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O Jornal Batista, o estandarte e referências para o estudo da educação protestante no Brasil entre 1893 e 1930

O Jornal Batista, O Estandarte and references for the study of Protestant education in Brazil between 1893 and 1930

Paulo Julião da Silva
Secretaria de Estado da Educação de Pernambuco, Brasil

O Jornal Batista, o estandarte e referências para o estudo da educação protestante no Brasil entre 1893 e 1930

Revista Tópicos Educacionais, vol. 25, núm. 1, pp. 64-77, 2019

Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Resumo: O presente texto tem como objetivo trazer uma exposição das relações teórico-metodológicas das pesquisas que venho desenvolvendo desde o final do doutorado defendido na UNICAMP em fevereiro de 2016. Enfatizo os periódicos O Jornal Batista e O Estandarte como minhas principais fontes analisadas. Também trago um levantamento de uma bibliografia atualizada que auxilia na construção dos debates entre os sujeitos envolvidos nas discussões. A temática se insere dentro do campo da História Cultural, transitando entre religião e educação, buscando entender as relações entre esses dois campos e suas nuances, principalmente no que se refere as denominações Batista e Presbiteriana Independente.

Palavras-chave: Protestantes+ O Jornal Batista+ O Estandarte+ Educação+ Religião.

Abstract: This text aims to bring an exposition of the theoretical-methodological relations of the research that I have been developing since the end of the doctorate defended at UNICAMP in 2016. I emphasize the periodicals O Jornal Batista and O Estandarte as my main analyzed sources. I also bring a survey of an updated bibliography that helps in the construction of debates between the subjects involved in the discussions. The theme falls within the field of Cultural History, moving between religion and education, seeking to understand the relationships between these two fields and their nuances, especially with regard to the denominations Batista and Independent Presbyterian.

Keywords: Protestants, O Jornal Batista, O Estandarte, Education, Religion.

O trabalho de pesquisa com a história da educação alinhado à história das religiões vem sendo do meu interesse desde o final do doutorado. O último capítulo da minha tese, defendida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em fevereiro de 2016, inclusive, trata da inserção missionária batista no Brasil Central através de projetos educacionais1. Amparado pelas questões teóricas e metodológicas que norteiam minhas discussões desde os primeiros passos ainda na especialização, optei por trabalhar inicialmente nas pesquisas desenvolvidas desde então, entre os limites e possibilidades da História Cultural da Educação e História Cultural das Religiões no Brasil, principalmente em se tratando da construção dos discursos, das práticas e das representações em periódicos de duas instituições protestantes presentes no país desde o século XIX (Igreja Batista e Igreja Presbiteriana Independente).

A pesquisa que venho desenvolvendo objetiva analisar a construção de discursos, práticas e representações educacionais por essas duas instituições, principalmente nos periódicos de circulação nacional que as referidas igrejas possuem há mais de cem anos (O Jornal Batista e O Estandarte). Principalmente em se tratando da Igreja Presbiteriana Independente, o tema é pouco explorado, preferindo grande parte dos pesquisadores se debruçar nos projetos educacionais da Igreja Presbiteriana do Brasil ou mesmo da Igreja Metodista.

Com o recorte temporal da pesquisa abordo um período que compreende o de fundação do jornal O Estandarte (07 de janeiro de 1893), d’O Jornal Batista (10 de janeiro de 1901), bem como de boa parte da Primeira República (1889-1930). Trata-se de um contexto com características plurais quanto às questões educacionais no Estado e nas instituições a serem analisadas.

Quanto às concepções estatais, é sabido que no período o país passava por transições políticas profundas que levara a intensos debates relativos à educação. A religião entrou nesse debate, pois o tema da laicidade era constantemente solicitado nos periódicos protestantes, pois muitas escolas públicas continuavam tendo em padres e freiras seus aportes como mestres, bem como sua condução ideológica e pedagógica. No que concerne às instituições (escolas e colégios) evangélicas, havia uma multiplicação de empreendimentos educacionais em diversas partes do país, muitas vezes com apoio e consentimento de políticos que não necessariamente eram religiosos, mas que viam na metodologia protestante um espelho daquilo que se ensinava nos Estados Unidos, país tidos por liberais e até positivistas naquele momento como o ideal de desenvolvimento e de progresso2.

