ARTIGO
A IMPRENSA E OS INTELECTUAIS EM MATO GROSSO: espaços de sociabilidades e circulação de ideias no final do século XIX
THE PRESS AND INTELLECTUALS IN MATO GROSSO: spaces of sociability and circulation of ideas in the 19th century
A IMPRENSA E OS INTELECTUAIS EM MATO GROSSO: espaços de sociabilidades e circulação de ideias no final do século XIX
Revista Tópicos Educacionais, vol. 27, núm. 2, pp. 52-74, 2021
Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Recepção: 15 Novembro 2021
Aprovação: 28 Novembro 2021
Resumo: As reflexões apresentadas pautam-se no exame da imprensa periódica de Mato Grosso, no tocante à investigação de aspectos relacionados ao papel exercido por este suporte, na formatação de intelectuais mediadores entre o conhecimento e a sociedade durante os anos de 1880 a 1920. Os jornalistas, categoria, à época, ainda fluída em termos profissionais, desfrutavam de legitimidade social, vinculando-se à produção, circulação e divulgação de valores (MICELI, 2001), e são tomados como intelectuais “no sentido do escritor ou erudito que se posiciona sobre questões públicas” (BURKE, 2016, p. 51). Partindo de uma conceituação ampla de intelectuais, tal como proposta por Jean-François Sirinelli (1998, 2003), incluem-se professores e educadores profissionais nessa investigação.
Palavras-chave: imprensa periódica, Mato Grosso, intelectuais.
Resumo: The reflections presented are based on an examination of the Mato Grosso periodical press, regarding the investigation of aspects related to the role played by this support, in the formatting of intellectual mediators between knowledge and society during the years 1880 to 1920. Journalists, category, at the time, still fluid in professional terms, enjoyed social legitimacy, being linked to the production, circulation and dissemination of values (MICELI, 2001), and are taken as intellectuals "in the sense of the writer or scholar who takes a stand on public issues” (BURKE, 2016, p. 51). Based on a broad conceptualization of intellectuals, as proposed by Jean-François Sirinelli (1998, 2003), professional teachers and educators are included in this investigation.
Keywords: periodical press, Mato Grosso, intellectuals.
No alvorecer da República o discurso sobre a modernidade e seus signos - o telégrafo, a luz elétrica, a água potável, a urbanização, os bondes e ferrovias - permeavam o cotidiano nacional. A imprensa mato-grossense também se fascinava pelos mesmos, não poupando esforços e recursos visando sua entrada nos tempos modernos. Mato Grosso estava em sintonia com outras localidades do país: sua imprensa desempenhou papel significativo, sendo agente e, ao mesmo tempo, indício de transformações vinculadas à modernidade material e intelectual que alcançava a região e o território nacional, consolidando alianças políticas, atando laços, colocando informações em circulação a respeito de temas silenciados, trazendo, ao menos no plano do discurso impresso, os tão aclamados louros do progresso e civilização ao sertão2, favorecendo uma região supostamente de pouca visibilidade no cenário nacional.
Constituía-se, pois, em um espaço plural: de debates, lutas políticas, disputas, movimentação e circulação de ideias! A propósito do que enuncia Sirinelli, consolida-se sob intensa fermentação intelectual, promovida pelo esforço de escrita semanal, busca de informações a serem divulgadas, posicionamento político, ideológico, moral e social cujos textos refletem3 . O exercício de autoria, ainda que mediado por constantes pseudônimos ocultaram nomes, mas não a expressão do pensamento de sujeitos daqueles tempos!
Os impressos atuaram como força difusora, corroborando os interesses político-sócioculturais na divulgação e consolidação de uma história/memória que se pretendia constituir. Folhetos, boletins, revistas e a imprensa periódica, exerceram papel sistemático nesse intento, ainda que pesem seus aspectos de parcialidade, circulação restrita e organização a partir de determinados centros de interesses; arregimentaram força significativa ao ideário da divulgação do progresso e civilização ao momento vivenciado, esforço realizado por homens (e em poucos casos por mulheres) por trás dos impressos, afinal, “as ideias não passeiam nuas pela rua; elas são levadas por homens que pertencem eles próprios a conjuntos sociais.”4
A leitura de Ângela de Castro Gomes e Martha Abreu acrescenta a essa perspectiva de análise que,
[...] é possível argumentar, com sólidas evidências históricas, que a Primeira República tinha tantos problemas de governabilidade e de incorporação de atores, como várias outras liberais-democracias europeias, consideradas clássicas. Nelas também os partidos políticos se apresentavam como ‘clube de elites’; também os critérios de inclusão ao corpo político passavam pelo saber ler e escrever e por critérios de idade e sexo, admitindo-se apenas o masculino; e também havia fraudes, clientelismo etc.5
Entretanto, pela via da imprensa percebe-se uma intensa fermentação intelectual, a qual só foi possível mediada pelas estruturas de sociabilidade, qualificadas como redes por Sirinelli (2003), que constituíram grupos afins em torno de interesses comuns.
