tem um legado a cumprir, vinculado à redução das desigualdades pela promoção do acesso aos direitos fundamentais, cabendo à Administração a oferta de modificação das condições de vida social.[15]
O que busca se demonstrar aqui, portanto, é o fato de que as desigualdades[16] interferem no desenvolvimento.[17] Amartya Sen entende que a partir da sua concepção de desenvolvimento – interpretado como, além de um processo que engloba crescimento econômico, como uma garantia dos direitos civis, sociais e políticos –, determinado indivíduo vai ter a sua liberdade assegurada, e a sociedade como um todo terá seu padrão de vida elevado.[18] Este juízo permite que se conclua que desenvolvimento se tornou, a partir dos seus referenciais construídos ao longo dos anos, um direito assegurado aos indivíduos.[19]
Nesta perspectiva que Amartya Sen defende, de que a concepção de desenvolvimento deve estar desvinculada da figura isolada do crescimento econômico, ao contrário do que alguns autores afirmam,[20] sustenta a sua ideia de que “o desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza, do crescimento do PIB e de outras variáveis relacionadas à renda”,[21] por isso elenca, na sua obra, diversos outros índices alheios à perspectiva econômica.[22]
Para além de uma mera conceituação, André Folloni entende o assunto do desenvolvimento como uma questão ideológica, como um “juízo de valor”, na medida em que seu conceito tem uma relação intrínseca com a realidade em que ele é construído ou, em suas palavras, “o que será definido como ‘desenvolvido’ não é algo totalmente isento de certa arbitrariedade”.[23] Esta perspectiva tem uma correlação afeita à temática da desigualdade antes trabalhada, em que o autor conclui que “nessa medida, traduz-se em um discurso que legitima a dominação econômica e cultural, ao elevar o modelo e diminuir aqueles que não o podem atingir”.[24][25]
Para corroborar com o seu entendimento, Amartya Sen traz, em seus estudos, dados empíricos de países que, mesmo com um desenvolvimento econômico relevante, não possuem uma qualidade de vida dos seus habitantes no mesmo nível, concluindo que “sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora de vida que levamos e das liberdades que desfrutamos”.[26] Assim, o desenvolvimento entendido por Amartya Sen “abrange o acesso aos direitos humanos em todas as suas perspectivas, permitindo o alcance universal das liberdades políticas, das liberdades econômicas, dos direitos sociais, da transparência e da participação na gestão pública”.[27]
Neste cenário em que se inclui a figura do crescimento econômico, Amartya Sen o coloca no mesmo patamar que outros elementos de desenvolvimento que considera tão importantes quanto para que o indivíduo atinja a “vida mais gratificante” possível. Seria o caso, por exemplo, da educação, dos melhores cuidados com a saúde, dos melhores serviços médicos, entre outros.[28] Estes, que ele chama de desenvolvimentos sociais, não podem ser deixados de lado, na medida em que “nos ajudam a ter uma vida mais longa, mais livre e mais proveitosa, juntamente com o papel que desempenham no aumento da produtividade, do crescimento econômico ou das rendas individuais”.[29]
Emerson Gabardo, por sua vez, entende a noção de desenvolvimento como um processo responsável por fazer as condições de vida de todos elevarem-se de forma contínua, com incremento social e político.[30] Trata-se de um direito fundamental, que assegura a todos os indivíduos – das gerações atuais e das vindouras –, o acesso aos direitos civis, políticos e sociais, em um ambiente sustentável e economicamente próspero.[31] Assevera, assim, que o processo de desenvolvimento previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 “é de caráter centralizado e estabelece competências próprias para o Estado e para cada um dos entes”.[32]
No mesmo sentido aqui abordado, ainda em 1986, a Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo que “o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes”,[33] editou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução nº 41/128, de 04 de outubro de 1986, que destaca, em seu artigo 1., que o “direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável”.[34]
Como já superficialmente ventilado, a noção ideológica a respeito da noção de desenvolvimento mudou muito ao longo dos anos. Prevaleceu, entre as décadas de 1950 e 1990, o entendimento de que desenvolvimento era sinônimo de crescimento econômico.[35] Contudo, a preocupação com um desenvolvimento econômico que excluísse os demais objetivos sociais fez surgir a ideia trabalhada por Amartya Sen, anteriormente abordada, de desenvolvimento humano.