Nas análises documentais até então realizadas é possível perceber que os discursos, as práticas e as representações educacionais dos protestantes foram fundamentais para o compartilhamento e a formação de uma mentalidade política, religiosa e pedagógica daquilo que se sonhava como ideal de nação. Entre as concepções a serem destacadas estão as ideias de progresso técnico, científico, educacional, moral e religioso que se objetivava alcançar com a criação de instituições escolares pelos protestantes que estavam chegando, ou que já haviam se consolidado no Brasil naquele momento.

Contudo, vale ressaltar que a preocupação protestante não se deu apenas em relação às questões escolares. É possível perceber que nas próprias igrejas, as escolas dominicais (espaços para o aprendizado bíblico, principalmente de crianças) estavam sendo constantemente tratadas em discursos nos periódicos evangélicos. A educação nos lares também esteve presente. Educar as crianças em sua forma de vestir, andar, comer, socializar deveria ser uma preocupação dos pais, para que os filhos não fossem influenciados por práticas consideradas mundanas. É possível perceber que o que se chamava de “práticas mundanas” estavam relacionadas ao modo de viver da população que não era protestante. Na maioria dos casos apontados nos jornais, o “mundo” era visto como o catolicismo, que seria o responsável por toda a desagregação moral, política e educacional pela qual supostamente passava o país naquele momento3.

É importante destacar que as pesquisas em torno do protestantismo vêm aumentando nos últimos anos, muitas delas procurando entender o crescimento quantitativo desse grupo, principalmente no que se refere aos neopentecostais. Em diversas áreas das ciências humanas e sociais, questões políticas, teológicas, antropológicas, sociológicas, filosóficas e históricas são objetos de estudos em grupos de pesquisa, graduações diversas e programas de pós-graduação4.

Entendo que essa pesquisa é importante pela pretensão da apreensão de como nos primeiros anos da República no Brasil, nos quais as discussões relativas as questões educacionais eram constantemente debatidas, os protestantes se inseriram em tais debates e desenvolveram práticas que, em certo sentido, demonstravam preocupação com a situação educacional enfrentada pela população naquele momento. É importante ressaltar que o Movimento da Escola Nova, que ganhou força no Brasil nos anos 1920, culminando com a assinatura do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, fez parte desse contexto de descobertas, debates, discursos, práticas e representações de quem e para quem pensava uma educação para o país baseada em discursos de progresso, principalmente quando se falava dos Estados Unidos5.

Como citado anteriormente, a historiografia acerca do protestantismo no Brasil tem se concentrado, principalmente nas pesquisas que se relacionam com as igrejas neopentecostais. Isso não quer dizer que não exista pesquisas relacionadas a instituições de ensino de igrejas fora desse grupo. Contudo, como o grupo de evangélicos que cresce no país é, em sua maioria, de neopentecostais, não seria de se estranhar que ele despertasse o interesse daqueles que buscam entender esse fenômeno religioso que possui uma ascendência em terras brasílicas desde a chegada dos primeiros protestantes no século XIX6.

Entender esse fenômeno educacional protestante a nível nacional nos possibilita compreender as similaridades e diferenças no processo de estratégias de implantação e de consolidação dos projetos educacionais que os tais grupos estavam aos poucos implantando no país. Lembro que os debates acerca dos discursos, práticas e representações educacionais se configuraram em espaços de lutas e de disputas de poder contra o Estado, contra a Igreja Católica e contra outros grupos protestantes, que em determinados momentos eram vistos como rivais por aqueles que não coadunavam com os mesmos princípios doutrinários7.

A discussão sobre os significados de discurso, práticas, representações, poder, etc., dentro da perspectiva da história cultural, tem me ajudado nas análises das fontes pesquisadas. Enfatizo tais conceitos, ou alguns deles que a pesquisa me leva a enfatizar, procurando entender as propostas educacionais presbiterianas e batistas para uma República que acabara de nascer, e que buscava uma identidade ainda em construção naquele período.

Entendo, assim como Michel Foucault, que todo discurso, ou embate discursivo, envolve uma relação de poder8. Com Roger Chartier acabo percebendo que as práticas e as representações fazem parte da estruturação de uma sociedade9. Dou ênfase em tais questões, as quais já encontrei em uma leitura prévia da documentação, na qual pude perceber, ao menos de modo inicial, a maneira que os protestantes pensavam a educação para o Brasil na Primeira República.

