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Os sentidos da adesão à economia solidária para os catadores da Paraíba (Brasil)
El significado de la adhesión a la Economía Solidaria para los recicladores de Paraíba (Brasil)
The meanings of joining the Solidarity Economy for the collectors of Paraíba (Brazil)
Revista Latinoamericana de Antropología del Trabajo, vol. 6, núm. 13, pp. 1-30, 2022
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas

Convocatoria temática


Recepción: 15 Febrero 2021

Aprobación: 20 Mayo 2021

Resumo: No final da década de 1980, a economia solidária surge como resposta à crise do trabalho assalariado. A criação da Secretaria Nacional de economia solidária, em 2003, fez emergir políticas públicas propondo a inclusão social de grupos vulneráveis através do fomento ao trabalho cooperativo e associado. Visando identificar os sentidos atribuídos pelos catadores de materiais recicláveis à adesão à economia solidária, surge este artigo, com o objetivo de investigar de que maneira estes trabalhadores, situados em uma região economicamente e socialmente periférica como a Paraíba, um estado localizado no Nordeste brasileiro, encontram nos empreendimentos econômicos solidários uma forma de inserção social e econômica. Este artigo traz um recorte e um diálogo dos resultados de duas dissertações de mestrado e uma tese doutoral voltadas à investigação da realidade social do trabalho dos catadores e catadoras de materiais recicláveis. As pesquisas foram realizadas entre os anos de 2016 e 2021. As metodologias adotadas podem ser classificadas como estudos de caso, exploratórias e qualitativas, contando com instrumentos de pesquisa diversos, como observação participante, incursões etnográficas, diário de campo, análise de documentos e, ainda, a realização de entrevistas. Em campo, foram realizadas 60 entrevistas em profundidade com catadores(as), 13 entrevistas temáticas com representantes de entidades de apoio a grupos de catadores e 10 entrevistas temáticas com gestores públicos atuantes com esse público ou com políticas públicas de economia solidária.Observamos que as condições de trabalho e vida dos catadores mudam a partir da adesão à economia solidária, apesar das limitações das conquistas desse movimento.

Palavras-chave: economia solidária, inclusão social, catadores de materiais recicláveis.

Resumen: A finales de la década de 1980 surge la economía solidaria como respuesta a la crisis del trabajo asalariado. La creación de la Secretaría Nacional de Economía Solidaria, en 2003, da lugar a políticas públicas que proponen la inclusión social de grupos vulnerables a través de la generación de trabajo cooperativo y asociado. Con el fin de identificar los significados atribuidos por los recolectores de materiales reciclables a la incorporación a la economía solidaria, se presenta este artículo, con el objetivo de investigar cómo estos trabajadores, ubicados en una región económica y socialmente periférica como es Paraíba, en el Nordeste brasileño, perciben en las empresas económicas solidarias una forma de inserción social y económica. Este artículo presenta un extracto y un diálogo de los resultados de dos disertaciones de maestría y una tesis doctoral. Las investigaciones se realizaron entre 2016 y 2021. Las metodologías adoptadas pueden clasificarse en estudio de caso, exploratoria y cualitativa, apoyándose en diversos instrumentos de investigación como la observación participante, incursiones etnográficas, diario de campo, análisis documental y la realización de entrevistas. En campo se realizó entrevistasen profundidad a 60 recolectores de material reciclable, 13 entrevistas temáticas a representantes de organizaciones que apoyan al colectivo de recolectores y 10 entrevistas temáticas a gestores públicos que trabajan con este público o con la política de economía solidaria.Observamos que las condiciones de trabajo y de vida de los recolectores cambian después de incorporarse a la economía solidaria, a pesar de las limitaciones de los logros de este movimiento.

Palabras clave: economía solidaria, inclusión social, recolectores de material reciclable.

Abstract: At the end of the 1980s, the Solidarity Economy emerged as a response to the wage labor crisis. The creation of the National Secretariat for Solidarity Economy, in 2003, gave rise to public policies proposing the social inclusion of vulnerable groups through the generation of cooperative and associated work. In order to identify the meanings attributed by recyclable material collectors to joining the Solidarity Economy, this article appears, with the objective of investigating how these workers, located in an economically and socially peripheral region such as Paraíba, a state located in the Brazilian Northeast, find in solidary economic enterprises a form of social and economic insertion. This article presents an excerpt and a dialogue of the results of two master's dissertations and a doctoral thesis aimed at investigating the social reality of the work of collectors of recyclable materials. The surveys were carried out between 2016 and 2021. The methodologies adopted can be classified as case study, exploratory and qualitative, relying on various research instruments such as participant observation, ethnographic incursions, field diary, document analysis and interviews. There was conducting 60in-depth interviewswith recyclable material collectors, 13 thematic interviews with representatives of organizations that offer supporting to the group of pickers and 10 thematic interviews with public managers working with this public or with the solidarity economy policy.We observed that the working and living conditions of the collectors change after joining the Solidarity Economy, despite the limitations of the achievements of this movement.

Keywords: solidarity economy, social inclusion, recyclable material collectors.

Introdução

No Brasil, a economia solidária (ES) passa a ser debatida por volta da década de 1980, quando surge como proposta de alternativa à crise do trabalho assalariado, que tornou flexíveis as relações de trabalho e aumentou o número de trabalhadores informais no país, assim como o contingente de desempregados e de trabalhadores precarizados. Embora dificilmente apontem para um projeto de transformação mais radical da sociedade, essas experiências indicam novas formas de sociabilidade e envolvem um número significativo de trabalhadores que lutam pela sobrevivência ou buscam formas alternativas de renda.

A economia solidária tem sido adotada por milhares de trabalhadores no Brasil e no mundo, nos mais diversos tipos de trabalho e áreas de atuação, com destaque para a agricultura, artesanato, produção fabril e catadores de reciclagem. Mesmo que ainda pouco expressiva diante do total de empreendimentos econômicos solidários (EES) do país, a área de atividade dos catadores de recicláveis vem adotando a ES em várias de suas experiências.

A atividade de catação de materiais recicláveis não constitui uma novidade, pois esta é há muito tempo um trabalho comum, uma estratégia de sobrevivência desenvolvida entre uma parcela socialmente e economicamente excluída do Brasil, dos países latinoamericanos e de diversas partes do mundo (Leite, Araújo e Lima, 2015). No entanto, esta atividade, que até há alguns anos raramente era enxergada como um trabalho e reconhecida socialmente, vem sendo ressignificada a partir de discussões nacionais e internacionais sobre o meio ambiente e a gestão dos resíduos sólidos. Com o fortalecimento deste debate, surge a possibilidade de inserção social destes sujeitos socialmente marginalizados – catadores e catadoras de materiais recicláveis – através de seu posicionamento na cadeia produtiva da indústria da reciclagem.

A partir dos anos de 1990, diversas entidades passaram a incentivar os catadores de materiais recicláveis a se organizarem em associações e cooperativas autogestionárias, encontrando formas de trabalho e renda, buscando a solução de problemas sociais e ambientais. Com a criação da Secretaria Nacional de economia solidária (Senaes), em 2003, diversas políticas públicas voltadas ao fomento de EES emergem. Como uma das diretrizes das políticas públicas de ES é a inclusão social de grupos vulneráveis através do trabalho, um dos seus principais públicos é a categoria dos catadores.

Até o presente momento, é possível encontrar na bibliografia pesquisas que têm se esforçado em revelar a realidade dos catadores de materiais recicláveis nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil (Leite, 2012; Leite, Wirth e Cherfem, 2015; Lima, 2015). No Nordeste, a maioria dos estudos parece esquecer-se de problematizar a influência das características locais nos casos observados e na construção da subjetividade dos sujeitos. De acordo com o segundo Mapeamento Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários, mais de 40% das experiências solidárias mapeadas encontram-se na região Nordeste (Silva, Goes e Alvarez, 2013). Este dado fortalece a necessidade de pesquisar mais profundamente a ES na região.

Este artigo visa identificar os sentidos atribuídos pelos catadores de materiais recicláveis de um dos estados do Nordeste à adesão à economia solidária. Sob a lente da Sociologia do Trabalho, pretende-se investigar de que maneira estes trabalhadores, situados em uma região economicamente e socialmente periférica como a Paraíba (PB), encontram nos empreendimentos econômicos solidários uma forma de inserção social.

Este artigo surge do diálogo entre os resultados de uma dissertação defendida em 2016 (Santos, 2016), havendo a pesquisa sido realizada em 2015; de uma tese de doutorado defendida em 2020 (Santos, 2020), com pesquisa realizada entre 2017 e 2020; e uma pesquisa de mestrado em processo de conclusão, com dados levantados no ano de 2021. As metodologias adotadas podem ser classificadas como estudos de caso, exploratórias e qualitativas. Os instrumentos de pesquisa incluíram observação participante, incursões etnográficas, diário de campo, análise de documentos e dados secundários e, ainda, a realização de entrevistas em profundidade. Em campo, foram realizadas 60 entrevistasem profundidade com catadores e catadoras de materiais recicláveis, 13 entrevistas temáticas com representantes de entidades de apoio a grupos de catadores e 10 entrevistas temáticas com gestores públicos atuantes com esse público ou com políticas públicas de economia solidária. Os dados foram analisados qualitativamente, através da análise crítica e comparativa. A realização desta pesquisa só foi possível devido à colaboração dos trabalhadores e trabalhadoras que permitiram a divulgação das informações coletadas e dos nomes das cooperativas/associações estudadas.

