Resumo: O estresse causado pelos diferentes tipos de vitmização e polivitimização podem afetar o desenvolvimento das funções executivas em crianças. As funções executivas (FE) são processos cognitivos que permitem ao indivíduo exercer controle e regular o processamento de informações frente a novas exigências. O desenvolvimento das FE está relacionado ao desenvolvimento dos processos de aprendizagem, neste sentido estudos apontam que os efeitos da vivência de violência prejudicam as FE assim como a compreensão verbal uma vez que essa está diretamente relacionada a um ambiente cognitivo mais enriquecido. Assim o presente estudo pretende avaliar se a vivência da violência, além de impactar diretamente no desenvolvimento da FE também tem um efeito indireto ou é potencializada por seu impacto na compreensão verbal. Participaram da pesquisa 83 crianças e os instrumentos usados foram o JVQ, FDT e WISC IV. A análise de mediação e moderação foi realizada por meio de modelagem de equações estruturais. Os resultados apontaram que a vivência de diferentes tipos de violência nas crianças causa comprometimentos mais significativos em FE. Contudo a compreensão verbal pode ser um fator protetor, para crianças vítimas de diferentes vitimizações.
Palavras-chave: Infância, Vitimização, Compreensão verbal e Funções Executivas.
Abstract: The stress caused by different types of victimization and polyvictimization can affect the development of executive functions in children. Executive functions (EF) are cognitive processes that allow the individual to exercise control and regulate information processing in the face of new demands. The development of EF is related to the development of learning processes, in this sense, studies indicate that the effects of experiencing violence harm EF as well as verbal comprehension, since this is directly related to a more enriched cognitive environment. Thus, the present study intends to evaluate whether the experience of violence, in addition to having a direct impact on the development of EF, also has an indirect effect or is enhanced by its impact on verbal comprehension. 83 children participated in the research and the instruments used were the JVQ, FDT and WISC IV. The analysis of mediation and moderation was performed using structural equation modeling. The results showed that the experience of different types of violence in children causes more significant impairments in EF. However, verbal comprehension can be a protective factor for children who are victims of different types of victimization.
Keywords: Childhood, Victimization, Verbal Comprehension and Executive Functions.
Resumen: El estrés causado por diferentes tipos de victimización y polivictimización puede afectar el desarrollo de las funciones ejecutivas en los niños. Las funciones ejecutivas (FE) son procesos cognitivos que permiten al individuo ejercer control y regular el procesamiento de la información ante nuevas demandas. El desarrollo de las FE está relacionado con el desarrollo de los procesos de aprendizaje, en este sentido, los estudios indican que los efectos de experimentar la violencia perjudican tanto a las FE como a la comprensión verbal, ya que esta está directamente relacionada con un entorno cognitivo más enriquecido. Así, el presente estudio pretende evaluar si la experiencia de violencia, además de tener un impacto directo en el desarrollo de las FE, también tiene un efecto indirecto o se ve potenciado por su impacto en la comprensión verbal. Participaron de la investigación 83 niños y los instrumentos utilizados fueron el JVQ, FDT y WISC IV. El análisis de mediación y moderación se realizó mediante modelos de ecuaciones estructurales. Los resultados mostraron que la experiencia de diferentes tipos de violencia en los niños causa deterioros más significativos en las FE. Sin embargo, la comprensión verbal puede ser un factor protector para los niños que son víctimas de diferentes tipos de victimización.
Palabras clave: Infancia, Victimización, Comprensión Verbal y Funciones Ejecutivas.
Vitimização na infância e impacto no processo cognitivo: uma via explicativa para a revitimização Situações de violência e o impacto nas funções executivas: avaliando o papel da compreensão verbal
A vivência de situações de violência, em que há danos causados às pessoas por ações de outros seres humanos, é denominada vitimização (Finkelhor et al., 2007). A vitimização contra crianças, de acordo com os dados demográficos e estudos empíricos aumentou mundialmente nos últimos anos, tornando-se uma preocupação social (Kumer et al., 2017; Murray, 2012) e um problema de saúde pública no Brasil (Brasil, 2019; Brasil, 2021).
