ARTIGO

VALNIR CHAGAS E AS CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

VALNIR CHAGAS AND CONTRIBUTIONS TO BRAZILIAN EDUCATION

Rodrigo Wantuir Alves de Araújo 1
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Paula Lorena Cavalcante Albano da Cruz 2
Universidade Federal Rural da Amazônia, Brasil

VALNIR CHAGAS E AS CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Revista Tópicos Educacionais, vol. 27, núm. 2, pp. 139-163, 2021

Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Recepção: 23 Setembro 2021

Aprovação: 26 Outubro 2021

Resumo: O presente texto aborda as questões relacionadas ao trabalho do professor Valnir Chagas na educação brasileira a partir da sua atuação enquanto conselheiro, no então Conselho Federal de Educação (1962-1976). Compreende-se a relevância do estudo visto as contribuições do mesmo à educação brasileira, pois, Valnir Chagas foi responsável por emitir Pareceres, Resoluções e Relatorias que possibilitaram a constituição de anteprojetos de Leis, sendo promulgadas, e que constituíram o processo de formação de professores, do magistério e do sistema público de ensino entre o período de 1960 a 1980. O artigo objetiva contribuir na compreensão do processo histórico da educação brasileira a partir das mudanças implementadas no período supracitado, percebendo as transformações em todo o processo educacional e as implicações que tais mudanças ocasionaram no sistema público de ensino, marcando toda uma geração educacional na escola pública brasileira, a partir da análise da participação do educador na política educacional do país. A pesquisa se constituiu de caráter bibliográfico e qualitativo. As fontes utilizadas para análise foram de ordem legislativa. Foi utilizado o aporte teórico no tocante a história da educação, Saviani (2002), (2007), (2009), (2016); nas concepções de currículo e formação do Magistério com Renan e Fernandes (1977), Feldmann (1983), Santos (2014), além da obra do próprio Chagas (1976), (1980). A pesquisa contribuiu para a compreensão das mudanças ocorridas na educação brasileira durante o Regime Cívico-Militar, através do processo de construção da legislação educacional, que modificou o currículo e a formação do professor do Ensino básico, bem como a organização do ensino brasileiro.

Palavras-chave: História da Educação, Legislação educacional, Formação de professores, Valnir Chagas.

Abstract: This text addresses issues related to the work of teacher Valnir Chagas in Brazilian education from his role as a counselor in the then Federal Council of Education (1962-1976). The relevance of the study is understood in view of its contributions to Brazilian education, as Valnir Chagas was responsible for issuing Opinions, Resolutions and Reports that enabled the constitution of draft laws, being enacted, and which constituted the process of teacher education, teaching and public education system between the period 1960 to 1980. The article aims to contribute to the understanding of the historical process of Brazilian education from the changes implemented in the aforementioned period, realizing the changes in the entire educational process and the implications that such changes led to the public education system, marking an entire educational generation in Brazilian public schools, based on the analysis of the educator's participation in the country's educational policy. The research consisted of bibliographical and qualitative character. The sources used for analysis were of a legislative order. The theoretical contribution regarding the history of education was used, Saviani (2002), (2007), (2009), (2016); in the conceptions of curriculum and teaching training with Renan and Fernandes (1977), Feldmann (1983), Santos (2014), in addition to the work of Chagas himself (1976), (1980). The research contributed to the understanding of the changes that took place in Brazilian education during the Civic-Military Regime, through the process of construction of the educational legislation, which changed the curriculum and teacher education in Basic Education, as well as the organization of Brazilian education.

Keywords: History of Education, Educational legislation, Teacher training, Valnir Chagas.

1.Introdução

Raimundo Valnir Cavalcante Chagas, mais conhecido como Valnir Chagas, nasceu aos 21 de junho de 1921 em Morada Nova-CE e faleceu aos 04 de julho de 2006 em Brasília-DF. Sua escolarização básica aconteceu no seminário de Canindé - CE e teve uma educação fortemente influenciada pela Igreja Católica. Graduou-se em Direito e Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará - UFC e fez duas especializações: uma na Universidade de Columbia nos Estados Unidos e a outra na Universidade de Londres, Inglaterra. Iniciou sua vida profissional em 1944, quando tornou-se professor na Escola Militar em Fortaleza - CE.