Logo de início é preciso esclarecer que a perspectiva teórica escolhida para subsidiar as análises desenvolvidas neste artigo, a sociologia do trabalho, está alinhada com a formação das autoras e acaba por delimitar seus recortes de pesquisa e também as interpretações dos achados empíricos. Reconhecendo a importância da perspectivava antropológica, ambas as autoras sempre tiveram a preocupação de realizar um denso trabalho de campo, priorizando o uso de instrumentos de pesquisa qualitativos que permitissem captar as percepções dos atores entrevistados e acompanhados nas pesquisas, dando espaço ao ponto de vista êmico em suas análises. Em outros momentos, incluso, estabelecemos o diálogo direto com teorias antropológicas dos estudos de performance nesta mesma revista (Santos, 2018). Entretanto, na opinião das autoras, diante a problemática proposta neste artigo específico, é preciso estabelecer um diálogo entre a opinião e percepção dos atores sobre suas trajetórias de trabalho e de vida e algumas das discussões teóricas que vem atravessando a sociologia do trabalho: a questão da precarização do trabalho, especialmenteem contextos periféricos como o que está em foco nessa pesquisa, o estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil, em meio à América Latina.

Formação do mercado de trabalho no Brasil e o desenvolvimento do Nordeste

Até 1930, predominava no Brasil a presença de mercados regionais de trabalho, onde a dinâmica rural de produtos primários para exportação e a imigração de mão-de-obra estrangeira representavam o carro chefe da economia nacional. Entre as décadas de 30 a 80 o país formou o seu mercado de trabalho movido pelo ciclo da industrialização e da urbanização. O Brasil diminuiu a produção rural para se transformar na oitava economia industrial do mundo, com importante absorção da força de trabalho nacional, especialmente proveniente do campo (Pochmann, 2004).

Carregado com resquícios das relações escravistas, conturbado com a introdução do processo de industrialização, em meio às imigrações estrangeiras e as migrações internas do país, deu-se a formação do mercado de trabalho no Brasil (Barbosa, 2003). Para Cardoso (2013), a combinação de grandes fluxos populacionais e da precariedade dos mercados de trabalho gerou uma longa inércia populacional caracterizada por altos níveis de pobreza, subemprego, informalidade e privação social e econômica no Brasil. Estas características marcam o mercado de trabalho brasileiro de sua origem até hoje.

A tendência de estruturação do mercado de trabalho se deu em função da rápida ampliação dos empregos assalariados, sobretudo daqueles com registros formais. A maior parte das ocupações entre 1940 e 1980 era assalariada. Com a crise da dívida externa ocorre a ruptura na tendência de estruturação do mercado de trabalho a partir de 1980. A promoção de diversas políticas de ajuste econômico, sobretudo desde 1990, com a adoção do receituário neoliberal, aprofundou o quadro de estagnação da renda per capita acompanhado pela queda na abertura de novas vagas assalariadas formais, o que contribuiu para elevação do desemprego e para a precarização do trabalho (Pochmann, 2004).

A liberalização econômica do país modificou drasticamente o mundo do trabalho, as transformações no modo de produção global invadiram as fronteiras de forma mais explícita, a produção flexível toyotista trouxe a flexibilização das relações de trabalho para a realidade dos brasileiros. Diante da crise, o subemprego e o desemprego disfarçado passaram a ser vistos como emprego de má qualidade, a informalidade passou a ser vista de forma positiva, legitimou-se assim o que Lima (2002) chamou de a “nova precarização do trabalho”1. Aproveitando-se da atual situação trabalhista, as empresas capitalistas têm se transformado, impondo novos relacionamentos entre unidades capitalistas e formas de ocupação não-capitalista, tais como trabalho irregular, parcial, em domicílio, novo putting-out, entre outras (Pochmann, 2004). Nesse contexto, o trabalho estável torna-se informalizado.

Para que se compreenda a realidade atual dos trabalhadores em foco neste estudo, é necessário conhecer as particularidades do desenvolvimento na região Nordeste, conectando os processos históricos locais aos acontecimentos nacionais, entendendo assim as implicações destes processos históricos no contexto atual onde os trabalhadores estão inseridos.

Véras de Oliveira (2015) traz as três fases principais na história econômica nordestina: A primeira fase ocorre entre a colonização no século XVI à metade do século XIX, na qual se constituiu um “complexo econômico” baseado na agro-exportação da cana-de-açúcar (posteriormente, também de algodão, cacau, fumo etc.). Esta fase é marcada pelo trabalho escravo e complementada pela pecuária extensiva e a agricultura de subsistência.

A segunda fase surge nos fins do século XIX e vai até a metade do século XX, com o “complexo regional” em articulação comercial com outras regiões, formando o mercado interno brasileiro. Nesta fase, o Nordeste passou por uma crescente perda de espaço para os produtos do Centro-Sul. Ocorrem os fluxos migratórios de trabalhadores que saem do Nordeste em busca de trabalho no Centro-Sul (Véras de Oliveira, 2015).

Do final dos anos 1950 em diante passamos à terceira fase, quando, como solução para a “questão regional”, fruto da discrepância da economia nordestina diante da pujança industrial do eixo São Paulo – Rio, iniciou-se o processo de transferência do capital produtivo, público e privado, para regiões periféricas, inclusive o Nordeste, explorando novas oportunidades de investimento nesses espaços. Em 1959 foi criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que, juntamente ao Banco do Nordeste do Brasil (BNB), formou as bases de uma política desenvolvimentista para a região (Véras de Oliveira, 2015).

As consequências deste processo para a região Nordeste foram: o eixo da indústria deslocou-se da produção de bens de consumo não-duráveis (têxteis, calçados, vestuário, alimentos) para a produção de bens intermediários, que servem de insumos para a indústria do Centro-Sul, configurando uma integração produtiva dependente; ganharam destaque os polos industriais (Polo Petroquímico de Camaçari no estado da Bahia e Complexo Minero-metalúrgico no estado do Maranhão); houve modernização de espaços agrícolas (projetos de irrigação) e dos serviços urbanos; mas a agricultura de subsistência e a pecuária extensiva persistiram no Semiárido, e nas cidades perdurou uma economia de base informal (Véras de Oliveira, 2015).

As consequências da SUDENE no Nordeste reafirmam a declaração de Oliveira (2003) de que a expansão do capitalismo no Brasil se dá estabelecendo relações antigas no novo e novas no arcaico. O desenvolvimento no Nordeste não significou sua transformação em uma região tipicamente capitalista, mas possibilitou a coexistência de dois mundos, era a cultura local voltada para a subsistência e ligada a tradições coexistindo e se relacionando com a chegada dos grandes investimentos da indústria moderna e toda sua lógica capitalista. Véras de Oliveira (2015) explica que, apesar do novo arranjo de trazer melhora nos indicativos sociais, despontou novos contrastes, desequilíbrios e desigualdades, pois mesmo com todas as mudanças, a pobreza continua perseverando na região.

No Nordeste, as transformações decorrentes da crise de 1990 seguiram a tendência global. Aos empregados regulares impunha-se a flexibilização das funções e da jornada de trabalho, ao mesmo tempo em que cresciam os trabalhos periféricos, revivendo sistemas antigos como o trabalho doméstico, artesanal, familiar, paternalista. A adoção de políticas neoliberais trouxe a liberalização e privatização da economia, com a diminuição da participação do Estado na economia, a SUDENE e as políticas de desenvolvimento regional se desgastaram rapidamente, até sua extinção em 2001.

Com o enfraquecimento da SUDENE, antes mesmo de seu fechamento,e com o desgaste de políticas nacionais de desenvolvimento regional, os governos estaduais concentraram esforços em torno de suas próprias estratégias para desenvolvimento local. Nesse período, incentivos fiscais e investimentos públicos (em infraestrutura, capacitação de mão de obra etc.) passam a ser fortemente utilizados para atrair indústrias do Centro-Sul. Tem início a “guerra fiscal”.

Diferentemente da região Centro-Sul, que buscava os modernos setores industriais, o Nordeste concentrou seus esforços na atração de setores industriais que não exigiam uma infraestrutura da qual a região não dispõe. Lima (2002) e Véras de Oliveira (2015) demonstram como o estado do Ceará saiu na frente na corrida da guerra fiscal. O governo do Ceará flexibilizou a legislação trabalhista através do artifício do trabalho associado. Este artifício foi visto inicialmente em suas consequências positivas: geração de emprego, renda e desconcentração da atividade industrial. Só posteriormente os aspectos negativos da flexibilização da legislação trabalhista foram percebidos pela população (Lima, 2002). Apesar dos problemas que apresentou ao longo do tempo, o modelo cearense influenciou a implantação de estratégias semelhantes na Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Desde o início evidenciou-se a pouca viabilidade econômica das cooperativas.

Mesmo preferindo o assalariamento, os cooperados nordestinos declararam que a vida melhorou com as cooperativas. Lima (2002) afirma que ao instalarem-se em áreas socialmente problemáticas, as cooperativas aparecem como “solução possível” à miséria e à migração. Percebe-se o quanto a condição socioeconômica do Nordeste fragiliza os trabalhadores locais. Com o reduzido quadro de vagas no mercado formal, os trabalhadores passam a considerar qualquer oportunidade de trabalho como melhora nas condições de vida, mesmo identificando a falta de direitos eles consideram o trabalho precário melhor que não ter trabalho algum. Lima (2002) vincula a emergência de “novos lugares” ao surgimento de “novos proletários”: sem direitos, sem salário e sem perspectivas.

