Artículos
Pluralismo jurídico emancipatório e suas contribuições para o reconhecimento e o tratamento dos povos originários: um olhar para o caso brasileiro
Emancipatory legal pluralism and its contributions to the indigenous people recognition and treatment: a look at the Brazilian case
Pluralismo jurídico emancipatório e suas contribuições para o reconhecimento e o tratamento dos povos originários: um olhar para o caso brasileiro
Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, vol. 10, núm. 1, 2023
Universidad Nacional del Litoral
Recepción: 06 Febrero 2023
Aprobación: 05 Agosto 2023
Resumo: A pluralidade de normas e normatividades é uma condição inerente ao próprio direito como forma de regulação social. Nesse aspecto, o pluralismo, antes do que uma concepção teórica, é um traço material e concreto do fenômeno jurídico. O objetivo deste artigo é analisar o pluralismo jurídico no Brasil, com foco na realidade dos povos originários, pela perspectiva da teoria crítica do direito que, por sua vez, concebe e projeta um pluralismo de caráter emancipatório. A partir disso, questiona-se: em que medida o pluralismo jurídico, desde uma perspectiva crítica do direito e do Estado, contribui para o reconhecimento de direitos dos povos originários no Brasil? Sustenta-se que o pluralismo jurídico emancipatório pode contribuir positivamente para a proteção dos povos originários no país, o que será demostrado através da análise de dois casos concretos que dialogarão com os conceitos expostos. Utilizou-se da técnica de investigação bibliográfica teórico-conceitual.
Palavras-chave: América Latina, constitucionalismo, direito indígena, pluralismo jurídico, teoria crítica.
Abstract: The plurality of norms and regulations is an inherent condition of law itself as a social regulation form. In this respect, pluralism, rather than a theoretical conception, is a material and concrete feature of legal phenomenon. The purpose of this article is to analyze legal pluralism in Brazil, focusing on the indigenous people reality, from the critical theory perspective, which, in turn, conceives and projects an emancipatory legal pluralism. The question is: to what extend does legal pluralism, from a critical perspective of law and state, contribute to the recognition of Brazilians indigenous people rights? We argued that emancipatory legal pluralism could contribute positively to the native people protection, which we will demonstrate through the analysis of two concrete cases that will dialogue with the exposed concepts. We used a theoretical-conceptual bibliographic research technique.
Keywords: Latin America, constitutionalism, indigenous law, legal pluralism, critical theory.
1. Introdução
O direito, enquanto observado pelo positivismo, é um sistema de sentidos que dá ao jurista a ilusão de lidar com uma vida que é lógica, necessária, controlável e confortável – enfim, o positivismo pode ter sido popularizado pelo seu uso político e econômico, entretanto é no campo das necessidades humanas que encontra seu maior eco. Negar o conflito, a pluralidade e a alteridade é condição para uma dogmática jurídica, compondo o que há muito tem-se chamado de paraíso dos formalistas. O imaginário jurídico vigente combina o pior de todos os mundos: platonismo, neopositivismo e arbitrariedade metafísica. Platonismo e neopositivismo ao acreditar em silogismos, naturezas jurídicas e assemelhados idealizados; arbitrariedade metafísica quando chama os princípios para “curar” os defeitos de uma linguagem vista como defeituosa porque imprecisa.
O fato é que o direito se insere no mundo na vida, em toda sua complexidade e conflituosidade, ainda mais latente quando se trata de direitos humanos formados em diferentes sentidos e experiências históricas. Essa tentativa de uniformização, de enquadramento e de tratamento homogêneo às pluralidades sociais resultou em violentos e aniquilantes processos de colonização e não reconhecimento de coletividades e seus direitos, a exemplo dos povos originários no contexto latino americano. Partindo-se dessa problemática, a pergunta que guia o presente estudo questiona: em que medida o pluralismo jurídico, desde uma perspectiva crítica do direito e do Estado, contribui para o reconhecimento de direitos dos povos originários no Brasil?
Objetiva-se com esse ensaio diagnosticar algumas contribuições do pluralismo jurídico crítico à temática do reconhecimento dos direitos de povos originários no Brasil. Parte-se de uma teoria crítica e pluralista do direito para se demonstrar, através de dois casos selecionados, o seu potencial de contribuição na resolução ou, ao menos, na gerência de contendas históricas que envolvem os povos originários e os mecanismos sócio-históricos que conformam a colonialidade e o capitalismo dependente.
A hipótese inicial é a de que a exportação de um modelo colonialista e liberal burguês de positivação universalizante dos direitos humanos teve como resultado o não reconhecimento das múltiplas identidades culturais, notadamente dos povos latino-americanos, o que inclui os povos originários do Brasil. Uma teoria crítica e pluralista do direito aponta para as possíveis perdas decorrentes de um processo de universalização que impõe uma cultura hegemônica e individualista em detrimento das sociabilidades locais, da organização e da proteção coletiva de ambientes plurais. Nesse contexto, um multiculturalismo concreto no âmbito dos modelos tradicionais de estados nacionais apresenta-se como um grande desafio para processo de libertação latino-americana.
Buscando responder o problema proposto e atingir o objetivo traçado, o presente estudo científico se dividirá em três momentos que se justificam a partir das seguintes premissas: 1) a do direito e do Estado concebidas na modernidade são marcadamente classistas e colonizadoras, o que se manifesta por meio da universalização dos princípios burgueses das liberdades contratuais e do individualismo em contraponto à constituição dos povos latino-americanos, inclusive na negativa do papel das comunidades na sua forma de organização e solidariedade; 2) o processo de descolonização constitucional iniciado com o novo constitucionalismo latino-americano empreende uma necessária superação dos estados nacionais como representação hegemônica do modelo monista e positivista, a partir da qual se propõe analisar as contribuições do pluralismo jurídico emancipatório como paradigma teórico e metodológico para reconhecer e regular as estruturais sociais regionais; 3) considerando o reconhecimento do pluralismo jurídico emancipatório como capaz de trazer efetivos ganhos na proteção dos povos originários no Brasil, abordar-se-á, a partir do estudo de dois casos representativos, a necessidade de se pensar a proteção dos direitos humanos e fundamentais a partir de uma teoria crítica e pluralista do direito.
A metodologia empregada utiliza a técnica de investigação bibliográfica teórico-conceitual, que implica um estudo sobre a doutrina e da legislação pertinente. Sustenta-se a hipótese de que o pluralismo jurídico é capaz de contribuir para a proteção dos povos originários no Brasil, o que será demostrado exemplificativamente através de dois casos concretos que irão dialogar com os conceitos expostos. Pretende-se apontar para além da racionalidade e da burocratização pura e simples, da pseudo-homogeneidade das relações humanas e da eficiência enquanto valor máximo em detrimento de qualquer outro tipo de valor na regulação das relações sociais. O pluralismo jurídico emancipatório propõe, o que aqui se buscará demonstrar, reconhecer o outro como um sujeito, no exercício da alteridade, para que, assim, a subjetividade jurídica, expressão forma jurídica moderna/colonial, torne-se também um espaço de luta para a afirmação das particularidades, representações e desejos das múltiplas formas de ser.
2. A formação do Estado de Direito na modernidade: o caráter individualista e colonizador da teoria jurídica moderna
A história da formação do Estado de Direito na modernidade, ao longo dos séculos XVIII e XIX, tem sido contada e recontada a partir das revoluções liberais e das teorias contratualistas que culminaram nas conquistas dos direitos fundamentais, especialmente na perspectiva individualista desses direitos.[1] A conformação do Estado moderno[2] como fruto da luta de uma classe/grupo que se opunha aos desmandos de monarquias absolutistas em prol de liberdade, igualdade e fraternidade pela limitação do poder e a partir das regras do direito e da sujeição de todos ao domínio do Estado, para além de se apresentar como uma narrativa romântica e utópica. Tal versão desconsidera e mesmo ignora os processos de dominação de classe e de colonização que, em nome de “ideais”, impuseram um modo de vida sobre outros desenvolvidos nas sociedades colonizadas, suas relações sociais e comunitárias e as culturas milenarmente constituídas.