A partir do seu ingresso na docência, dedicou a sua vida profissional à educação brasileira, sobretudo na última metade do século XX, atuando, ora como docente em Universidades públicas, na Faculdade de Educação da UFC (1961 - 1974) e na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília - UNB (1974 - 1991); ora como conselheiro no Conselho Federal de Educação-CFE entre os anos de 1962 a 1976.

O objetivo desse texto é o de refletir sobre algumas mudanças no ensino público brasileiro nas décadas de 1960 a 1980 que foram propostas por Chagas, em especial durante sua atuação no CFE a partir de pareces, anteprojetos de Lei, Leis, Resoluções em que ele foi responsável direta ou indiretamente na sua formulação. Consideramos o período muito diversificado e com transformações no sistema público da educação brasileira, o que mereceu a nossa reflexão e discussão.

Discutiremos aspectos que evidenciaram a atuação de Valnir Chagas observando a sua atuação na reformulação de currículo e sobretudo no processo de formação de professores, uma vez que potencialmente suas reformulações e concepções foram no âmbito da formação de professores. Assim, observamos aspectos legais e políticos na construção da profissão docente, a partir da atualização do curso de Pedagogia; reformas no ensino de 1º e 2º Graus; consolidação do curso de Magistério em nível de 2º Grau, Parecer sobre o Ensino Supletivo e das discussões sobre a profissionalização do professor.

2. Algumas reformulações no curso de Pedagogia

A obra educacional de Chagas não teve uma notória relevância na historiografia da educação, pois seus escritos refletiram acerca da sua pesquisa apenas numa perspectiva ideológica, especialmente da década de 1970.3 “[...] se, como constatado, Anísio Teixeira foi a figura central da educação brasileira na década de 1950 e início dos anos de 1960, a figura emblemática na segunda metade da década de 1960 e ao longo dos anos de 1970 foi Valnir Chagas.” (SAVIANI, 2007, p. 372-373).

Sendo assim, com poucas contribuições em pesquisas e na área da educação, consideramos que a atuação de maior relevância e impacto na referida área foi a sua atuação no CFE, pois muitas modificações foram realizadas por meio de seu trabalho como conselheiro. A primeira observação que passamos a fazer está relacionada a mudança na estrutura do curso de Pedagogia, em que segundo a literatura histórica, fora criado em 19394, e teve a sua primeira reformulação em 1962 com base na proposta do Parecer 251/1962.

Nesse período, o curso de Pedagogia era um bacharelado e para conseguir a licenciatura seria preciso cursar as disciplinas da área da educação descritas no quadro 1. A despeito desse currículo, havia algumas críticas. Esse currículo geralmente era visto como “enciclopédico”, “teórico”, “generalista” por oferecer poucas oportunidades de instrumentalização do aluno para o exercício de técnico de Educação. (SILVA, 1999, p. 66). A despeito ainda dessa situação, estão inseridas nessa crítica a forma do curso nos moldes “3 + 1” em que se estudavam 3 anos de disciplinas de cunho mais teórico e 1 ano era destinado a prática de didática e docência ao cursar as disciplinas da área da educação para obtenção da licenciatura em Pedagogia.

Quadro 1
Grade Curricular do Curso de Pedagogia - 1962
Grade Curricular do Curso de Pedagogia - 1962

Ainda nessa perspectiva, outra reformulação feita pelo Decreto-Lei 53, de 18 de novembro de 1966 que organizou princípios e normas da organização da Universidades Federais.

