Artículos
O Capital selvagem: mobilidade e superexploração do trabalho*
El Capital salvaje: movilidad y superexplotación del trabajo
Wild Capital: mobility and super-exploitation of labor
O Capital selvagem: mobilidade e superexploração do trabalho*
Revista Latinoamericana de Antropología del Trabajo, vol. 5, núm. 10, 2021
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas

Recepción: 30 Noviembre 2020
Aprobación: 10 Febrero 2021
Resumo: O artigo analisa os processos históricos de desenvolvimento das frentes de expansão na Amazônia Oriental brasileira enquanto expressão de um processo histórico mais amplo de reprodução da dependência e da superexploração do trabalho a partir de dados produzidos por meio de entrevistas e de observações de natureza etnográfica em pesquisa de campo realizada junto a um grupo de trabalhadores em trânsito por conta de um grande projeto da indústria da mineração. Em seguida, considerando esses dados e alguns aspectos das transformações recentes do mundo do trabalho, o artigo analisa a relação entre as atuais condições de circulação da força-de-trabalho e as morfologias sociais de deslocamento e de reprodução dos trabalhadores. Por fim, apresenta considerações a respeito de algumas implicações teóricas desses processos em curso no mundo do trabalho para as releituras que vêm sendo apresentadas sobre o conceito de superexploração do trabalho hoje.
Palavras-chave: superexploração do trabalho, mobilidade, teoria marxista da dependência, peão-de-trecho, mineração, agropecuária, Amazônia.
Resumen: El artículo analiza los procesos de desarrollo histórico de los frentes de expansión en la Amazonia Oriental brasileña como expresión de un proceso histórico más amplio de reproducción de la dependencia y de la superexplotación del trabajo a partir de datos producidos a través de entrevistas y observaciones etnográficas en una investigación realizada con un grupo de trabajadores en tránsito debido a un gran proyecto en la industria minera. Luego, considerando estos datos y algunos aspectos de las recientes transformaciones en el mundo del trabajo, el artículo analiza la relación entre las condiciones actuales de circulación de la fuerza-de-trabajo y las morfologías sociales del desplazamiento y de la reproducción de los trabajadores. Finalmente, presenta consideraciones sobre algunas implicaciones teóricas de estos procesos en curso en el mundo del trabajo para las relecturas que se están presentando sobre el concepto de superexplotación del trabajo en la actualidad.
Palabras clave: superexplotación del trabajo, movilidad, teoria marxista de la dependencia, peão-de-trecho, minería, agricultura, ganadería, Amazonia.
Abstract: The article analyzes the historical development processes of the expansion fronts in the Brazilian Eastern Amazon as an expression of a broader historical process of reproduction of dependency and of the super-exploitation of labor based on data produced through interviews and ethnographic observations in an investigation carried out with a group of workers in transit due to a large mining industryproject. Then, considering these data and some aspects of the recent transformations in the world of work, the article analyzes the relationship between the current conditions of circulation of the labor-power and the social morphologies of the displacement and reproduction of workers. Finally, it presents considerations on some theoretical implications of these ongoing processes in the world of work for the re-readings that are being presented on the concept of super-exploitationtoday.
Keywords: super-exploitation, mobility, Marxist theory of dependency, peão-de-trecho, mining, agriculture, livestock, Amazon.
Introdução
Na Amazônia brasileira, particularmente a partir dos anos 1960, frentes de expansão agropecuária condicionaram formas específicas de mobilização e imobilização da força de trabalho, bem como processos violentos de expropriação de terras ocupadas por pequenos produtores, fatos esses que, na maioria das vezes, foram tomados como expressões do atraso e qualificados como maneiras arcaicas de expropriação e de superexploração que teriam lugar nos rincões atrasados do país e que, portanto, seriam substituídos e/ou superados pelo desenvolvimento econômico e social ou por uma intervenção estatal qualificada.
Nossa investigação recente propôs analisar esses processos a partir de pesquisa situada na Amazônia brasileira, com dados produzidos por meio de entrevistas e de observações de natureza etnográfica em pesquisa realizada junto a trabalhadores de um grande projeto da indústria da mineração e/ou em trânsito nas cidades do entorno do mesmo (Felix, 2019)1. Os trabalhadores/as que acompanhamos apresentaram percursos laborais com circulação, principalmente, nas empresas terceirizadas e subcontratadas da mineradora, nas empresas agropecuárias, no mercado informal remunerado por dia de trabalho ou tarefa e no emprego doméstico em várias regiões do Brasil e, certos casos, também de outros países. Baseados na chamada teoria marxista da dependência - em especial na teoria formulada por Ruy Mauro Marini e nas nossas releituras recentes dessa teoria (Marini, 1973; 1973a; 1974; 1979; Felix, 2018; 2019; 2020; 2021; Felix e Guanais, 2018; Felix e Guanais, 2019; Felix e Sotelo, 2019; Felix, forthcoming) -, analisamos esses processos históricos de desenvolvimento das frentes de expansão na Amazônia Oriental brasileira enquanto expressão de um processo histórico mais amplo de reprodução da dependência e da superexploração do trabalho.