A partir do movimento iluminista, que culminou no ideário capitalista individualista burguês, o que chamamos de universalização nada mais é do que a prevalência e a imposição de específicos valores considerados fundamentais, decisivos para uma história da “civilização”. Trata-se de um movimento de abstração daquilo que poderia ser a história “real” dos processos de dominação, aculturação e subordinação de grupos e comunidades, numa verdadeira verticalização de seus valores e aniquilação de pluralidades e diferenças socioculturais.[3]
Sob o pretexto de universalizar conquistas da burguesia liberal,[4] violentos processos foram, e até hoje são, vivenciados pelos povos latino americanos, processos de colonização dos seus modos de vida e constituição social. Esse modo de alienação e dominação das sociedades não caracterizava um processo civilizatório,[5] mas um processo de exclusão e dominação de culturas de povos locais e de suas formas de organização em coletividade. Mesmo as conquistas no campo dos direitos humanos e fundamentais são engendradas por tais imposições unilaterais que desconsideram a pluralidade das relações e das organizações sociais.[6]
O liberalismo enquanto doutrina ideológica do capitalismo é constituído por diferentes núcleos: um núcleo moral, calcado na ideia de liberdade e dignidade individuais, pautado na autodeterminação enquanto valor fundamental, garantindo-se tais liberdades através de leis gerais e abstratas iguais para todos (evidente que uma igualdade e liberdade meramente formais); um núcleo político-jurídico, baseado na ideia de consentimento individual para os atos de governo (voto) como uma máxima expressão da vontade através da ideia de representação, soberania popular, constituição limitativa dos poderes do Estado; e um núcleo econômico, baseado na liberdade total na circulação dos fatores de produção através da livre iniciativa ou livre mercado, ou seja, o Estado relegado ao papel de mero garantidor da ordem e paz social, pois, não podendo interferir na autonomia dos cidadãos, deve apenas se ater aos serviços de criação de normas mínimas para o cumprimento dos contratos, organização dos exércitos e da chancelaria e o oferecimento de segurança interna, além de órgãos capazes de julgar as contendas. O que há de comum em todas essas expressões de forma mais direta e latente, de fato, é o individualismo, e a defesa desse individualismo como racionalização[7] não se dá exclusivamente frente ao Estado, mas com relação a qualquer organização ou instituição coletiva.
Em verdade, esse individualismo enquanto expressão da moral social burguesa justifica os processos de decisões políticas e econômicas não por uma integração social, mas por uma subjetividade do sujeito racional que se reconhece enquanto indivíduo.[8] Sem dúvida o grande problema de tal percepção está justamente no reconhecimento da diferença, dos valores que não identifica dentro de seu núcleo moral, gerando a falsa percepção que a vontade de todos é a soma das vontades individuais. Na Europa capitalista do século 18, a hegemonia social da burguesia produz um “[...] tipo de estrutura político-institucional que reproduce e assegura la especificidade de esos novos interesses”.[9] Uma estrutura social e econômica que centralizava os meios de produção e concentrava a propriedade privada nas mãos de poucos, reforçando o poder dessa nova classe dominante[10] cuja estrutura burocrática e o poder político favoreciam sua expansão histórica material. Assim, os direitos fundamentais vão sendo implementados como uma espécie de benesses ou prêmio de consolação ao mar de excluídos sociais formados no seio desse sistema classista.
Essa combinação de fatores propícios à formação do Estado liberal burguês é o que Weber refere como condições pré-existentes para a formação do Estado moderno, que iria reclamar para si o que o autor chama de monopólio da “coerção física legítima":[11] a possibilidade de materialização do direito sem determinismos religiosos a partir da laicização do Estado como resultado da própria ideologia liberal, a organização de um corpo administrativo racional baseado em leis e uma estrutura hierárquica com funcionários, força militar para protegê-la e meios de financiamento da burocracia estatal, através da obrigação de pagamentos de impostos. Tudo isso aliado ao desenvolvimento do capitalismo numa economia transformada cada vez mais pela revolução industrial e pelo uso da tecnologia, que não apenas aumenta a produção mas permite o acúmulo, a concentração do próprio capital.[12]
Consequentemente, o pluralismo e as distintas formações culturais localizadas são, em certa medida, incompatíveis com o valores morais, político-jurídicos e econômicos do liberalismo, assim como a descentralização do poder em pequenos núcleos dificulta a proteção e a organização desse aparato estatal, que passa a cooptar as demais formas de associação que estejam alheias a sua estruturação burocrática, facilitando o processo que Weber chama de “estatização” de todas as normas jurídicas.
O Estado moderno “[...] no es un aparato de compresión universal y por tanto, si se lo considera como unidad, no puede ser fundamento de caracteres universales ni reconocerlos”.[13] Assim, avoca para si o monopólio da coisa pública e justifica sua existência em nome dela, fato que Marx criticamente observa: “[...] al Estado moderno se debe el curioso invento de apropriarse de “la cosa pública” como una mera forma. De este modo ha encontrado la forma adecuada a su contenido, que sólo en apariencia es da verdadera cosa pública”.[14] Outra crítica relevante que aparece em Marx com relação ao Estado moderno é justamente o fato de que ele é algo de comum, uma comunidade que contém o indivíduo:
A atual sociedade civil é o princípio do individualismo; a existência individual é o fim último; a atividade, o trabalho, o conteúdo, etc, são apenas o meio. O estamento não só se baseia, como lei geral, na separação da sociedade, como também separa o homem do seu ser universal, faz dele um animal que coincide imediatamente com sua determinabilidade. A idade média é a história animal da humanidade, sua zoologia. A era moderna, a civilização, comete o erro inverso. Ela separa o homem do seu ser objetivo, como um ser apenas exterior, material.[15]
Nesse sentido, um legado da modernidade e do Estado de Direito foi a dicotomia entre a esfera pública e a privada,[16] em um primeiro momento excluindo a competência da esfera privada para a tomada de decisão política e jurídica, resultando na formação de uma sociedade civil em oposição ao Estado e não como compartilhamento de responsabilidades.[17] Uma esfera social não regulada pelo Estado, com interesses restritos a questões de experiências sociais, liberdade de expressão, sociabilidade, troca de informações, autonomia negocial, entre outros. Mesmo nessas relações privadas, não livres de conflitos, o Estado guardava um papel de resolução e mediação.
Sem dúvida essa cisão é um dos símbolos do liberalismo burguês, no ideário liberal capitalista há uma rígida e necessária separação entre Estado e sociedade civil,[18] esta última como detentora de direitos naturais individuais que se contrapõe a ordem política estabelecida pelo Estado. Tais ideias parecem não reconhecer que há várias sociedades em que esse poder institucionalizado e organizado não existe, sem que, por isso, deixem de viver em uma sociedade organizada, reconhecendo em si outras regras e modos de vida, ao ponto de que tais divisões não fazem sentido.[19] Antes mesmo dos movimentos de reconhecimento da sociedade civil e da forma estatal, vale lembrar que a ideia de vida individual confundia-se com a totalidade da vida social, e que foi a perda dos espaços pelo coletivo, em decorrência da dificuldade de gerenciar demandas sociais extremamente complexas, que se deu o nascimento e o crescimento do conceito de uma sociedade civil separada do Estado.
Com o passar do tempo, diminuíram-se as distâncias, e Estado e sociedade civil passaram a vivenciar uma aproximação. Por isso, não é possível entender a ideia de sociedade civil sem compreender a do próprio Estado, pois ambos se definem mais pela sua relação do que de forma unilateral e isolada. Daí o papel fundamental do direito, que vai atuar como um médium dessa relação entre Estado e sociedade civil, com o intuito de realizar a difícil tarefa de dar legitimidade ao poder político, justificando a própria legitimidade do Estado de Direito perante a sociedade.[20]
Mesmo em sua caracterização democrática, toda a perspectiva de participação política no Estado moderno forma-se a partir da divisão entre o espaço público e o espaço privado,[21] entre o Estado e a da sociedade civil,[22] como se o Estado pudesse demarcar espaços e momentos para seu exercício, ignorando que em muitas sociedades o exercício da cidadania não é algo distinto da sociedade da vida privada, do âmbito pessoal e familiar. Assim, o Estado nega as práticas sociais já existentes nessas sociedades que pensam e agem coletivamente, compartilhando seus espaços e decisões sem estabelecer rígidas divisões.
A sociedade política ignora as posições sociais e mesmo a forma de organização desses indivíduos, sendo assim, empresários bilionários, indígenas, empregadas domésticas são todos, formalmente, cidadãos. Sua condição social e econômica, seu sexo, sua etnia não importam, pois, em tese, todos existem e são iguais enquanto sujeitos de direito, podendo eleger seus representantes, votar e ser votado. Na sociedade política a perspectiva da igualdade também está pautada no imaginário de que essa forma de sociedade política tem como destino o bem comum e a felicidade de todos, enquanto que a sociedade civil seria um espaço de hierarquizações e discriminações, com disputas de poder.[23] Mas essa perspectiva abstrai as realidades distintas e o conflito de interesses que subjaz os espaços públicos e políticos, ignorando os espaços de conflituosidade e os predominantes interesses que amoldam os processos políticos coordenados por uma lógica capitalista e individualista.