Art 2º Na organização das universidades federais, observar-se-ão os seguintes princípios e normas: I - Cada unidade universitária - Faculdade, Escola ou Instituto - será definida como órgão simultâneamente de ensino e pesquisa no seu campo de estudos. II - O ensino e a pesquisa básicos serão concentrados em unidades que formarão um sistema comum para tôda a Universidade. III - O ensino de formação profissional e a pesquisa aplicada serão feitos em unidades próprias, sendo uma para cada área ou conjunto de áreas profissionais afins dentre as que se incluam no plano da Universidade. IV - O ensino e a pesquisa desenvolver-se-ão mediante a cooperação das unidades responsáveis pelos estudos envolvidos em cada curso ou projeto de pesquisa. V - As atividades previstas no item anterior, serão supervisionadas por órgãos centrais para o ensino e a pesquisa, situados na administração superior da Universidade. Parágrafo único. Os órgãos centrais de supervisão do ensino e da pesquisa terão atribuições deliberativas e serão constituídos de forma que nêles se representem os vários setores de estudos básicos e de formação profissional. [SIC] (DECRETO-LEI Nº 53/1966).

Nesse sentido, a formação de professores e especialistas se deu no âmbito da reformulação das Universidades e das novas estruturas presentes na legislação. Os regimes de créditos, ensino e pesquisa universitária e a formação de professores mínima em nível de 2º Grau.

Em 1968, por força da Lei nº 5.540, o curso de Pedagogia deixou de fazer parte das Faculdades de Filosofia, uma vez que a seção de Pedagogia dentro da Faculdade de Filosofia deixa de existir. Então o curso de Pedagogia passa a ser oferecido pelas Faculdades de Educação, regulamentadas através do Parecer CFE no 252/1969 e da Resolução CFE nº 2/1969, que estabeleciam as normas de seu funcionamento em conformidade com os princípios da Lei 5.540/1968. O Parecer CFE no 252/1969 de 11 de abril de 1969, também de autoria do professor Valnir Chagas, membro do Conselho Federal de Educação, foi acompanhado da Resolução CFE nº 2/1969, que se incumbiu de fixar o currículo mínimo e a duração do curso. (ARANTES; GEBRAN, 2014, p.283)

A partir dessa mudança, o curso de Pedagogia deixou de pertencer as Faculdades de Filosofia e passou a pertencer a Faculdade de Educação. Nesse sentido, ainda cabe destacar que também foi de autoria do Valnir Chagas, estabelecendo o currículo mínimo com os cursos de curta duração que foram criados nesse momento e que perduraram ao longo de décadas na educação pública nacional.

O curso de Pedagogia também permitia que o egresso ensinasse nas escolas públicas, no entanto, a formação mínima ocorreu com base no ensino de 2º Grau a partir da promulgação da Lei 5.692/71. Para compreender melhor sobre essa Lei, observemos as discussões dessa legislação educacional.

3.A formação mínima para atuação de professores no sistema escolar brasileiro: o CFE e a promulgação da Lei 5.692/71.

O Conselho Federal de Educação - CFE, órgão consultivo e normativo ligado ao Ministério da Educação, foi o ambiente em que Valnir Chagas mais desenvolveu e desempenhou o seu trabalho na educação pública brasileira. Se por um lado não tivemos vasta bibliografia escrita pelo autor, mesmo as suas obras educacionais não terem um largo alcance na literatura educacional, na legislação educacional das décadas de 60 a 80 do século XX é fácil encontrar regulamentações e pareceres desse órgão colegiado em que deliberou sobre educação, ensino, currículo, escola regulamentando e aprovando uma série de medidas que impactavam no cenário educacional.

Os estudos para a reforma do ensino de 1º e 2º graus tiveram início em 1969, a partir da elaboração de dois pareceres do conselho federal de educação - os de números 466/69 e do 793/69 - do conselheiro Celso Kelly, resultando na formação do primeiro Grupo de Trabalho a apresentar sugestões para a reformulação dos ensinos primário e médio (estes correspondendo ao ginasial e ao colegial da época). (SANTOS, 2014, p.151).