Apontamentos bibliográficos

Sobre o estudo da educação protestante nesse contexto, entendo que seja fundamental a exposição de alguns autores que se debruçaram direta e indiretamente sobre a temática. Algumas tratam da importância que os evangélicos deram ao ensino de forma mais genérica, como se todos os protestantes se interessassem pelo tema, e como se todas as igrejas que aqui existiam na Primeira República tivessem construído uma escola. Outros analisam mais diretamente algumas denominações ou mesmo instituições, mostrando como cada uma delas foi importante para a construção da mentalidade protestante naquele contexto. Em alguns casos, essas instituições não necessariamente eram batistas ou presbiterianas, mas recebiam egressos de diversas denominações que viam naqueles locais um “porto seguro” contra as influências católicas, ou mesmo como uma referência de ensino voltado para um melhor desenvolvimento científico e para o progresso.

Um terceiro grupo opta por analisar educadores, em sua coletividade ou na sua individualidade, procurando mostrar as razões que levaram a tais pessoas a decidirem pela profissão de docente, principalmente em um contexto em que ela se confundia com a de um missionário. Muitos foram os casos de mulheres que migravam dos Estados Unidos para o Brasil com o sonho de transformar o país através do protestantismo batista. Homens, principalmente aqueles que eram pastores, viam na educação, principalmente no letramento, a oportunidade de inserção dos conversos no mundo da leitura bíblica, algo quase que proibido em muitos círculos religiosos no Brasil ainda naquele contexto.

Vale ainda destacar um quarto grupo que, mesmo não debatendo diretamente a visão que o protestantismo tem em relação a educação, entendeu como naquele contexto as questões educacionais eram relevantes e mereciam ser debatidas. Mesmo não expondo na ordem acima apresentada, entendo a importância de citar alguns autores que contribuem para um panorama da importância que a educação teve nos círculos evangélicos no contexto histórico delimitado neste projeto.

A educação foi vista por Antonio Gouvea Mendonça como um dos principais baluartes do protestantismo no Brasil. Desde o início, escolas eram construídas ao lado de igrejas com o objetivo de alfabetizar as pessoas para que tivessem acesso à leitura da Bíblia. O desejo de evangelizar o Brasil e de supostamente contribuir para o progresso do país levou os evangélicos e debaterem sobre o tema e implantarem instituições que não apenas ministrassem o ensino formal, mas que divulgassem os ideais cristãos e norte- americanos que estavam inseridos nos discursos batistas e presbiterianos de então10.

Edivilson Cardoso Rafeta mostra a importância de instituições de ensino que foram constituídas entre o final do século XIX e o início do século XX, principalmente presbiterianas e metodistas, que se transformaram em referências pedagógicas e metodológicas nas regiões nas quais tais instituições foram inseridas. Fazendo uma análise mais apurada da Universidade Metodista de Piracicaba, analisa a construção daquela instituição desde a fundação do Colégio Piracicabano até se transformar em um dos mais tradicionais espaços do ensino superior paulista11.

João Pedro Gonçalves de Araújo mostra como as mulheres dentro do cristianismo, mais especificamente no caso dos batistas, objeto de sua pesquisa, foram educadas para estarem caladas nas igrejas. Por mais que muitas delas tenham sido as principais responsáveis pela expansão do protestantismo no país, suas vozes eram silenciadas em um processo de enquadramento que poderia levar a punição e a exclusão daquele convívio. Contudo, muitas dessas mulheres usaram justamente os espaços educacionais para se colocarem como vozes de um protestantismo que estava de desenvolvendo na transição do século XIX para o século XX. Eram nas escolas, sejam nas igrejas ou fora delas, que os discursos, práticas e representações femininas se faziam notar, mesmo quando as lideranças masculinas as tiravam do foco12.

Ierson Silva Batista analisou a constituição da doutrina batista e de como ela se adaptou para sua implantação nos locais de expansão missionária da denominação. Doutrina essa que esteve presente na maneira de se reconhecer como batista e de se pensar as instituições de ensino que eram abertas pelas lideranças missionárias. De forma direta, como em escolas bíblicas, ou de forma indireta, como nos colégios que foram constituídos no país no contexto analisado, os discursos sobre o ser batista estiveram presentes nas práticas educacionais de professores, alunos, pastores e fiéis13.