Em um momento no qual as distâncias até então bem demarcadas entre as morfologias da classe trabalhadora nas formações sociais dependentes e nas formações centrais parecem diminuir com processos globais de precarização do trabalho, transformações na rotação do capital e nos seus aspectos espaciais de deslocamento, teorias anteriormente delimitadas no âmbito das ciências sociais latino-americanas ganham maior adesão e maior poder explicativo (Felix, 2019; Felix e Sotelo, 2019; Felix, 2020). Não por acaso, as teses da dependência e particularmente de Marini têm sido objeto de interesse renovado no mundo anglófono – tal como o atestam publicações recentes como Smith (2016), Sotelo (2016) e Kufakurinani et al. (2017) – e, por outro lado, o debate sobre o conceito de superexploração do trabalho veio novamente à tona na América Latina a partir da objeção ou revisão de alguns economistas e de seus respectivos replicadores nos últimos anos (Carcanholo, 2013; Osorio, 2013; Katz, 2017; Sotelo, 2017; Osorio, 2017)2.
Inicialmente, os debates que foram travados em torno da temática da dependência tiveram forte viés político e nem sempre foram analisados a partir das suas principais dissensões. A perspectiva de Marini, em particular, foi distorcida como sendo caracterizada por algumas limitações insuperáveis no âmbito do próprio trabalho que desenvolveu ou até mesmo, nesse caso, de forma bastante curiosa, como sendo representante de uma perspectiva sociológica inerentemente impossível de ser desenvolvida a partir de suas próprias premissas3. Após esse período deconfronto eminentemente político, o conhecimento sobre quais seriam, de fato, as potencialidades e as limitações do trabalho que foi realizado diretamente por Marini também tem sido ampliado em novos estudos.
Para tanto, nosso propósito foi analisar algumas tendências contemporâneas do mundo do trabalho à luz da teoria do valor de Karl Marx, em particular, da teoria sustentada em O Capital (Marx, 2013; 2014; 2008), embora, nesse caso, em perspectiva reversa, isto é, mais a partir do que seriam as “margens” do sistema mundial do que de seus centros “avançados” e, também, mais a partir dos “marginais” da classe trabalhadora do que das frações de classe mais consagradas nos discursos políticos e acadêmicos. Ao fim, seguindo o mesmo exercício lógico e perspectivo, também propomos revisitar a própria teoria marxiana do valor, ressaltando alguns aspectos comumente tidos como teoricamente "menos centrais" nas leituras mais consagradas de O Capital de Marx.
O artigo está organizado em três seções que serão apresentadas nessa ordem: 1) relação entre as chamadas frentes de expansão na Amazônia brasileira e o sistema/mercado mundial; 2) relação entre as morfologias sociais de deslocamento e de reprodução e as condições de circulação da força de trabalho, considerando os dados de pesquisa com uma fração de trabalhadores regionalmente designados como peões-de-trecho; 3) relação entre a circulação mercantil da força-de-trabalho e a teoria do valor/classe referenciada em O Capital, considerando os aspectos teórico-metodológicos da primeira seção e os dados de pesquisa da segunda seção. Ao fim, tecemos considerações a respeito de algumas implicações teóricas que os processos em curso no mundo do trabalho representam para as releituras que vêm sendo apresentadas contemporaneamente sobre o conceito de superexploração.
1. Frentes de expansão e superexploração do trabalho
A partir de dados sintetizados em pesquisas anteriores (Velho, 1972; 1982; Oliveira Filho, 1979; Felix, 2008a; 2008b), ressaltamos o sentido da integração mundial dos agentes de mercado das frentes de expansão na Amazônia desde o início da ocupação baseada na economia extrativa exportadora nos séculos XIX e XX até a presente integração mundial dependente dada pelo advento dos grandes projetos da década de 19704.
Desde então, o processo de implantação dos grandes projetos constituiu uma região integrada de forma dependente ao mercado mundial, voltada para a produção de minérios, especialmente ferro, e, na última década, também para a produção de carne a partir de uma cadeia de produção com o capital concentrado em uma ou duas grandes empresas voltadas para exportação, cujos fornecedores, aos quais os pequenos produtores estão subordinados, são grandes e médias empresas agropecuárias.
Em geral, a reprodução da dependência é indubitavelmente demarcada a partir dos grande projetos dos 1970, em que se observa uma integração mais profunda entre os agentes de mercado, que, em grande parte, já surgiram como elos subordinados de uma cadeia de produção instituída sistemicamente em escala mundial. De fato, nas décadas seguintes, a implantação da indústria da mineração inseriu agentes políticos e econômicos cuja escala de ação diferia bastante das ocupações e frentes anteriores.