Todo grupo de intelectuais organiza-se também em torno de uma sensibilidade ideológica ou cultural comum e de afinidades mais difusas, mas igualmente determinantes, que fundam uma vontade e um gosto de conviver. São estruturas de socialibilidades difíceis de apreender, mas que o historiador não pode ignorar ou subestimar.6
Em relação aos estudos que apontam e analisam a presença dos intelectuais envolvidos diretamente com o campo educacional em Mato Grosso, identificamos certa opção por compreender a participação/movimentação desses sujeitos alinhada ao século XX, sobretudo a partir da década de 1910, trazendo a cena pública a noção de intelectuais como donos de jornais de longa duração7 ou balizadas pelas trajetórias de vida8 . Os estudos dialogam com as linhas teóricas que orientam este trabalho, empreendem mais vigor na periodização delimitada a partir da década de 1960, entendendo que, por meio do “estudo da sociabilidade de um grupo de professoras primárias mato-grossenses”9 é possível considerar esse sujeitos como “pertencentes ao grupo de intelectuais voltados para ações do Estado”. Os autores atribuem importância à década de 1960, visto que “foi neste contexto que se constituiu um grupo de intelectuais da educação em Mato Grosso, os quais atuaram no exercício de atividades de reorganização do magistério primário e na difusão de novos conhecimentos pedagógicos no Estado.”10
Por opção histórica, recuando nesta periodização, tem-se na figura do Barão de Melgaço, enaltecida por Paulo Pitaluga, o principal intelectual de Mato Grosso: “O Barão de Melgaço, francês em Mato-Grosso (...)” e complementa a importante contribuição, a seu ver, desse Militar11 :
Com relação ao Barão de Melgaço deve-se mencionar que foi ele o grande intelectual de Mato Grosso na segunda metade do século XIX. Oficial da Marinha Imperial brasileira, francês por toda a sua vida praticamente residiu em Cuiabá. Dedicou-se aos estudos da historia mato-grossense bem como as pesquisas cartográficas e hidrográficas do estado. Mais geógrafo do que historiador. Foi realmente o grande intelectual de Mato Grosso em sua época, e paradigma de toda uma geração subseqüente de historiadores (...).12
No entanto, Pitaluga considera publicações relacionadas ao desenvolvimento intelectual, com vistas à projeção, apenas de obras fechadas, registros de viajantes, publicações em revistas de circulação e representatividade nacional, como as editadas pelo Instituto Histórico Geográfico, Associações representativas e o Almanaque Garnier, silenciando sobre a participação desses que nomina como intelectuais nos jornais da época, sequer fazendo referência a outras funções que ocupavam, como por exemplo, a de professores. Seus escritos corroboram uma representação de que intelectual era somente aquele que residia em Cuiabá, o que sugere literalmente, ao relacionar os veículos de publicação dos estudos dos intelectuais mato-grossenses em sua terra.
À parte ao cenário desenhado por Paulo Pitaluga, compõem outro conjunto de referências os estudos no campo da história. Nessa linha, o trabalho de Adriana Correa sobre os membros da Liga Mato-Grossense de Livres Pensadores13, fornece pontos de intersecção entre membros da Liga, jornais publicados no período e atuação em diversos campos do saber, com destaque para o educacional.
Em perspectiva mais ampliada, os estudos inaugurais das teses de Oswaldo Zorzato(1998) e Lylia Galetti(2000) abordam em momentos distintos, a configuração e representação de aspectos ligados à instauração de uma cultura intelectual em Mato Grosso, contrapondo-se a um conjunto de representações forjadas sobre o território, a partir da leitura de memorialistas, viajantes e outros “forasteiros” que escreveram sobre Mato Grosso, sem, contudo, abordar essa problemática pela via dos impressos periódicos, embora valorizem a existência da cultura letrada como mecanismo de transmissão dos conhecimentos produzidos até o período.
Sobre esse aspecto, Lylia Galetti assevera que,
Identificados com manifestações letradas e outras vinculadas ao patrimônio da cultural ocidental, os aspectos culturais foram bastante valorizados pelos mato-grossenses nas comparações com os demais estados da federação, sendo vistos como índices fundamentais de civilização. Assim, aquelas que levavam em conta os aspectos econômicos não raro faziam referência aos ganhos culturais, vistos como um resultado do progresso material (...).14
Zorzato destaca que a divulgação de dois impressos, um de natureza periódica outro de natureza Álbum, alavancaram o processo de constituição identitária de Mato Grosso, assentadas nas condições econômicas favoráveis em que o Estado se encontrava nos primeiros anos do século XX. Aponta, ainda, a vinda de imigrantes como impulsionadora de uma renovação cultural e, por sua vez, intelectual, do pensamento mato-grossense. Para este historiador “os mato-grossenses preparam-se para receber os forasteiros e, com eles, o “progresso”, decorrente da modernização supostamente desejada. Contudo, cuidam-se para garantir a primazia do mando.”15
O registro do primeiro grupo de (i)migrantes cearenses para Mato Grosso pode ser observado em O Republicano, que publica em edições continuas as chamadas para àqueles que se interessassem em iniciar vida nova nas terras do Brasil Central, registrando a chegada de 53 pessoas, entre a sua maioria mulheres e crianças16 . Em edições posteriores ao registro da primeira chamada na imprensa mato-grossense, o jornal cearense apoiando a iniciativa, endossava que: “A cada emigrante ou família de emigrante composta de quatro pessoas, que queira cuidar da agricultura, o governo concede gratuitamente cincoenta hectares de terras.”17 Destacam-se ainda a transcrição das notícias publicadas em outros estados, sobre o tema, favorecendo a divulgação de Mato Grosso em suas folhas locais, como constam nas edições dos jornais na edição de O Estado18, de Fortaleza/Ceara, emitindo nota orientando a imigração dos cearenses para Mato Grosso, endossando a iniciativa em edições sequenciadas, em geral ocupando espaços nas primeiras páginas.