Valdinei Ferreira, ao analisar a constituição do protestantismo no início da Idade Moderna, mostra que uma das principais práticas das instituições que se desvencilhavam do catolicismo naquele contexto foi justamente a educação. Destaca ainda como diversos autores da idade contemporânea trazem a “vocação educacional” protestante como um dos marcos da atividade missionária desse grupo ao longo da história. Em relação ao Brasil, o autor discute justamente essa análise do ponto de vista sociológico. Ao fazer um apanhado histórico de algumas figuras eminentes do protestantismo no país, traz a professora Martha Hite Watts (pioneira no trabalho de educação entre os metodistas no Brasil) e suas contribuições no processo de expansão educacional evangélica no contexto aqui elencado14.

Carlos Eduardo B. Calvani apresenta um panorama histórico das iniciativas educacionais protestantes no Brasil. Focando sua pesquisa nos primeiros missionários norte-americanos, procura entender as razões da implantação e expansão de escolas e colégios pelas mais diversas instituições evangélicas que aqui se desenvolveram. Em sua visão, entende que a busca pelo investimento em instituições educacionais se estagnou com o crescimento, nas igrejas brasileiras, das ideias do fundamentalismo norte- americano, que procurou enfatizar mais a conversão, o evangelismo mais agressivo “e um acentuado pré-milenismo, inibidor de qualquer iniciativa de projetos permanentes para a história”15.

Mariana Ellen Santos Seixas, ao analisar as estratégias de consolidação do protestantismo no Brasil, investiga alguns setores da sociedade oitocentista que foram alvos do proselitismo protestante no país. A autora trata da relação que se fazia entre protestantismo e progresso como estratégia de propaganda para se angariar adeptos à nova religião que se estabelecia. Nesse sentido, as deficiências educacionais do século XIX foram vistas pelos evangélicos como problemas que poderiam ser supridos com a presença protestante. A educação de mulheres, inclusive, era a mais enfatizada nos periódicos evangélicos, uma vez que elas foram vistas como parte fundamental do processo de moralização e modernização do país16.

Émile G. Léonard entende que o interesse dos protestantes no Brasil pela questão da educação seria, na verdade, uma retomada da prática católica de inserção na sociedade, uma vez que a maioria dos reformadores se concentrou no proselitismo e na conversão. As escolas, as quais ele chama de instituições “para-eclesiásticas”, ofereciam ao protestantismo uma forma de propagação indireta da sua fé no país17.

Caleb Soares, em um texto mais confessional do que de análise histórica, traz a importância que a educação sempre teve para os presbiterianos, sejam os da Igreja Presbiteriana do Brasil (IBP), ou os da Igreja Presbiteriana Independente (IPI). Deixa claro que a ideia protestante não seria apenas a questão da evangelização no Brasil, mas o progresso que se vivia em países protestantes como na Inglaterra e, principalmente, nos Estados Unidos. Os colégios aqui implantados serviriam nesse sentido. Ganhar as elites para que elas entendessem o caminho do desenvolvimento. E esse caminho seria possível a sua descoberta com o maior número de brasileiros, conversos ou não, matriculados nas instituições de ensino protestante18.

Boanerges Ribeiro, pastor e historiador presbiteriano, ocupou-se em mostrar as necessidades de se investir em educação por parte dos protestantes na Primeira República. Uma das razões apresentadas pelo referido autor foi a divisão ocorrida em 1903 que deu origem a Igreja Presbiteriana Independente. Seria necessário o investimento para a formação das novas lideranças que se estabeleciam. Além, é claro, da educação que já era praticada por boa parte dos evangélicos em escolas dominicais e em colégios. É certo que o autor traz um certo saudosismo denominacionalista em suas análises, mas acredito que sua obra pode contribuir como uma importante fonte de pesquisa para a temática aqui analisada19.

Os autores acima citados são de suma importância para as análises que estão sendo desenvolvidas ao longo da nossa pesquisa. Com as fontes analisadas e as relações teórico- metodológicas, busco a compreensão da importância dada à educação pelos protestantes brasileiros, especialmente nos periódicos destacados no início do presente texto.