Tomados enquanto uma forma de produção, em geral, os grandes projetos significam uma acumulação de capital centralizada em larga escala, vinculada a interesses políticos e econômicos nacionais e internacionais. No entanto, uma vez incidentes sobre economias dependentes, o que frequentemente é o caso, um de seus efeitos seria a reprodução da dependência. Ribeiro (1987: 4-5), analisando os efeitos dos grandes projetos, por exemplo, afirma que, apesar de não haver um conhecimento substancial a respeito de seus processos de execução e de sua relação com o desenvolvimento econômico, “[os projetos de grande escala, PGE] Costumam, portanto, reforçar disparidades econômicas preexistentes tanto no âmbito de uma determinada sociedade quanto em termos das relações entre distintas regiões econômicas” (tradução nossa). E, em resumo, que: “A dinâmica típica dos PGE termina por replicar a dependência político-econômica, sobretudo quando estão em jogo relações com países pouco ou não industrializados” (tradução nossa)5.
Enquanto grandes projetos, sucessivas construções envolveram grandes contingentes de trabalhadores, por curtos períodos. O auge da construção do Projeto Ferro Carajás, por exemplo, utilizou cerca de 28 mil trabalhadores em 1982 (Roberts, 1995; Castro, 1994). Nas obras da Usina de Tucuruí (1975-1984), teriam sido 30 mil trabalhadores, sendo que aproximadamente 60 mil pessoas se deslocaram para a cidade de Tucuruí em busca de trabalho. Em Barcarena, na construção da Albras e da Alunorte, teriam cerca de 12 mil trabalhadores, em outubro de 1984, e a cidade recebeu cerca de 100 mil pessoas em poucos anos. No entanto, no ano seguinte, em 1985, com a primeira parte das obras concluídas, o número de trabalhadores na construção civil reduziu quase à metade (Fontes, 2003). A origem desses trabalhadores recrutados para as posições mais baixas do mercado de trabalho da construção dos grandes projetos era diversa, assim como seus destinos, terminados os trabalhos, foram descritos como difusos (Leal, 1996; Guimarães Neto, 2003; Cepasp, 2010; Carneiro, 2013; CPT, 2013, Felix, 2013; 2016).
Pelos dados e pesquisas realizadas sobre o contexto da última década, a expansão das atividades da construção de hidrelétricas e da indústria da mineração, por exemplo, também mobilizou contingentes populacionais significativos para algumas cidades, articulada a um discurso ideológico de promoção do denominado desenvolvimento local e/ou sustentável, enquanto medida de suposta superação de determinadas dinâmicas sociais presentes nas atividades antes economicamente predominantes.
Porém, considerando salários, condições de trabalho e de exploração da força de trabalho, como duração da jornada de trabalho e intensidade do trabalho, é possível indicar que o recrutamento desses trabalhadores, assim como sua expulsão e circulação em momento posterior, foi dado sob o regime de superexploração do trabalho que fundamenta o ciclo do capital nas formações dependentes (Felix, 2019). Por outro lado, é também possível indicar transformações deste mesmo regime para frações cada vez mais amplas de trabalhadores em decorrência da forma como as empresas vêm adotando gestões flexíveis da força de trabalho em praticamente todos os setores econômicos e processos produtivos, o que, além da construção civil e da agropecuária, por exemplo, atinge também os trabalhadores da mineração, dos transportes, da metalurgia etc (Felix, 2015; 2020).
Neste sentido, epistemologias comprometidas com perspectivas de superação desses regimes e da condição de dependência por meio da introdução de maior produtividade capitalista do trabalho perderam poder explicativo frente ao quadro das condições de vida e trabalho dos trabalhadores e da população atingida pelos grandes projetos em geral, assim como teorias que se pautavam pela tese de que o Estado seria ausente e/ou que seria insuficiente nessas regiões. Por outro lado, teleologias baseadas em estudos que privilegiam analiticamente o capitalismo avançado de maneira desconexa e/ou atemporânea das formações dependentes também ficam cada vez mais esvaziadas diante do quadro de descenso das condições de vida e trabalho anteriormente oferecidas fora dos chamados rincões, conforme destacaremos no item seguinte do artigo. Atualmente, para aqueles que tomaram essa perspectiva, o sentido da modernidade aparenta estar invertido, mais nas margens do que no centro do capitalismo.
Contudo, no que se refere ao que pretendemos destacar aqui, mesmo quando menos perceptível, essa integração, em último (ou, muitas vezes, em primeiro) caso mundial, já ocorria nas frentes anteriores e, inclusive, já havia sido percebida pelos próprios etnógrafos e historiadores que as analisaram (ainda que, em termos teóricos, tais relações tenham sido comprometidas sob expectativas modernizantes e/ou paradigmas desenvolvimentistas).
Nesse caso, a expansão das frentes de expansão agrícolas que se desenvolveram a partir dos anos 1950 na parcela oriental da Amazônia brasileira é um bom exemplo. Ao contrário das frentes de expansão anteriores, extrativistas (borracha, castanha, diamante), formadas por entrepostos de comercialização totalmente voltados para o mercado externo, ou seja, de uma típica economia exportadora, na frente de expansão agrícola teria surgido a figura do pequeno produtor de terra firme, cuja produção era voltada para o mercado interno de arroz.