Na expectativa de criar um novo “número único”, contendo mais informações relevantes do que apenas o Produto Interno Bruto – PIB, Amartya Sen, junto com o seu colega Mahbub ul Haq, criou o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, com o intuito de agregar mais “ingredientes úteis de compreensão social”. Desde o início da ideia, a intenção da criação do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH era “ponderar dimensões da vida humana mais significativas do que o mero valor de mercado das mercadorias compradas e vendidas. Os impactos de uma menor mortalidade, das melhores condições de saúde, da expansão da escolaridade e de outras preocupações humanas elementares podiam ser combinados de alguma forma agregada”.[36]
Nos anos 2000, através da Resolução nº 55/2 da Assembleia Geral das Nações Unidas, foram desenvolvidos os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM, tendo como principal desafio a garantia de que a globalização se tornasse uma força positiva para todos os povos do mundo e prevendo, dentre as suas ações específicas, medidas para o estabelecimento de uma parceria global para o desenvolvimento sustentável,[37] que vem atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades.
Não se nega, dentro da concepção de desenvolvimento sustentável, a importância da questão ambiental,[38] mas ele não se restringe a esse aspecto, constituindo-se efetivamente frente aos próprios direitos humanos, abarcando os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, bem como os direitos coletivos ao desenvolvimento, ao meio ambiente e à cidade.[39] Juarez Freitas, referencial teórico na compreensão jurídica da sustentabilidade, esclarece que o desenvolvimento nacional sustentável possui uma natureza multidimensional, baseada em cinco dimensões, de caráter meramente exemplificativo, não excluindo ou rejeitando outras eventualmente mais específicas.
A primeira delas é a dimensão ambiental propriamente dita, expressamente prevista no artigo 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que prevê o direito que todos têm ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, “impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.[40] Para Juarez Freitas a degradação da natureza não faz sentido, na medida em que a irracionalidade que a compõe faz milhões de vítimas no caminho, e conclui que “(a) não pode haver qualidade de vida e longevidade digna em ambiente degradado e, que é mais importante, no limite, (b) não pode sequer haver vida humana sem o zeloso resguardo da sustentabilidade ambiental, em tempo útil, donde segue que (c) ou se protege a qualidade ambiental ou, simplesmente, não haverá futuro para nossa espécie”.[41]
A segunda é a dimensão econômica, que visa buscar um ponto de equilíbrio entre a utilização dos recursos naturais e a produção e circulação de riquezas. Em outras palavras, é o exato sopesamento que se deve fazer, e já mencionado, sobre os benefícios e os custos, sejam eles diretos ou indiretos, a fim de se evitar o desperdício e de se regular o mercado para que ele trabalhe da forma mais eficiente possível, visando a relação do bem-estar humano tanto no presente quanto no futuro. Nas palavras de Juarez Freitas, a “dimensão econômica da sustentabilidade evoca, aqui, a pertinente ponderação, o adequado “trade-off” entre eficiência e equidade, isto é, o sopesamento fundamentado, em todos os empreendimentos (públicos e privados), dos benefícios e dos custos diretos e indiretos (externalidades)”.[42]
A terceira dimensão é a jurídico-política, que decorre do dever constitucional inerente ao Estado de proteger e zelar pelo bem-estar das gerações atuais e futuras, impondo-se o dever de resguardo pelos direitos fundamentais. A efetividade dessa dimensão, segundo Juarez Freitas, deve ser imediata e direta, na medida em que ela “independente de regulamentação, a tutela jurídica do direito ao futuro e, assim, apresenta-se como dever constitucional de proteger a liberdade de cada cidadão (titular de cidadania ambiental ou ecológica), nesse status, no processo de estipulação intersubjetiva do conteúdo intertemporal dos direitos e deveres fundamentais das gerações presentes e futuras, sempre que viável diretamente”.[43]
A quarta é a dimensão ética, ligada diretamente à maneira de agir na atividade empresarial. A ideia central dessa dimensão faz referência ao fato de que o empresário preocupado e comprometido com a sustentabilidade, não medirá esforços em prol do bem-estar duradouro das gerações, independentemente de isso significar um aumento dos custos da sua produção. E é nesse sentido que defende Juarez Freitas, ao pontuar que “tal percepção ética habita o íntimo de cada um (embora débil fagulha em criaturas demasiado instintivas), convindo que aqueles que possuem a maior autoconsciência assumam a tarefa de, sem encolher os ombros, resguardar a integridade e nobreza de caráter, de sorte a não permitir dano injusto, por ação ou omissão”.[44]
Por fim, a quinta dimensão é a social, que se relaciona concretamente com os direitos sociais fundamentais insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não admitindo um desenvolvimento que se mostre excludente e iníquo. O desenvolvimento sustentável é sobre a totalidade. É sobre melhorar a vida de todos em todos os lugares, e alcançar isso de maneira conjunta. Assim, não se cogita a ideia, dentro da noção de desenvolvimento sustentável, da sobrevivência de poucos. As distinções entre as pessoas não podem se dar sob um viés negativo, apenas são válidas aquelas “voltadas a auxiliar os desfavorecidos, mesmo diante de ações positivas e compensações que permitam fazer frente à pobreza medida por padrões confiáveis, que levem em conta necessariamente a gravidade das questões ambientais”. Ao concluir, Juarez Freitas destaca que “na dimensão social da sustentabilidade, obrigam-se os direitos fundamentais sociais, que requerem os correspondentes programas relacionados à universalização, com eficiência e eficácia, sob pena de o modelo de governança (pública e privada) ser autofágico e, numa palavra, insustentável”.[45]