Anteriormente a esse momento, quando consideramos a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 4.024/61, que tramitou por 15 anos no Congresso Federal5, recebendo algumas críticas sobretudo no tocante a inserção da valorização do ensino privado em detrimento do ensino público, percebemos que a Lei 5.692/71 que reformou o ensino brasileiro estabelecendo o 1º e 2º graus como modalidades de ensino foi aprovada em tempo recorde, pois havia principado em 1969 e

O Grupo de Trabalho foi instalado no dia 15/06/1970 iniciou as atividades no dia seguinte na faculdade de educação da Universidade de Brasília. trabalhou inicialmente em tempo integral, utilizando-se posteriormente de outros regimes de trabalho. e em 14 de agosto de 1970, portanto rigorosamente dentro do prazo estabelecido no decreto de sua criação, o Grupo encaminhou ao ministro da educação seu relatório acompanhado de um anteprojeto de lei. (SAVIANI, 2016, p. 30)

O Grupo de Trabalho - GT era composto por padre José de Vasconcellos (presidente), Valnir Chagas (relator), Aderbal Jurema, Clélia de Freitas Capanema, Eurides Brito da Silva, Geraldo Bastos da Silva, Gildásio Amado, Magda Soares, Nise Pires e foi instituído pelo Decreto nº.66.600, de 20 de maio de 1970 pelo presidente da República general Emílio Garrastazu Médici. entregou o anteprojeto e quase 1 ano após essa entrega, em 11 de agosto de 1971, a Lei 5.692 foi aprovada.6

Nesse GT havia um relatório que destacou alguns dos itens a serem considerados na valorização do magistério:

Estudos para formação, aperfeiçoamento, treinamento e retreinamento de professores e especialistas; profissionalização do professor pelo Estatuto do Magistério; critérios para fixação dos padrões dos vencimentos à base da capacitação do professor e não pelo nível que esteja ministrando; tratamento especial para os professores nãotitulados; aproveitamento de graduados do ensino superior como professores das disciplinas do ensino profissional; capacitação do magistério para as suas responsabilidades polivalentes na escola; corresponsabilidade da eficiência da aprendizagem dos alunos. (SAVIANI, 2002, p. 110).

Na expansão do ensino da década de 1970 e nas suas reformulações, as mudanças na organização escolar, nas denominações, nomenclaturas, embora isso não seja o mais importante a ser destacado, mas compreendemos que o processo de expansão, feita de forma muito rápida e sem o envolvimento dos principais agentes, professores, alunos, especialistas na educação, é que suscitou a discussão recorrente da imposição dessa Lei. Inclusive para esta crítica, o Chagas respondeu:

A Lei 5.692 reuniu todos os avanços que houve de 1930 até 1970 [...] o projeto que nós fizemos em 1970 não tornava obrigatória a profissionalização. Nós trouxemos a ideia de escola única. fizemos uma única escola vertical, isto é, juntando o primário e o ginásio. juntávamos os estabelecimentos: não há mais escola comercial, escola agrícola, à escola de segundo grau, como as habilitações que se queira. Isso quer dizer, mais ainda do que uma escola única. Quando foi na hora de unificar o currículo, o que eu chamo a unificação horizontal, numa sociedade de classes como a nossa, é muito difícil, você caminha, ainda agora, com a escola única, embora o curso não tivesse nenhum sentido de abastecer o mercado de trabalho. (CHAGAS apud NOSSELA; BUFFA, 2019, p. 176).

Assim, dentro desse contexto sociopolítico, a educação passava por mudanças, sobretudo a partir da década de 1970, especialmente após a promulgação da Lei 5.692/71 que regulamentou o ensino em 1º e 2º graus num movimento de expansão de números de matrículas e consequentemente aumento de salas de aula; o estabelecimento da obrigatoriedade e gratuidade da educação para todo o ensino de 1º grau (1ª a 8ª série).

Além disso, outro aspecto que é preciso ser destacado é que a partir da implementação do ensino em graus, o município foi o ente que recebeu a demanda maior de atendimento educacional, sendo este agora responsável pelas oito séries iniciais da escolarização básica. Foi modificada a nomenclatura Grupo Escolar para denominação Escola de 1º e 2º graus; a modificação do currículo escolar, com uma parte comum e diversificada e a criação de habilitações profissionais a nível de 2º grau, como por exemplo, o Magistério, sendo esta habilitação exigida para que os professores lecionassem de 1ª a 4ª série e políticas públicas de formação docente; entre outras modificações.