Enquanto os grandes produtores ainda produziam principalmente castanha, dedicando-se à pecuária apenas de maneira complementar e subordinada, cujo mercado restringia-se localmente ou a um único centro (a cidade de Belém), os pequenos produtores independentes produziam um arroz que, a despeito das distâncias, chegava a centros consumidores como o Rio de Janeiro com preços mais baixos que os produzidos em outras regiões do país e que, sendo de pior qualidade, era consumido pela população mais pauperizada das cidades da região Sudeste do Brasil. Esse arroz, porém, cumpria uma função supletiva e complementar no mercado nacional e internacional. Era comercializado quando a produção de arroz na região Centro-Oeste abaixava e não era suprida pelo arroz produzido no Sul, de maior preço, voltado para a exportação (Velho, 1972: 123-25).
Em seguida, a nova fase instaurada pela abertura das estradas transformaria significativamente a paisagem dos castanhais da região, em um espaço curto de tempo, em grandes pastagens. Também em um espaço relativamente curto de tempo, a pecuarização integraria os pequenos produtores de arroz dessa frente de expansão aos médios e grandes produtores, primeiro, como fornecedores de terras convertidas em pasto e, nas décadas seguintes, principalmente a partir dos 1990, quando a pequena produção também se converte à pecuária, em fornecedores de bezerros.
Nos arredores das últimas estradas construídas no estado do Pará já pudemos observar a mudança no próprio padrão de formação das pastagens por parte dos pequenos produtores dessas frentes de expansão (Felix, 2008). Quando a trajetória anterior previa uma produção de arroz após o primeiro desmate e, apenas depois da colheita, a formação da pastagem, a nova trajetória de pecuarização previa uma conversão direta da mata em pastagem, sem sequer passar pelo plantio do arroz.
Nesse sentido, no que se refere aos aspectos que aqui nos interessam inicialmente, ao relacionar as frentes de expansão com o sistema/mercado mundial, ressaltamos alguns dados da pesquisa a fim de indicar, como implicação epistêmica, a necessidade de uma abordagem diacronicamente e sincronicamente mundial dos processos observados empiricamente no caso em estudo. E, junto a essa implicação epistêmica, também algumas implicações teóricas, já que, atualmente, tais processos históricos analisados a partir dos chamados rincões da Amazônia brasileira ganhariam maior poder explicativo frente a determinados fenômenos observados nos próprios centros capitalistas avançados.
De certa maneira, hoje, esses rincões - que até então representavam um dos pontos mais afastados do sentido da modernidade - permitem desconstruir antigas teorias que, por exemplo, tomavam as relações de superexploração do trabalho como expressões empíricas de processos extemporâneos (expressões do “passado” ou do “atraso”; fenômenos em extinção e/ou superáveis pelo desenvolvimento econômico e social do capitalismo).
2. Arranjos reprodutivos e superexploração do trabalho
Considerando as implicações epistêmicas indicadas no item anterior, os dados produzidos em nossa pesquisa também permitiram abordar heuristicamente certos aspectos relacionados às morfologias sociais de reprodução e de deslocamento da classe trabalhadora, como foi o caso do estudo, por exemplo, dos trabalhadores denominados como “peões-de-trecho”. A análise de seus percursos demonstrou que parte desses, de fato, não tinham núcleos familiares e grupos domésticos constituídos e outra parte não os constituíram em momento pretérito algum, mesmo quando ressalvados alguns equívocos metodológicos comumente cometidos por pesquisadores e demais agentes de registro de informações sociais a respeito das frações economicamente empobrecidas dos trabalhadores6.
2.1 Peões-de-trecho
Ao longo da pesquisa de campo realizada em 2011 e 2012 no entorno de um grande projeto da indústria da mineração, nas cidades de Tucumã, Ourilândia do Norte e São Felix do Xingu, no estado do Pará, Norte do Brasil, os trabalhadores denominados como peões-de-trecho eram trabalhadores fortemente estigmatizados e, portanto, sobre os quais geralmente pairava enorme desconhecimento. Assim eram designados, de maneira geral, os trabalhadores homens em situação de não família que se deslocavam na região em busca de trabalho, principalmente aqueles que eram recrutados para o trabalho temporário nas empresas agropecuárias e que, portanto, eram submetidos a formas de circulação da força de trabalho que exigiam intensa mobilidade espacial.
Nossa análise permitiu sistematizar as complexas constituições e desconstituições dos arranjos reprodutivos desses trabalhadores mobilizados em torno do grande projeto minerário e demonstrar a forma como eram relacionadas a condições específicas de circulação. Isto é, dependendo dessas condições, os trabalhadores organizavam suas unidades sociais de reprodução desde unidades de deslocamento compostas por grupos de três gerações e/ou núcleos familiares distintos até o denominado peão-de-trecho solitário e “sem ponto certo”, assim como, na maioria das vezes, também alternavam esses arranjos de acordo com as condições sociais de obtenção de remuneração por meio do trabalho e/ou com a situação de venda ou não da força-de-trabalho (e não, por exemplo, a partir de uma determinada opção cultural pelo “movimento” ou pela “fixidez”). Ou seja, essa mobilidade e, portanto, diversidade de arranjos reprodutivos foi condicionada pelas relações de produção, e não o contrário, tal como eram representados os mesmos por meio dos discursos elaborados a partir de sujeitos em outras posições sociais.