Um ponto em comum, dentre outros, entre a noção de desenvolvimento desenvolvida por Amartya Sen e a noção de desenvolvimento sustentável desenvolvida por Juarez Freitas está nos atores do direito ao desenvolvimento que se concentram na pessoa humana como o sujeito central – artigo 2., item 1, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução nº 41/128, de 04 de outubro de 1986 –, cabendo aos seres humanos a responsabilidade pelo desenvolvimento – artigo 2., item 2, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução nº 41/128, de 04 de outubro de 1986 –, e aos Estados o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento – artigo 2., item 3, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução nº 41/128, de 04 de outubro de 1986.[46]
Inclusive, sobre o artigo 2., item 3, da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução nº 41/128, de 04 de outubro de 1986, o Relatório sobre desenvolvimento humano do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Relatório sobre desenvolvimento humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento destaca que “só os governos dispõem da autoridade formal e do poder necessários à mobilização da ação coletiva para desafios comuns, quer se trate de legislar e aplicar um preço ao carbono, de suprimir leis que marginalizem e privem pessoas de direitos ou de definir o enquadramento das políticas e instituições, assente no investimento público, de modo a estimular uma inovação contínua e amplamente disseminada”.[47]
Diante de tal cenário, ilustrando-se, ainda que brevemente as perspectivas apresentadas, retoma-se a pergunta inicialmente formulada: dentro do contexto histórico-social do Brasil, qual a melhor alternativa para ver o desenvolvimento sustentável efetivamente implementado na prática, concretizando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS elencados na Agenda 2030?
3. O PAPEL DO FOMENTO NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, houve o crescimento da colaboração entre o Poder Público e a sociedade civil. O constituinte trouxe, notadamente no artigo 174, uma possibilidade de o Estado incentivar o particular na realização de atividades de interesse público, que ficou conhecido como instituto do fomento, utilizado no Brasil de maneira implícita desde a década de 1950, mas que ganhou maior força no cenário pós-Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.[48]
O fomento pode ser entendido como a atuação administrativa em que o Estado incentiva, promove ou induz os particulares a exercerem atividades de interesse público.[49] Nesse ambiente de parceria entre a Administração Pública e a sociedade civil, o fomento deve estar voltado a estender a todas e a todos, especialmente àqueles grupos vulneráveis, as conquistas do desenvolvimento nacional sustentável.
Considerado como um instituto clássico do Direito Administrativo, ele representa a efetivação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS nº 17, ao admitir parcerias legítimas entre Estado e sociedade civil para a realização do direito ao desenvolvimento. Em outras palavras, o fomento pode ser conceituado como um conjunto de instrumentos pelos quais o Estado estimula os particulares a realizarem atividades de interesse público. São medidas que, ao mesmo tempo, aceleram o desenvolvimento social, mediante a garantia de direitos fundamentais aos seus beneficiários, mas também impulsionam o mercado, gerando desenvolvimento econômico.[50] Ainda, a atividade administrativa de fomento visa satisfazer as necessidades coletivas, sem o uso da coação e sem efetivamente prestar o serviço público, tendo como propósito a promoção ou proteção das atividades dos particulares.[51]
Neste sentido, para que não haja confusão e para que bem se entenda a atividade de fomento, importante distingui-la de dois outros conhecidos institutos vinculados à Administração Pública, o serviço público e o poder de polícia. O fomento se distingue do poder de polícia, na medida em que este tem como objetivo disciplinar a sociedade, seja de forma direta ou indireta para um melhor convívio social. No poder de polícia, o Estado atua fiscalizando, prevenindo, reprimindo e, sempre que necessário, utilizando a coercibilidade em defesa do interesse público.[52]
Por outro lado, o fomento atua apenas de forma indireta, incentivando, concedendo vantagens com intuito de promover uma melhor vida em sociedade. Não há o elemento da coercibilidade, uma vez que a relação entre o particular e a Administração Pública só se forma com o consentimento do agente fomentado, que manifesta a vontade de se relacionar com o Estado.[53] Ou seja, na área do fomento não existe a coerção do Poder Público sobre os particulares, sendo esse o traço que diferencia o fomento do poder de polícia.[54]
Já no tocante a distinção do fomento com o serviço público, também confundidos, é necessário lembrar que quando se fala em serviço público, a prestação do serviço é de responsabilidade do Estado, que poderá fazê-lo de forma direta ou delegá-lo na forma da lei, sendo sempre seu o dever de dispor, bem como regulamentar e fiscalizar a prestação. Já quando se fala em fomento, a atuação estatal é indireta, promovendo ou incentivando outrem a exercer a atividade de interesse público.[55] Sendo assim, a diferença entre os institutos do fomento e do serviço público consiste justamente no fato de que, no fomento o Estado não realiza nenhuma atividade prestacional, enquanto no serviço público a atividade é prestada pelo Estado, ou quem lhe faça as vezes, para atendimento do interesse público.