Tal qual o projeto da SUDENE, a Guerra Fiscal não foi capaz de solucionar os problemas sociais e econômicos do Nordeste ou de qualquer um dos seus estados. Para o mundo do trabalho no Nordeste, a herança da Guerra Fiscal é um subproletariado, semiespecializado, acostumado com relações trabalhistas que não garantem direitos legais.

De acordo com Véras de Oliveira (2015), o Governo Lula inaugurou um período de recuperação econômica, que repercutiu positivamente sobre o trabalho, mantendo o mercado de trabalho estável mesmo com a crise global de 2008. Surge um novo discurso desenvolvimentista, realçando o compromisso com a geração de emprego e renda e a estabilidade macroeconômica. A retomada do crescimento econômico no Nordeste foi favorecida por esse novo contexto, mas,mesmo assim, o Nordeste continua socialmente diferenciado, com elevados índices de desigualdade e pobreza, que manteve altas as taxas de migração e de informalidade.

Ismael (2015) explica que, infelizmente, o foco das políticas públicas está voltado à “questão-problema” do Nordeste, que seria a pobreza, ao invés de voltar-se ao “espaço-problema”, construindo políticas públicas voltadas a atacar os fatores que retiram competitividade da economia nordestina, o que permitiria combater a pobreza através da geração de emprego e renda. Para o autor, as duas lógicas poderiam ser combinadas.

Conhecendo a história e a situação atual do Nordeste, compreendemos porque o investimento em políticas públicas de economia solidária parece importante para esta região, garantindo oportunidade de geração de trabalho e renda para uma população pobre, que não encontra oportunidade de inserção em seu diminuto mercado formal de trabalho. Além de aparecer como uma oportunidade de trabalho e geração de renda, a economia solidária tem se apresentado como uma estratégia de desenvolvimento territorial/local, buscando fomentar as potencialidades locais. Essa premissa está explicitada na política nacional de economia solidária. Porém, ressaltamos que, mesmo servindo como estratégia de desenvolvimento local, a ES não tem o peso de uma política de desenvolvimento regional.

Economia solidária e catadores de materiais recicláveis

Existem, na bibliografia da economia solidária, três vertentes principais sobre as origens deste fenômeno (Santos, 2016). Aqui, nos deteremos à terceira vertente, que aponta a crise dos anos 1970 como elemento impulsionador da origem da ES. A crise econômica do século XX teria gerado a exigência de uma maior “qualidade” de vida, reivindicação de um crescimento qualitativo e de uma política do nível de vida que leve em conta a participação na vida social, a preservação do meio ambiente e as mudanças nas relações entre os sexos e as idades. Nesse cenário, a década de 1970 foi marcada pela renovação das atividades associativas, que testemunham tanto uma alternativa à crise do emprego como o desejo de “trabalhar de outra maneira” (Chaniale Leville, 2006, como citado em Leite, 2009).

Lima (2007) lista as principais práticas solidárias: participação coletiva, autogestão, democracia, igualitarismo, desenvolvimento autossustentado, responsabilidade social e ambiental, e, ainda, a formação de redes de movimentos sociais e de organização que fortalecem este ideário. Culti (2007) aponta as características principais dos EES: são organizações, urbanas ou rurais, de produtores, de consumidores e de crédito, baseadas na livre associação, no trabalho cooperativo, na autogestão e no processo decisório democrático.

Partindo do entendimento que o capitalismo é o modo hegemônico de produção, mas não o único, a economia solidária se apresenta como uma alternativa que pretende coexistir com o capital, sem eliminá-lo. Seus defensores (Singer, 2002;Sardáe Novaes, 2012) acreditam que, do fortalecimento destas experiências e da formação de redes solidárias, seria possível construir um movimento que, se não superasse o capital, se apresentaria como uma alternativa aos que questionam o sistema capitalista ou que não encontram espaço neste.

Em um sistema excludente como o capitalismo, não há espaço para todos. O conceito de resistência é utilizado por autores que, percebendo que a origem da economia solidária está relacionada aos efeitos das consecutivas crises do capital, propagam a ES como forma de resistência dos trabalhadores às consequências do capitalismo, tais como desemprego e precarização do trabalho. O conceito de estratégia de sobrevivência não é pensado como uma forma de enfrentamento ao capitalismo ou suas consequências, mas como uma saída encontrada pelos que foram deixados à margem do sistema.

De acordo com Leite, Wirth e Cherfem (2015), alguns consideram o catador como um trabalhador “autônomo”, quando organizado em cooperativas, destacando sua resistência frente ao desemprego, assim como sua capacidade de organização e mobilização e sua constituição em sujeitos coletivos (Santos, 2002 e Couto, 2000 como citado emLeite, Wirth e Cherfem, 2015). As autoras advertem que, em outra direção, o trabalho de catação vem sendo considerado como uma atividade explorada pelo processo de acumulação do capital liderado pela grande indústria da reciclagem no Brasil, mantendo-se a atividade dos catadores pouco valorizada e não se atentando a questões que poderiam melhorar suas condições de trabalho e margens de ganhos.

Considerando o duplo caráter que o trabalho de reciclagem parece configurar, Leite, Wirth e Cherfem (2015) interpretam que não se pode desconsiderar o caráter de resistência ao desemprego e à miséria que a população de catadores tem demonstrado, tampouco se pode desconsiderar a forma como o capital tem se aproveitado desse trabalho pouco valorizado, insalubre, sem acesso a benefícios trabalhistas ou previdenciários, dificultando-lhes movimentos em direção à melhoria de suas condições de trabalho.

As políticas públicas voltadas aos catadores de materiais recicláveis no Brasil surgem tanto no âmbito da economia solidária, através do fomento a empreendimentos econômicos solidários de catadores, como no âmbito da discussão acerca do meio ambiente e da gestão dos resíduos. Estas políticas costumam convergir em alguns objetivos, dentre os quais destaca-se o fortalecimentoda organização dos catadores em associações ou cooperativas autogestionárias, garantindo a inserção socioeconômica destes trabalhadores e os direitos básicos a esta parte da população que por tanto tempo permaneceu socialmente invisibilizada.

O fortalecimento do movimento da economia solidária abriu espaço para o diálogo dos militantes da ES com as diversas instâncias de governo, possibilitando a criação de estruturas políticas públicas específicas, tendo por ápice a criação da Secretaria Nacional da economia solidária (Senaes), em 2003. Durante o Governo Dilma, a política nacional de economia solidária passou a integrar o Plano Plurianual através do Programa de Desenvolvimento Regional, Territorial Sustentável e economia solidária. A Senaes tem fomentado projetos como estratégia de promoção do desenvolvimento local e territorial sustentável, visando à superação da extrema pobreza. Entretanto, o movimento da ES e a Senaes também foram atingidos pelos cortes orçamentários relacionados ao ajuste fiscal decorrente da crise político-econômica atual. Na Paraíba alguns programas que recebiam verba da Senaes sofreram bruscos cortes e tiveram que repensar seu plano de ação até serem encerrados em meados de 2017.

Paralelamente e conjuntamente aos avanços da economia solidária, o Movimento Nacional dos(as) Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR) tem realizado suas conquistas. Leite, Wirth e Cherfem (2015) ressaltam que há que se considerar que a possibilidade de a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) conseguir modificar efetivamente a realidade laboral dos catadores e do extinto Programa Brasil sem Miséria intervir positivamente no trabalho realizado pelas cooperativas de reciclagem, criadas como forma de inserção social, não é muito grande, em virtude do lobby das grandes empresas de lixo e reciclagem, interessadas em continuar controlando a cadeia e explorando o trabalho dos catadores.

De acordo com Leite, Wirth e Cherfem (2015), para que os marcos regulatórios favoráveis aos catadores se efetivem é necessário o desenvolvimento de outras políticas públicas no sentido de favorecer e fortalecer as cooperativas. Para tanto, é necessário que o MNCR continue avançando em sua luta contra este adversário poderoso, que é a grande indústria da reciclagem. Durante a realização das entrevistas, observamos que tanto os representantes da economia solidária e gestores públicos quanto os catadores consideram que as políticas públicas e o comprometimento do poder público podem contribuir fortemente para mudar a realidade destes trabalhadores.

Uma das principais problemáticas apontadas pelos catadores cooperados no decorrer das entrevistas realizadas em 2021,no âmbito do mestrado acadêmico, foi relativa à não contratação das cooperativas e associações do município de Campina Grande/PB para realizar a coleta seletiva. Por mais que a Política Nacional de Resíduos Sólidos preveja alguns benefícios para os municípios que estimularem o cooperativismo e associativismo de catadores de materiais recicláveis, não é esta a realidade enxergada no cotidiano campinense.

As lideranças das cooperativas e associações da cidade, apoiadas por professores das instituições públicas de ensino superior locais, já demandam a aplicação da lei junto à Prefeitura e suas secretarias há anos, sem êxito. Em novembro de 2020, chegou a ser divulgada notícia, no site da Secretaria de Serviços Urbanos e Meio Ambiente (SESUMA), de que seria formalizada a prestação de serviços dos grupos de catadores2. Entretanto, não há qualquer mobilização da administração pública em dar encaminhamento à contratação, tendo transcorrido mais de um ano, desde então, sem que o contrato tenha sido firmado, de acordo com os relatos coletados em campo.