Essa movimentação compreende os anos de 1890 a 1930, no entanto, o historiador relativiza a existência dos jornais nos embates por reconhecimento intelectual, lutas políticas e ideológicas entre famílias, grupos hegemônicos e religiosos, tipificando os jornalistas do período apenas como aqueles que, por vezes, conseguem “furar o bloqueio das oligarquias estabelecidas.”19 Das discussões propostas por este eminente historiador de Mato Grosso, interessam-nos aquelas relativas ao que considerou como primeiro momento, visto que sua análise se estende até 1984.
Na análise em tela os historiadores de Mato Grosso são entendidos, em primeira instância, como memorialistas, tributários da escrita da história que confere identidade ao território:
os sertões descritos pelos memorialistas locais como um lugar onde há ausência de tudo que a seu ver indica civilização, também é uma das temáticas em torno da qual boa parte dos textos são elaborados. Caracterizado como um lugar carente de gente culta, há um grande destaque para advogados, religiosos, engenheiros, militares e todos os que detém alguma formação técnico cientifica, É sobretudo dentre essa gente que são arrebanhadas pessoas para trabalhar como jornalistas, professores, burocratas, além das funções para as quais se especializam. Não admira, portanto, que sejam cooptadas para o poder político, compondo, juntamente, com os membros ilustrados das famílias locais, a auto denominada elite cultural matogrossense. Compreende-se, assim, porque boa parte dos escritos dos membros do IHGMT sejam dedicados a uma memória cultural ‘civilizatória’, onde se destacam tópicos como a história da imprensa, da instrução, principalmente religiosa, da catequese indígena, do ensino de profissões, etc.20
Antônio Fernandes de Souza, Firmo Rodrigues, Filogônio de Paula Corrêa, João Barbosa de Faria, Estevão de Mendonça, José Barnabé de Mesquita e Virgílio Corrêa Filho são nomes que figuram no panteon destacado por Zorzato. “De todos eles, os três últimos são, sem dúvida, os de maior expressão para a memória historiográfica mato-grossense.”21 Esses e outros historiadores, que atuaram ativamente na imprensa mato-grossense, não passaram, na análise de Zorzato de “escribas dos governos os quais estão ligados e que, em geral, viabilizam as publicações de suas obras.”22
Entendemos, a partir de Jean-François Sirinelli, que esse grupo nomeado por Zorzato, constitui-se em uma elite intelectual mato-grossense, representando os “Homens de Letras”23 de Mato Grosso. Dentre estes identificam-se alguns professores, como Filogônio de Paula Correa, Gustavo Kuhlmann, Firmo Rodrigues e próprio Estevão de Mendonça, que em um dado momento de sua trajetória fundou um curso primário particular, cuja divulgação ocupa seguidas publicações dos jornais locais, no período.
A despeito do caráter de endogenia presente na composição das elites culturais francesas, conforme apontam os estudos mencionados por Sirinelli, este autor sinaliza para a presença de professores pertencentes à categoria das elites intelectuais, muito embora, na perspectiva crítica de alguns estudos, fossem muito mais “cães de guarda da burguesia e mesmo profanadores das culturas regionais.”24
O meio intelectual não é um simples camaleão que toma espontaneamente as cores ideológicas de seu tempo. Concorre, pelo contrário, para colorir o seu ambiente. Os letrados raciocinam de maneira endógena, mas o ruído dos seus pensamentos ressoa no exterior. É afinal o que dá sua especificidade à “alta intelligentsia”: dela participam os que possuem, a um ou outro título, poder de ressonância.”25
Esses e outros colaboradores marcaram atuação no campo educacional com destaque sobretudo quando se trata das instituições de ensino secundário em Cuiabá e Corumbá, destinadas à formação de para o trabalho, dada pelos Liceus de Artes e Ofícios em uma instância, mas também da elite política local, de modo mais intensivo, conforme evidencia o quadro 1:

Sirinelli pontua que, em determinados momentos da história, os estudos sobre as elites culturais situam-se numa espinhosa encruzilhada visto que, por vezes, os mesmos sujeitos do campo cultural situam-se e movimentam-se fortemente no campo político.