Alguns estudos apontam que a vivência dos diferentes tipos de vitimização (crimes convencionais, maus tratos, vitimização por pares, vitimização sexual, indireta e polivitimização) está diretamente associada a comprometimentos no desenvolvimento físico, psicossocial, cognitivo e das funções executivas na infância e adolescência (Barrera, Calderón & Bell, 2015; Lourenço et al., 2011; Malloy Diniz & Minervino, 2016; Yingying, Arcy, Shuai & Xiangfei, 2019).
As funções executivas (FE) são processos cognitivos que permitem ao indivíduo exercer controle e regular o comportamento e os processamento de informações frente a novas exigências (Malloy Diniz et al, 2018; Seabra et al., 2014). Alguns modelos sugerem que as FE constituem uma única habilidade que abrange vários domínios; dentre eles a memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, atenção seletiva e sustentada, processamento emocional, controle inibitório dentre outros (Diamond, 2013; Myiake et al., 2000, Norman & Shalice, 1986; Zelazo & Fryer, 1998).
O controle inibitório/inibição refere-se à capacidade inibir um comportamento automático, controlando o comportamento da atenção, fazendo o que for mais apropriado ou necessário (Diamond, 2013). A memória de trabalho é definida como a capacidade de manutenção de uma informação e seu manejo durante um curto período de tempo, possibilitando compreensão, aprendizagem, raciocínio além de resolução de problemas (Baddeley & Hitch, 1974). A flexibilidade cognitiva envolve a capacidade de alternar o foco atencional, permitindo ao sujeito que avalie seu desempenho em uma determinada situação, buscando atender às regras e soluções de problemas (Diamond, 2013; Seabra, Reppold, Dias & Pedron, 2014).
Os efeitos das vivências de violência foram investigados em alguns estudos e apontaram que as diferentes vitimizações produzem um efeito direto no desenvolvimento das FE assim como no desempenho acadêmico (Barros & Freitas, 2015; Medeiros, et al., 2016; Yingying, et al., 2019). Outros estudos apontaram que a violência sexual em crianças afeta a compreensão verbal (Ghazarian & Buehler, 2010; Nooner, Hooper & De Bellis, 2018) e a flexibilidade cognitiva (Nooner, Hooper & De Belis, 2018) e consequentemente trazem prejuízos importantes ao longo da vida.
Contudo, além do efeito direto, a vivência de violência na infância também pode produzir efeitos indiretos, como dificuldades emocionais e comportamentais, menor habilidade social, maiores problemas de comportamento, incapacidade de construir e manter relação interpessoal satisfatória, além de baixo desempenho acadêmico (Bernardes, 2015; Cara & Neme, 2016; Silva, Mata & Vaz, 2017). Isso porque o bom desempenho acadêmico está relacionado com uma boa capacidade de compreensão verbal. De fato, a capacidade de raciocínio verbal adequado e bom nível de vocabulário estão diretamente relacionadas com a base de conhecimento, indicando um ambiente cognitivo mais enriquecido. Portanto, crianças com melhor desempenho em compreensão verbal apresentam boa habilidade verbal utilizando raciocínio, compreensão e conceituação e devem ser capazes de aplicar os seus conhecimentos de forma adequada para lidar com as situações diárias (Weiss, 2016).
Diferentes estudos apontam para o fato de que crianças vitimizadas tem maior probabilidade de se revitimizarem (Faria, 2011). Embora esse aspecto possa ser explicado pela via social, de que o indivíduo está inserido em um contexto social violento ou que os processos de violência muitas vezes apresentam características estruturais aumentando as chances de que se repitam, neste estudo exploramos uma outra via de resposta complementar que denominaremos de via cognitiva-social. Neste sentido, a pergunta que nos orienta é: a violência vivida na infância é capaz de produzir impacto no desenvolvimento das funções cognitivas e consequentemente comprometer as habilidades do indivíduo de fazer frente a novos episódios de violência? Para responder essa pergunta o presente estudo pretende verificar o impacto da violência sobre a compreensão verbal e demais funções executivas assim como o papel mediador da compreensão verbal na relação entre vivência de violência e funções executivas.