Por outro lado, no que diz respeito às catadoras não cooperadas entrevistadas, uma das maiores dificuldades atualmente reside na formalização de um empreendimento de catadores no bairro em que residem (chamado Pedregal, também em Campina Grande/PB). As catadoras expressaram que têm forte desejo em formar uma cooperativa ou associação de catadores desde 2017, mas encontram empecilhos na sua criação, pois não possuem sequer um local adequado para que seja construído um galpão, o que dificulta a instituição formal do empreendimento, com a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

Em ambos os casos, percebe-se que a participação do poder público, seja com investimentos financeiros diretos, seja com apoios de outras naturezas, são de grande relevância para o grupo estudado. Essa importância é reconhecida pelos próprios catadores, que afirmam que, inclusive, estão “cada um por si” (referindo-se às cooperativas e associações já instituídas) desde que os incentivos governamentais cessaram, a exemplo do Projeto Cataforte descontinuado após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Os EES de catadores na Paraíba

De acordo com o segundo Mapeamento Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidário (Silva, Goes e Alvarez, 2013), 40,8% dos 19.708 EES mapeados no Brasil encontram-se na região Nordeste, 16,7% no Sul, 16,4% no Sudeste, 15,9% no Norte e 10,3% no Centro-Sul. No Nordeste, o estado que conta com o maior número de EES é Pernambuco (18,7%). A Paraíba conta apenas com 5,2% dos casos de empreendimentos mapeados no Nordeste, o que não deixa de ser um número expressivo, visto que trata-se de 416 EES, envolvendo 13.757 sócios(as).

De acordo com dados do mapeamento, a quantidade de EES de catadores de materiais recicláveis é baixa, comparada ao total de EES. São 606 casos identificados no Brasil, 60 casos do Nordeste e 03 casos na Paraíba. Ao estudar o perfil dos catadores presente na base do SIES de 2007, Gutierrez e Zanin (2011 como citado emLeite, Wirth e Cherfem, 2015) apontam que existem no Brasil cerca de 500 EES de reciclagem, congregando uma média de 13 mil trabalhadores. Infelizmente o mapeamento nacional não foi capaz de identificar todos os casos de economia solidária no país.Assim, há muito mais EES de catadores(as) do que os números revelam.

Na Paraíba está se constituindo um forte movimento em prol dos catadores de materiais recicláveis. Diversos atores, como ONGs, Incubadoras Tecnológicas de economia solidária, Universidades e a Cáritas, vêm desenvolvendo ações – inicialmente pontuais e isoladas – desde a década de 1990, visando promover a inclusão socioeconômica dos catadores no estado. A partir de meados dos anos 2000, se intensifica o diálogo entre estes atorese governos do estado e municípios, que, em parte impelidos pela legislação nacional, passaram a incluir as demandas dos movimentos sociais em prol dos catadores na agenda pública.

De acordo com a coordenadora estadual do Programa Federal CATAFORTE3 e técnica do Projeto de Ações Integradas4, existiam em 2015, na Paraíba, 14 cooperativas/associações de catadores de materiais recicláveis ligados a uma rede estadual de catadores, a Rede CataPB, todas adeptas à economia solidária. Além dos catorze EES, dados das entidades de apoio aos catadores do estado revelam que na Paraíba existem vinte e uma cooperativas/associações formalizadas e vinte e cinco grupos de catadores em processo de formalização. Com a pandemia do Covid-19 percebemos o crescimento no número de grupos de catadores no estado, mas até o momento não há dados oficiais sobre o número atualizado de empreendimentos no estado nem sobre a modalidade de trabalho destes grupos, ou seja, se são adeptos da ES.

Em nossas pesquisas, analisamos empreendimentos em três das quatro mesorregiões da Paraíba.Da região da Zona da Mata paraibana, foram investigados quatro empreendimentos da capital do estado, a cidade de João Pessoa; do Agreste paraibano, foram observados quatro empreendimentos econômicos solidários formalizados da cidade de Campina Grande, um em Bananeiras, um em Solânea e um do município de Queimadas; do Sertão do estado da Paraíba, analisamos um EES na cidade de Pombal. Infelizmente, não conseguimos entrevistas com catadores da mesorregião da Borborema. Devido às limitações de espaço, neste artigo traremos apenas uma síntese da realidade de alguns dos exemplos mais emblemáticos dos empreendimentos estudados.

De acordo com os(as) entrevistados(as), os primeiros empreendimentos de catadores(as) da Paraíba surgem nas cidades de João Pessoa, no ano de 1999, e Campina Grande, no ano 2001. Ambas iniciativas surgem a partir da ameaça de fechamento dos lixões por parte das prefeituras dos dois municípios. De acordo com uma ex-funcionária da Arquidiocese da Igreja Católica da Paraíba e da Cáritas Regional e um catador, foi Cícero Lucena, o então prefeito de João Pessoa, que trouxe o debate sobre o fechamento dos lixões para o estado, quando deu início a preparação para o fechamento do lixão do Roger, localizado na capital paraibana.

Uma professora universitária aposentada e ex-participante da Cáritas Diocesana de Campina Grande informa que “atuava junto à Cáritas Brasileira em nível regional e nacional, além das pastorais sociais da Diocese e movimentos sociais”5. Se a resposta de como agir diante da ameaça de fechamento dos lixões veio rápida para as entidades de assessoria, em diálogo com instâncias nacionais da Igreja Católica que tinham quase duas décadas de trabalho social com catadores em outras regiões do país, a concordância e adesão dos catadores locais a essa proposta de organização coletiva não se deu de maneira automática.

Na Paraíba, foi apenas a partir da decisão da prefeitura de fechar o lixão de João Pessoa que os catadores entraram em contato com representantes da Arquidiocese e com lideranças do Movimento Nacional dos(as) Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR). A primeira associação de catadores do estado da Paraíba, a Associação dos Trabalhadores de Material Reciclável (ASTRAMARE), surgiu informalmente em 1999 e foi fundada oficialmente no ano 2000. Com o fechamento do lixão do Roger em 2003, cerca de 400 catadores de João Pessoa começaram a participar do empreendimento com apoio da prefeitura, da Cáritas e de universidades públicas, porém, devido à baixa receita, aos poucos as pessoas foram saindo e a associação ficou reduzida a 20 pessoas no início das atividades.

Com o tempo, as condições de trabalho na ASTRAMARE melhoraram. Através de investimentos públicos e privados a associação conquistou dois galpões, maquinário, equipamentos de proteção individual (EPIs), aumento no rendimento etc. Provavelmente devido aos bons resultados da experiência, que levaram outros catadores a acreditarem que participar de um empreendimento coletivo era uma boa opção, surgem novos empreendimentos de catadores na cidade de João Pessoa ainda durante a primeira década dos anos 2000. Em 2019 existiam cerca de treze empreendimentos de catadores em João Pessoa.

As condições de trabalho nos empreendimentos investigados são as mais diversas: enquanto a Associação dos Catadores de Recicláveis de João Pessoa (ASCARE), que surge de um racha interno na ASTRAMARE em 2011, conta com dois galpões estruturados e maquinário mínimo para o trabalho, garantindo uma retirada mensal média de 1.000,00 a 1.200,00 reais a seus associados; a associação Acordo Verde, fundada aproximadamente em 2007 com apoio da própria prefeitura, funciona em galpões precários, sem portas, segurança ou maquinário suficiente, sofrendo assaltos frequentemente, tendo por retirada um valor médio de 400,00 reais; já a Associação dos Catadores e Catadoras de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis de João Pessoa (CATAJAMPA), fundada em 2012 com apoio da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), enfrentava como principal problema o término da cessão do galpão no qual funciona, encarando conflitos com a UEPB e com o dono do galpão, mas contava com EPIs e maquinário; por fim, a Associação de Catadores de Mangabeira (ASCAMANG), ainda em processo de formação, funcionava em 2018 sem galpão ou maquinário, em um terreno ocupado pelos catadores e outros sem teto, no qual armazenam o material para comercialização coletiva.

Também por pressão da prefeitura, teve início a organização coletiva dos catadores de Campina Grande, a segunda maior cidade do estado, contando com uma população estimada de 409.731 pessoas. No início dos anos 2000, os catadores do lixão do bairro do Multirão tinham contato com uma religiosa da Igreja Católica da Irlanda, que, através de recursos internacionais, desenvolvia um trabalho de educação de jovens e adultos na escola local, chamado Projeto Esperança. Diante as ameaças da prefeitura de fechamento do lixão, se deram os primeiros contatos dos catadores com pessoas da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e da Cáritas Diocesana de Campina Grande.

A Cooperativa dos Trabalhadores de Materiais Recicláveis (COTRAMARE) é o EES de catadores de materiais recicláveis mais antigo da cidade de Campina Grande. Em 2000, um grupo de catadores e catadoras do antigo lixão se organiza sob a forma de associação para a fabricação de vassouras feitas de garrafas pet com apoio da UFCG. Em 2001, para ter acesso ao aterro sanitário da cidade em busca de material, a associação vira cooperativa, atuando no lixão da cidade. Devido a um incêndio causado por vândalos, o grupo perde seu espaço físico e passa a buscar apoio para conseguir um novo local. Em 2008, a COTRAMARE começa a funcionar na zona urbana de Campina Grande. Atualmente o grupo opera com cerca de quinze cooperados, vez por outra um dos membros do grupo se afasta por questões pessoais e depois regressa à cooperativa.