Feita essa importante distinção entre os institutos que podem se confundir, importante ressaltar a noção de da atividade fomentadora, introduzida por Célia Cunha Mello, como um conjunto de atividades indiretas que são desempenhadas pelo Estado, estando ausente o poder de autoridade, que objetiva melhorar a qualidade de vida da sociedade promovendo e incentivando regiões e atividades.[56]
Ao defender a ideia de um Direito Administrativo Social, Daniel Wunder Hachem entende que o modelo de Estado Social adotado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 deve estar voltado à realização dos direitos fundamentais, à promoção da igualdade material e à ideia de redistribuição de riquezas por meio da intervenção do Poder Público.[57] Por isso a necessidade de as legislações, notadamente aquelas que envolvem a Administração Pública, se constituírem como transformadoras, permitindo suprir os recursos sociais básicos e que se traduzam em instrumentos promotores das camadas menos favorecidas.[58]
Nesse contexto, e coerente com o ODS nº 17,[59] o Estado brasileiro vem buscando parcerias com a sociedade civil, momento em que, segundo Juarez Freitas, identifica-se uma nova faceta do Poder Público,[60] fundada em uma “racionalidade dialógica, pluralista e democrática [...] endereçada ao cumprimento coerente e coeso das metas superiores da Constituição”.[61] Admite-se que as instituições da sociedade civil também deverão contribuir na construção de um mundo em que seja possível eliminar as desigualdades.[62] Esse é o contexto em que a associação do Estado com a sociedade civil emerge na Constituição da República. Essa parceria tem sentido amplo que abrange inúmeras formas de ajustes e vínculos da Administração Pública com as instituições sociais, e que também abarca hipóteses em que o Estado passa a contar com os indivíduos na consecução do interesse público, com eles interagindo mediante incentivos e estímulos, precipuamente através de instrumentos de fomento.
Nesta esteira, as medidas de fomento[63] deverão traduzir-se em ações efetivamente voltadas à concretização dos direitos fundamentais, adotando-se uma leitura adequada de tal instituto em face dos cânones constitucionais.[64] Assim, permite-se ao Estado continuar cuidando do acesso dos bens juridicamente protegidos pelos direitos fundamentais, ao tempo em que incentiva e promove o desenvolvimento da livre iniciativa.
O fomento, nesta perspectiva, é um “valioso instrumento do Estado Social e Democrático de Direito brasileiro para a consecução de suas finalidades [...] uma atuação planejada do Estado destinada à efetivação de interesses públicos”,[65] conforme sustenta Rafael Valim. Visa, assim, “a eliminação da pobreza e das desigualdades regionais e sociais, o aumento da oferta de emprego e outras melhorias que propiciarão a elevação dos recursos necessários para o desenvolvimento social”,[66] apresentando-se como um “instrumento indireto de defesa e promoção dos direitos fundamentais”.[67]
Para que tais benefícios sejam alcançados é necessário que os atos administrativos pelos quais se consolidam as práticas de fomento sejam efetivamente editados em respeito ao regime jurídico administrativo, notadamente no que se refere à observância ao princípio da isonomia, assegurando-se a todos os interessados a possibilidade de acesso a tais medidas de financiamento.[68] Para tanto, é preciso que a discricionariedade que marca a atuação do Estado neste campo seja concebida sob a égide de todos os princípios, conforme já defende Juarez Freitas.[69]
4. CIDADES SUSTENTÁVEIS E AS INICIATIVAS DE FOMENTO
Crescimento não é sinônimo de desenvolvimento.[70] O que se observa do Brasil a partir da metade do século XX é o crescimento das cidades de modo desordenado, sem o necessário planejamento, sem rumo, alterando, para pior, a qualidade de vida dos habitantes. Na medida em que os espaços urbanos expandiram territorialmente, o bem-estar dos cidadãos foi reduzido, fazendo-se clara a distinção entre crescimento e desenvolvimento. Enquanto o primeiro está intimamente associado ao caráter quantitativo, o segundo, por sua vez, assume um caráter caracterizado pela qualitatividade.[71]
Não por acaso, quando da elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o constituinte dedicou um capítulo do texto constitucional à “Política Urbana”, prevendo o desenvolvimento como sendo uma função social da cidade, ao dispor, no artigo 182, que a política de desenvolvimento “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.[72] Mais tarde, no Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001 –, para aperfeiçoar aquilo que já estava instituído na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também se previu o desenvolvimento como sendo uma função social da cidade, ao dispor, em seu artigo 2º, inciso I, a garantia do “direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações”.[73]