A amostra é composta por 83 crianças com idade entre seis anos e zero meses e 11 anos e 11 meses. Os dados foram coletados em escolas públicas situadas em setores que, de acordo com Secretaria de Segurança Pública de Goiás, são regiões com maiores índices de violência. Apesar disso, as escolas foram selecionadas de forma aleatória.
As 83 crianças que participaram de pesquisa apresentam idade, média 8,8 (dp =1,5), sendo composto por 40 meninos e 43 meninas. Os critérios de inclusão foram: não possuir diagnóstico de transtorno do desenvolvimento ou transtornos neuropsiquiátricos autodeclarado, apresentar e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de assentimento, estar na faixa etária entre seis a 16 anos. Os critérios de exclusão foram: possuir alterações comportamentais, de linguagem, visuais e motoras que inviabilizassem a execução dos instrumentos e incompletude das respostas na coleta de dados.
Para a coleta dos dados foram utilizados três instrumentos. O Juvenile Victimization Questionnaire (JVQ), para identificação de vitimização, o Five Digit Test (FDT) para investigar flexibilidade e inibição. O WISC IV foi usado para mensurar memória operacional e a compreensão Verbal (ICV).
O Juvenile Victimization Questionnaire (JVQ) é um questionário específico para mapear tipos de violência, vitimização, revitimização e polivitimização que os participantes da pesquisa podem ter sofrido ao longo da vida e/ou no último ano. O JVQ foi estruturado pelos pesquisadores Finkelhor, Hamby, Ormord e Turner (2005) nos Estados Unidos da América e traduzido e adaptado, para o contexto brasileiro, pelas pesquisadoras Faria e Zanini (2011), sem prejuízos da estrutura original.
O instrumento pode ser utilizado em crianças, adolescentes e adultos e versa sobre 34 situações de violência que podem ser agrupadas em cinco tipos de crivos. Os crimes convencionais são aqueles comumente identificados pelas autoridades policiais. Os maus-tratos avaliam a vivência de situações de violência ligadas diretamente a família ou a funcionários ligados ao cuidar (negligência, sequestro por familiar, abusos físicos e psicológicos). As vitimizações por pares, que são as agressões que ocorrem por indivíduos da mesma faixa etária, normalmente entre estudantes, incluindo as agressões por prática de bullying. A vitimização sexual, que são agressões relacionadas as questões ligadas sexualidade e engloba agressões sexuais por adulto, por pares, assédio sexual, estupro ou tentativa de estupro e assédio verbal ligados a sexualidade. As vitimizações indiretas se referem a testemunhar violência sofrida por outras pessoas, como testemunhar violência doméstica, presenciar os pais agredirem os irmãos ou cônjuge, testemunhar ataques, roubos, assassinato e exposição a conflitos étnicos (Hamby et al., 2004).
O Five Digit Test (FDT) é um teste psicológico destinado a avaliar as funções executivas a partir de dois componentes principais; inibição e flexibilidade. Nesse estudo foi utilizada a versão brasileira adaptada por Malloy-Diniz e de Paula (2015). A partir da contabilização das pontuações das quatro etapas do teste é possível identificar dois índices executivos, sendo eles, inibição (controle inibitório) e flexibilidade (flexibilidade cognitiva). A interpretação dos índices executivos segue as indicações das tabelas a partir da pontuação (bruta e desvio padrão), e considera-se que a cada acréscimo do desvio padrão pior será o desempenho no domínio avaliado.