Art. 29. A formação de professôres e especialistas para o ensino de 1º e 2º graus será feita em níveis que se elevem progressivamente, ajustando-se às diferenças culturais de cada região do País, e com orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases de desenvolvimento dos educandos. [SIC] (BRASIL, 1971).

No tocante a estrutura do ensino básico nesse período, destacamos

A implementação da Lei 5.692 fixou a duração de oito anos - ou 720 horas de atividades anuais - para o ensino de primeiro grau, abrangendo as quatros séries do antigo ensino primário acrescido de mais quatro séries do ensino ginasial. O ensino de segundo grau, passava, então, a compreender os três anos do ensino colegial. (SANTOS, 2014, p. 155).

Dentro desse contexto e das mudanças políticas que aconteciam no Brasil, o ideário pedagógico foi o que mais se adaptou as mudanças trazidas pela Lei, através do tecnicismo educacional que serviu de base para o alinhamento político e educacional e consequentemente também na proposta de formação de professores.

Nesse período, a educação sofreu fortes influências da tendência liberal tecnicista, cuja ideologia era e é formar técnicos profissionais, de forma rápida, para atender o mercado de trabalho. Nesse sentido, o objetivo central era adequar o sistema educacional à orientação política e econômica do regime militar: inserir a escola nos modelos de racionalização do sistema de produção capitalista (BORGES, 2013, p. 35-36).

Outro aspecto a ser considerado foi no tocante a formação dos professores. Saviani (2009) destaca que na história da formação de professores, esse período ficou conhecido como a “Substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério (1971-1996)”. Assim, houve a criação do Curso Magistério em nível de 2º grau que habilitava os professores ensinarem de 1ª a 4ª série e a extinção da Escola Normal como espaço de formação de professores.

Quanto ao Curso Normal, considerando a profissionalização obrigatória definida pela Lei 5.692/71, de 11 de agosto, foi transformado numa das habilitações do nível médio, extinguindo-se a formação em nível ginasial. Assim, a já tradicional escola normal perdia o status de ‘escola’ e, mesmo, de ´curso´, diluindo-se numa das muitas habilitações profissionais do ensino de segundo grau, a chamada Habilitação Específica para o Magistério (HEM). Foram encerrados, também, os Instituto de Educação, concentrando-se a formação de especialistas no Curso de Pedagogia. (BRAGANÇA; MOREIRA, 2013, p. 54)

De acordo com a Lei:

Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério: a) no ensino de 1º grau, da 1ª a 4ª séries, habilitação específica de 2º grau; b) no ensino de 1º grau, da 1ª a 8ª séries, habilitação específica de grau superior em curso de curta duração; c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente plena. (BRASIL, 1971, grifo nosso).

O anteprojeto de Lei da 5.692/71 foi o responsável pela criação do ensino de 1º Grau e 2º Grau na educação pública brasileira. A formação mínima do professor deveria ser de 2º Grau com habilitação em Magistério.

Quadro 02
Primário e Ensino Médio
Primário e Ensino Médio

Conforme a Lei 5.692/71 houve uma mudança na estrutura do ensino que representamos no quadro abaixo:

Quadro 03
Ensino de 1º e 2º graus
Ensino de 1º e 2º graus

Essa proposta de adequação da legislação educacional teve como um dos responsáveis pelo anteprojeto da Lei 5.692/71, o professor Valnir Chagas que teve uma atuação influente em todo esse processo educacional brasileiro da década de 1970. Além do anteprojeto dessa Lei, que coube a ele como relator, houve outros trabalhos e diversos pareceres que regulamentaram cursos e programas de formação docente sob sua autoria.