A partir daí, percebe-se que a intenção do legislador, ao inserir desenvolvimento como uma palavra-chave no caput do artigo do Estatuto da Cidade, é relacioná-lo ao fato de que ele será presente, no momento em que houver a concretização dos direitos fundamentais ali elencados, dentro do meio urbano. Isso quer dizer que, quanto mais os direitos que ali estão forem concretizados, mais a cidade estará cumprindo com a sua função social. Desenvolvimento urbano, segundo as palavras de Thiago Marrara, seria, então, um “processo histórico pelo qual se ampliam as condições de execução de direitos fundamentais pelos cidadãos urbanos”.[74]
A grande dificuldade dessa concretização surge a partir do momento em que o desenvolvimento não consegue acompanhar o crescimento. No início do ano de 2019, em um encontro promovido pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, apontou-se que cerca de 55% da população mundial vive, hoje, em áreas urbanas, e a expectativa é que a proporção aumente para 70% até 2050, ou seja, se a perspectiva apontada se concretizar, dois terços da população mundial, em um breve espaço de tempo, estarão vivendo em centros urbanos.[75] No Brasil, essa perspectiva já é uma realidade, na medida em que cerca de 85% da população vive em cidades, sendo que existem 36 cidades com mais de 500 mil habitantes.[76] Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, no ano de 2018, mais da metade da população brasileira vive em apenas 6% das cidades do país. Dentre eles, somente 317 municípios, de um total de 5.568, concentram uma população de 118,9 milhões de pessoas, ou seja, 57% de toda a população que, ao total, soma 208,5 milhões de habitantes em todo o país.[77]
A estatística levantada pelo IBGE faz concluir que o país concentra o maior número de pessoas vivendo em cidades de médio para grande porte, se comparadas com cidades pequenas, consideradas aquelas de até 20 mil habitantes. O estudo ainda mostra que a maioria dos municípios brasileiros, cerca de 68,4%, são cidades pequenas, sendo que apenas 15,4% – aproximadamente 32,1 milhões de pessoas – da população total vive nesses locais.[78]
Partindo da perspectiva delineada por Lígia Casimiro, entende-se a cidade como “o resultado das relações dos seres humanos, em um espaço dinâmico onde há grande integração material, se constitui como referência à relação do espaço urbano construído e seu habitante. (...) Corresponde às necessidades das pessoas que nela convivem, recebendo vida por meio das relações humanas que ocorrem em seu território”.[79]
Tratar da questão urbana é analisar as possibilidades da vida na cidade, que estão diretamente atreladas às capacidades que possuem seus habitantes de vivenciá-la com suas possibilidades e dificuldades. As assimetrias no acesso a direitos, bens, recursos e meios em geral, bem como as dificuldades ou desvantagens – de caráter pessoal, ambiental, social ou relacional –, estabelecem parâmetros para um processo que marca a forma de ocupação do solo urbano, e por outro, reciprocamente, a forma de organização espacial que reforça a tendência de concentração de renda e de poder alimentador dos conflitos.[80]
A cidade como direito possui diversos significados, e seu conteúdo demonstra a complexidade do processo de urbanização, da produção do espaço, da reprodução ampliada do capital, das desigualdades sociais, econômicas e socioespaciais. Dimensionar tal direito envolve compreender as concepções materiais, políticas, simbólicas além das jurídicas, para garantir-lhe definição. E, para tanto, não é possível se olvidar que, pensar a questão urbana impõe refletir sobre a complexidade de um território ocupado por pessoas dos mais variados interesses e necessidades, destinatárias dos mesmos direitos formais, carentes do atendimento que demandam.[81]
Exatamente dentro dessa perspectiva, a III Conferência das Nações Unidas sobre moradia e desenvolvimento urbano sustentável, ocorrida em 2016, destacou três principais problemas quanto ao crescimento desordenado das cidades urbanas: escancaramento da pobreza, da desigualdade e da violência; urgência de políticas públicas de transformação da gestão dos espaços urbanos; falta de planejamento urbano, de mobilidade, de gestão de resíduos sólidos, de saneamento, entre outros. No mesmo evento, destacou-se que, na perspectiva das cidades sustentáveis, entendidas como aquelas que garantem o acesso à moradias adequadas, à preços acessíveis e que melhoram a qualidade de áreas degradadas, principalmente das favelas, envolvendo investimento em transporte público, criação de espaços verdes, melhoria no planejamento urbano e no gerenciamento de forma participativa e inclusiva, haveria a possibilidade de se combinar qualidade de vida, bom sistema público de transporte, bem estar da população, progresso econômico e preservação do meio ambiente.[82]