Relações teórico-metodológicas

Ao longo do processo da pesquisa venho utilizando os periódicos descritos anteriormente com o objetivo de entender os discursos, as práticas e as representações educacionais dos dois grupos protestantes que pretendo analisar. Nesse sentido, os arquivos do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (STBNB) e do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) são os locais onde faço a busca documental e bibliográfica. No STBNB encontra-se o acervo d’O Jornal Batista e uma vasta bibliografia referente à denominação. Pode-se falar o mesmo do SPN quando se trata de fontes e referências presbiterianas. Contudo, vale ressaltar que teses, dissertações, artigos e outros textos que se encontram em plataformas digitais são de grande valor nas nossas discussões.

Nas análises das fontes e bibliografia, como já dito anteriormente, faço uso das propostas da História Cultural, enfatizando as relações de poder através do saber e do simbólico, e as crises sofridas pelas estruturas religiosas com esses embates. Para isso algumas considerações de Michel Foucault nos são de grande utilidade. Analisando as fontes com as perspectivas da Análise de Discurso que o autor trabalha, percebe-se que o importante não é encontrar verdades nas fontes, mas o efeito de sentido causado pelos discursos nas diversas esferas sociais. Com o autor ainda pode-se analisar as diversas disputas pelo exercício do poder que envolvia os debates nas instituições analisadas, percebendo de que maneira essas discussões contribuíram para a construção de discursos, práticas e representações educacionais nos periódicos das denominações pesquisadas20.

Pierre Bourdieu, em suas análises sobre a relação de poder, mostra que o simbolismo presente nas lideranças eclesiásticas, muitas vezes contribui para que os discursos religiosos tenham o fim desejado pelo líder. O fiel, muitas vezes, quando escuta o padre, o bispo ou o pastor, se sente escutando a voz de Deus, o que concorre para a realização de práticas e condutas nessa relação entre líderes e liderados. Desta forma, o autor está sendo utilizado na tentativa de perceber a maneira que as lideranças das instituições protestantes utilizavam desse poder simbólico na construção de discursos e representações educacionais no contexto proposto21.

Peter L. Berger, define a religião como principal legitimadora social ao longo dos séculos. Ela funcionaria como uma forma de legitimação da realidade visível e invisível nas instituições e nas sociedades dando-lhes o caráter sagrado. Como na maior parte da história humana, a sociedade se manteve sob o víeis religioso, essa influência religiosa nas instituições sociais que, em alguns casos, são constituídas como um reflexo das instituições “divinas”. Porém, o autor descreve que com o avanço da secularização da sociedade - que gerou a crise nas estruturas de plausibilidades religiosas - principalmente nos países desenvolvidos, a religião se viu ameaçada de seu papel legitimador, e procurou outras formas de adentrar nos campos social e político, mesmo que extraoficialmente. A educação foi uma dessas formas que o protestantismo se utilizou para adentrar nos diversos seguimentos sociais no Brasil no período aqui proposto22.

Roger Chartier me é útil para discutir as diversas representações construídas pelas partes envolvidas nas discussões que estão sendo levantadas. Os conflitos de representações eram constantes entre das denominações evangélicas, e o uso das considerações do autor nos ajudará a entender como os embates a serem analisados em nossa pesquisa foram constituídos23.

Por fim, Nicola Gasbarro, representante da História Italiana das Religiões e que tem suas análises dentro do campo da história cultural, ao analisar as questões de alteridades dentro dos campos religiosos, mostrou o cristianismo como uma religião que se propõe historicamente universal e, portanto, apto a estabelecer os critérios e as perspectivas de comparabilidade, bem como a reivindicar a prioridade epistemológica no encontro com culturas distintas. Pela arrogância simbólica da universalidade, o cristianismo impõe as relações de sentidos nos diversos processos de inserção cultural. Porém, Gasbarro lembra que, conforme as relações e as hierarquias missionárias vão variando de acordo com o contexto, são necessárias mudanças de perspectivas e dos métodos de inserção cultural. No protestantismo, em alguns casos muda-se o conteúdo da mensagem, bem como o efeito de suas transformações. São necessárias trocas culturais entre o evangelizador e o evangelizado facilitando, dessa forma, a transmissão da mensagem por quem se propõe a evangelizar24.