Concorda-se com a teoria crítica que afirma que o indivíduo resultante desse processo de individualização da formação social burguesa não deve constituir o ponto de partida para a formação social e histórica do direito e dos direitos humanos. O fundamento dos direitos humanos precisa estar calcado em processos reais das relações e contradições sociais de grupos emergentes advindos de processos de dominação e alienação,[24] que através da institucionalização jurídica e também da incidência cultural, lutam e conquistam espaços potencializadores de sua autonomia, das suas particularidades, de suas formas específicas de libertação para viver.[25] O individualismo não expressa um direito social, pois parte do pressuposto da defesa de direito subjetivos de “certos” indivíduos. E esse direito forjado no bojo e na essência do individualismo permite
[...] a algunos para explotar a otros vía una relación contractual “libre”, o discriminarlos como no-personas porque no existe un contrato con los discriminados, y que afirma derechos humanos tanto al trabajador como al el empresario no en cuanto trabajadores y empresarios, o sea, como condiciones humanas de determinadas tramas sociales asimétricas, con ganadores y perdedores estructurales, sino en cuanto “seres humanos” iguales.[26](grifo nosso)
A formação histórica e cultural dos povos da América Latina[27] deixa latente um processo de exclusão e negação de minorias relegadas a um processo interno de dominação e externo de subordinação não apenas econômica,[28] mas essencialmente cultural. Indígenas, negros, quilombolas,[29] favelados, cresceram à margem da imposição desse modelo pseudocivilizatório, uma vez que não se identificaram com os padrões culturais da elite burguesa alienígena, incorporados pelas elites locais. Isso impediu um processo de reconhecimento e expansão de suas culturas e valorização de suas axiologias constituídas por processos de formação coletiva, que, ao longo de séculos, foram se transformando e integrando-se com os influxos de suas colonizações: “. Há, portanto, que desencadear tal processo, revendo o pluralismo como princípio de legitimidade política, jurídica e cultural. Do pluralismo não como possibilidade, mas como condição primeira.[30]
Mais do que olhar para essa realidade com as lentes de um passado de dominação, é preciso olhar para o futuro que reconhece a sua identidade emancipadora e permite que seus atores sociais reconstruam e ressignifiquem suas formas de ver e viver em coletividade. Processos dialéticos privilegiam sua história sociocultural, o que pressupõe reconhecer não apenas um pluralismo na forma de vida e organização social, mas também na forma de regular e garantir a sua existência. O direito e, em especial, os direitos humanos não podem ignorar a cultura dos povos originários e suas formas de organização social.[31] A questão agora é pensar como o pluralismo jurídico pode contribuir a esse desafio.
3. O pluralismo jurídico no bojo da teoria crítica do direito: uma abordagem descolonizadora
Neste tópico propõe-se abordar o pluralismo jurídico a partir de uma demarcação crítica da teoria jurídica. Objetiva-se destacar os aspectos descolonizadores e emancipadores que este fenômeno potencialmente carrega e expressa, notadamente desde o movimento denominado novo constitucionalismo latino-americano que, entende-se, proporcionou novos contornos ao que se pode apreender como pluralismo jurídico. Relevante evidenciar, assim, os operadores teóricos trabalhados quando se afirma assumir uma postura crítica da teoria do direito, vez que “teoria crítica” é uma expressão polissêmica que abarca diversas orientações teórico-metodológicas no interior de um amplo espaço de discussões filosóficas[32] que, consequentemente, serão determinantes para a ulterior caracterização e projeção de um pluralismo jurídico emancipatório.
Compreende-se que a racionalidade jurídica moderna, configurada por meio dos paradigmas do jusnaturalismo, de base idealista, e do positivismo, de cunho lógico-instrumental, compõe o arcabouço ideológico que caracterizou a percepção dominante acerca do fenômeno jurídico desde a consolidação e expansão do capitalismo e da ordem social por ele inaugurada.[33] Nesse sentido, a teoria do direito conformou-se engendrada filosoficamente pelo próprio evolver histórico do modo de produção e da sociabilidade capitalistas, haja vista o papel fundamental que a forma jurídica assumiu como principal instrumento de gerência das relações sociais contratuais e mercantis inerentes a esse sistema.[34]
O jusnaturalismo, pela via do pensamento metafísico, intentava fundamentar o direito como produto e expressão de uma ordem abstrata de valores “naturais” que, em última instância, proclamavam universalidade aos valores burgueses que, posteriormente, viriam a compor a estrutura filosófica do direito contratual civil, do denominado direito privado. Baseava-se na ideia de que os direitos naturais eram oriundos do exercício da razão humana, não da fé ou dos costumes estabelecidos, com cunho individualista, pois erigidos a partir da figura ideal do “indivíduo” como detentor dessa razão, e com apelo universalista, isto é, afirmando que esses direitos naturais, dentre eles a liberdade e a propriedade, eram o reflexo de uma gama de valores eternos, superiores à sociedade política e anteriores a eventuais diferenciações culturais.[35]
De outro lado, o juspositivismo foi construído como teoria que aproximava o direito da técnica, distanciando-o da moral e dos valores universais.[36] Nesse aspecto, o positivismo foi historicamente relevante na teoria do direito por dar conta de desenvolver uma concepção instrumental das instituições e das normas jurídicas, de modo que a justiça, a história e os conflitos sociais em geral fossem afastados como objeto de investigação dos juristas. Afirma Warat[37]: “Com seu trabalho, a dogmática consegue, para o Direito, que o valor retórico adquira uma aparência analítica e o interesse uma aparência de legalidade”. Isto é, a ideia de historicidade da forma jurídica passou a ser considerada ideológica e, por isso, distanciada da pura ciência do direito, por sua vez desinteressada, analítica e adstrita à legalidade das normas. Este fator permite caracterizar o positivismo como uma matriz de pensamento eminentemente conservadora.[38]
À vista disso, entende-se que a racionalidade jurídica moderna estruturou-se de forma a fundamentar, justificar e assegurar a manutenção da ordem social capitalista e colonizadora tanto pela óptica do apelo à universalidade dos seus valores essenciais quanto pela instrumentalização do direito como pura técnica.[39] Nesse sentido, Warat destaca que tanto o jusnaturalismo quanto o juspositivismo, ainda que superficial e aparentemente antagônicos, compartilham princípios e orientações: “Os pressupostos ideológicos da dogmática, não confessos, são coincidentes com os do jusnaturalismo, apresentando-se as mesmas tendências e características da necessidade, universalidade e imutabilidade’’.[40] Ambas concepções corresponderam a uma funcionalidade histórica que o direito passou a ter no marco da modernidade capitalista e promoveram a consolidação de um cabedal teórico-filosófico que sustentou e ainda sustenta essa funcionalidade.
A perspectiva crítica ora assumida corrobora, num primeiro plano, com a definição generalizada de pensamento crítico que o considera uma forma teórico-prática de questionamento e ruptura (denúncia) com o oficial e o hegemônico partindo da conflituosidade da história de cada formação econômico-social para a concepção e operacionalização de novas e emancipadoras práticas sociais (anúncio)..[41] Apoiando-se nisso, destaca-se a necessidade de um segundo passo, qual seja situar ontologicamente o problema da teoria do direito desde a América Latina colonizada e dependente, para a penetração desse fenômeno na totalidade vigente da modernidade capitalista (negação) e para a negação dessa totalidade em seus aspectos colonizadores e exploratórios (negação da negação; movimento ana-dialético; práxis da libertação) como condição de possibilidade para se levar a cabo um projeto de emancipação do sujeito latino-americano.[42]
Nesse sentido, trata-se de evidenciar as condições extra-discursivas que atuam sobre a produção do discurso científico sobre o direito, entendendo-se, com Warat,[43] que as ciências sociais comportam não somente informações, formalidades, “pureza” teórica, mas também, e expressivamente, significações, sensibilidades, relações políticas e históricas que não afastam a objetividade científica do conhecimento que assume ambas dimensões. Pelo contrário, é esse recurso metodológico à historicidade como processo imanente à totalidade das relações sociais que permite traçar a relação de um elemento isolado (direito) a um contexto (modernidade capitalista; capitalismo dependente latino-americano) sem que isso signifique redução a uma “uniformidade indiferenciada, a uma identidade”, pois a independência ou autonomia do fenômeno jurídico revela-se somente aparente quando este é apreendido como elemento dinâmico de um todo também dinâmico e dialético.[44]
Considera-se, assim, que a dialética é o princípio fundamental de uma metodologia crítica de base ontológica que possibilita a “fluidificação de conceitos”,[45] ou, ainda a “supressão de fronteiras”[46] impostas pela racionalidade jurídica moderna, uma vez que empreende a localização ontológica do direito por meio do recurso à totalidade, à historicidade e ao caráter relacional e dinâmico das formas sociais no processo histórico. Essa concepção dialética, entende-se, é o que destaca a teoria crítica como aquela que identifica a “realidade como devir social”[47] e, por isso, é aquela que carrega a dupla dimensão da denúncia e do anúncio e concebe a emancipação como parte fundamental desse projeto teórico-prático que assume uma função concreta na totalidade determinada.[48]
Buscar-se-á demonstrar, a partir daqui, como o pluralismo jurídico pode ser concebido como conceito e como prática convergentes com o “processo prático de libertação”[49] desde uma interpretação crítica desse fenômeno, isto é, desde uma interpretação que distingue a sua roupagem potencialmente emancipatória das suas formas conservadoras ou “oficializadas”. Entende-se que o novo constitucionalismo latino-americano oferece uma nova visão para essa acepção emancipatória do pluralismo jurídico, pois o estabelece integrado a uma ideia de democracia de base comunitária e participativa,[50] de plurinacionalidade do Estado e, ainda, conectado à riqueza axiológica de princípios éticos dos povos originários, como o suma qamaña ou sumak kawsay.[51]
A concepção de monismo jurídico, que conecta direta e necessariamente o direito à figura estatal, no sentido de que o Estado seria a única fonte legítima de produção legislativa, é, em termo históricos, bastante recente. Wolkmer[52] demonstra que “bem antes da produção e do controle hegemônico do Direito por parte do Estado nacional soberano, subsistiu uma rica e longa trajetória histórica de práticas autônomas de elaboração legal comunitária”. O autor descreve como, desde a antiguidade, a regra foi a coexistência de múltiplos núcleos espontâneos de normatividade, que regiam de maneira atomizada uma determinada comunidade ou grupo social específico e cita, como exemplos, o caráter flexível e conciliador do jus gentium romano[53] e a multiplicidade de núcleos de poder no marco da Idade Média, em que concorriam as normatividades das corporações de ofício, dos costumes locais, dos feudos e do direito canônico.