A Escala Wechsler de Inteligência para crianças, 4ª edição, WISC IV (Wechsler, 2013) foi escolhida como instrumento de medida para memória operacional e compreensão verbal, a partir do Índice de compreensão verbal (ICV) e Índice de Memória Operacional (IMO). O IMO avalia a atenção, concentração e a memória operacional que pode ser pensada como um controle mental (processos executivos) envolvendo tarefas de ordem superior, uma vez que está relacionado a capacidade de reter informações temporariamente durante a realização de algumas operações ou ainda manipular essas informações. O Índice de compreensão verbal (ICV) avalia as habilidades verbais por meio do raciocínio, compreensão e conceituação. O bom desempenho no ICV aponta bom conhecimento cristalizado e bom nível de vocabulário, tais capacidades indicam um ambiente cognitivo mais enriquecido (Weiss et al, 2016).
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) sob protocolo CAAE 70171617.5.0000.0037 e número do parecer 2.223.772. Os contatos com os participantes da pesquisa ocorreram em escolas públicas e particulares sendo um primeiro contato com diretores, coordenadores e/ou professores.
Primeiramente a pesquisa foi apresentada para aos diretores e coordenadores das instituições após anuência dos mesmos era enviada uma carta aos pais explicando sobre a pesquisa juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após aprovação dos pais as crianças e adolescentes assinavam o Termo de Assentimento e iniciávamos a aplicação do JVQ, FDT e WISC IV.
A coleta de dados ocorreu entre junho de 2017 e junho de 2019 nos períodos matutino e noturno. A pesquisa seguiu as diretrizes e normas da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre pesquisa envolvendo seres humanos.
A análise de dados foi realizada no programa estatístico R. A análise de mediação e moderação foi realizada por meio de modelagem de equações estruturais (MEE) usando estimadores de mínimos quadrados ajustados pela média e variância (WLSMV - Weighted Least Squares Means and Variance Adjusted).
Vários modelos estruturais foram gerados para verificar as relações entre as variáveis analisadas. No modelo final, foram adicionadas as variáveis mediadoras da hipótese ICV (ponderado e QI) para analisar a associação entre as variáveis independentes (tipos de violência) e as variáveis de mediação (ICV) e entre essa e variável dependente (flexibilidade, inibição e memória operacional). Assim, o modelo final permitiu identificar efeitos diretos, tipos de violências, flexibilidade (bruto e desvio padrão), inibição (bruto e desvio padrão) e o IMO (ponderado e QI) e os efeitos indiretos tipos de violências, ICV (ponderado e QI), flexibilidade (bruto e desvio padrão), inibição (bruto e desvio padrão), IMO (ponderado e QI). O modelo final foi testado usando técnica de boostraping com 1.000 replicações.
As medidas de ajuste do modelo utilizadas foram: teste de qui-quadrado (ꭙ2)- quanto mais alto o valor do teste, melhor ajustado; Tucker-Lewis (TLI; referência de bom ajuste: TLI > 0,95), índice de ajustamento comparativo (CFI; referência: > 0,95), raiz do erro quadrático médio de aproximação (RMSEA; referência: < 0,05) e coeficiente de determinação (R2). Em todas as análises valores de p <0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
A Tabela 1 sintetiza os efeitos diretos dos tipos de violência (crimes convencionais, maus tratos, violência indireta, violência por pares e violência sexual) e o ICV nos domínios das FE, sendo eles flexibilidade, inibição e memória operacional em crianças. Mostra ainda o efeito direto dos tipos de violência na compreensão verbal.
Foram encontrados efeitos diretos significativos entre alguns tipos de violência ao longo da vida e funções executivas, conforme demonstrado na Tabela 1. Em suma, a violência indireta ao longo da vida interfere na flexibilidade, memória operacional e compreensão verbal. Os crimes convencionais, violência por pares e a violência sexual ao longo da vida e a violência sexual no último ano interferem na memória operacional e na compreensão verbal. Assim como a compreensão verbal interfere no bom desempenho na memória operacional das crianças.