Foi, aliás, em virtude dessa situação de encruzilhada que o interesse se fixou, primeiramente, partir dos anos de 1970, entre alguns historiadores no limiar de suas investigações, sobre a posição dos intelectuais, que permitia ligar a história política, a caminho de descobrir o seu segundo folego, e a história cultural, que, para o estudo do século XX, se encontrava ainda em larga medida nos limbos.26
Os intelectuais qualificados por Zorzato foram aqueles que consolidaram uma historiografia mato-grossense, por meio de obras extensas e vultuosas, algumas com características de compêndios. Na leitura de Zorzato, a historiografia de Mato Grosso é composta por um conjunto de textos produzidos por pessoas ligadas ao estado, “publicadas em livros e revistas, por iniciativas particular ou institucional, e que formulam explicações pretensamente históricas.”27 Ao comentar sobre esse cenário, complementa:
acrescente-se, ainda, que o conjunto aqui denominado historiografia de Mato Grosso não inclui a não ser excepcionalmente a produção universitária. As obras a que me refiro estão ligadas às iniciativa individuais, ao Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso ou a outras instituições cuja preocupação central parece ser a elaboração, difusão ou perpetuação de uma memória histórica, cujas características busco desvendar.28
Estevão de Mendonça e Rubens de Mendonça são dois exemplos dessa movimentação intelectual que passa pela genealogia famílias. O segundo com obras publicadas e republicadas ao longo dos anos 1960 a 1980, “seus livros têm em comum a intenção de reforçar a lembrança de pessoas, lugares e acontecimentos considerados importantes para a memória local. (...) preocupados em constituir uma história consensual.”29 O que reforça a característica de uma historiografia pautada em escrita memorialística, fomentando estoque de lembranças e quadros de referências consideradas importantes para o repertorio local. Essa percepção se aplica, ao menos na análise da bibliografia pertinente ao temário consultado, a Mato Grosso, excetuando, para aquele autor, a produção em circulação nos jornais.
O estudo sobre a imprensa fornece elementos para ampliar esse quadro, visto que consideramos a imprensa como espaços de atuação e produção intelectual, mesmo que vinculada a outro tipo de escrita. As Associações e entidades representativas de interesses de classe auxiliam na visualização desses “sujeitos”, visto que reuniram grupo interessante e diversificado de pessoas ligadas a ela, evidenciando engajamento da vida social, pública e política.
Merece destaque a Sociedade Internacional de Estudos Científicos, fundada entre os anos de1890 e 1900, supostamente, em 1899, conforme indicam as publicações nos jornais examinados. Na edição de O Republicano foram localizadas informações acerca deste grupo de intelectuais, que contava com membros de ramos de atuação distintos perfazendo ao comércio, política e educação.
Constam, nas páginas do periódico, os seguintes nomes: Gustavo Brendel; Antonio Alves Ribeiro; John W. Price; João Pedro Gardés; Ramão Jackowisky; Pedro Antunes de Souza Ponce; Carlos Addor; Felix Ripeau; Henrique Levy; Jorge Bodstein; Alphonse Roche; Victorino da Silva Miranda. Nem todos figuram no panteon de autores/intelectuais, no entanto, contribuíram com escrita ordinária sobre os modos de viver e constituir-se sujeito histórico em Mato Grosso.
Ao tradicional grupo de “ilustrados mato-grossenses”30, os quais por estarem diretamente vinculados aos lugares de poder, produziram uma história “à sua maneira” perpetuando uma estrutura de referências por eles legitimada, julgamos oportuno acrescer outros sujeitos históricos, os quais, ainda que não tenham tido tamanha projeção política, e por sua vez, cultural, alcançaram/ocuparam postos de poder em distintas esferas, desempenhando papel significativo na produção e circulação de ideias no território, valendo-se da imprensa para tal fim.
Por associação a essa ideia, entendemos que fenômeno semelhante ocorre em relação ao registro do papel e importância dos intelectuais regionais. São lembrados, celebrados e referenciados aqueles que, ao lado dos políticos e religiosos, contribuíram com a escrita, em boa medida, memorialística, de grandes feitos e obras sobre o território, ressaltando o progresso e civilização alcançados durante o período.
Desse modo é possível avançar em relação as análises de Zorzato, quando estabelece o grupo de notáveis intelectuais, visualizando a triangulação que esse grupo estabeleceu como espaços e estruturas de sociabilidade. Por meio de impressos de natureza periódica como a Revista Matto Grosso (1903-1915)31, a Revista O Arquivo (1904-1906) e o Album Grafico de Matto Grosso (1914), o grupo se apresenta publicamente, espraiando suas influências, evidenciando sua rede de relações, elegendo esses impressos como espaços legítimos de efetivação de suas redes de sociabilidades, assim como o lugar social que ocupavam e quem, pretensamente, integrariam ao grupo. A imprensa periódica e outros impressos representam, nesta análise, elementos de instauração da autonomia intelectual e legitimidade dos discursos proferidos por esse grupo, bem como aqueles autorizados a retratar a história de Mato Grosso. As obras produzidas por alguns desses intelectuais foram utilizadas como manuais didáticos em escolas de formação da elite mato-grossense32, forjando a memória regional em vistas de uma identidade, partidária à nacional, que buscava elevar Mato Grosso à condição de Estado civilizado, signatário de progresso.