No evolver de novas sociabilidades, pela necessidade histórica de superação do modelo societário feudal, com o estabelecimento dos absolutismos monárquicos e com a ascensão da burguesia como classe, entre os séculos XVI e XVII, é que a homogeneização burocrática, a ideia de segurança jurídica dos contratos e a construção da instituição estatal como detentora da soberania sobre um território delimitado conformaram, em conjunto, a redução do pluralismo jurídico à codificação e constitucionalização do direito. Ocorre que, o que se deu de forma gradual e orgânica na Europa de forma a superar o pluralismo feudal e consolidar o estatismo e o monismo necessários para a funcionalidade do incipiente capital,[54] foi, por sua vez, imposto aos povos da América Latina desde o ano de 1492, por meio de um processo de expressiva violência, de encobrimento das realidades locais em função das institucionalidades e da sociabilidade eurocentrada.[55] Assim descreve Dussel:[56]
A Europa tornou as outras culturas, mundos, pessoas em ob-jeto: lançado (-jacere) diante (-ob) de seus olhos. O “coberto” foi “des-coberto”: ego cogito cogitatum, europeizado, mas imediatamente “en-coberto” como Outro. O outro constituído como o Si-mesmo. O ego moderno “nasce” nesta autoconstituição perante as outras regiões dominadas.
Nesse sentido, desde a aplicação direta de legislações das metrópoles europeias nos solos das colônias até a adoção do modelo jurídico-estatal pelas novas nações a partir das independências políticas, denota-se um movimento de incorporação e reprodução de racionalidades alheias ao que historicamente caracterizou o continente americano pré-invasão, muito mais próximo do cenário europeu antigo e feudal no que diz respeito ao pluralismo jurídico e à multiplicidade de focos de poder. Fator este que corrobora com a ideia de encobrimento de subjetividades e modos de vida que a Modernidade significou para os continentes dominados, demonstrando, assim, ser um processo histórico de duas faces.[57]
Insta ressaltar, a partir do resgate histórico, que o pluralismo jurídico, mais do que uma concepção teórica acerca da natureza do direito, é um fenômeno concreto, uma situação fática que se faz percebida tanto pela historicidade das diversas comunidades que, ao longo do tempo, constituíram suas normatividades como caminhos para a acomodação dos anseios individuais e estabelecimento de objetivos compartilhados, quanto pelo conjunto de legalidades presentes mesmo na vigência e hegemonia do paradigma monista estatal, que conformam a heterogeneidade e complexidade das relações sociais na contemporaneidade.[58] Portanto, a multiplicidade de interpretações sobre o pluralismo jurídico é consonante com a sua concreticidade complexa, razão pela qual é salutar o acento quanto à leitura crítica por meio da qual se aborda esse fenômeno.
Diante disso, convém expor o conceito de pluralismo jurídico proposto por Wolkmer[59] que o entende como uma “multiplicidade de práticas jurídicas existentes num mesmo espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais”. Ato contínuo, observa o autor a manifestação de um pluralismo jurídico de cunho conservador, atinente às novas configurações do capitalismo no plano global, paradigma amplamente difundido hodiernamente, e, por outro lado, a existência de um projeto de pluralismo jurídico de caráter emancipatório.[60] Fala-se, pela via conservadora, do pluralismo da desregulamentação econômica, das normatividades de empresas supranacionais e agências financeiras internacionais, da formação de blocos econômicos, das amplas e concorrentes legislações internacionais, da arbitragem, da flexibilização das relações de trabalho, das regras de instituições de mercado para a maior valorização do capital em âmbito global etc. Trata-se de um pluralismo que não faz referência à construção social coletiva, nem promove participação popular para sua constituição e implementação.
Por outro lado, tem-se, a partir de práticas comunitárias e, destacadamente, a partir das constituições do Equador, de 2008, e da Bolívia, de 2009, um projeto de pluralismo jurídico com tônica descolonizadora e emancipatória, que parte da observação das particularidades socais dos povos locais como oprimidos e excluídos, até então, do sistema vigente. Trata-se de um movimento resultante de processos intensos e prolongados de lutas populares por maior participação na gestão do coletivo.[61] Ferrazo e Wolkmer[62] trabalham o conceito de descolonização constitucional para descrever essas constituições, afirmando que são textos que subvertem os modelos hegemônicos até então incorporados pelos países da região, que carregam como característica principal serem produto de demandas sociais históricas.[63] Para os autores, os novos paradigmas desses projetos são: a plurinacionalidade (superação da ideia de monismo estatal); o pluralismo jurídico (de caráter comunitário-participativo); a incorporação das cosmovisões dos povos originários e a nova regulamentação dos direitos da natureza; a democracia comunitária (como superação do modelo tradicional liberal representativo).
No âmbito do projeto emancipatório de pluralismo jurídico, Wolkmer[64] estabelece fundamentos de efetividade, formais e materiais, para o pluralismo que denomina comunitário-participativo, fonte de um novo direito, produzido e articulado “desde abajo”. Os fundamentos de efetividade material são os elementos de conteúdo que constituem o projeto pluralista e os fundamentos de efetividade formal dizem respeito a uma prévia e mínima ordenação prática e procedimental. Os primeiros compreendem à expressão de sujeitos de direito coletivos, organizados notadamente por meio de movimentos sociais,[65] e um sistema de aferição e promoção de necessidades básicas fundamentais histórica e socialmente reivindicadas. Já os fundamentos de efetividade formal são os caminhos prático-teóricos do empreendimento participativo e envolvem uma reordenação do espaço público por meio de uma democracia comunitária e participativa, a constituição de uma ética da alteridade que abrange uma prática pedagógica como forma de expressão e afirmação de valores éticos emancipatórios, e, por fim, o estabelecimento de uma racionalidade e de processos de racionalização procedimental que partam “da totalidade de vida e de suas necessidades históricas”,[66] em detrimento da instrumentalidade da racionalidade jurídica moderna de cunho formalista.
Nesse aspecto, destaca-se que o pluralismo jurídico a partir do novo constitucionalismo latino-americano é erigido conjuntamente com uma série de modificações institucionais e normativas que afirmam o caráter particular desse movimento em comparação com outros processos constituintes já ocorridos no subcontinente latino-americano e permitem tê-lo como um projeto emancipatório com características comunitárias e participativas. A jurista Yrigoyen Fajardo[67] aduz que o movimento iniciado pelas constituintes boliviana e equatoriana resultaram em cartas constitucionais que encarnam um projeto de natureza plurinacional descolonizadora, que não apenas reconhecem direitos aos povos originários, mas os colocam como sujeitos coletivos constituintes das próprias normatividades.[68] Assim, sob a égide do estado plurinacional são estabelecidos princípios para sua organização como a diversidade, a igual dignidade dos povos, a interculturalidade e um modelo de pluralismo jurídico igualitário.