A Tabela 2 mostra a análise de interação para verificar se a compreensão verbal (ICV pond. e ICV-QI) moderava a relação entre os tipos de violência e os domínios das FE. Os resultados mostraram que quanto maior o ICV (ponderado) das crianças, mais forte será o efeito do crimes convencionais, violência sexual, violência indireta e violência por pares ao longo da vida, violência indireta no último ano e polivitimização na memória operacional. Neste sentido quanto melhor desempenho em compreensão verbal pior será o desempenho em memória operacional em crianças que sofreram violência, ou seja, a violência ao longo da vida assim como a polivitimização, mesmo quando as crianças apresentam bons desempenhos em compreensão verbal, trazem prejuízos em memória operacional.
Quanto maior o ICV-QI, mais forte será o efeito dos crimes convencionais, violência indireta, violência por pares ao longo da vida, violência indireta no último ano e polivitimização na memória operacional. Assim parece que o bom desempenho em compreensão verbal piora o efeito dos crimes convencionais, violência indireta, violência por pares ao longo da vida e polivitimização na memória operacional.
ao longo da vida, porém o bom desempenho em compreensão verbal quando a criança sofre violência sexual no último ano, pode trazer prejuízos em inibição.

Efeitos diretos dos tipos de violência em crianças = 83
C Conv-A: Crimes convencionais último ano; C Conv-V: Crimes convencionais ao longo da vida; MTratos -A: maus tratos no útlimo ano; MTratos -V: maus tratos ao longo da vida; Sexual-A: violência sexual no último ano; Sexual V: violência sexual ao longo da vida; Indireta-A: violência indireta no último ano; Indireta-V:violência indireta ao longo da vidal; Pares-A: Violência por Pares no último ano; ParesV: violência por pares ao longo da vida.Nota=variáveis apresentadas como coeficiente de regressão (β) e IC95%.* significativo no nível de 0,05

Análise de moderação em crianças n=83
C Conv-A: Crimes convencionais último ano; C Conv-V: Crimes convencionais ao longo da vida; MTratos -A: maus tratos no útlimo ano; MTratos -V: maus tratos ao longo da vida; Sexual-A: violência sexual no último ano; Sexual V: violência sexual ao longo da vida; Indireta-A: violência indireta no último ano; Indireta-V:violência indireta ao longo da vidal; Pares-A: Violência por Pares no último ano; ParesV: violência por pares ao longo da vida. Nota=variáveis apresentadas como coeficiente de regressão (β) e IC95%. * significativo no nível de 0,0A Figura 1a mostra os modelos finais de mediação-moderação em crianças e a flexibilidade bruto. Quanto a flexibilidade bruto o resultado apontou efeito direto da violência indireta no último ano para flexibilidade-bruto e também efeito direto entre o ICV-ponderado e flexibilidade bruto. O caminho completo entre a violência sexual ao longo da vida ao ICV-QI e à flexibilidade bruto foi significativo. Assim, verificou-se associação entre violência sexual ao longo da vida e ICV-QI e associação entre ICV-QI e flexibilidade bruto. Esse resultado indica que o ICV-QI media os efeitos da violência sexual ao longo da vida na flexibilidade desvio padrão. Assim, a compreensão verbal pode ser considerada um fator de proteção porque minimiza os efeitos da violência sexual ao longo da vida na flexibilidade. Ainda, indica que a violência indireta contribui diretamente para explicar a variação da flexibilidade das crianças, independente da compreensão verbal.
Quanto a flexibilidade desvio padrão (Figura 1b) resultados semelhantes foram encontrados, mostrando efeito direto da violência indireta no último ano para flexibilidade e também efeito direto entre o ICV ponderado e flexibilidade. Também verificou efeito direto da violência sexual ao longo da vida e flexibilidade e crimes convencionais ao longo da vida e flexibilidade. O caminho completo entre a violência sexual ao longo da vida ao ICV-QI e à flexibilidade (variável dependente) foi significativo. Assim, verificou-se associação entre VSV e ICV-QI e associação entre violência sexual ao longo da vida e ICV-QI e flexibilidade bruto. Esse resultado indica que o ICV-QI medeia os efeitos da violência sexual ao longo da vida na flexibilidade, ou seja, a compreensão verbal minimiza os efeitos da violência sexual ao longo da vida na flexibilidade. Ainda, indica que a violência indireta no último ano, violência sexual na vida e maus tratos no último ano contribuem diretamente para explicar a variação na flexibilidade das crianças, independente da compreensão verbal em crianças.