A imprensa mato-grossense demonstra a atenção dos jornalistas aos eventos que ocorriam em outros Estados da federação, em países vizinhos, na América do Norte e além-mar. Ressaltamse a atuação dos correspondentes, os telegramas reproduzidos das Agências Centrais de Comunicação instaladas à época, a transcrição de notícias publicadas em jornais de maior circulação, em âmbito nacional e internacional que chegavam ás redações mato-grossenses (a exemplo citamse: Rio de Janeiro, Inglaterra, França, Alemanha). Sobre este último aspecto considera-se que divulgar notícias de outros países configura estratégia para consolidar/fidelizar o público leitor, aproximando-o culturalmente de referências que não se poderiam acessar facilmente no país mediadas por processos de apropriação cultural, como indicam os estudos de Chartier33 .
As discussões apresentadas reiteram a ideia-força defendida neste artigo: o ensaio de estudos e escrita da história, a partir do cotejamento da documentação da natureza da imprensa periódica e dos impressos.
2. Os espaços de sociabilidade e a circulação de ideias: a efervescência dos lugares
A julgar pelas características e dimensões regionais de Mato Grosso e limitações relativas às formas de locomoção e acesso à informação, a organização de espaços sociais e de reuniões de grupos esteve, por vezes, condicionada aos espaços de atuação profissional, convivência religiosa e/ou educativa. Ao considerar tal cenário os Cafés, Barbearias, espetáculos teatrais, seções de cinema ampliam aqueles espaços e permitem contemplar ainda as tipografias e redações de jornal como lugares de encontro, organização e articulação sociocultural e política.
Durante a Primeira República, as redes de sociabilidades intelectual se estabeleciam em diversos lugares, que iam dos espaços formais das associações literárias, clubes científicos, e mesmo da política, até as confeitarias e redação de jornais, onde os intelectuais mais atuantes reuniam-se para discutir e elaborarem criticamente desde questões estéticas e artísticas (...). Esses lugares de sociabilidade eram importantes pra esses intelectuais constituírem e divulgarem seus projetos, e abriram caminho para a constituição de um campo intelectual.34
Assim como a Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, foi um espaço intensa movimentação e convivência social na segunda metade do século XIX, conforme apontado na Revista Popular (18521862)35, em outras localidades espaços públicos e privados ganham contornos privilegiados na ação dos sujeitos históricos do seu tempo; conversas e reuniões ali realizadas funcionaram como fermento para a vida cultural de alguns setores da sociedade mato-grossense, por muitas vezes entrecruzandose com os espaços políticos e educacionais frequentados/ocupados por esses sujeitos, promovendoos à condição de intelectuais mediadores, pressuposto de análise que se defende neste artigo.
Desde o século XIX, sobretudo a partir da Independência, setores expressivos da intelectualidade brasileira sempre estiveram convencidos da importância da democratização da escol como um índice da democratização da sociedade e como condição do aprendizado de uma cultura política.36
Com o olhar atento a essa movimentação os jornais examinados permitiram identificar, mapear e sinalizar aspectos significativos da constituição de um campo cultural em Mato Grosso, com base na criação de mais de uma dezena de espaços não convencionais à produção de conhecimento mas que, em nossa análise, configuram-se como circuitos de mediação intelectual37 .
Foram identificados por meio da imprensa, associações científicas, literárias e dramáticas criadas em localidades chave para o desenvolvimento da região. A criação de Ligas e Associações e outros espaços que congregam grupos com perfis definidos por interesses comuns, revela uma intenção de criar espaços de interlocução, ainda que com grupo restrito e selecionado, diálogos, proposição de ideias, alcançando ao que Charle qualifica como
recuperar um papel ativo e uma nova função política e ideológica que a profissionalização da vida parlamentar e partidária torna mais problemática que antigamente. A criação de ligas (...) tem também seu sentido oculto. Não somente defender os diretos do homem à esquerda e a pátria, mas promover os direitos dos intelectuais como grupo no debate político e levar a pátria com eles.38
Inevitáveis foram a ordem de questionamentos que se seguiram à constatação daqueles espaços nas notas dos jornais: Onde as reuniões ocorriam? Haviam registros (Atas)? Havia público? Quem era convidado a participar? Eram ordens fechadas? Como se caracterizava? Como os jornais apresentam esse tipo de espaço? Os questionamentos sugerem a necessidade de estudos futuros, contudo, encaminhamentos iniciais para as análises foram lapidados a partir de Ângela Gomes, quando pontua que:
Os lugares de sociabilidade de uma geração - escolas associações intelectuais, revistas, salões etc. - podem ser indicadores valiosos para a análise de movimentos de produção e circulação de ideias. Quais são esses lugares? Como se formam e com base em que elementos e projetos se estruturam? Todas essas questões, quando esclarecidas, podem elucidar aspectos de uma formulação intelectual, de sua vitalidade e continuidade através do tempo.39
No quadro 2 registram-se diversas iniciativas de espaços de sociabilidade nos jornais examinados: Club Carnavalescos, Clubes de Leituras, Sociedades Dramáticas permearam as páginas dos periódicos, ocupando um espaço reduzido nas páginas finais das edições; em situações especiais, eram publicadas notas com a inserção fracionada de seus estatutos, atas de reuniões e encontros, notificação de posses de diretoria, resultados das atividades propostas, projetos de atuação, agradecimentos aos apoiadores financeiros, notificação para cobrança das mensalidades de seus associados, assim como notas sobre a destituição de membros, encerramento das atividades daquele grupo.