Compreende-se que esse sentido dado ao pluralismo jurídico condiz com o projeto emancipatório descrito por Wolkmer,[69] em que se ambiciona a construção de um espaço estatal plurinacional, de pluralismo comunitário-participativo como prática descolonizadora.[70] Tem-se assim a presença de direcionamentos filosóficos que buscam a superação do individualismo liberal e a superação das formas colonizadoras de Estado e de Direito e, por isso, proporcionam as bases para se levar a cabo uma hermenêutica jurídica crítica e intercultural. Nesse sentido, é indispensável uma interpretação integradora das “novidades” desse movimento, oriundo de lutas concretas dos povos de cada um desses países, por meio da consideração do caráter plurinacional do Estado, da ideia de democracia comunitária, dos princípios e cosmovisões que regem esses povos desde tempos ancestrais e que hoje encontram-se positivados nessas cartas políticas.[71]
Não se pode desconsiderar que apenas a positivação desses princípios e dessas mudanças institucionais sejam insuficientes, isoladamente, para a concretização de um projeto emancipatório. Cada país e cada povo terá de enfrentar os contratempos concretos que se impõem nas suas conjunturas histórica, política, social, econômica e jurídica, tanto na produção de uma legislação ordinária que apreenda a axiologia dos recentes textos constitucionais, quanto nas práticas dos tribunais e juízes nos momentos de interpretar e aplicar essas novas normatividades. Afinal, o risco da recolonização é constante,[72] vez que a dependência do capitalismo regional é condição estruturante para a perpetuação de diversas formas de exploração, que, por sua vez, relacionam-se com outras fontes de opressão historicamente afirmadas na América Latina.
Contudo, e apesar dos desafios concretos, entende-se que o novo constitucionalismo latino-americano apresenta paradigmas importantes para a teoria do pluralismo jurídico,[73] bem como coloca aportes importantes para uma hermenêutica jurídica que reconheça as complexidades sociais locais que, por séculos, foram forçadamente mitigadas, apagadas pela colonialidade. Nesse sentido, ao mesmo tempo que a América Latina é foco de múltiplos fatores exploratórios e colonizadores, ela carrega múltiplos focos de resistência que, no decorrer da história, já demonstraram plena capacidade de congregação com vistas à confrontação do status quo. A partir desse contexto, abordar-se-á, no capítulo que segue, o fenômeno do pluralismo jurídico no Brasil, a partir de três casos concretos, para que, ulteriormente, seja possível uma interpretação desses casos levando em conta os novos contornos teóricos e hermenêuticos de uma prática jurídica pluralista descolonizadora e emancipatória.
4. Para além do monismo jurídico e estatal: dois casos concretos no tratamento dos povos originários no Brasil a partir do paradigma do pluralismo emancipatório
Considerando que o reconhecimento do pluralismo jurídico pelo novo constitucionalismo latino-americano abre espaços para efetivos ganhos na proteção dos povos originários do continente, abordar-se-á neste tópico o panorama brasileiro quanto às propostas pluralistas, a partir do estudo de dois casos concretos com fins de interpretação comparativa entre os contextos normativos constitucionais dos referidos países. A proposta de apresentar dois casos concretos em que a resposta ao problema real envolvendo povos originários no Brasil considerou as diretrizes já expostas do pluralismo jurídico, serve para exemplificar e demonstrar como tais premissas podem dialogar também com o sistema constitucional brasileiro.
No primeiro caso é analisada sentença penal absolutória que traça um pluralismo jurídico dialógico, reconhecendo aspectos da jurisdição indígena, ainda que sem afastar a atuação estatal para o processamento do feito. O segundo versa sobre recentes configurações do direito que os povos originários possuem à consulta prévia quando do desenvolvimento de empreendimento que venha a afetar o seu território, o que, no Brasil, que tem sido concretizado por meio dos protocolos autônomos de consulta elaborados pelos povos e comunidades. Trata-se da análise de uma sentença que declarou a nulidade do processo de licenciamento ambiental do Projeto Mina Guaíba, em razão da ausência de consulta prévia aos povos afetados, o que ensejou a elaboração do primeiro protocolo de consulta por povos do estado do Rio Grande do Sul, a saber, o protocolo do Povo Mbya Guarani.
Antese de debatê-los, é importante situar a Constituição Federal de 1998 no âmago do constitucionalismo latino-americano e como se manifesta o pluralismo jurídico, sumariamente, no cenário nacional. Diante dos avanços dos textos constitucionais equatoriano e boliviano vislumbra-se mais claramente que a orientação do constitucionalismo brasileiro é caudatária de uma tradição teórica e pragmaticamente afeita ao monismo jurídico e estatal, em que o pluralismo é considerado uma espécie de carência de regulamentação a ser tratada e superada por normas do Estado.[74] Yrigoyen Fajardo[75] coloca a Constituição Federal de 1988 no marco do ciclo do constitucionalismo multicultural da América Latina, sendo este o ciclo que, a despeito de ter reconhecido a diversidade cultural interna, não avançou na direção do reconhecimento do pluralismo jurídico, tampouco modificou ou abriu espaços para a modificação do caráter monista do Estado.
Nessa linha, Amado[76] desenvolve a ideia de que a expressão “direito dos povos indígenas” contempla dois aspectos, a saber, o direito indigenista, desenvolvido pelo Estado quando do trato dos povos originários, e o direito indígena propriamente dito que se refere às estruturas normativas internas aos próprios povos. Nesse sentido, quanto ao tratamento dos povos originários tem-se no país, historicamente, a conformação de um direito indigenista muitas vezes aplicado em detrimento do direito indígena. O autor demonstra que até a Constituição Federal de 1988 e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a legislação indigenista brasileira expressava forte caráter integracionista e uma pretensa superioridade cultural com relação aos povos originários.
A CF/88 prevê, nos artigos 231 e 232,[77] uma breve regulamentação acerca dos indígenas do país, reconhecendo sua organização social, costumes, língua, crenças e tradições, além de estabelecer os direitos desses povos aos territórios que tradicionalmente ocupam.[78] Observa-se, pois, que não há maior desenvolvimento acerca das normatividades indígenas, o que implica, em um primeiro plano, no não reconhecimento expresso do pluralismo jurídico pela Constituição. Além disso, tem-se a vigência da Convenção nº 169 da OIT no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.501, de 19 de abril de 2004 e atualmente consolidada, junto de outras convenções e recomendações da OIT, no Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Trata-se de uma legislação que, revisando os termos da anterior Convenção nº 107 da OIT, representou avanço na proteção dos direitos coletivos dos povos originários, prevendo uma gama de direitos e garantias com foco na autodeterminação dessas coletividades, e não na sua assimilação cultural pelo Estado e pela ideia monista de nação.
Isto posto, a primeira análise a ser desenvolvida é da sentença da Ação Penal nº 5002882-22.2015.4.04.7000/PR, prolatada em 31 de agosto de 2018.[79] O caso envolve a suposta prática de estupro de vulnerável pelo cacique da Aldeia Kuaray Guatá Porá, localizada na terra indígena de Cerco Grande, na cidade de Guaraqueçaba, Paraná. Segundo consta da denúncia, o réu, padrasto da vítima menor de idade, praticou com esta conjunção carnal entre os anos de 2010 e 2013, resultando daí uma gravidez que, ulteriormente, deu ensejo a um aborto. A ação foi inicialmente movida pelo Ministério Público do Estado do Paraná ao Juízo da Vara Criminal da Comarca de Antonina/PR, sendo que, posteriormente, a competência fora declinada à Vara Federal de Paranaguá. Revisando os termos da denúncia original, o Ministério Público Federal requereu a absolvição sumária do réu, por se tratar de “erro culturalmente condicionado” que acarretaria na não culpabilidade do agente.
Dentre as particularidades da instrução processual, que casos como este naturalmente demandam, tem-se o papel central dos institutos do laudo antropológico e da chamada “escuta étnica” que forneceram o conteúdo histórico e sociológico necessário para a aferição da realidade jurídica e cultural do povo em questão. Desde o princípio da sentença o magistrado priorizou uma leitura hermenêutica intercultural, evitando a simples subsunção dos fatos às normas penais estatais e, simultaneamente, evitando o imediato reconhecimento da jurisdição indígena, o que afastaria por completo a aplicação do direito estatal. Nesse sentido, afirmou-se que o caminho para esse reconhecimento não deve ser trilhado pelo juízo de primeiro grau, mas por meio de debate democratizado, com base nas demandas oriundas dos próprios povos envolvidos.
Em razão disso, foi adotada, na apreciação do caso, uma postura dialógica entre as jurisdições estatal e indígena, sem que ocorresse a exclusão de uma em detrimento da outra. Para concretizar esse intento, então, foram recursos e institutos processuais estatais que possibilitaram a abertura do direito oficial à manifestação concreta da experiência jurídica indígena, como é o caso do laudo antropológico e da “escuta étnica”, está fundamentada pelo juízo nos artigos 481 e seguintes do Código de Processo Civil,[80] numa espécie de adaptação hermenêutica do instituto da inspeção judicial. Por meio desses dispositivos, foi possível a aferição de uma experiência jurídica do povo guarani do leste do estado do Paraná, além da compreensão de diversas particularidades da organização social desse povo, das suas formas de decisão política, de participação dos indivíduos na gerência das questões sociais e das regras para o julgamento de condutas consideradas inaceitáveis.