Em geral, esses trabalhadores mantinham léxico comum com o uso de categorias de referência social de vidas de deslocamento e trabalho caracterizadas pela indefinição espacial e temporal da permanência, como “mundo”, estar “no mundo”, estar “rodado no mundo”, dentre outras. A semântica dessas noções comumente estava relacionada à sujeição deles mesmos a um movimento (ou fixidez) sobre o qual eles não tinham controle, embora, frente a essa sujeição, lidassem em termos práticos com tecnologias e gramáticas socialmente constituídas de deslocamento, conjugalidade, moradia, rebeldia etc.
Cabe ressalvar que o peão-de-trecho é categoria habitualmente notada nos estudos de grandes obras nas últimas décadas. Pesquisas realizadas em outros contextos também se depararam com significação semelhante (trabalhadores homens em situação de não família). Fontes (2003), por exemplo, relata a distinção feita pelos operários das obras da cidade de Barcarena entre os que denominavam “peões de trecho” (que se deslocaram sozinhos para a obra e ficavam nos alojamentos) e os “peões de casa” (que tinham moradia na cidade e se deslocavam diariamente da “casa” para o canteiro de obras). A maior observação dos peões-de-trecho nas grandes obras (e pouco na agropecuária), no entanto, possivelmente se trata de um viés afeito ao campo acadêmico, aos pontos cegos criados nos recortes dos campos de estudos rurais e de grandes projetos e de seus objetos mais ou menos consagrados nas últimas décadas. No sul-sudeste do estado do Pará, os peões-de-trechoeram relacionados sobretudo ao trabalho temporário nas fazendas. Porém, analisando as trajetórias de circulação, observa-se que fronteiras como rural-urbano (ou fazendas-grandes obras) não estiveram colocadas para os trabalhadores que se deslocaram nessa condição.
Conversar com os profissionais que, de alguma forma, lidavam com esses trabalhadores era sempre se deparar com as mais variadas teses a respeito das suas condições de vida e, principalmente, de comportamentos e costumes tidos como característicos do grupo. Esse era o caso de donos de dormitórios, gerentes, recrutadores e quadros superiores das empresas em geral.
A observação dos lugares de circulação desses trabalhadores em condição de peões-de-trecho nas cidades, como bares, rodoviárias, dormitórios, “pontos de apoio” ou hotéis, escritórios de sindicatos, de empresas terceirizadas vinculadas à mineradora e de empresas agropecuárias, bem como, principalmente, as entrevistas realizadas, permitiram uma análise comparada de percursos laborais e de arranjos reprodutivos. Neste sentido, as qualificações comumente atribuídas a essa condição (homens sem família e sem moradia) se referiam a apenas uma situação específica de circulação, muitas vezes alternada ao longo de um mesmo percurso. Essa mobilidade e, portanto, diversidade de arranjos reprodutivos – que no senso comum figurava como “ausência” – foi condicionada pelas relações de produção, e não o contrário, como também figurava em senso comum.
Os deslocamentos dos homens na condição de peões-de-trecho estavam relacionados diretamente a formas específicas de circulação da força de trabalho nas últimas décadas. A condição de deslocamento de homens em situação de não família, o rompimento dos espaços reprodutivos ou, no limite, a destituição de núcleos familiares ou até mesmo a circulação sem constituição de grupos domésticos eram decorrentes das condições do trabalho nas fazendas e nos grandes projetos, ou seja, das frentes de expansão desencadeadas após os anos 1970. A implantação e a expansão das empresas agropecuárias foram realizadas principalmente por meio de recrutamento para o trabalho temporário,cuja circulação da força de trabalho exige intensa mobilidade espacial por meio de “serviços para homens”. Nestes, a presença das mulheres não era permitida e, muito menos, a de grupos domésticos constituídos no interior das fazendas. Nas grandes obras, o recrutamento foi individual e, em geral, os alojamentos dos trabalhadores homens não especializados também foram provisórios, sem a previsão de acompanhantes ou filhos. A constituição, a alocação e, em especial, o deslocamento de um grupo doméstico de um trabalhador na condição de peão-de-trecho exigiram estratégias a contrapelo de seu recrutamento e da circulação que lhe era imposta7.