Quanto a inibição bruto (Figura 1c) verificou-se efeito direto da violência por pares no último ano para inibição bruto, mas não efeito direto entre o ICV-ponderado e inibição. Também verificou efeito direto da violência sexual ao longo da vida e ICV-QI mas não se verificou associação entre ICV-QI e inibição. Esse resultado indica que o ICV-QI e ICV ponderado não mediam os efeitos de nenhum tipo de violência na inibição em crianças, ou seja, a compreensão verbal não influencia os efeitos de nenhum tipo de violência na inibição bruto. Também, indica que a violência por pares interfere diretamente a inibição-bruto em crianças e que a violência sexual ao longo da vida interfere no ICV-QI nessa população.
Quanto a inibição desvio padrão (Figura 1d) resultados semelhantes foram verificados. Verificou-se efeito direto da violência por pares no último ano para inibição, mas não efeito direto entre o ICV-ponderado e inibição. Também verificou efeito direto da VSV e ICV-QI mas não se verificou associação entre ICV-QI e inibição. Esse resultado indica que o ICV-QI e ICV-ponderado não mediam os efeitos de nenhum tipo de violência na inibição em crianças, ou seja, a compreensão verbal não influencia os efeitos de nenhum tipo de violência na inibição desvio padrão. Também, indica que a violência por pares interfere diretamente a inibição em crianças e que a violência sexual ao longo da vida interfere na variação do ICV-QI nessa população.
Quanto ao IMO ponderado (Figura 1E) o resultado mostrou efeito direto dos crimes convencionais no último ano para IMO; efeito direto da violência sexual no último ano e IMO e ; MTV e IMO. Também verificou efeito direto da VSV e ICV-QI, mas não entre ICV ponderada. Esse resultado indica que o ICV-QI e ICV-ponderado não mediam os efeitos de nenhum tipo de violência no IMO-ponderado em crianças. Também, indica que crimes convencionais e violência sexual no último ano, crimes convencionais, maus tratos e violência sexual a longo da vida contribuem diretamente para explicar a variação da IMO ponderado em crianças e que a violência sexual ao longo da vida contribui para explicar a variação do ICV-QI nessa população.
Quanto ao IMO QI (Figura 1f) o resultado mostrou efeito direto dos crimes convencionais no último ano para IMO-QI; efeito direto da violência sexual no último ano e IMO-QI ; CCV e IMO-QI; maus tratos ao longo da vida e IMO-QI; violência sexual ao longo da vida e IMO-QI. Também verificou efeito direto da violência sexual ao longo da vida e ICV-QI, mas não entre ICV-ponderado. Esse resultado indica que o ICV-QI e ICV-ponderado não mediam os efeitos de nenhum tipo de violência no IMO-QI em crianças. Também, indica que crimes convencionais, violência sexual no último ano, crimes convencionais e maus tratos e violência sexual ao longo da vida contribuem diretamente para explicar a variação da IMO QI em crianças e que a violência sexual na vida contribui par explicar a variação do ICV-QI nessa população.






A maior parte dos estudos que investigaram os efeitos da vivência da violência nas funções executivas em crianças apontam prejuízos no desenvolvimento das FE (Vasilevski & Thuker, 2016; De Bellis et al., 2019, Kelder et al., 2018), porém não foram encontrados estudos que investigaram fatores que poderiam moderar ou mediar os efeitos de diferentes tipos de violência. O objetivo deste estudo foi investigar o papel mediador ou moderador da compreensão verbal sobre os efeitos da vivencia de violência nas FE de crianças.