Assim, foi com base na escuta étnica que o magistrado sumarizou a juridicidade do povo guarani do leste paranaense, partindo de cinco blocos de compreensão: metafísica jurídica; contornos de juridicidade; características jurídicas; instituições jurídicas e pragmática jurídica. Desde esses grandes blocos, aferiu-se que o julgamento guarani se dá em razão das condutas, julgadas como corretas ou desagregadoras do convívio social, independente de quem as tenha cometido. A partir disso, são estipuladas punições como a conversa com o pajé, que ouvirá às divindades, o trabalho comunitário por período determinado, o deslocamento para outra tribo também por tempo determinado, não sendo estabelecidas penas perpétuas, banimento ou pena de morte.[81]
Ademais, outras características observadas através da escuta étnica foram: a multiplicidade de fontes jurígenas, como as divindades, as práticas comunitárias, as experiências de outras tribos, as reuniões em casas de reza; a transmissão geracional das tradições normativas; a oralidade; a mutação da aplicação das regras e a alterabilidade das punições.[82] Nesse contexto, afirma o magistrado: “Das respostas dadas pela Escuta Étnica, percebe-se que o fenômeno jurídico manifestado nas tribos do litoral paranaense compreende uma outra noção de direito, um direito vivenciado, um direito dialogado, logo, a chave de compreensão não pode ser uma categoria fechada e absoluta”.[83]
Sustentado por esse arcabouço antropológico, a sentença aponta para a necessidade de uma “subsunção cruzada” dos fatos às normas jurídicas estatais e indígenas. Assim, não se concluiu pela tipificação do delito por meio do Código Penal, mas por uma “definição jurídica diversa” advinda da experiência jurídica guarani.[84] Nesse sentido, não se demonstrou como “criminosa”, diante do povo guarani, a conduta praticada pelo cacique. E isso porque a maioridade, para os Guaranis, não se dá pelo critério etário, mas por um ritual pelo qual a, então, mulher passa após a menstruação, o que já havia ocorrido com a “vítima”. Fator cultural também relevante, nesse aspecto, é a criação para a vida familiar e comunitária, que se dá desde muito cedo, acarretando tratamento diferente aos adolescentes e pré-adolescentes com relação a sua participação nas decisões coletivas e a sua iniciação na vida sexual e nos relacionamentos com fins de constituição de família.[85]
Demonstrou-se, assim, a atipicidade da conduta perante a jurisdição indígena guarani, fator anunciado pela sentença como “atipicidade cruzada ou étnica”.[86] Nesse sentido, o acusado foi absolvido sumariamente, com fulcro no artigo 397, III, do Código de Processo Penal,[87] evidenciando a leitura pluralista dialógica possível de ser desenvolvida ao se considerar os espaços que a legislação estatal brasileira deixa em aberto notadamente quando se leva a cabo uma hermenêutica pluralista e descolonizadora. A sentença manifesta que um pluralismo jurídico emancipatório não trata de estabelecer hierarquias entre fontes de normatividade e entre legalidades distintas, mas, antes, de possibilitar um diálogo intercultural entre legalidades que possuem condições materiais de autodeterminação. Nesse sentido, aponta para uma interpenetração jurídica e institucional que pode concretizar as construções e as conquistas de múltiplas realidades, que, ao fim e ao cabo, compartilham o intento de assegurar uma existência humana digna.
O segundo caso a ser analisado diz respeito ao direito à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, garantido desde a Convenção nº 169 da OIT quando da previsão de medidas administrativas ou legislativas que afetem diretamente determinado povo indígena, quilombola ou comunidade tradicional. Trata-se de uma gama de dispositivos procedimentais que visam garantir o direito desses povos ao consentimento prévio e à livre determinação quando existir possibilidade de afetação das suas realidades e dos seus patrimônios material e imaterial. A consulta prévia está prevista, dentre outros dispositivos, no artigo 6º da Convenção nº 196 da OIT,[88] que faz menção ao estabelecimento de procedimentos apropriados para a realização das consultas aos povos interessados, respeitando as formas internas de representação e deliberação, bem como a necessidade de que as consultas sejam conduzidas com boa-fé e de maneira apropriada quanto às circunstâncias de cada povo.
Em razão dessa garantia, o Estado e a iniciativa privada devem realizar consulta quando do desenvolvimento de qualquer ato legislativo ou administrativo que possa afetar povos e comunidades tradicionais de determinado território, isto é, observada tanto em processos legislativos quanto em implantação de políticas públicas ou realização de projetos de exploração econômica.[89] Deve, assim, ser considerada desde as fases iniciais de planejamento, de estudos de impacto, e não tida como uma etapa burocrática a ser verificada e superada já na fase de execução do projeto.[90] Denota-se que o caráter prévio da consulta é um dos fatores fundamentais desse instituto, que visa, justamente, combater a forma com que historicamente se deu a exploração econômica de territórios indígenas sem que a vontade e a dignidade dos povos afetados fosse sequer considerada.
No Brasil, a efetivação do direito à consulta prévia encontrou obstáculos, em muito baseados no argumento de ausência de uniformização e regulamentação legislativa do instituto. Entretanto, mesmo as tentativas de regulamentação foram esvaziadas de debates democratizados e participativos, o que acabou não resultando em nenhuma proposta efetiva de regulamentação.[91] A partir disso, então, teve início um movimento, encabeçado pelos próprios povos, para a superação desses obstáculos de aplicação imediata da consulta prévia, através da elaboração dos protocolos autônomos de consulta. Esses protocolos são documentos constituídos de forma interna pelos povos, em que são estabelecidos os procedimentos a serem observados quando da consulta. Encontram-se ali, então, critérios, diretrizes, formas de decisão comunitária, temporalidades, princípios e regras que deverão ser observados pelo Estado ou pelo sujeito interessado em realizar a consulta.
Pela ausência de amparo estatal e pela necessidade de combate às múltiplas formas de opressão pela exclusão e invisibilização, os povos projetaram no instituto da consulta prévia um meio de expressão e afirmação das suas realidades, materializados nos protocolos autônomos de consulta. Nesse sentido, entende-se que a manifestação autônoma, ao invés de uma regulamentação mais generalizante, traduz uma manifestação genuína dos povos e comunidades que sentem a necessidade de expressar as suas particularidades em termos organizativos e mesmo jurídicos. Trata-se de uma sinalização positiva ao pluralismo jurídico e à assimilação, pelo direito oficial, da ideia de que os povos originários constituem fontes normativas próprias.
Assim, ganha relevância a decisão nos autos da Ação Civil Pública nº 5069057-47.2019.4.04.7100/RS, proferida no dia 08 de fevereiro de 2022.[92] Trata-se de ação ajuizada pela Associação Indígena Poty Guarani e pela Associação Arayara de Educação e Cultura em face da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (FEPAM) e da Copelmi Mineração Ltda., com vistas a anular processo de licenciamento ambiental do Projeto Mina Guaíba em razão da desconsideração quanto ao povos afetados pela extração mineral de carvão numa área de 5.000 hectares, que abrangia os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, no Rio Grande do Sul.
O empreendimento afetaria de forma direta e indireta a Terra Indígena Arroio do Conde, a Aldeia Mbyá-Guarani Guajayví e a Aldeia Pekuruty/Arroio Divisa, que, por sua vez, foram ignorados pelo Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e não foram previamente consultadas, seja pelas organizações estatais, seja pelos empreendedores do projeto. Contata-se que houve desprezo, pelo empreendimento, da situação indígena tanto pela não participação da FUNAI durante a elaboração do EIA, quanto pela ausência do Componente Indígena no referido documento, o que demonstra, ainda, que a realização de consulta prévia diretamente aos povos afetados, com a observação e o respeito aos procedimentos autônomos, sequer foi considerada pela empresa.
O principal argumento da empreendedora foi de que o direito à consulta prévia estaria sendo respeitado pela simples participação da FUNAI durante o processo de licenciamento –mesmo a FUNAI demonstrando não ter sido demandada pela empresa, tampouco pela FEPAM, tomando ciência do empreendimento somente em função de informações encaminhadas pelo MPF e pelo Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI)–[93] o que demonstra uma visão formalista e burocrática quanto à situação dos povos afetados. Tal argumento fez com que a magistrada afirmasse que o direito à consulta prévia não se resume a mera manifestação formal da FUNAI, mas que exige a participação direta dessas populações, integrando efetivamente os processos de tomada de decisão, o que deve ser realizado de maneira concomitante às fases de licenciamento ambiental, sob pena de nulidade dos atos administrativos que desconsiderem esse componente.[94]
A decisão, então, concluiu pela nulidade do processo de licenciamento do empreendimento Mina Guaíba, sendo que o processo não alcançou ainda o trânsito em julgado, estando concluso para decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região desde outubro de 2022. Contudo, para além das consequências jurídicas diretas que o processo possa vir a confirmar, o litígio deu ensejo à elaboração do Protocolo de Consulta Prévia do Povo Mbya Guarani do Estado do Rio Grande do Sul, sendo este o primeiro documento do tipo referente a indígenas do estado. No protocolo é determinado quem deve ser consultado, os passos a serem seguidos para a consulta, bem como os parâmetros que permitem estabelecer quando o povo Mbya Guarani considera que foi efetivamente consultado.