O adequado desenvolvimento urbano sustentável, reflexo da materialização do direito à cidade, resulta de um processo que se delineia no Município – território que agrega zona urbana e zona rural. De acordo com a global plataform for the right to the city, rede composta por diversas entidades nacionais e internacionais comprometidas globalmente com as mudanças sociais e com a promoção do direito à cidade,[83] participante ativa no processo de elaboração e negociação da Nova Agenda Urbana nas Nações Unidas, os pilares desse direito se sustentam na possibilidade de distribuição espacialmente justa dos recursos, na participação e acesso a uma agenda política urbana e no respeito à diversidade sociocultural no território da cidade.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê, em seu artigo 182, dentre outros, que os Municípios são titulares de competências de planejamento e planificação para o desenvolvimento urbano, prestação de serviços públicos e promoção da função social da cidade. O que acaba por trazer desafios já mencionados, como: o aumento dos índices de urbanização; a ausência de infraestrutura e mobiliário urbano; a depredação ambiental; e a precarização da vida urbana – desemprego e dificuldade de acesso à moradia.
E uma das soluções propostas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS é, justamente, a adoção de estratégias de segurança humana que afirmem a importância da solidariedade, já que todas as pessoas são vulneráveis ao processo de mudança global experimentadas durante o Antropoceno.[84] O fomento, representado pelas parcerias com a sociedade civil, neste ponto envolvendo problemas urbanos, se torna fundamental para a realização de um importante avanço em busca da concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, notadamente o 17.17 e o 11.3, que prescrevem, respectivamente: “17.17 incentivar e promover parcerias públicas, público-privadas, privadas, e com a sociedade civil eficazes, a partir da experiência das estratégias de mobilização de recursos dessas parcerias”[85] e “11.3 Até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e as capacidades para o planejamento e gestão de assentamentos humanos participativos, integrados e sustentáveis, em todos os países”.[86]
É através de iniciativas que visam a participação ativa e direta da sociedade dentro das cidades, que já existem diversos projetos de planejamento urbano sendo implementados e testados, justamente para que se planeje de acordo com a realidade brasileira. Os exemplos práticos mostram como o fomento pode oferecer, através da participação popular efetiva, uma otimização e qualificação do planejamento urbano ao permitir que as demandas diretas da população sejam filtradas, monitoradas e, acima de tudo, consideradas. É preciso que se saiba profundamente sobre as demandas de cada cidade para que o processo de planejamento urbano seja o mais preciso possível, a fim de atender efetivamente as demandas buscadas pela cidadã e pelo cidadão.
5. Considerações finais
As possibilidades de monitoramento de dados, criados por atividades de participação social, permite que as gestões municipais estabeleçam planos mais flexíveis que criem, essencialmente, lugares onde as pessoas queiram viver ou estar, possibilitando a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS da Agenda 2030, notadamente aquele desenvolvido na pesquisa, nº 17. Ao invés de se manter estático, encontram-se instrumentos de mudança que se adaptam às necessidades da população e às mudanças no próprio ambiente urbano.
Acima de tudo, é necessário que as ferramentas de planejamento sejam transparentes e que as políticas públicas e diretrizes sejam claras. Pensando na adoção de soluções criativas pela Administração Pública, as parcerias que vêm sendo firmadas com a sociedade civil têm sido de extrema importância e relevância. A nova faceta do Poder Público, em que se permite um diálogo e uma parceria, contribui para a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, em que todas e todos têm vez na participação e elaboração de soluções que atendam o maior número de pessoas possível.
Desta forma, conclui-se, respondendo à pergunta inicial, que as alternativas que envolvem participação social ativa, tais como as atividades de fomento, são fundamentais para efetivar na prática os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, previstos na Agenda 2030, devendo o Estado, dentro dos seus limites constitucionais, incentivá-las.