Os resultados apontaram que o único tipo de violência que não apresentou efeitos diretos em crianças foram os maus tratos. Esse dado não corrobora a maioria das pesquisas que apontam que os maus tratos prejudicam as FE na infância (Nooner, Hooper & De Bellis, 2018; Tran et a., 2017). O que poderia justificar essa a diferença de resultados é que, a maioria das pesquisas que investiga especificamente os maus tratos inclui o abuso sexual nesta categoria (De Bellis, 2018; Borges & Dell’Aglio, 2009). Embora esta classificação seja válida, neste estudo optou-se por usar um instrumento que avaliasse separadamente maus tratos e violência sexual por entender que empiricamente poderiam trazer informações relevantes diversas. De fato, os dados revelaram que, enquanto a vivencia de violência sexual produz efeito direto sobre as FEs, a vivencia de maus tratos (avaliado como: Você sofreu algum tipo de negligência?), não possui efeito direto sobre as FEs de crianças.
Neste estudo também se observou que a vivência de crimes convencionais, violência por pares e a violência sexual ao longo da vida diminui a capacidade das crianças em flexibilizar o raciocínio, armazenar e manejar informações, além de prejuízos na compreensão verbal e consequentemente no desempenho acadêmico. Este dado é corroborado por outros estudos (Ghazarian & Buehler, 2010; Nooner, Hooper & De Bellis, 2018), utilizando instrumentos semelhantes, ou mesmo quando usaram instrumentos diferentes tanto para investigação da violência (programas de proteção e escalas de investigação para bulliyng), quanto para avaliação do desempenho em memória de trabalho (WISC III), flexibilidade (Winsconsin) (Dertelmann, 2011; Medeiros, 2015). Em conjunto esses dados apontam que a cronicidade da violência aumenta as chances de seu impacto nas FE.
Em relação ao impacto indireto da violência sobre as FEs, observou-se que a compreensão verbal moderou os efeitos dos diferentes tipos de violências e possíveis prejuízos em FE nas crianças. Neste sentido, quanto melhor desempenho em compreensão verbal (ponderado) pior será o desempenho em memória operacional em crianças que sofreram violência ao longo da vida e polivitimização. Parece então, que ter bom desempenho em compreensão verbal (ICV ponderado) piora o desempenho na memória operacional, quando a criança sofre diferentes tipos de violência (crimes convencionais, violência sexual, violência indireta e violência por pares) ao longo da vida.
Esses dados confirmam que o estresse causado pela vivência de violência pode aumentar os níveis de cortisol e trazer prejuízos significativos nas FE (Irigarav, Pacheco & Leite, 2013; Lugarinho, Avanci & Pinto, 2016; Linares et al., 2013), porém para além disso os dados apontaram que a cronicidade da violência pode ser ainda mais severa, uma vez que sugere que mesmo um ambiente cognitivo mais enriquecido não é suficiente para evitar prejuízos na memória operacional em crianças que sofreram violência ao longo da vida, ao contrário, parece intensificar os efeitos da violência sobre as FEs.
O mesmo resultado foi encontrado em relação a moderação da compreensão verbal e vitimização sexual no último ano para inibição. Os dados corroboram com os estudos que apontam que a vitimização sexual na infância compromete o desempenho em inibição (De Prince et al.,2009; Nuñes Carvalho, 2016) . Mas para além do efeito direto, a presente pesquisa apontou que a compreensão verbal modera os efeitos da violência sexual no último ano prejudicando a inibição. Porém, para a vitimização sexual ao longo da vida os dados são diferentes, demonstrando que um bom desempenho em compreensão verbal possibilita melhores estratégias de inibição, ou seja, a boa capacidade de raciocínio verbal pode ser um aliado para estratégias de autocontrole.
Quanto a mediação, a violência sexual no último ano e ao longo da vida foi a única vitimização que afetou a compreensão verbal trazendo prejuízos na flexibilidade, os demais tipos de violência não apresentaram mediação nem com inibição nem com memória operacional. Contudo a violência sexual no último ano e ao longo da vida afetam de forma diferente a compreensão verbal na flexibilidade.