Na sequência, o professor Valnir [Chagas] deixa-se absorver pelo esforço de explicitar as normas e disposições necessárias à execução dessa Lei. Dele fazem parte destacada a elaboração do Parecer nº 853/71, que fixa as normas de conteúdo e duração para o Núcleo Comum do ensino de 1º e 2º graus e apresenta a doutrina do currículo emergente a Lei 5.692/71; e sua atuação como coordenador e relator do grupo de trabalho, designado pelo ministro da Educação e Cultura, que estudou a doutrina, a política e a implantação do ensino supletivo (1972). O ápice de sua dedicação ao processo de atualização e expansão do ensino de 1º e 2º graus foi a proposta política das estruturas curriculares para a formação dos professores que pudessem dar suporte executiva as bases e diretrizes estabelecidas. (PINTO, 2010, p. 18-19).

Como podemos observar, a atuação de Valnir Chagas foi vasta na área das reformas educacionais na década de 1970. Conhecer sobre essa personalidade em questão, através da sua efetiva participação nas reformulações e pareceres, bem como na construção da legislação educacional do período, colabora com a compreensão do contexto político e do ideário educacional que se pretendia implantar durante o Regime Cívico-Militar brasileiro.

Conhecendo melhor atuação de Chagas nas reformas educacionais, no que concerne a formação docente, antes de começarmos a discutir sobre os aspectos da formação e atuação do professor de 1º Grau e 2º Grau, construímos esse quadro para exemplificar o que regia a Lei.

Quadro 04
Formação de Professores - Lei 5.692/71
Formação de Professores - Lei 5.692/71

Então, de acordo com a Lei 5.692/71, a formação mínima para atuação profissional deveria ser a partir do 2º grau com habilitação em Magistério. Esse nível de ensino correspondia ao antigo ensino médio de acordo com a LDB 4.024/61.

4. O currículo e a formação do professor

O currículo de formação desse professor também fora modificado. Havia uma parte destinada a educação geral e outra específica. O Parecer 853/718 do relator Valnir Chagas fixou o núcleo comum para currículos de 1º e 2º graus e a doutrina do currículo na Lei 5.692/71.

A fixação do núcleo comum é, talvez, o desdobramento mais importante dentre quantos se devam fazer a Lei 5.692/71, de 11 de agosto de 1971, ainda com o prolongamento de suas formulações iniciais e já como primeira medida concreta de sua implantação. E tanto mais relevante há de torna-se esse passo inicial, para vivência do que se espera venha a constituir sobretudo uma nova concepção de escola, quanto mais nítidas se mostre desde logo, em si mesmas e em suas repercussões visíveis, as soluções oferecidas pelo legislador para o problema do currículo globalmente considerado. (BRASIL, 1972, p. 43, grifo nosso)

Conforme vemos, talvez a maior mudança no currículo escolar do 1º Grau esteja relacionada aos Estudos Sociais que foi uma disciplina em que se fundiu História e Geografia, alvo de duras críticas de estudiosos e pesquisadores das referidas áreas, e que tinha como objetivo

Nos estudos sociais, o ajustamento crescente do educando ao meio cada vez mais amplo e complexo e que deve não apenas viver, mas conviver, sem deixar de fazer a devida ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual do seu desenvolvimento. (Id, 1972, p. 56).

Dessa forma, os estudos em questão não aprofundavam temas específicos das áreas das humanidades, o que se levou em conta foram aspectos mais sociais, genéricos e temáticas afins que eram relacionadas a História, Geografia ou até mesmo das Ciências. Ainda em relação a própria Lei 5.692/71 há capítulos que tratam sobre o Ensino Supletivo, uma tônica da década de 1970 e 1980 e do Financiamento da Educação, além disso, a partir dessa Lei, outros pareceres foram construídos para regulamentação da própria legislação educacional.

Uma perspectiva adotada no ensino de 1º Grau correspondeu aos princípios de continuidade e terminalidade.

O princípio de continuidade pode ser entendido como o meio pelo qual o sistema escolar deve assegurar ao aluno a possibilidade de percorrer os degraus da escolarização, sem quebras, sem barreiras internas (do próprio sistema) que dificultem e até impossibilitem a sua permanência nesse sistema, durante todo o tempo considerado hábil (graus de escolarização) para completar a formação básica. Como consequência, o sistema escolar deveria diminuir as limitações exteriores que pudessem o desenvolvimento e a expansão das potencialidades do aluno. (FELDMANN, 1983, p. 72).