Apesar de aparentemente errático, o deslocamento dos homens na condição de peão de trecho se caracteriza internamente pelo que os trabalhadores designam como “ponto”ou, certas vezes, “pontode apoio”, que, por sua vez, poderia ser qualificada como “ponto certo” ou não, nesse caso, como um peão-de-trecho “sem ponto certo”. O “ponto” descrevia um locus de referência, em geral, de retorno entre um “serviço” e outro, mas também de apoio à circulação, sendo algumas vezes constituído ao longo do processo de circulação na condição de peão-de-trecho (um dormitório, por exemplo). Uma espécie de ponta seca do compasso de circulação – e ela mesma em movimento, dependendo das condições de estadia e de deslocamento de um local para outro.
A saída do homem na condição de peão de trecho alternava rompimento ou não de um dado espaço reprodutivo. Dependendo da situação de saída, o rompimento implicava em obrigações sociais específicas frente a posição ocupada pelo trabalhador no núcleo familiar, especialmente quando este homem ocupava posições correspondentes a de filho ou marido. As condições de circulação dos que tinham “pontocerto” asseguravam referência e obrigação de retorno, ainda que por vezes esse retorno pudesse ser prolongado no tempo (ou, por outro lado, pudessem ser retornos seguidos ou sazonais a uma mesma empresa agropecuária8). Quando não cumpridas essas obrigações, o núcleo familiar de origem poderia ser recomposto, em especial, com recasamentos no caso das esposas de peões-de-trecho ou de maridos/peões-de-trecho e com a constituição de outro grupo doméstico após a saída. Membros do núcleo familiar podem procurar por aquele que saiu e não mandou notícias ou não mais voltou, obtendo informações das mais diferentes formas, como era o caso de recados recebidos ou enviados por pessoas que estiveram nos locais de destino ou de origem. Em geral, as esposas procuraram os maridos que ficaram sem entrar em contato depois de cerca de três meses e eram, principalmente, uma garantia de volta (ou de “ida”, quando a volta foi para buscá-la para levar para outra cidade). Quando solteiros, o retorno dos homens foi ainda mais incerto, ou com intervalos mais prolongados, e os mecanismos de controle social mais fluidos.
Porém, dadas as condições de circulação, os trabalhadores na condição de peões-de-trecho nem sempre constituíram grupos domésticos e a referência com o núcleo familiar de origem era esporádica ou até mesmo inexistente. Havia uma circulação que, nesse caso, não tinha “ponto certo”. Geralmente, os percursos alternavam essas situações, de acordo com a constituição ou a destituição de novos grupos domésticos, porém, a duração de cada uma delas foi indeterminada. O peão de trecho, às vezes, permaneceu décadas em uma ou em outra, ou sequer as alternou. Essa era a situação circular sobre a qual pairava maior desconhecimento, apesar de ser a que melhor corresponde ao senso comum de quem seriam os comentados peões-de-trecho. As entrevistas com os trabalhadores, porém, confirmaram o que já observava na circulação em outras condições, principalmente a circulação alternada em outros setores – que incluía sobretudo a construção civil e as grandes obras (ver figura a seguir). O trânsito em outras regiões e a dinâmica de constituição e destituição de grupos domésticos ao longo dos percursos esteve vinculada às próprias condições de circulação, assim como também estavam as situações de pauperização a que esses trabalhadores frequentemente eram submetidos9.
| Ano do registro | Registro e duração do vínculo registrado |
| 1981 | Ajudante geral, Construtora Camargo Correa, trabalho na construção da UHE de Tucuruí, Tucuruí/PA, 6 meses. |
| 1982 | Ajudante geral, empresa de construção civil, trabalho na construção civil em São Paulo/SP, 6 meses. |
| [sem data legível] [entre 1982 e 1985] | Servente; Mineração Oca, construção da mineradora na Volta Grande do rio Xingu, Altamira/PA, menos do que um mês. |
| 1985 | Ajudante [e oficial montador]; Mendes Junior Engenharia, canteiro de obras da construção de Carajás (CVRD), Carajás/PA, quase um ano. |
| 1988 | Auxiliar de campo, Mineração São Francisco, apoio à prospecção e pesquisa minerária em São Felix do Xingu/PA, quase um ano. |
| 1994 | Trabalhador da agropecuária, Codenorte, vaqueiro em uma grande empresa agropecuária, Moju/PA, aproximadamente dois anos. |
| 2002 | Ajudante, Eletrotel, firma de energia, instalação/construção de linha de transmissão entre Tucuruí e Carajás/PA, quatro meses. |
| 2003 | Auxiliar de serviços gerais, Scovan Serviços Gerais, trabalhador em um grande projeto de cultivo de eucalipto, Breu Branco/PA, menos que três meses. |
| 2004 | Vaqueiro, fazenda, Breu Branco/PA, 3 meses. |
| 2010, 2011 e 2012 | Vaqueiro em fazendas na região de São Felix do Xingu/PA e Tucumã; registros de trabalho sempre com, no máximo, três meses. |
3. Amazônia e superexploração hoje
A partir desses dados de pesquisa junto aos trabalhadores/as tanto nas cidades do entorno do grande projeto da indústria da mineração, quanto em outras regiões do Brasil, também ressaltamos algumas características das morfologias sociais de deslocamento e de reprodução dos mesmos face a transformações mais amplas na morfologia das classes trabalhadoras que vêm sendo analisadas nas ciências sociais do trabalho das últimas décadas. Para isso, destacamos um dos aspectos fundamentais desse processo e o comparamos com nossos dados.