Desta feita, a criação de instituições científicas, figuram também como espaços de sociabilidade e são, nesta análise, lugares de formulação cultural e intelectual de grupos sociais, em primeira instância, sobejamente político, com vistas a promover uma clivagem de geração, visto que são herdeiros da tradição e do poder local, contando com estudos custeados em São Paulo, Rio de Janeiro, em países da Europa. Estes intelectuais deram continuidade a uma história escrita a partir dos relatos de viajantes, que apontavam, na sua grande maioria, para um “estado atrasado, incivilizado, selvagem, dotado de uma gente sanguinária, vingativa, preguiçosa e ignorante”, consolidando os conceitos de barbárie e sertão, amplamente analisados por Lylia Galetti (2000).
A imprensa mato-grossense difundiu o ideário do progresso, próprio do seu tempo, por meio de diferentes atores sociais, fossem presidentes de Estado, editores e colaboradores dos jornais, que se empenharam em propor a erradicação de problemas impeditivos à região de adentrar na senda da modernidade, ainda que sob significados distintos para grupos oligárquicos do norte e sul do estado, cujas desavenças culminaram, no final da década de 1970, com a sua divisão geográfica e política (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul).
Ao apresentar aspectos relativos à situação da imprensa, conforme os Estados do Brasil, entre os anos de 1908-1911, os Anuários Estatísticos Brasileiros fornecem dados sobre a existência de Sociedades Literárias, intensificando as possibilidades e interesses em estudar a constituição de uma rede de “Homens de Letras” em Mato Grosso.

A criação de associações científicas e grêmios literários impulsionou a publicação de periódicos especializados, representativos dos interesses desses espaços de divulgação do conhecimento regional, organizados para dar publicidade aos projetos culturais, sem preterir a intenções políticas de seus membros. Note-se, ainda, que tais agremiações instalaram bibliotecas especializadas, promoveram atividades culturais, o que colabora para matizar a visão de uma Cuiabá isolada, seja em fins do século XIX ou início do XX.
Organizados no aparelho do Estado ou em ordens/grupos religiosos, homens e mulheres lutaram para definir o Brasil por eles imaginado. Se houve os que privilegiaram sua atuação dentro do aparelho do Estado e/ou da aparelhagem religiosa, também houve aqueles que optaram por criar organizações sociais próprias que funcionaram como uma espécie de tribuna para as causas que abraçaram. Foram sociedades, grêmios, jornais, revistas, academias, lojas maçônicas, tipografias, institutos, irmandades, livrarias e colégios, entre outros. São múltiplos espaços e redes de sociabilidade, formais e informais, que longe de se constituírem como lugares estanques e isolados uns dos outros, estabeleceram entre si uma séries de relações, embates, confrontos associados às causas que pretenderam representar.40
Entendendo a importância e representatividade desses espaços, os jornais examinados permitiram ampliar significativamente os dados coletados dos Anuários. Espaços de sociabilidade dos mato-grossenses, de natureza diversa e variada, representam em primeira análise, preocupações em congregar interesses que transcendessem a fronteira do político e econômico, muito embora seus membros ocupassem postos em várias esferas da sociedade. Cuiabá e Corumbá demonstram, ao menos pela via dos impressos, intensa movimentação cultural, considerando as possibilidades para o período. Surpreende a presença, inicialmente tímida e reduzida, de mulheres como membros desses grupos, e a partir de 1915 como co-fundadoras, ou mesmo fundadoras de grupos afins.
Observa-se a criação de Clubs de naturezas diversas tanto em Corumbá, quanto Cuiabá. Nessa mesma linha, a existência de um club recreativo em Corumbá entre os anos de 1890 a 1900 foi notícia no Oasis de 15 de abril de 1894, cujos objetivos “...visarão um único fim cujo éra de dar diversões aos seus associados.”41
Club união dramático e recreativo
No domingo 8 do corrente pelas 12 horas do dia, uma plêiade de jovens reunidos em casa do nosso sympathico amigo Bento Jose de Carvalho, resolveu de comum acordo fundar nesta cidade, um club particular, com a denominação Club união dramática e recreativo. Depois de ser por umanimidade aceita a idéa, deliberarão eleger uma directoria, que ficou organizada de forma seguinte:
Para presidente, José Joaquim Rabello
Para Vice-presidente, Bento Jose de Carvalho,
1º. Secretario Alfredo A. Pereira
2º. Secretario, Ricardo Mendes Gonçalves Thesoureiro, Pedro Paulo de Medeiros.42
O jornal congratula os “autores da idea” e apresenta a organização que os proponentes firmaram para elaborar os estatutos e planos de ação para dar andamento as atividades do Club. Nessa comissão foram designados Deoclecio Moreira, Ricardo d’Elia e Francisco Rabello para organizarem o estatuto. Na edição número 268, de 26 de abril de 1894, à primeira página na Coluna Chronica Semanal, Oasis traz notícias sobre duas outras associações que surgiam em Corumbá, sobre as quais o cronista, não identificado, posiciona-se favoravelmente à existência, desejando-lhes êxito:
Uma nova associação acaba de ser fundada. O progresso da “Sociedade Recreio Dramatico” A concurrencia nas esmolas e leilões do Divino Espirito Santo. - espera-se grandes festejos em honra do mesmo Santo.