Devido a conflitos entre as entidades de assessoria e também a divergências de interesses entre os catadores, a COTRAMARE sofreu seu primeiro “racha”, dando origem à Associação de Catadores e Recicladores de Vidro e Outros Materiais (CAVI) por volta de 2007, apoiada pela Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários da UFCG. De acordo com uma professora da UFCG e apoio da CAVI desde sua origem, inicialmente a associação contava com cerca de 20 catadores, porém, devido à grande quantidade de conflitos internos e desinteresse diante os baixos rendimentos, vários membros decidiram sair da associação. A CAVI ressurge com um grupo “novo” e oficializa-se como associação apenas em 2013. No “racha”,a COTRAMARE prioriza a comercialização de recicláveis diversos, abandonando os projetos de reciclagem de PET e papel, enquanto a CAVI passa a dedicar-se exclusivamente à transformação do vidro.

Por volta de 2008 a COTRAMARE sofre seu segundo “racha”, dessa vez devido à insatisfação de parte do grupo com a gestão do empreendimento e com a relação com as assessorias. De acordo com um ex-presidente da associação que surge desse segundo racha, os catadores estavam insatisfeitos com a “intromissão das entidades de assessoria”sobre a gestão da COTRAMARE, reivindicando “autonomia” e “soberania do coletivo”6. Assim, com apoio da UEPB, da ONG Centro de Ação Cultural (CENTRAC), da Cáritas, e a mediação de uma liderança do MNCR de Pernambuco, surge a Cooperativa de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis de Campina Grande (CATAMAIS). Em agosto de 2021 a cooperativa contava com dez sócio-trabalhadoras, todas mulheres.

Um evento que contribuiu para que surgissem mais empreendimentos de catadores de materiais recicláveis na Paraíba, e no Brasil como um todo, foi o primeiro Congresso Nacional dos Catadores e Catadoras, realizado em 2003 emBrasília, capital do Brasil. Antes do primeiro Congresso Nacional, só haviam, na Paraíba, a ASTRAMARE em João Pessoa e a COTRAMARE em Campina Grande. Empolgados com a troca de experiências em Brasília, as lideranças que participaram do evento passaram a mobilizar os(as) catadores(as) dos lixões onde coletavam para organizar-se coletivamente, a partir daí proliferou a organização de associações e cooperativas de catadores(as) em várias cidades da Paraíba.

Um exemplo dos primeiros grupos que começaram a se organizar após o primeiro Congresso Nacional é a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Pombal (ASCAMARP), localizada no Sertão da Paraíba e fundada em 2003, com apoio do padre da cidade. O atual presidente da associação, elogiou o trabalho do padre com os(as) catadores(as) da cidade, comentando que este continuou ajudando o grupo ao longo do tempo. Até hoje só existe essa associação de catadores na cidade de Pombal, contando com 15 associados.

Nesse processo de organização de novos grupos, as Dioceses da Igreja Católica e a Cáritas, que prestavam assessoria aos grupos de catadores, passaram a se encontrar duas vezes por ano com representantes dos apoios dos vários municípios para trocas de experiência, formações etc. Com o tempo, as assessorias entenderam a importância do trabalho em rede e do trabalho articulado, assim surge a Rede Lixo e Cidadania na Paraíba, visando promover discussões sobre modelos de gestão de resíduos, elaboração de projetos para concorrer a editais do Cataforte, Pró-catador, Ações Integradas ou projetos com recursos internacionais.

Como fruto da intensificação do diálogo da sociedade civil organizada e também devido ao acesso a recursos federais, em 2015 foi criada na Paraíba a Secretaria Executiva de Segurança Alimentar e economia solidária (Sesaes), dentro da Secretaria de Desenvolvimento Humano (SEDH-PB). De acordo com a secretária executiva, existiam cinco projetos que atendiam aos catadores de materiais recicláveis. A Paraíba estava construindo uma rede estadual de gestores de economia solidária, a sensibilização de gestores com relação ao tema possibilitou a realização de eventos como feiras solidárias, promoção de EES existentes na região, elaboração de estratégias de fomento à economia solidária etc. Infelizmente, o processo foi descontinuado devido as transformações no cenário político do estado e do país a partir de 2016, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Em abril de 2014, Campina Grande lançou seu Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS-CG). O plano foi elaborado com a participação da sociedade civil -inclusive de entidades de assessoria e dos próprios catadores. As ações propostas estão sendo postas em prática lentamente, o horizonte temporal do plano vai de 2015 a 2030. Ainda em dezembro de 2014, foi elaborado e aprovado o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos da cidade de João Pessoa (PMGIRS). E, em 2015, o estado da Paraíba divulgou o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Estado da Paraíba (PERS-PB) e o Plano de Regionalização da Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Estado da Paraíba (PRGIRS), que visam instituir uma gestão integrada dos resíduos sólidos entre os municípios do estado. Todos os planos mencionados levantam questões relacionadas às atividades dos catadores de materiais recicláveis, indicando programa de apoio a esse segmento.

Nossas análises nos levaram a perceber o movimento da economia solidária como fruto da adoção desta proposta por parte de outros movimentos sociais que emergiram no Brasil em meio à luta contra a ditadura militar e à crise do petróleo (Leite, 2009; Leite, Araújo e Lima, 2015; Santos, 2020). Estes passaram a disseminar entre trabalhadores de diversos setores esta proposta como estratégia de enfrentamento ao desemprego e às relações precarizadas de trabalho. Entretanto, apesar das conquistas alcançadas, nem sempre as políticas públicas voltadas a esse público são implementadas da maneira prevista, o que impede os catadores de melhorarem suas condições de trabalho e vida de maneira efetiva, essa é uma realidade observada não apenas na Paraíba, mas no Brasil como um todo.

Há que se destacar também que alguns estudiosos,como Lomnitz (1975),Auyero, Hernández e Law (2022), consideram a ação coletiva das pessoas marginalizadas - como é o caso dos catadores e catadoras de materiais recicláveis - como uma estratégia de sobrevivência familiar, o que significa dizer que podem ser entendidos como mecanismos encontrados pelos grupos pobres da sociedade, afastados do foco de discussão política e econômica.

Entretanto, essa é uma visão que causa polêmica no campo dos estudos da economia solidária, pois para outros autores, como Singer (2002 e 2005), Pochmann (2004),Gadotti (2009), Sardá e Novaes (2015), apesar das limitações da proposta da ES, participar dos empreendimentos econômicos solidários e dos fóruns de ES,bem como, vivenciar a práxis da autogestão possibilitaria aos indivíduos um processo de conscientização das relações materiais dentro da sociedade capitalista, o que permitiria um aprendizado e um novo fazer político.

Como os catadores da Paraíba percebem a economia solidária?

Ao longo das três pesquisas que subsidiam esse estudo, foram realizadas 60 entrevistas com catadores(as) de materiais recicláveis da Paraíba. Como cada pesquisa contou com roteiros diferenciados, a depender do objetivo geral das investigações, aqui apontaremos uma síntese dos dados coletados de maneira qualitativa e não quantitativa.

As atividades desenvolvidas pelos(as) catadores(as) dentro dos empreendimentos de economia solidária pode variar muito a depender do porte e da infraestrutura do EES. Em geral, as atividades comuns a maioria dos empreendimentos envolvem inicialmente a coleta do material reciclável em carinhos ou bags (sacos grandes onde armazenam o material coletado), transporte do material em caminhões da rede de comercialização da qual fazem parte ou disponibilizados pelas prefeituras. No galpão, são realizadas as atividades de triagem, prensagem, armazenamento e comercialização do material reciclável. A maioria dos EES praticam também ações de educação ambiental seja na modalidade porta-a-porta, conversando com os moradores da localidade onde atuam, seja através de ações educativas em escolas, condomínios, empresas ou órgãos públicos.

Os principais motivos apontados pelos(as) trabalhadores(as) para participar de um EES/associação/cooperativa de catadores(as), podem ser resumidos em: oportunidade de continuar desenvolvendo a atividade de catação após o fechamento do lixão, vontade de trabalhar com uma atividade que já conhecia, considerar o trabalho na cooperativa melhor que o trabalho de catador individual nas ruas ou no lixão, a luta por direitos iguais, não ter patrão, não ser empregado nem ser explorado, vontade de ajudar o meio ambiente, a natureza e ainda de ajudar o próximo, falência de negócio próprio, falta de oportunidade de emprego, necessidade de trabalhar e desemprego.

Neste ponto, é relevante mencionar o fato de que, no Brasil, é flagrante o discurso de preferir não obedecer ao patrão, em decorrência do histórico da formação da classe trabalhadora brasileira. Como visto no primeiro tópico teórico deste artigo e conforme enfatizado por Lúcio Kowarick (1994), os trabalhadores nacionais sempre foram subjugados e relegados a posições de trabalho degradantes, ocupando postos não desejados pelos imigrantes e sendo constantemente maltratados por seus empregadores. Nesse sentido, surge um sentimento quase unânime de que é melhor “levar adiante uma sobrevivência miserável mas independente” (Kowarick, 1994, p. 104) do que trabalhar sob condições aviltantes.

Por outro lado,vale destacar que,a construção de uma narrativa que contrapõem o trabalho formal, visto como bom e seguro,ao trabalho informal, visto como ruim, inseguro e sem direitos,se inicia,no Brasil, ainda no Governo de Getúlio Vargas, na década de 1930. Esse discurso vem sendo incorporado pela população ao longo do tempo, desse modo,é evidente que, mesmo que boa parte da população viva do trabalho informal, uma parte da classe trabalhadora ainda tem o intento de se sujeitar aos mandos de um patrão, visando ter, dessa forma, maior estabilidade na remuneração (que deixa de ser variável, como ocorre no trabalho autônomo) e contar com outros benefícios trabalhistas e previdenciários.