Nesse aspecto fica mais clara a ideia do ensino de 1º Grau e as questões relacionadas a continuidade, sem exames ou testes eliminatórios na sucessiva escolarização. Ainda complementando essa concepção

A escada da escolarização constitui um todo. A sua divisão em graus é sempre artificial por surgir causas econômicas e sociais quase sempre artificial quase sempre estranhas ao fenômeno educativo, encarado a si mesmo. Pela continuidade, a escola deve sempre conduzir ao prosseguimento de estudos, pela Terminalidade, deve preparar para a vida e, particularmente, para o trabalho produtivo. (CHAGAS, 1980, p. 102)

Essa perspectiva corrobora com a ideia de etapas no ensino a partir de situações externas, sobretudo na área econômica, o que possibilitou em relação ao princípio de Terminalidade outra transformação no ensino brasileiro que

[…] deveria produzir grandes mudanças na estrutura do ensino de 1º e 2º Graus, diz respeito a tentativa de romper a dicotomia persistente no sistema escolar brasileiro, entre formação geral e formação profissional. A Lei n. 5.692 pretendeu minimizar esse problema encarando esses dois aspectos como complementares e independentes antes que antagônicos e incompatíveis. Desse modo definiu-se a Terminalidade como aquela característica conclusiva que o sistema escolar deveria assegurar ao ensino. Seu objetivo mais prático supõe a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos na escola, pela formação especial e, a nível de 1º Grau, toma a forma de sondagem de aptidões e iniciação ao trabalho; a nível de 2º Grau, assume o caráter de ensino profissionalizante. A Terminalidade deve ser garantida pelo conjunto de matérias que compõem a parte diversificada do currículo e cuja dosagem deve aumentar à medida que se sobe na escada de escolarização. Isso significa que a proposta legal define, desde os graus mais elementares de ensino, uma progressiva terminalidade nos estudos, a cada ano, cada semestre e cada disciplina, a fim de que, ao interromper a sua vida escolar, o aluno possa utilizar os conhecimentos e informações adquiridos na escola. […] Assim, o binômio Continuidade-Terminalidade constitui-se num elemento básico a dar suporte ao processo educativo que deveria ocorrer em um único tipo de escola, onde fossem combinados os dois aspectos essenciais: formação geral e formação especial. (FELDMANN, 1983, p. 74-75).

Em suma, o que se pretendia foi que estes princípios correspondiam a um tipo de formação escolar em que o máximo que o aluno pudesse ficar na escola, estudando, pudesse adquirir conhecimentos uteis para a vida cotidiana e profissional. O princípio de profissionalização também muito presente nesse momento, haja vista que a maioria de cursos de 2º Grau tinha uma habilitação ligado a um ramo profissional. Ainda colocamos as questões relacionadas a outros dois princípios de obrigatoriedade e gratuidade, segundo Chagas.

A obrigatoriedade é o máximo de terminalidade e o mínimo de continuidade a exigir a escolarização do indivíduo, segundo as condições de cada país. O seu pressuposto básico é a gratuidade, sem a qual ela perderia a eficácia e ao próprio Estado faleceria a autoridade para prescrevê-la, ante o simples argumento da falta de meios. [...] A obrigatoriedade representa outro fenômeno característico deste século. Enquanto a educação era encarada como simples polimento de classe, não havia motivo para dela cogitar em termos de povo. Pouco a pouco, foi-se tornando patente a importância econômica, social e política de sua universalização, e a partir de certo momento, já não puderam os governos deixá-la entregue ao espontaneísmo das iniciativas pessoais que geravam um autêntico círculo vicioso. (CHAGAS, 1980, p. 107-108).