Desde a crise mundial ocorrida nos anos 1970, a utilização generalizada das estratégias empresariais empregadas sob um padrão de acumulação flexível do capital implica em alguns aspectos do que vêm sendo designado sob os termos “flexibilização” ou, outros casos, “precarização do trabalho”. De forma mais recente, dado o impacto da expansão das relações de trabalho inspiradas na empresa Uber e/ou do trabalho realizado sob plataformas digitais, em que certas tendências anteriores desse processo vêm sendo radicalizadas, tais transformações também vêm sendo designadas como “uberização do trabalho”, “plataformização do trabalho” etc (Abdelnour e Bernard, 2018; Spencer et al. (2019); Srnicek, 2016).
Como tal, o processo foi relacionado a uma série de questões: impactos das empresas estruturadas em rede e a adoção das novas tecnologias de informação e comunicação (Lojkine, 1995); desemprego, declínio dos contratos de compra de força de trabalho por tempo indeterminado e aumento dos contratos por tempo parcial ou determinado (Castel, 1998); informalização, desregulamentação, diminuição ou ausência de direitos trabalhistas (Antunes, 2013); remuneração variável; multifuncionalidade ou polivalência (Bihr, 1991); jornadas de trabalho variáveis, deslocalizadas ou indeterminadas (Sennett, 1998); subcontratação e práticas generalizadas de outsourcing, dentro, fora ou através das fronteiras nacionais, nas mais variadas formas (contratos de trabalho domiciliar, contratos de empresa fornecedoras de componentes, contratos de serviços de terceiros – empresas e/ou indivíduos – e contratos de empresas cujos trabalhadores executam a atividade produtiva ou serviço na planta da contratante, geralmente com a formação de subcontratações escalonadas; Cf. Smith, 2016).
No mesmo sentido, frisamos algo transversal às análises já realizadas: o processo de aceleração e amplificação da circulação da força de trabalho ou, como propusemos, em termos conceituais, simplesmente, supercirculação (Felix, 2017a; 2020). Para tanto, ressaltamos a relação epistemologicamente simples que se estabelece entre o novo padrão de acumulação flexível – em especial a dinâmica específica que assume a circulação do capital – e a circulação mercantil da força de trabalho que lhe é subsumida.
Considerando que a acumulação flexível envolve fundamentalmente uma mudança na circulação do capital em termos de rotação, de relação tempo-espacial em compressão, há também uma mudança em curso das formas de produção, circulação e utilização da força de trabalho, que decorrem dessa nova circulação do capital. Como o que se requer é o uso “flexível” da força de trabalho no processo de trabalho advindo da acumulação flexível do capital, isto é, a adoção de métodos de compra e venda just-in-time ou de “fim dos estoques” de força de trabalho, observamos que não se trata propriamente de prescindibilidade, mas sim de aumento de sua circulação, enquanto mercadoria, o que, por sua vez, implica em uma série de mudanças também na produção e na utilização da força de trabalho e, por conseguinte, na reprodução social de todos aqueles que estão subsumidos a tal regime de acumulação.
Dentre outros aspectos, os dados de nossa pesquisa permitiram analisar frações trabalhadoras caracterizadas por uma alta circulação da força de trabalho atrelada a uma intensa mobilidade espacial e, nesse sentido, abordar a relação acima indicada, qual seja, em termos teóricos, condições de circulação da força de trabalho e transformações morfológicas no âmbito da classe trabalhadora (Felix, 2019).
Além disso, ao analisar os dados produzidos por nossa pesquisa junto aos trabalhadores frente à literatura em questão sobre os processos contemporâneos no chamado mundo do trabalho, também vimos a necessidade de enfatizar uma démarche metodológica para os estudos do trabalho, no sentido de algumas implicações que estariam cada vez mais prementes para essas pesquisas. Nesse sentido, frisando um processo de aceleração e amplificação da circulação mercantil da força de trabalho, fizemos dois exercícios teóricos correlatos de releitura de O Capital: a) sobre a composição da classe trabalhadora, e; b) sobre a própria circulação da mercadoria força de trabalho.
Em um primeiro momento, frisamos que o processo indicado significa não apenas efeitos teóricos clássicos de maior intensidade da ação social do exército de reserva, tal como analisou Marx na acepção original desse conceito, como demissibilidade, concorrência e rebaixamento ou controle salarial, mas, atualmente, também, uma alteração na própria relação entre exército ativo e exército de reserva, no sentido de uma aproximação e, dessa forma, em uma nova condição proletária imposta à classe trabalhadora.