São previstos três passos para a consulta prévia ao povo Mbya Guarani, a saber: um primeiro contato, preferencialmente presencial, com os caciques das aldeias, com a entrega de material explicativo para subsidiar os debates internos e com um pré-agendamento para o retorno; a reunião com as lideranças, em que serão expostas de forma mais detalhada as particularidades do projeto, respeitando-se o tempo de diálogo interno entre as lideranças locais, que dialogarão de forma intercalada com a exposição do projeto pelo interessado; a reunião de consulta prévia, que deverá ocorrer nas aldeias afetadas, respeitando a organização social e espacial local.[95] Considera-se que o povo foi consultado “quando todos os Guaranis da aldeia possivelmente afetada entenderem como a comunidade será afetada e decidirem se concordam ou não, quais as condicionantes, quais as medidas compensatórias, quais serão as formas de garantia e controle do que ficou acordado”.[96]
Demonstra-se relevante, assim, o reconhecimento da juridicidade dos protocolos autônomos de consulta como uma abertura ao pluralismo jurídico no Brasil, a partir de expressões autênticas e genuínas de povos e comunidades historicamente ignorados, tanto pela instituição estatal quanto pela iniciativa privada movida pela exploração econômica de territórios considerados sagrados por muitas dessas tribos e aldeias. O uso da antropologia, o olhar para as realidades institucionais dos países vizinhos, bem como a abertura para expressões autônomas dos povos originários podem sinalizar um caminho a ser seguido pela prática jurídica brasileira no reconhecimento do pluralismo e na proteção dos povos originários.
5. Conclusão
O pluralismo jurídico emancipatório desenha-se como uma chave para o giro decolonial, uma vez que, além de albergar o pensamento crítico, permite emergir múltiplas respostas às idiossincrasias das sociabilidades locais, abrindo espaços para fenômenos contingentes sem aniquilar as diferenças. Permite ascender uma resposta para além do etnocentrismo e tecnoburocracia eurocêntricos, ao reconhecer nas diferenças, na interculturalidade e na alteridade a fonte real das aspirações dos direitos humanos, impactando de forma significativa o tratamento dos povos originários na América Latina. O Brasil contemporâneo necessita desse olhar diferenciado que abarca um direito emancipatório para esses povos.
Com esse olhar é que o movimento do novo constitucionalismo latino-americano, sustentado por uma teoria pluralista do direito, vai questionar o caráter classista, colonizador e a imposição de princípios burgueses de individualismo e liberdades contratuais que traduzem na propriedade privada um direito natural decorrente da condição e natureza humanas. Ao refletir sobre os processos de colonização e dominação, o monismo estatal mostra sua face deficitária, cruel e mesmo ilusória, especialmente ao ignorar as múltiplas formas de viver e conviver, gerando a ilusão de que o direito, porque posto, é capaz de dar respostas aos conflitos sociais.
A partir dos dois casos estudados, pode-se observar a materialidade do pluralismo jurídico no Brasil, a despeito da sua não previsão constitucional ou da sua não regulamentação legislativa. Nesse sentido, entende-se que um pluralismo jurídico emancipatório não está limitado ao mero reconhecimento das juridicidades indígenas, mas, antes, que esse reconhecimento é uma das múltiplas formas para que se construa um cenário nacional intercultural em que se estabeleçam condições de diálogo entre legalidades. Compreende-se a relevância da abertura de espaços dialógicos entre as jurisdições oficial e não oficial, ou, ainda, entre o direito indigenista e o direito indígena, o que pode ser apreendido tanto pelo primeiro caso, numa sentença penal absolutória fundamentada na normatividade indígena ainda que estruturada e processada pelo aparato estatal, e no segundo caso, pela observância da necessidade de expressão da autonomia indígena quando da possibilidade de interferência externa nas suas realidades, que, por sua vez, encontra nos protocolos autônomos de consulta uma ferramenta efetiva, de juridicidade reconhecida, de expressão e de autodeterminação.
A aprendizagem cultural e a interpenetração entre legalidades desde uma ética da alteridade, que reconheça a razão, a institucionalidade, a sensibilidade do Outro são componentes de uma racionalidade pluralista que pode concretizar os direitos mais fundamentais dos povos originários, independente da previsão ou não previsão constitucional. Para isso, é central apontar que uma teoria do pluralismo jurídico com vistas a um projeto emancipatório não pode estar desconectada de uma teoria do estado fundamentada na plurinacionalidade e na interculturalidade. Esse conjunto pode conformar uma racionalidade emancipatória e descolonizadora que compreenda as particularidades do local (não oficial) capaz de estabelecer uma relação dialógica com a totalidade (oficial) sem que isso signifique assimilação, aculturação ou apagamento.
Nesse sentido, o olhar para as realidades normativas e institucionais equatoriana e boliviana pode oferecer os fundamentos filosóficos e jurídicos para a construção desse cenário pluralista no Brasil, que poderá dar um passo além do reconhecido multiculturalismo, na direção de uma interculturalidade descolonizadora, que tem nos povos originários não só um conjunto de povos que integram o projeto nacional, mas como nacionalidades autênticas e como fontes de normatividade. Por essa perspectiva, o demonstrado uso da antropologia, por meio dos laudos antropológicos e das escutas étnicas, do direito comparado, baseado na descolonização constitucional equatoriana e boliviana e dos protocolos autônomos de consulta, são instrumentos que o direito oficial brasileiro pode se valer para exercer uma lógica pluralista emancipatória e intercultural.
Referências
ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária, 2016.
ALBERNAZ, Renata Ovenhausen; WOLKMER, Antonio Carlos. As questões delimitativas do direito no pluralismo jurídico. In: WOLKMER, Antonio Carlos; VERAS NETO, Francisco Quintanilha; LIXA, Ivone Morcilo. Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 195-222.
AMADO, Luiz Henrique Eloy. Terra indígena e legislação indigenista no Brasil. Cadernos de Estudos Culturais - UFMS, Pioneiros, v. 7, n.13, p. 65-84, 2015.
BITENCOURT, Caroline Müller; RECK, Janriê Rodrigues. Políticas públicas de Governo e de Estado – uma distinção um pouco complexa: necessidade de diferenciação entre modelos decisórios, arranjos institucionais e objetivos de políticas públicas de Governo e Estado. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 12, n. 3, p. 631-667, set./dez. 2021.
BITENCOURT, Caroline; GABARDO, Emerson. O mito da subsidiariedade e as reformas do estado social: um brainstorm sobre o governos e a administração no Brasil atual. In: NOHARA, Irene Patrícia; SALGADO, Rodrigo Oliveira (Orgs.). Gestão pública, infraestrutura e desenvolvimento: 20 anos do Programa de Pós-graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo: Thonson Reuters Brasil, 2021, v. I. p. 31-60.
BOLÍVIA. Constitución Política del Estado (CPE), 7 Febrero 2009. Disponível em: http://www.gacetaoficialdebolivia.gob.bo/app/webroot/archivos/CONSTITUCION.pdf. Acesso em: 10 jan. 2023.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 06 fev. 2023.
BRASIL. Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5. Acesso de: 05 fev. 2023.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 05 fev. 2023.
BRASIL. Justiça Federal. Nona Vara Federal de Porto Alegre. Ação Civil Pública nº 5069057-47.2019.4.04.7100/RS. Decisão de 08 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://consulta.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&selForma=NU&txtValor=5069057-47.2019.4.04.7100&chkMostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=RS&sistema=&txtChave=. Acesso em: 05 fev. 2023.
BRASIL. Justiça Federal. Primeira Vara Federal de Paranaguá. Ação Penal nº 5002882-22.2015.4.04.7000/PR. Decisão de 31 de agosto de 2018. Disponível em: https://eproc.jfpr.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_documento_publico&doc=701535733070882820094674636254&evento=807&key=691943d1b98f38df87590e2f0464e50d29ed449ed1e5072386096ee85b21c4a1&hash=da23a0b15c28ceea1e9382d7f3a16c8c. Acesso em: 26 jan. 2023.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.Acesso em: 05 fev. 2023.
CACÑAHUARAY MITMA, Ruth. El acceso al agua potable en las comunidades indígenas del Perú en el marco de estado de emergencia nacional. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 7, n. 2, p. 261-277, jul./dic. 2020.
CHACÍN FUENMAYOR, Ronald; FINOL ROMERO, Lorayne. Neoconstitucionalismo y el constitucionalismo positivista: un debate no concluido en el Derecho. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 9, n. 2, p. 389-421, maio/ago. 2022.
CLUNE, William H. Direito e políticas públicas: mapa da área. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 21, n. 86, p. 59-108, out./dez. 2021.