Questionados(as) sobre a possibilidade de deixarem o trabalho como catadores(as), caso tivessem a oportunidade de auferir maiores rendimentos em um trabalho formal, foram obtidas algumas respostas como as seguintes:

Eu acho que não. Sabe por quê? Porque eu já tô acostumada aqui, num tem? Aí eu ir pra outro canto trabalhar… Sendo sincera, não ia, não. Eu gosto daqui, eu gosto [silêncio]. Olhe, eu num arrumei um serviço quando era com 23 anos, 25, 30, num arrumei assinado, vou arrumar agora? Com 41, num arrumo mais não. Eu gosto [de não ter patrão]. Porque aqui é nós mesmo. Num tem esse negócio. Você trabalha hoje em dia de carteira assinada, tem um patrão pra tá “faça isso, faça aquilo, num sei o quê”. Não tem patrão nos pés da gente, nam! Aqui num tem isso. É porque eu gosto de tá aqui com as companheiras. É que nem eu tô dizendo: se fosse pra trabalhar em outro canto, com carteira assinada, eu não ia não. Ficava aqui, trabalhando mais as companheiras, que já faz tempo, já, né? (Luciana7, catadora, entrevista concedida em 2021).

[...] já tive opção, outras opção, mas não aceitei, porque eu não quis. Eu passei humilhação em algumas casas que eu trabalhei. Aí eu não quis, não, mais nenhuma. Em casa de família eu não quis. Eu prefiro trabalhar aqui. [...] Trocaria não. Aqui é bem melhor. Eu não trocaria, não, que não vale a pena. A gente não tem ajuda sozinha. Não tem quem ajuda, não tem proteção, não tem nada. (Sandra, catadora,entrevista concedida em 2021)

Não, porque eu tive essa oportunidade e eu não fiz, teve uma proposta de um trabalho e não aceitei, porque eu me senti bem acolhida aqui, aí eu não achei certo. Na hora que eu mais precisei quem me acolheu foram elas e eu achei pra mim que seria injusto eu sair agora, porque quando eu precisei elas que me deram a mão, aí por isso que eu não aceitei trabalhar com carteira assinada e tudo mais. Eu não quis justamente por isso. [Aqui] Eu não tenho do que reclamar, não. Nem dos meninos, nem do serviço, de nada. Eu me sinto bem, me sinto à vontade. Gosto de todo mundo. (Amanda, catadora, entrevista concedida em 2021)

Percebe-se que muitos dos entrevistados preferem o trabalho associado ao trabalho formal em uma empresa capitalista, principalmente por se sentirem melhor no ambiente das associações e cooperativas que nas empresas que trabalharam. Mas houve também aqueles que apontaram os pontos negativos dos EES, além dos positivos:

Bom, aqui tem suas vantagens, mas também tem suas desvantagens, né? Mesmo num emprego capitalista você tem todos seus direitos, né? E aqui infelizmente nós não temos os direitos que temos numa empresa capitalista, né? Porque os direitos da gente, a gente mesmo tem que correr atrás, né? Tem suas vantagens e suas desvantagens infelizmente. (Odete, catadora, entrevista concedida em 2015).

É tem diferença! Tem diferença. Num tem diferença? Porque numa empresa a gente tem chefe, né verdade? A gente é pau mandado. E na cooperativa a gente não tem chefe, mas também num é porque a gente não tem chefe que a gente é livre pra fazer o que bem entender, tá entendendo? E lá... lá numa empresa você tem que fazer lá o que o povo mandar. Desse jeito. Aqui é desse modelo, mas às vezes não é, tá entendendo? Às vezes muitas pessoa faz o que quer [...] a gente toma decisão, conversa, se tá havendo alguma coisa errada se conversa, tá entendendo? Briga também... (Ana, catadora, entrevista concedida em 2015).

Quando perguntamos aos catadores(as) o que significava para eles(as) trabalhar em um EES, buscamos identificar os sentidos que estes atribuem ao trabalho em um empreendimento solidário. Os entrevistados responderam que era uma experiência prazerosa, pois no EES eles são como uma família; para uns significa ter união, trabalharem todos juntos; alguns declararam que significa compartilhar renda, ter solidariedade, compreensão, autogestão e trabalhar em grupo; alguns enfatizaram a oportunidade de aprender muitas coisas, podendo ensinar a população; para alguns trabalhar em um EES é desenvolver um trabalho honesto, ter respeito, responsabilidade e fazer as coisas acontecerem; outros veem a experiência em um EES como uma luta por ideais; e houve quem destacasse a importância para o meio ambiente. Foi possível constatar que, mesmo que muitos não conheçam o conceito de ES de maneira clara, os trabalhadores identificam seus princípios e práticas no cotidiano do empreendimento. Seguem trechos das entrevistas:

Bom, pra mim significa muita coisa porque assim... é uma coisa que você tá fazendo aquilo que você gosta, com pessoas igual a você, entendeu? Pessoas que luta pelos mesmos ideais. Pessoas que lutam pelo melhor, tanto pra a gente como pra uma toda comunidade, né? Todo um... a cidade principalmente (Carla, catadora, entrevista concedida em 2015).

É um trabalho como outro qualquer, a única diferença é que a gente trabalha com a educação ambiental, né? A gente faz essa parte da educação ambiental e o trabalho da gente é... de certa forma não é como os outros porque as outras empresas elas sujam e nós limpamos, é diferente, né? Então a gente trabalha ganhando dinheiro, mas também beneficiando toda a população, limpando o meio ambiente e educando um monte de pessoa [...] (Débora, catadora, entrevista concedida em 2015).

De jeito nenhum a gente se virava [trabalhando] sozinha não. Porque, assim, a gente em grupo a gente junta mais material. E a gente sozinho não tem condição de a gente juntar esse tanto de material que tem aí sozinha, não. [...] Eu já to acostumada com o meu grupo. Tô acostumada, elas também precisa trabalhar porque se cada um sai pra trabalhar pra si... uma que a gente vai ter que ter um espaço pra botar o material. Sozinha a gente não tem de jeito nenhum. Fica muito complicado mesmo. É porque é melhor trabalhar em grupo que a gente se organiza direitinho. Se organiza, cata direitinho, vai fazer a coleta, faz direitinho. E a gente sozinha aí pra coletar vai deixar material pra trás, porque a gente não vai dar de conta daquele horror material que tem pra coletar num dia uma pessoa. E em muita gente tira o material todinho.(Marta, catadora, entrevista concedida em 2021).

As lógicas da economia solidária, no caso dos(as) catadores(as), são complexas, acompanhando a complexidade e dinâmica do grupo. Não se tratam de pessoas que, necessariamente, trabalham com a catação por falta de oportunidades de emprego, para complementar a renda ou porque amam o trabalho que desempenham. Cada um dos elementos mencionados pode ser entendido como variáveis que estimulam, em maior ou menor medida, a depender de cada caso concreto e individual, o trabalho como catador e a participação em cooperativas ou associações de catação. Alguns dos participantes das pesquisas afirmaram que catavam porque já tinham o contato com a catação desde a infância e continuaram exercendo esse labor; outros afirmaram que perderam um emprego prévio (como de faxineira, doméstica, motorista etc.) e encontraram na catação um meio de auferir renda, enfim, muitas são as histórias de vida das pessoas entrevistadas nas pesquisas que originaram este artigo.

Eu tinha 7 anos de idade, não podia nem com a enxada direito que eu botava a enxada nas costas, caia pra trás de tão pesada a enxada, mas trabalhava [...] eu sou [catadora] desde o lixão da Catingueira[...]. Pronto, era ali que eu tinha 7 anos. 7 pra 8 anos, por aí... era, nós tudim [os irmãos] (Neide, catadora, entrevista concedida em 2019).

Eu sai do exército, depois do exército eu fui motorista, depois de motorista eu fui zelador, depois de zelador eu fui vigilante, depois de vigilante aí foi que eu cai dentro do lixo, né? Aí no lixão... quando eu cai dentro do lixão, foi quando essa oportunidade surgiu sem preocupar-se com ser mandado, horário, esses negócios... e responsabilidade, né? [...]esses trabalhos que eu falei pra você foi de carteira assinada, mas eu me envolvi com álcool, com drogas e terminei, é... caindo, né? Caindo, caindo mesmo no poço da lama. Só que eu não cai no poço da lama, eu cai no lixão. E se eu tava ali não foi um castigo, e sim foi uma benção que Deus fez em tá me colocando ali pra puder lutar por essa categoria, pelos meus companheiros. Quando tava pesado a gente ajudava a colocar nas costa do outro, quando não podia com aquele peso a gente soltava o nosso, a gente ajudava ele pra depois pear o nosso. Quer dizer, era solidário. [...]. Então quer dizer, a gente já praticava a solidariedade só não sabia como. E através do associativismo foi que nós tivemos confiança do que realmente nós somos para a sociedade, para o meio ambiente, pro poder público, né? (Marcos, catador, entrevista concedida em 2018).