Uma nova associação acaba de ser fundada sob o auspicioso concurso da mocidade Corumbaense. Tem ella a denominação de Club União Dramatica, e dirige os seus destinos o eminente cidadão José Joaquim Rabello, um dos homens mais conceituados da nossa sociedade. A União Dramatica tem já aprovados os seus estatutos, na confecção dos quaes os srs Membros da comissão, patentearam atividade e proficiencia insuperáveis. O chronista augura um ridente futuro a essa agremiação, que com quinze dias de vida, apresenta um grande accrescimo no numero de socios a ponto de contar mais do triplo do da sua fundação. O “Recreio Dramatico” tem progredido consideravelmente n’ estes últimos tempos devido ao seu digno presidente que não poupa esforços para o engrandecimento dele; já angariando sócios, pelas muitas sympathias que gosa, já empregado so seus valiosos auxílios, para que os espectaculos surpa sem do necessário ao contente dos associados.43
Os leilões beneficentes ocupavam espaço de divulgação na página dos jornais e encontramse ligados a esses grupos nascentes. Observa-se a presença feminina na organização, com funções relativas aos pedidos de esmolas e colaboração para as festas religiosas.
Seguindo uma linha editorial muito própria à imprensa mato-grossense, o destaque a esse setor da sociedade continua a ser reiterado:
[...] Nessa terra, repito, onde tudo, tudo, até a própria civilisação, está ainda em embryão; onde tudo carece de ser encaminhado, animado e impulsionado pela imprensa, esse bello invento de Guttenberg, sem o qual a instrucção seria apanágio de poucos e o povo jazeria na ignorância; parece incrível, e causa mesmo pasmo, haver quem busque a falta de assumpto como pretexto para excursar-se de prestar o valioso concurso de seu saber á causa da civilisação e progresso, que a mesma imprensa representa. Sim, porque já se tem dito, e não me cançarei de repetir, que é pella imprensa que se avalia o gráo de adiantamento, civilisação e progresso de um povo. Falta de assumpto. Que irrisão! [...]44
Por outro lado, crítica contundente era feita sobre os modos de apropriação e leitura dos jornais da época, como evidencia o excerto que segue:
...Quer saber o leitor porque não podemos ter ainda um diário? É por que aqui, como em Lisbôa, quase todos somos distinctos escriptores, mas muito pouco ledores. Sabem porque eu isto digo? Pela negação que quase todos, ou pelos menos uma grande maioria dos nossos conterrâneos, tem de assignar jornaes! [...] Pois a cultura, civilisação, progresso e desenvolvimento de um povo se avalia essencialmente pelo que diz a sua imprensa. [...] não se diga, portanto, que em Cuyabá não há elementos para manter uma imprensa diária! Desenvolva-se na população o gosto pela leitura dos jornaes, e procure-se convencer tanto ao rico e opulento capitalista, como ao pobre operário, que a imprensa é realmente a machina propulsora do progresso, que sem ella, sem o seu impulso, todo e qualquer commetimento será, senão de todo impossível, pelo menos bastante moroso e de improfícuos resultados; abandone-se de uma vez para sempre o mau vezo, o indecente costume de se pedir o jornal do visinho, muitas vezes imprudentemente, antes de o ser lido; economise cada um o necessário para comprar diariamente o seu jornal; faça-se também pelo menos uma tiragem de 1000 exemplares, alias muito pequena para uma população de quase dezoito mil almas, que [ilegível] prometto dar ao publico uma folha diário pelo módico preço de 100 réis cada exemplar, quase exclusivamente o preço do papel. [...] Já vê o leitor que por este lado não é que o barco havia de fazer água: por falta de assumpto não é que o nosso diário deixaria de sahir a lume: por falta de azeite sim, consumir-se-hia a torcida e, apagando-se a lamparina, ficariamos ás escuras. Ora, sendo a luz inimiga das trevas, está claro que, sem aquella estas não poderiam nunca ser espantadas.45
Todo o arrazoado argumentativo apresentado em uma seção denominada “Conversemos”, denota a intenção de que o alcance das palavras com conotação pedagógica: a imprensa seria um dos livros por meio do qual se aprenderia a ler, argumento presente em vários jornais da época. A preocupação aparente é a venda e comercialização dos periódicos, contudo, não bastaria apenas que, como bem disse o articulista, os leitores deixem de tomar de empréstimo os jornais dos vizinhos para ler, ou praticassem a oralização da leitura.