CONSELHO DE CACIQUES DO POVO MBYA GUARANI DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Protocolo de Consulta Prévia do Povo Mbya Guarani do Estado do Rio Grande do Sul, 2022. Disponível em: https://observatorio.direitosocioambiental.org/protocolo-de-consulta-previa-do-povo-mbya-guarani-do-estado-do-rio-grande-do-sul-2022/. Acesso em: 05 fev. 2023.
DALMAU, Rubén Martínez; PASTOR, Roberto Viciano. ¿Se puede hablar de un nuevo constitucionalismo latinoamericano como corriente doctrinal sistematizada? In: Nuevas tendencias del derecho constitucional en América Latina, VIII Congreso Mundial de la Asociación Internacional de Derecho Constitucional: constituciones y principios, México, dez. 2010.
DIAS JUNIOR, José Armando Ponte; SALGADO, Eneida Desiree. Human rights in procedural democracies: a contribution to the debate. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 12, n. 3, p. 668-685, set./dez. 2021.
DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.
DUSSEL, Enrique. Filosofia da libertação: crítica à ideologia da exclusão. São Paulo: Paulus, 1995.
ECUADOR. Constitución de la República del Ecuador, 20 de octubre de 2008. Disponível em: https://www.asambleanacional.gob.ec/sites/default/files/documents/old/constitucion_de_bolsillo.pdf. Acesso em: 10 jan. 2023.
FALCON, Francisco. História das idéias. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 139-188.
FERRAZZO, Débora; WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico e democracia comunitária: discussões teóricas sobre descolonização constitucional na Bolívia. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 11, n. 2, p. 872-895, 2021.
GABARDO, Emerson. O jardim e a Praça para além do bem e do mal: uma antítese ao critério de subsidiariedade como determinante dos fins do Estado social. Curitiba, 2009. 369 f. Tese (Doutorado) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.
GALLARDO, Helio. Teoría Crítica: Matriz y possibilid de derechos humanos. Murcia: David Sanches Rubio Editora, 2008.
GONÇALVES, Douglas Oliveira Diniz; ESPINOZA, Fran; DUARTE JÚNIOR, Dimas Pereira. Indigenous land demarcation, traditional knowledge, and biodiversityin razil. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 12, n. 1, p. 216-234, jan./abr. 2021.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. v. II. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1997.
HINKELAMMERT, Franz Joseph. El sujeto y la ley: el retorno del sujeto reprimido. Havana: Caminos, 2006.
ISOLINA DABOVE, María. Constitucionalismos en clave trialista. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 8, n. 3, p. 707-729, set./dez. 2021.
KEANE, John. A sociedade civil: velhas imagens e novas visões. Lisboa: Temas e Debates, 2001.
KONDER, Leandro. O que é a dialética. São Paulo: Brasiliense, 1997.
LINERA, Álvaro Garcia. A potência plebeia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia. São Paulo: Boitempo, 2010.
LUDWIG, Celso Luiz. Filosofia e pluralismo: uma justificação filosófica transmoderna ou descolonial. In: WOLKMER, Antonio Carlos; VERAS NETO, Francisco Quintanilha; LIXA, Ivone Morcilo. Pluralismo jurídico: os novos caminhos da contemporaneidade. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 99-124.
LUKÁCS, György. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
MALDONADO, Efendy Emiliano. Reflexões críticas sobre o Processo Constituinte Equatoriano de Montecristi (2007-2008). Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 2, p. 129-151, 2019.
MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. In: TRAPADINI, Roberta; STEDILE, João Pedro (Orgs.). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005. p. 131-172.
MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017.
MARX, Karl. Para a crítica da economia política. v.1. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
MARX, Karl. Textos selecionados. Madrid: Editorial Gredos, 2012.
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2018.
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao estudo do direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MÉSZAROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006.
NIEBUHR, Pedro. A antecipação de efeitos restritivos à propriedade de não indígenas na pendência de conclusão o processo de demarcação de terras indígenas. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 12, n. 2, 319-339, maio/ago. 2021.
PACHUKANIS, Evguéni. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017.
PAROLA, Giulia. COSTA, Loyuá Ribeiro Fernandes Moreira da; WU, Kelly. The violations of the Chiquitano Indigenous People rights: a case for protection by the Inter-American System of Human Rights. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 11, n. 2, p. 24-47, maio/ago. 2020.
PESSOA, Robertônio Santos; SANTOS, Helannha Francisca Nunes dos. Democracia em transformação: apontamentos sobre a reconfiguração dos elementos da democracia ante os influxos dos modelos participativos. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 90, p. 87-106, out./dez. 2022.
PINTO, Fredson Cabral. Leituras de Habermas: modernidade e emancipação. Coimbra: Fora do Texto, 1992.
SALGADO, Eneida Desiree; GABARDO, Emerson. The role of the Judicial Branch in Brazilian rule of law erosion. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, vol. 8, n. 3, p. 731-769, set./dez. 2021.
SILVA, Carla Luana; LEAL, Rogério Gesta. Perdeu-se em números a participação política. E agora? A implantação da participação política deliberativa pelas bases. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 22, n. 87, p. 107-133, jan./mar. 2022.
SILVA, Liana Amin Lima da. Sujeitos da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado (CCPLI). In: GLASS, Verena et. al. (Orgs.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo; CEPEDIS, 2019. p. 47-107.
SOUSA SANTOS, Boaventur (Org). Justicia Indígena, Plurinacionalidad y interculturalidad en Bolívia. La Paz: Fundación Rosa Luxemburgo, 2012.
TAROCO, Lara Santos Zangerolame. O protocolo de Consulta Juruna (Yudjá) e o caso Belo Sun: espaços multinormativos e possibilidades descoloniais. Direito e práxis, Rio de Janeiro, Ahead of Print, 2021.
TAVARES, André Afonso; BITENCOURT, Caroline Müller. Avaliação de políticas públicas e interoperabilidade na perspectiva da governança pública digital. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, Curitiba, v. 13, n. 3, p. 687-723, set./dez. 2022.
TEIXEIRA, João Paulo Allain; SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. Neoconstitucionalismo europeu e novo constitucionalismo latino-americano: um diálogo possível? Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 3, n. 1, p. 52-70, jan./abr. 2016.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
WALSH, Catherine. Interculturalidad crítica y pluralismo jurídico. Repositorio Institucional del Organismo Académico de la Comunidad Andina – CAN, Quito, 2010.
WALSH, Catherine. Interculturalidad, plurinacionalidad y decolonialidad: las insurgencias político-epistémicas de refundar el Estado. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 131-152, jul./dez. 2008.
WARAT, Luís Alberto. Introdução geral ao direito. v. II. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 1999.
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico, direitos humanos e interculturalidade. Revista Sequência, Florianópolis, n. 27, v. 53, p. 113-128, dez. 2006.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3. ed. São Paulo: Alfa Ômega, 2001.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: Fundamentos de una nueva cultura del derecho. Sevilha: MAD, 2006.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: nuevo marco emancipatorio en América Latina. In: RANGEL, Jesús Antonio de La Torre (org.). Pluralismo jurídico. Teoría y experiencias. San Luís Potosí: Publicaciones de la Faculdad de Derecho, 2007. p. 17-35.
YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. El horizonte del constitucionalismo pluralista: del multiculturalismo a la descolonización. In: GARAVITO, César Rodríguez (coord.). El derecho en América Latina: un mapa para el pensamiento jurídico del siglo XXI. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2011. p. 139-159.
Notas
Art. 482. Ao realizar a inspeção, o juiz poderá ser assistido por um ou mais peritos.
Art. 483. O juiz irá ao local onde se encontre a pessoa ou a coisa quando:
I - julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar;
II - a coisa não puder ser apresentada em juízo sem consideráveis despesas ou graves dificuldades;
III - determinar a reconstituição dos fatos.
Parágrafo único. As partes têm sempre direito a assistir à inspeção, prestando esclarecimentos e fazendo observações que considerem de interesse para a causa.
Art. 484. Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, mencionando nele tudo quanto for útil ao julgamento da causa.
Parágrafo único. O auto poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.Acesso em: 05 fev. 2023.
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. BRASIL. Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019. Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo Federal que dispõem sobre a promulgação de convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho - OIT ratificadas pela República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D10088.htm#art5. Acesso de: 05 fev. 2023.
Notas de autor
Información adicional
Como citar este artículo | How to cite this article: ARAUJO, Luís Guilherme Nascimento de; BITENCOURT, Caroline Muller; GORCZEVSKI, Clovis. Pluralismo jurídico emancipatório e suas contribuições para o reconhecimento e o tratamento dos povos originários: um olhar para o caso brasileiro. Revista Eurolatinoamericana de Derecho Administrativo, Santa Fe, vol. 10, n. 1, e233, ene./jun. 2023. DOI: 10.14409/redoeda.v10i1.12419