As discussões expostas acima têm sido fruto de pesquisas realizadas ao desde o final do meu doutoramento na UNICAMP em fevereiro de 2016. Trabalhar dentro do campo da História Cultural, entre os limites da história da educação e história da religião, tem me permitido perceber nuances e percalços que essas duas disciplinas tem sofrido no Brasil, principalmente a partir da presente década. Entendo que a religião continua tendo uma forte influência nas questões educacionais, seja em sua forma mais confessional, ou em sua forma mais abrangente, no que concerne a organizações institucionais e relações morais. No caso do protestantismo, objeto mais específico da minha pesquisa, entendo que ele ganha cada dia mais influência na forma de se pensar o mundo, as relações sociais, os parâmetros educacionais e os rumos políticos em nossa sociedade. Representantes do protestantismo estão cada vez mais presentes na política, ditando rumos institucionais, familiares e morais, os quais podemos liga-los diretamente ao que entendemos por questões educacionais.

Referências

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Notas

1 SILVA, Paulo Julião da. Entre a evangelização e a política: a expansão missionária batista para o Brasil Central. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História da UNICAMP, Campinas, 2016.
2 NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas Boas Carvalho. Educar, curar, salvar. Um ilha de civilização no Brasil tropical. Tese (Doutorado em Educação). - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
3 ALMEIDA, Jane Soares de. Missionárias norte-americanas na educação brasileira: vestígios de sua passagem nas escolas de São Paulo no século XIX. Revista Brasileira de Educação, São Bernardo do Campo, n. 35, v, 12 pp. 327 - 342, 2007.
4 Gedeon Freire de Alencar. Matriz pentecostal brasileira: Assembléias de Deus 1911-2011 . Rio de Janeiro: Novos Diálogos, 2013.
5 SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do “longo século XX” brasileiro. In: SAVIANI, Dermeval (et. al.). O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.
6 SOUZA, Alexandre Carneiro de. Pentecostalismo: de onde vem, para onde vai? Viçosa (MG): Ultimato, 2004.
7 SOUZA, José Roberto de. Presbiterianos x pentecostais: a reação da Igreja Presbiteriana do Brasil ao advento do pentecostalismo em Pernambuco (1920-1930). São Paulo: Fonte Editorial, 2016.
8 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
9 CHARTIER, Roger. A História Cultural ⎯ entre práticas e representações, Lisboa: DIFEL, 1990.
10 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: A inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1995.
11 RAFAETA, Edvilson Cardoso. Luminoso farol: o Colégio Piracicabano e a educação feminina em fins do século XIX. 2008. - Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós- graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP, Campinas, 2008.
12 ARAÚJO, João Pedro Gonçalves. História, tradições e pensamentos batistas. São Paulo: Fonte Editorial, 2015.
13 BATISTA, Ierson Silva. O discurso batista: considerações à luz da análise do discurso. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.
14 FERREIRA, Valdinei. Protestantismo e modernidade no Brasil: da utopia à nostalgia. São Paulo: Editora Reflexão, 2010.
15 CALVANI, Carlos Eduardo B. A educação no projeto missionário do protestantismo no Brasil. Revista Pistis Prax. Curitiba, v. 1, n. 1, Jan-Jun. 2009, pp. 53-69. p. 53.
16 SEIXAS, Mariana Ellen Santos. Protestantismo, política e educação no Brasil: a propaganda do progresso e da modernização. Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, PR, Ano III, n. 7, 2010, pp. 333-358.
17 LÉONARD, Émile G. O protestantismo brasileiro: estudo de eclesiologia e história social. São Paulo: ASTE, 2002.
18 SOARES, Caleb. 150 anos de paixão missionária: o presbiterianismo no Brasil. Santos (SP): Instituto de Pedagogia Cristã, 2009.
19 RIBEIRO, Boanerges. Igreja Evangélica e República Brasileira (1889-1930). São Paulo: O Semeador, 1991.
20 FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
21 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
22 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 2004.
23 CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141991000100010&script=sci_arttext. Acesso em: 03/03/2019.
24 GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In.: MONTERO, Paula (Org). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006, pp. 67-109.

Autor notes

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