A violência sexual no último ano, na infância, afeta a compreensão verbal trazendo prejuízos na flexibilidade, esses dados corroboram com os estudos que apontam que a violência sexual compromete a compreensão verbal e flexibilidade (Nooner, Hooper & De Belis, 2018) porém a presente pesquisa apontou que a vitimização sexual pode ser ainda mais prejudicial uma vez que seu efeito pode ser tão significativo na compreensão verbal que afetar a capacidade em criar estratégias e solucionar problemas, capacidade importante tanto para os processos de aprendizagem quanto para ações rotineiras.
Contudo, a compreensão verbal parece ser um fator protetor para a violência sexual ao longo, uma vez que melhora o desempenho em flexibilidade propiciando uma melhor capacidade de criar estratégias novas de adequação para situações adversas. Nesse sentido um ambiente enriquecido em educação pode minimizar os efeitos da violência sexual ao longo da vida em crianças.
De forma geral os dados apontam que a vivência de diferentes tipos de violência causam comprometimentos mais significativos em FE, mesmo quando inseridas em ambientes enriquecidos em educação. Esses dados podem estar relacionados ao fato de que nas crianças as FE (inibição, flexibilidade e MO) estão ainda menos desenvolvidas do que nos adolescentes (Dias & Seabra, 2013; Huizinga, Dolan & Molen, 2006) causando piores prejuízos. Contudo a compreensão verbal pode ser um fator protetor, na violência sexual ao longo da vida em crianças; na violência sexual e crimes convencionais, no último ano e ao longo da vida em adolescentes.
Em suma, este artigo apontou para os efeitos diretos e indiretos dos diferentes tipos de violência sobre o desenvolvimento das FEs em crianças. Esses resultados lançam luz na compreensão de um fenômeno que constitui um problema social e de saúde pública pois indica que a violência pode trazer consequências imediatas mas também afetar a compreensão verbal de crianças e adolescentes o que impactaria no decorrer de suas vidas e no processo de escolarização. Em conjunto esses dados reforçam a necessidade de políticas públicas de prevenção e intervenção em situações de violência assim como a necessidade de melhorar os processos de educação que podem ser um fator de proteção para as vivências de violência, na infância e adolescência.
Em estudos futuros, sugere-se investigação sobre as vivência de crimes convencionais que ainda são pouco estudados além de investigação acerca de dados sócio demográfica com identificação de escolaridade dos familiares, número de pessoas que moram na casa para comparações relacionados a suporte familiar. Essas informações poderão auxiliar no desenvolvimento de estratégias para aprimoramento na educação na infância e adolescência.

Efeitos diretos dos tipos de violência em crianças = 83
C Conv-A: Crimes convencionais último ano; C Conv-V: Crimes convencionais ao longo da vida; MTratos -A: maus tratos no útlimo ano; MTratos -V: maus tratos ao longo da vida; Sexual-A: violência sexual no último ano; Sexual V: violência sexual ao longo da vida; Indireta-A: violência indireta no último ano; Indireta-V:violência indireta ao longo da vidal; Pares-A: Violência por Pares no último ano; ParesV: violência por pares ao longo da vida.Nota=variáveis apresentadas como coeficiente de regressão (β) e IC95%.* significativo no nível de 0,05
Análise de moderação em crianças n=83
C Conv-A: Crimes convencionais último ano; C Conv-V: Crimes convencionais ao longo da vida; MTratos -A: maus tratos no útlimo ano; MTratos -V: maus tratos ao longo da vida; Sexual-A: violência sexual no último ano; Sexual V: violência sexual ao longo da vida; Indireta-A: violência indireta no último ano; Indireta-V:violência indireta ao longo da vidal; Pares-A: Violência por Pares no último ano; ParesV: violência por pares ao longo da vida. Nota=variáveis apresentadas como coeficiente de regressão (β) e IC95%. * significativo no nível de 0,0