Em termos teóricos, as formas que assume hoje a circulação mercantil de força de trabalho tendem a fazer diminuir cada vez mais a distância entre exército ativo e exército de reserva, constituindo uma “classe trabalhadora de reserva”, em circulação constante11. Isto é, aquilo o que caracterizava historicamente algumas camadas contínuas do exército de reserva a que Marx (2013) teria associado etimologicamente à liquidez, fluência ou flutuação com o uso dos termos “flüssig”e “fließend”, por exemplo, em 1867, agora também tenderiam a ser características, ou situações, de frações cada vez mais amplas da classe trabalhadora. Em vez de fronteira, há de se pensar em trânsito, movimento, ou, certos casos, quase indistinção – o que não significa propriamente a emergência de uma “nova classe social”, mas uma nova morfologia da classe trabalhadora, dado que, mantendo referência conceitual em O Capital, por exemplo, as relações sociais são rigorosamente as mesmas daquelas descritas por Marx.
Em termos básicos, tendo a criticamente poderosa categoria “força-de-trabalho” como parâmetro para a análise da mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado, Marx definiu que “Todo trabalhador a integra [superpopulação relativa ou exército industrial de reserva] durante o tempo em que está parcial ou inteiramente desocupado” (Marx, 2013: 716).
Portanto, ainda que estejam relacionadas a condições de trabalho tecnicamente próprias de uma acumulação flexível, tal processo decorre da própria natureza das relações sociais de produção estabelecidas no trabalho assalariado e, a rigor, advêm do mesmo mecanismo mercantil capitalista de valorização do valor e de exploração da força de trabalho. No modo de produção capitalista, enquanto mercadoria, a força de trabalho é necessariamente “móvel”, isto é, sempre sujeita à “mobilidade”, como propunha Gaudemar (1977), referindo-se às mudanças espaciais e qualitativas impostas pela circulação e acumulação do capital.
Por outro lado, tal como já demonstramos em outra oportunidade, como em Felix (2017a), analisando teoricamente essas tendências a partir das categorias de O Capital de Marx, por exemplo, podemos compreender um processo contraditório de dilapidação da força de trabalho e de produção de mais-valor dado pelo aumento do tempo de circulação (tempo de não venda) da mercadoria ao mesmo tempo em que aumenta o tempo de trabalho (horas de consumo). Ou seja, uma condição proletária caracterizada por maior circulação mercantil da força de trabalho do trabalhador na qual, ao mesmo tempo em que o trabalhador “trabalha mais”, isto é, de forma mais intensa e prolongada, quando vende sua força de trabalho, também “ganha menos”, ficando mais tempo em busca de trabalho ou sem trabalho, de forma não remunerada.
Desse exercício, ressaltamos como, dentro de uma tradição de análise de classe referenciada em O Capital, um entendimento pleno da relação entre uma teoria do valor de Marx e uma perspectiva sociológica plena da classe trabalhadora exige observar que a condição de mercadoria da força de trabalho no modo de produção capitalista deve levar em conta sua rotação, para o que importa, dialeticamente, tanto a esfera da produção quanto a esfera da circulação. E que, assim como na análise de qualquer outra mercadoria, essas esferas não podem ser epistemologicamente separadas.
Grosso modo, tal observação pode e deve ser desdobrada em inúmeras implicações no que se refere à crítica contemporânea da economia política, assim como para a análise sócio-antropológica da classe trabalhadora em uberização e/ou em plataformização. Uma dessas implicações está na relação valor-preço da força de trabalho e na possibilidade de regimes de superexploração do trabalho. Outra implicação está, justamente, na visibilidade teórica de membros da classe trabalhadora supostamente “ausentes” (leia-se não observados pelo sujeito histórico de construção de conhecimento) da teoria do valor/classe de O Capital: deficientes, mulheres, crianças, velhos, não-brancos, não-europeus etc.
Nesse último ponto, cabe frisar que visamos restituir em termos teóricos algumas observações da nossa pesquisa junto aos/às trabalhadores/as que acompanhamos mais detidamente. Esse foi o caso, dentre outros, dos peões-de-trecho, cujas características que indicamos anteriormente nesse artigo não diferem de uma parcela significativa da classe trabalhadora em formações sociais dependentes como a brasileira, argentina ou a mexicana, por exemplo.
Considerações finais
Nas três seções desse artigo, resumimos os atuais resultados e o sentido pelo qual os dados produzidos em nossa pesquisa específica sobre os/as trabalhadores/as em algumas cidades da Amazônia brasileira puderam contribuir para a análise dos próprios processos sociais mais amplos de que são parte. E, da mesma forma, também indicamos a possibilidade de novas contribuições teóricas a partir dos mesmos.
Sendo assim, considerando uma pesquisa baseada, de certa forma, tanto empírica quanto teoricamente no que outrora fora considerado a margem (ou à margem) do sistema capitalista mundial, nossa análise frisou uma démarche atenta, por um lado, para as condições de reprodução social dos trabalhadores na contemporaneidade e, por outro, para um programa de estudos coerente com as mesmas, isto é, no caso, para pesquisas que não obliterem epistemologicamente as relações sociais de circulação e suas implicações morfológicas de deslocamento e de reprodução social.
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