Referências bibliográficas
ABREU, Mauricio de A. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, 2011.
ANDRADE, Giulia De Rossi; CASIMIRO, Lígia Maria Melo de. A Justiça Social de Amartya Sen aplicada à Liberdade de escolha para a Educação no Estado Social. Revista Brasileira de Pesquisas Jurídicas, Avaré: Eduvale, v. 1, n. 1, p. 49-71, 2020.
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A estabilidade do ato administrativo criador de direitos à luz dos princípios da moralidade, da segurança jurídica e da boa-fé. A&C Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 10, n. 40, p. 291-313, abr./jun. 2010.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 35, n. 137, jan./mar. 1998.
BARCELOS, Leonardo Rocha; SILVA, Nayara Ribeiro da. Mobilidade urbana no Brasil: um direito social. VirtuaJus, Belo Horizonte, v. 3, n. 5, p. 133-152, 2. sem. 2018.
BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005.
BLANCHET, Luiz Alberto. Energia elétrica e desenvolvimento: os custos, a tarifa e suas suscetibilidades e impactos na vida do cidadão. GONÇALVES, Oksandro. HACHEM, Daniel Wunder e SANTANO, Ana Cláudia. Desenvolvimento e sustentabilidade. Desafios e perspectivas. Curitiba: Íthala, 2015.
BLANCHET, Luiz Alberto; SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. A atividade de fomento como mecanismo de intervenção do Estado na economia e a efetivação dos direitos fundamentais. Revista de Direito Público Contemporâneo, Instituto de Estudios Constitucionales da Venezuela e Universidade Federal de Rural do Rio de Janeiro do Brasil, ano 2, v. 1, n. 1, p. 5, jan./jun. 2018.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 out. 1988.
BRASIL. Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2021. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 jul. 2001.
CARDOSO JÚNIOR, José Celso; PINTO, Eduardo; LINHARES, Paulo de Tarso. O Estado e o Desenvolvimento no Brasil. In: CARDOSO JÚNIOR, José Celso; BERCOVICI, Gilberto (Org.). República, democracia e desenvolvimento. Contribuições ao estado brasileiro. Brasília: Ipea, 2013. p. 467.
CARVALHO, Carlos Henrique de. Mobilidade urbana: avanços, desafios e perspectivas. In: COSTA, Marco Aurélio (Org.). O Estatuto da Cidade e a Habitat III: um balanço de quinze anos da política urbana no Brasil e a nova agenda urbana. Brasília: IPEA, 2016. p. 345-364.
CASIMIRO, Lígia Maria Melo de. Novas perspectivas para o Direito Administrativo: a função administrativa dialogando com a juridicidade e os direitos fundamentais sociais. A&C Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 7, n. 30, p. 109-130, out./dez. 2007.
CASIMIRO, Lígia Maria Melo de. Planejamento social e mobilidade urbana como fundamentos do direito à cidade. Tese (Doutorado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2017.
CASIMIRO, Lígia Maria Melo de; ANDRADE, Giulia De Rossi; GONDIM, Letícia Oliveira. Cidades Inteligentes para garantia do direito à cidade: um desafio na agenda da Administração Pública 4.0. In: SCHIER, Adriana; FORTINI, Cristiana; MELO, Lígia; VALLE, Vanice (Coord.). Administração Pública 4.0: na visão delas. Curitiba: Íthala, 2022. p. 205-206.
CASIMIRO, Lígia Maria Silva Melo de; JEREISSATI, Lucas Campos. Smart cities e mudanças climáticas no Brasil: debates e tensões no âmbito da gestão urbana contemporânea. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 88, p. 201-232, abr./jun. 2022.
CRUZ, Adriana Inhudes Gonçalves da; AMBROZIO, Antonio Marcos Hoelz; PUGA, Fernando Pimentel; SOUSA, Felipe Lage de; NASCIMENTO, Marcelo Machado. A economia brasileira: conquista dos últimos 10 anos e perspectivas para o futuro. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/961/1/A%20economia%20brasileira-conquistas%20dos%20ultimos%20dez%20anos%20_P-final_BD.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
FOLLONI, André. A complexidade ideológica, jurídica e política do desenvolvimento sustentável e a necessidade de compreensão interdisciplinar do problema. Revista de Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, n. 1, p. 63-91, jan./jun. 2014.
FREITAS, Juarez. Direito fundamental à boa administração pública e a constitucionalização das relações brasileiras. Interesse público. Belo Horizonte: Fórum, a. 12, n. 60, p. 13-24, abr. 2010.
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 6. ed., São Paulo: Malheiros, 2015.