A maioria dos entrevistados percebe diferenças entre o trabalho dentro da economia solidária e o trabalho em uma empresa capitalista, porém há também os que não percebem esta diferença e os que não sabem dizer se há diferenças entre o trabalho associado e o trabalho assalariado, por nunca ter trabalhado em uma empresa. Seguem algumas respostas:

Tem muita. Porque aqui a gente não tem patrão. Aqui cada cá trabalha pra si... assim, não pra si, trabalha todo mundo em grupo, tem que ter responsabilidade e sabe o que vai fazer. Ninguém tem assim “ai você vai ser demitido por causa disso e disso e disso” não. Porque geralmente em empresa se você chegar meia hora atrasado já tá demitido, né? Ou leva uma suspensão ou leva seja lá o que for, né? Aqui não, aqui é diferente. Muito diferente de uma empresa (Gabi, catadora, entrevista concedida em 2015).

[...] na verdade existe porque a gente trabalha de maneira diferente, né? [...] aqui a gente não é funcionário de ninguém e cada um trabalha com a sua regra. Pra não dizer que não tem regras, regras existem, mas a gente não é funcionário [...] então eu acredito que há uma diferença entre uma empresa capitalista e nós que somos cooperados (Débora, catadora, entrevista concedida em 2015).

Percebo [...] Porque na empresa você é muito humilhado, você é muito mandado [...] Trabalhador tem que fazer o que o patrão quer. É explorado, não tem horário, você trabalha ali sozinho, individual, sem ter ajuda do outro. E já em ES trabalha todos juntos, o grupo, você não vai pegar um bergue, um pedaço de cano sozinho. Você tem aquele grupo (Laura, catadora, entrevista concedida em 2015).

Percebe-se que, para os que identificam diferenças, estas estão relacionadas ao trabalho coletivo desenvolvido no EES, ao fato de não ter patrão, não serem demitidos sem motivo, não sofrerem humilhação como acontece nas empresas capitalistas, enquanto nas empresas capitalistas há exploração nos EES há cooperação. Também houve quem identificasse diferenças principalmente no que diz respeito à insalubridade e aos perigos do lixão, bem como à estrutura da cooperativa, que é melhor. Além disso, muitos mencionaram que preferem catar em conjunto, porque têm companhia e se ajudam. Com as quatro catadoras entrevistadas que ainda atuam de maneira individual e estão em processo de tentar se organizar, foi perguntado o que elas achavam que iria mudar caso formassem a cooperativa e todas afirmaram que seria totalmente diferente, principalmente porque teriam uma estrutura para guardar o material.

Além das respostas que avaliam positivamente o trabalho associado também houve respostas negativas. Para um trabalhador, a diferença é que nos EES falta organização. Em suas palavras: “Tem diferença, visse? [...] Tudo mundo eu falo logo de uma coisa: organização. Eu falo logo em organização, né não? Não concorda não? Se não tiver não anda não” (Antônio, catador, entrevista concedida em 2015). Aparentemente, as práticas de autogestão parecem estranhas a este trabalhador que teve a maioria de suas experiências anteriores no mercado formal de trabalho. Além disso, muitos trabalhadores indicaram a falta de direitos trabalhistas e previdenciários como a principal diferença entre o trabalho em um EES e o trabalho em uma empresa capitalista.

Assim como durante a “guerra fiscal” pesquisada por Lima (2002), é alto o número de trabalhadores nordestinos que identificam o trabalho associado à falta de direitos. Mesmo almejando a carteira de trabalho assinada, a maioria dos trabalhadores preferiu participar de um EES a participar de uma empresa capitalista, porém também há os que optam pelo emprego formal, realidade que se evidencia nas entrevistas e na alta rotatividade dos EES. Os que preferem o trabalho associado justificaram que no EES não há patrão, que quem manda são eles, que vestiu a camisa da cooperativa, que preferia trabalhar onde tinha oportunidade de aprender e onde existe consciência ambiental. Entretanto, percebemos que a maioria dos trabalhadores(as) é motivada a permanecer no EES por “fatores positivos”8. Poucos se apoiaram em “fatores negativos. para optar pelo EES, declarando que devido à idade avançada não encontram mais emprego formal e, por isso, preferiam o EES, mas se tivesse oportunidade preferiam a carteira assinada.

Em geral os catadores das associações/cooperativas analisadas se dizem satisfeitos com as atividades que desenvolvem nos EES. Afirmam que o ambiente de trabalho é bom, porém as condições de trabalho em cada EES são ligeiramente diferentes. Identificamos que a falta de estrutura de alguns galpões (falta de espaço, segurança, iluminação e ventilação), a falta de maquinário e a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), levam os trabalhadores de alguns EES a desenvolverem suas atividades de forma inadequada.

Obtivemos relatos de situações desagradáveis que a falta de consciência ambiental e de respeito à atividade dos catadores ocasionam. Muitas pessoas ainda enviam lixo junto ao material reciclável na coleta seletiva, parte por não saber diferenciar os resíduos, parte por querer livrar-se do lixo. Desde meados de 2020, com a pandemia de COVID-19, surgiu outra problemática: muitas pessoas descartam as máscaras que utilizam juntamente com os materiais aos quais os catadores têm acesso para coletar. Sem qualquer noção de respeito pelos profissionais da catação, máscaras usadas são descartadas juntamente com os resíduos sólidos, expondo os catadores ao risco de contágio pela doença que vem assolando o planeta há mais de dois anos. Os trabalhadores acreditam que é necessário investir em campanhas de educação ambiental, frisando a importância do apoio do poder público.

Outro problema inerente à atividade é o risco de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais. A falta de plano de saúde e de seguro contra acidente de trabalho é comum entre os catadores paraibanos. Nenhum dos entrevistados tem seguro contra acidente de trabalho e apenas alguns poucos contam com um plano de saúde popular que dá descontos, porém não cobre os serviços por completo. Os demais trabalhadores contam apenas com o Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimento médico.

A maioria dos entrevistados nunca contribuiu com o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), alguns poucos contribuem na qualidade de conta própria e apenas uma entrevistada é aposentada como agricultora familiar devido ao tempo em que viveu no meio rural com sua família. A maior parte dos entrevistados gostaria de contribuir com o INSS para ter direito aos benefícios previdenciários, porém as modalidades existentes hoje para trabalhadores cooperados exigem uma contribuição muito alta em comparação com a renda desses trabalhadores. Esse é um tema debatido pelo MNCR, que vem tentando forçar o poder público a criar uma modalidade de contribuinte especial para os catadores de materiais recicláveis.

Todos os EES de catadores da Paraíba sofrem com a oscilação do rendimento mensal do empreendimento. De acordo com as declarações dos entrevistados, a retirada varia entre R$200,00 até R$2.000,00, dependendo do EES e do período do ano. As articulações comerciais estabelecidas com atravessadores e sucateiros contribuem para manter a remuneração dos catadores sempre baixa. Como aponta a bibliografia, há uma exploração dos trabalhadores que desenvolvem a atividade de catação por aqueles que estão nos elos superiores da cadeia produtiva da reciclagem.

Mesmo que em alguns dos casos observados as condições de trabalho dentro dos EES ainda sejam precárias, todos os entrevistados que foram catadores no lixão ou nas ruas relataram as melhorias nas condições de trabalho que as associações/cooperativas proporcionaram. Tais como maior conforto dentro dos EES, maior reconhecimento de sua atividade por parte da população e do poder público, desenvolver as atividades coletivamente, ter lugar para armazenar o material sem sofrer furtos, ter acesso a maquinário, EPIs e transporte, estar organizado, possibilidade de contratação dos EES pela prefeitura, etc.

Durante o Curso de Formação de Gestores em economia solidária, um catador relatou que para ele o que mudou foi primeiramente sair do ambiente do lixão e passar a ter acesso a galpões e equipamentos de trabalho. Esse é um relato frequente entre os entrevistados, que destacam a importância da criação das cooperativas e associações para melhorar as condições de armazenamento do material coletado, já que, sem o galpão, os catadores precisam guardar todo o produto da coleta em suas casas, atraindo vetores de doenças, como ratos e baratas, além de produzir mau cheiro em seus lares.Outro catador acrescentou que, para ele, as principais diferenças entre o lixão e a associação é o trabalho diferenciado, há cuidados com a segurança e saúde dos catadores, além disso, eles passaram a ter reconhecimento social. Percebemos também a consciência ambiental e política destes catadores e dos que participam dos EES e do MNCR.

Outro relato que evidencia as condições de trabalho nos lixões foi o de uma catadora do lixão de Queimadas que está organizando um grupo de catadores. Esta comentou que a falta de água impossibilita a higiene dos trabalhadores e famílias que vivem no lixão e os catadores precisam discutir com os motoristas dos caminhões para que não depositem o lixo próximo aos barracos. A catadora comentou ainda que a combustão espontânea do lixo mata os cachorros dos catadores e que é um risco para as crianças. Como nos lixões uma camada de lixo é jogada em cima de outras, muitas vezes os catadores não veem que o local onde estão pisando está em brasas por baixo de uma fina camada de lixo. Outro problema relatado são os casos de crianças que se acidentam ou mesmo são atropeladas pelo caminhão do lixo.

Através dos relatos percebe-se o quanto as condições de trabalho e de vida dos catadores nos lixões e nas ruas são mais precárias e difíceis que as condições de trabalho e de vida após o ingresso em associações e cooperativas de materiais recicláveis. Apesar de ainda estarem longe das condições ideais, as condições de trabalho e de vida destes trabalhadores têm melhorado bastante através do trabalho associado, esta melhoria é percebida tanto pelos catadores que já participam de um EES, quanto pelos que, nos lixões e nas ruas, vêm buscando se organizar em EES para mudar de situação. Provavelmente por perceber a experiência nos EES como positiva, os trabalhadores entrevistados declararam desejar que a economia solidária e os EES de catadores cresçam e se fortaleçam.