A imprensa fomenta a vida cultural e intelectual em Mato Grosso, por meio da divulgação de campanha por abertura de um biblioteca pública municipal em Corumbá, sinalizada em O Brasil46, coordenada por seu editor Avila Franca, os interesses destacados pelo grupo vão se sedimentando ao longo das semanas de publicação. As apresentações promovidas pelos clubes recreativos ou sociedade dramáticas traziam, por vezes, “pessoas ilustres” à Mato Grosso, fato que não passou despercebido aos jornais da época. Reiterados anúncios sobre as atividades do Club Carnavalesco Corumbaense47, da Companhia Italo Rumena de Variedades, do diretor Carisi Dobler Herminio, “Theatro Recreio Dramatico Commendador”. Ponto de encontro de determinados grupos, esses espetáculos e apresentações de teatro arrancavam “Corumbá do estado de profunda apatia em que se achava”48. Quando haviam presenças, consideradas ilustres nas apresentações teatrais ou nas atividades dos Clubes ou Ligas, uma nota era costumeiramente publicada e, por vezes, reiterada nas edições posteriores:
Realmente, o illustre comendador Carisi, que tantos elogios merecera da imprensa do Prata e de outros pontos onde trabalhou, é - podemos affirmal-o sem receio de contestação - um perfeito e exímio artista, digno portanto de todo apoio da sociedade Corumbaense. AO THEATRO, POIS!49
Assim como o teatro, a instalação do cinema rendeu fartas notícias aos jornais examinados. A edição de 26 de agosto traz a estreia do Cinematographo Corumbaense, destacando que “as grandes capitães, como Rio, Pariz, Londres etc., viram com um vago espanto, as casas das suas avenidas tomadas por ...assombrosos repetidores, dos movimentos humanos”50 . Era Mato Grosso se alinhando às grandes e modernas cidades.
Em O Autonomista foram frequentes notas publicadas a respeito das atividades e da movimentação desses espaços recreativos e beneficentes, três em especial ocuparam espaço nas páginas do periódico: Sociedade Portugueza de Beneficiencia 1º de Dezembro; Club Carlos Gomes; Sociedade Beneficiente Uniao Operaria Corumbaense51 ; Club Carnavalesco Corumbaense52 .
No exame dessas e de outras notícias que circularam em Corumbá, constatou-se que a grande incidência dos anúncios de determinados espaços desta natureza poderia ser atribuída ao fato de que seus membros eram, por vezes, membros também da tipografia e redação do Jornal que trazia tais notas: Noticias do Club Carnavalesco chamada para eleição da nova diretoria, Themystocles Serra, era membro (secretario) desse clube.
Considerações Finais
Ao tomarmos a imprensa como lugar de circulação intelectual os “Homens de Letras” passam a ter características distintas e complementares aos intelectuais “clássicos”, visto que atuam em vários lugares sociais, na sua maioria em espaços que lidam com o interesse público ou privado, mobilizando o que Luciano Faria Filho qualifica como “sociabilidades políticas, intelectuais e afetivas.”53
A publicação de textos, opiniões e ideias nos jornais assume, ao nosso ver, a função educativa, já sinalizada em outros estudos (PINTO, 2013), proposta em uma ambivalência de esferas: a intenção de transmitir algo, de forma organizada, com argumentação passível de convencimento, partindo do princípio de instruir/ensinar outrem sobre algo. Os jornais funcionam como material de ensino, constituindo-se, na sua materialidade, como mediadores culturais entre o conhecimento de quem publica e a necessidade de conhecer de quem acessa ao material.
A partir de 1898 começam a circular, nos jornais examinados, anúncios de comercialização de Almanacks. Inicialmente àqueles produzidos no Rio de Janeiro, com representantes nas redações e tipografias em Cuiabá e Corumbá, e no início do século XX, amplia-se a iniciativa de produzir almanaques no estado. Entendemos esse movimento como uma forma alternativa de produção e circulação de ideias, tematizando formatos e interesses diversos, não necessariamente contemplados na imprensa de circulação periódica, mas poderiam conquistar adeptos de outra natureza e condição financeira para adquirir aquele tipo de material.
Ao encontro da consolidação do conjunto de intelectuais, identificados a partir do exame da imprensa periódica, a criação do IHGMT (1919) congrega sujeitos que firmam suas contribuições ao cenário histórico mato-grossense fazendo circular seus escritos, legitimados pelo selo da intelectualidade “clássica”. Ao que se pode perceber muitos desses intelectuais que tiveram projeção maior ou menor, na escrita de aspectos ligados àquelas terras, registrando seus nome e contribuições para a historiografia regional. As iniciativas referentes a esse espaço não foram localizadas de modo mais amplo, contudo é possível identificar, na imprensa, notas sobre as assembleias do Instituto Histórico de Mato Grosso54 .
A perspectiva de o impresso periódico ser “um dos vetores da modernidade” como qualifica Valeria Guimaraes55 fortalece o argumento que em Mato Grosso, ao lado de outros adventos a imprensa periódica foi também um símbolo da modernidade, mesmo que com características limitadas, face ao desenvolvimento em outras localidades do pais. O período entre os anos de 1880 a 1920 foi crucial para a consolidação de grupos de intelectuais em Mato Grosso, que pautaram a imprensa periódica e a produção dos impressos como lugar privilegiado de sua projeção. Desta feita, o estudo em tela assevera a pertinência de estudos no campo da imprensa periódica, como forte indicativo para a constituição de “novos olhares” para “velhos objetos”.
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