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
FURTADO, Celso. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o estado e a sociedade civil para além do bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
HABITAT III. Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável. 2016. Disponível em: https://www.defensoresdoplaneta.org.br/2016/10/01/habitat-iii-terceira-conferencia-das-nacoes-unidas-sobre-moradia-e-desenvolvimento-urbano-sustentavel/. Acesso em: 10 jun. 2022.
HACHEM, Daniel Wunder. A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, jan./jun. 2013.
HIGA, Alberto Shinji. A construção do conceito da atividade administrativa de fomento. Revista direito Mackenzie. São Paulo, v. 5, n.1, p. 10-36, 2011.
IBGE. Cidades. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-de-janeiro/pesquisa/22/28120 Acesso em: 10 jun. 2022.
IBGE. IBGE divulga as estimativas de população dos municípios para 2018. 29 ago. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/22374-ibge-divulga-as-estimativas-de-populacao-dos-municipios-para-2018. Acesso em: 10 jun. 2022.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed., São Paulo: RT, 2014, p. 108.
LIMA JUNIOR, Jayme Benvenuto. .s direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
MARRARA, Thiago. Transporte Público e desenvolvimento urbano: aspectos jurídicos da Política Nacional de Mobilidade. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 5, n. 2, p. 163-183, jul./dez. 2014.
MARTINS, Fernanda Rezende; Tatiana A F R Cardoso Squeff. A apropriação do discurso do desenvolvimento sustentável como instrumento de manutenção da colonialidade sobre os recursos naturais. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 11, n. 3, p. 30-53, set./dez. 2020.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. parte introdutória, parte geral e parte especial. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
MYRDAL, Gunnar. What Is Development? Journal of Economic Issues, v. 8, n. 4, p. 729-736, dez. 1974.
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Direitos Humanos USP. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html. Acesso em: 10 jun. 2022.
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – 11 Cidades e Comunidades Sustentáveis. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/11. Acesso em: 10 jun. 2022.
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – 17 Parcerias e meios de implementação. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/17. Acesso em: 10 jun. 2022.
NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Milênio. 2000. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/2000%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20do%20Milenio.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
NAÇÕES UNIDAS. ONU prevê que cidades abriguem 70% da população mundial até 2050. 2019. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/02/1660701. Acesso em: 10 jun. 2022.
NASCIMENTO NETO, José Osório; SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. (In)eficiência e corrupção no processo de desenvolvimento: possíveis causas e mudanças necessárias para a Administração Pública brasileira. In: BLANCHET, Luiz Alberto; HACHEM, Daniel Wunder; SANTANO, Ana Cláudia (Orgs.). Eficiência e ética na Administração Pública, Curitiba, Íthala, 2015.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Desenvolvimento, progresso e crescimento econômico. Lua Nova, São Paulo, n. 93, p. 33-60, dez. 2014.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório do Desenvolvimento Humano: a próxima fronteira – o desenvolvimento humano e o Antropoceno. Disponível em: https://www.undp.org/sites/g/files/zskgke326/files/migration/ao/UNDP_AO_RDH_-2020_Full_PT.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil. I VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Insegurança Alimentar e Covid-19 no Brasil. II VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. 2022. Disponível em: https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Tradução José Lins Albuquerque Filho. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento: Administração Pública, Direitos Fundamentais e Desenvolvimento. Curitiba: Íthala, 2019.
SCHIER, Adriana da Costa Ricardo; ANDRADE, Giulia De Rossi. O papel da Administração Pública no fomento à inovação tecnológica: a lei de incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica do Município de Curitiba. In: SCHIER, Adriana da Costa Ricardo; GUIMARÃES, Edgar; VALLE, Vivian Cristina Lima Lopez. Passando a limpo a gestão pública: arte, coragem e loucura. Curitiba: NCA Comunicação e Editora, 2020. p. 12-36.
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SEN, Amartya Kumar. Desigualdade Reexaminada. Trad. Ricardo Doninelli Mendes. Rio de Janeiro: Record, 2008.
TRUBEK, David M. O ‘império do direito’: na ajuda ao desenvolvimento passado, presente e futuro. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). O novo direito ao desenvolvimento: passado, presente e futuro – textos selecionados de David M. Trubek. São Paulo: Saraiva, 2009.
VALIM, Rafael. A subvenção no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Contracorrente, 2015.
Notas
Notas de autor
Información adicional
Como citar este artículo | How to cite this article: ANDRADE, Giulia de Rossi. O papel do fomento no desenvolvimento sustentável de cidades participativas. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 9, n. 2, p. 373-396, jul. /dic. 2022. DOI 10.14409/redoeda.v9i2.12396