Apesar de demonstrarem satisfação com sua atividade e perceberem as melhoras nas condições de vida e trabalho após começarem a participar do EES, o trabalho dos catadores ainda é duro e se dá muitas vezes em situações precárias. Embora parte dos trabalhadores almeje voltar ao mercado formal, buscando segurança e os benefícios oferecidos pela legislação trabalhista, um expressivo número de trabalhadores enxerga os benefícios do trabalho cooperado, preferindo esta experiência ao trabalho formal. Geralmente os que estão há mais tempo nos EES e os que estão mais engajados nos movimentos de ES ou dos catadores através do MNCR, demonstram compreensão dos princípios da ES e das propostas do trabalho cooperado, declarando preferir o trabalho no EES a um trabalho em uma empresa capitalista.

Em geral, os catadores apresentam um discurso de apoio à economia solidária e de busca por melhorias na qualidade de vida dentro do próprio empreendimento. Em sua maioria, percebe os empreendimentos como bastante benéficos e não os trocariam por outro trabalho. Ainda que o valor das retiradas seja escasso (raramente ultrapassado ou se igualando ao salário-mínimo), a percepção dos catadores sobre os EESs vai muito além do intuito financeiro (como regra). Em alguns casos, chega a ultrapassar até mesmo a busca por realização pessoal ou profissional, como é o caso de uma entrevistada, que afirmou que recebeu uma proposta de emprego mais vantajosa, mas recusou, afirmando não achar justo abandonar as colegas, que lhe deram a mão quando ela mais precisava.

Considerações Finais

A realidade social dos catadores de materiais recicláveis da Paraíba configura um universo complexo de relações sociais, políticas e econômicas, sobre as quais repercute o passado histórico desta categoria de trabalhadores que desenvolvem uma atividade antiga e historicamente não reconhecida socialmente, a qual vem passando por transformações advindas do movimento de economia solidária e do movimento ambiental, que ganharam força nas últimas décadas. Para entender a realidade atual destes trabalhadores foi preciso investigar os processos históricos que os conduziram ao momento presente.

Em meio às crises do capitalismo e seus efeitos no mundo do trabalho, surge a economia solidária, como proposta de alternativa aos que estão à margem do sistema. Existe na bibliografia da ES uma grande discussão sobre o papel desta proposta, se ela pode ser vista como uma alternativa ao capitalismo (Singer, 2002) ou se serviria aos interesses do capitalismo (Wellen, 2012). Neste artigo não haveria espaço para retomar tal debate, porém é importante não perdê-lo de vista ao analisar as percepções dos trabalhadores acerca da experiência da qual participam, pois, tal como no debate teórico, não há consenso entre os catadores(as) sobre o trabalho cooperativado.

Nossas pesquisas demonstraram que os avanços dos movimentos da ES e dos catadores possibilitaram a esta categoria de trabalhadores(as) algum grau de inclusão social e reconhecimento de sua atividade, através de sua organização em empreendimentos solidários eles conseguiram melhorar sua qualidade de vida dentro e fora do trabalho. No entanto, estes trabalhadores ainda vivem em situação precária, com renda mensal baixa e instável, sem acesso a direitos trabalhistas e previdenciários, dependendo muitas vezes do apoio de entidades governamentais e não governamentais para desenvolver suas atividades.

Mesmo com todas as limitações da proposta da economia solidária, os trabalhadores que adotam esta proposta parecem percebê-la de forma positiva por esta apresentar-se como um meio de geração de trabalho e renda. Este parece ser o caso dos catadores de materiais recicláveis entrevistados, mesmo identificando a falta de direitos trabalhistas nos EES, estes ainda percebem a experiência como positiva, pois para muitos, esta significou melhorias na qualidade de vida dentro e fora do trabalho.

Entretanto, não devemos perder de vista que os sentidos que estes trabalhadores atribuem à ES são fortemente influenciados pela história e meio social destes trabalhadores. Como vimos, o Nordeste é marcado pela falta de oportunidade no mercado formal de trabalho, pelos trabalhos informais, precarizados e sem direitos. Nesta região é comum perceber qualquer oportunidade de trabalho que traga o mínimo de renda para sobrevivência como positiva. Para além deste fato, a categoria dos catadores, que por muito tempo foi marginalizada e invisibilizada, encontra na economia solidária uma oportunidade de fazer-se ouvida e percebida, a ES não apenas muda a forma de trabalho dos catadores, como reconfigura a percepção destes trabalhadores sobre a atividade que desenvolvem e sobre si mesmos. Interpretamos a partir de nossas análises que estas questões influenciam a percepção dos trabalhadores acerca da ES e de suas experiências.

Após análise da percepção dos trabalhadores, da observação da realidade social dos mesmo e da comparação dos casos estudados com a bibliografia levantada, somos levados a considerar a ES como uma forma de resistência dos trabalhadores. Mesmo que não apareça como uma forma de resistência direta ao modelo capitalista por não pretender romper os vínculos com este sistema, ainda assim ela se apresenta como uma forma de resistência aos efeitos do sistema capitalista. Resistência ao desemprego, resistência à exclusão social e econômica, resistência até mesmo à precarização do trabalho, pois os trabalhos anteriormente desenvolvidos pelos entrevistados sejam formais ou informais, muitas vezes foram apontados como piores que o trabalho com a catação de materiais recicláveis. A ES, em nossa concepção, se revela como uma estratégia de sobrevivência daqueles que foram deixados à margem do sistema e aos que incomodados com a dinâmica vigente, buscaram alternativas que proporcionam efetivamente um modo diferenciado de trabalho, organização produtiva, geração de renda e desenvolvimento de laços de solidariedade.

Mesmo não se configurando em um movimento contra hegemônico, o potencial da ES para mudar a vida daqueles que a adotam é grande e tem ajudado milhares de trabalhadores a melhorarem sua condição de vida, se configurando assim em uma estratégia de enfrentamento aos problemas criados por e intrínsecos à lógica do capital. Esse potencial para a transformação da vida dos trabalhadores é claramente observado no caso dos catadores de materiais recicláveis.

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Notas

1 Lima (2002) utiliza o termo “nova precarização do trabalho” para designar as transformações das relações de trabalho que marcaram este momento da história (décadas de 1980/1990). O autor explica que como Marx designou de “precarização do trabalho” o momento em que o trabalho se torna assalariado, este novo momento configura uma “nova precarização do trabalho”, onde direitos e garantias conquistadas historicamente pelos trabalhadores foram tomadas dos mesmos através da flexibilização das relações de trabalho. Entretanto, vale salientar que o termo “nova precarização do trabalho”, assim como o próprio conceito de “precarização”, pode causar polêmica. Tendo em vista que o mercado de trabalho brasileiro e, especificadamente, o Nordeste Brasileiro, são marcados pela informalidade das relações de trabalho, ou seja, boa parte dos trabalhadores dessa região nunca ou raramente desfrutaram dos direitos conquistados pela classe trabalhadora, falar em processo de precarização ou de uma “nova precarização” do trabalho, mesmo nos termos de Lima, pode causar questionamentos.
2 Disponível em: https://sesuma.org.br/residuos-solidos-prefeitura-de-campina-grande-vai-formalizar-contratos-de-prestacao-de-servicos-de-grupos-de-catadores/. Acesso em 10 fev 2022
3 O Programa Cataforte teve início em 2007, entrando em 2014 na sua terceira edição. O Cataforte III“Negócios Sustentáveis em Redes Solidárias”visou possibilitar a inserção de cooperativas no mercado da reciclagem e a agregação de valor na cadeia de resíduos sólidos.
4 O Projeto Ações Integradas, realizado pela SEDH-PB, faz parte das ações de fomento à Economia Solidária em todo o território estadual da Paraíba, financiadas pela Senaes.
5 No livro Os laços entre igreja, governo e economia solidária, Souza (2013) analisa a relação histórica dessa instituição com o movimento da economia solidária.O autor demonstra como, entre os anos 1950 e 1980, ocorre dentro da Igreja Católica Latino-Americana a mudança de uma moral sexual e familiar para uma moral social e politizada. A criação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1955 e o surgimento das pastorais sociais e ações politizadas da Igreja, conduziram às Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e ao desenvolvimento da Teologia da Libertação, que refletindo sobre as desigualdades sociais propunham a radicalização política, modificando as ações da Igreja da caridade assistencial à caridade libertadora.Surgem assim os Projetos Alternativos Comunitários na perspectiva de uma economia popular solidária. A Cáritas, como entidade eclesial responsável por realizar a caridade, torna-se, nos anos 1990, o principal braço da Igreja quanto às iniciativas comunitárias de produção, fomentando a organização de associações e cooperativas de produção autogestionárias.A partir dos anos 2000, a Cáritas passa a integrar espaços de construção coletiva de políticas públicas de Economia Solidária em âmbito governamental.
6 Na época, a reclamação dos catadores era dirigida a algumas professorasda UFCG, que, em meio a conflitos de opinião sobre a condução de projetos de extensão universitária e disputas pelo protagonismo do apoio aos grupos de catadores(as), acabavam por “se intrometer” na gestão dos empreendimentos, na opinião do entrevistado.
7 Para resguardar a identidade dos(as) entrevistados(as), todos os nomes foram substituídos por pseudônimos.
8 Gaiger (2003) entende fatores positivos como aqueles relacionados a uma interpretação positiva do trabalho associado, já os fatores negativos estariam relacionados a falta de possibilidade de mudar de trabalho.

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