Nesse aspecto, em relação aos princípios basilares da constituição do 1º e 2º Graus, percebemos a educação como uma forma de valorização na construção da formação dos indivíduos que dela fazem uso. Assim, de acordo com o próprio Chagas estes princípios eram necessários para o cumprimento da exigência da oferta do ensino público.

Em se tratando de formulações de cursos a nível de 2º Grau Magistério, é válido salientar também que nesse momento que o Conselho Federal de Educação - CFE também tinha uma relevância no tocante na formulação de propostas para os cursos de formação de professores através de relatórios e pareceres e elaborou alguns documentos importantes para a configuração da educação pública. Como exemplo, o Parecer n. 45/72 estabelecia que “a formação de professores para o 1º grau, até a 6ª série, será feita através de: estudos com duração correspondente a 3 anos letivos - habilitação até a 4ª série. Estudos com duração correspondente a 4 anos letivos - habilitação até a 6ª série.” (BRASIL, 1972, p. 93).

Para as quatro últimas séries do ensino de 1º grau e para o ensino de 2º grau, a lei 5.692/71 previu a formação de professores em nível superior, em cursos de licenciatura curta (3 anos de duração) ou plena (4 anos de duração). Ao curso de Pedagogia, além de formação de professores para habilitação específica de Magistério (HEM), conferiu-se a atribuição de formar especialistas em Educação, aí compreendidos em diretores de escolas, orientadores educacionais, supervisores escolares e inspetores de ensino (SAVIANI, 2009, p. 147).

Como um exemplo, temos a concepção de Valnir Chagas acerca desses núcleos de formação docente.

O preparo do magistério - docentes e especialistas - para o ensino de 1º e 2º graus constitui o próximo e necessário desdobramento do programa, em que se empenha este Conselho [Federal de Educação], de particularizar e regulamentar os dispositivos-chave da Lei nº 5.692/71, de 11 de agosto de 197, para levar adiante, facilitar e acelerar o processo em marcha de sua implantação. Se antes não era possível cogitar do assunto sem uma visão clara de questões que naturalmente o procedem, como a do currículo, já que agora se torna inadiável com os pareceres (853/71 e 45/72) que fixaram o núcleo comum e os mínimos de formação especial (CHAGAS, 1976, p. 13).

Assim, temos um exemplo de currículo de um curso de 2º grau com habilitação em Magistério, com duração de 3 anos, contendo o núcleo comum correspondente a Educação Geral e a parte diversificada como a Formação Especial. Esse currículo tinha como objetivo a formação profissionalizante do professor. De acordo com o Parecer n. 45/72, essa habilitação profissional deve

Oferecer uma educação geral que possibilite a aquisição de um conteúdo básico indispensável ao exercício do magistério e permita estudos posteriores mais complexos; promover a correlação e a convergência das disciplinas; assegurar o domínio das técnicas pedagógicas, por meio de um trabalho teórico-prático; despertar o interesse pelo auto-aperfeiçoamento. (BRASIL, 1972, p. 94)

Dessa forma, a perspectiva apresentada corresponde a que esses dois eixos se complementam e correspondem a um modelo de formação inicial do profissional do magistério. A partir da perspectiva das habilitações de 2º grau na formação do profissional, encontramos a concepção no Parecer 45/72 na docência

Habilitação profissional é o resultado de um processo por meio do qual uma pessoa se capacita para o exercício de uma profissão ou para o desempenho das tarefas típicas de uma ocupação. As habilitações profissionais que são obtidas mediante o cumprimento de currículos oficialmente aprovados e os respectivos diplomas ou certificados, devidamente registrados, conferem aos portadores direitos específicos para o exercício das profissões. (BRASIL, 1972, p.100).

O currículo apresenta um núcleo comum, que a Educação Geral, obrigatório, e uma parte da Formação Especial que corresponde o mínimo necessário a habilitação profissional. A parte correspondente ao núcleo comum era ministrado nos primeiros semestres/anos do curso. A segunda parte, a formação especial, era oferecida na segunda metade do curso.

Sobre o professor formado nesse novo magistério, na concepção de Valnir Chagas “os tipos de professores agora necessários têm de refletir o currículo que lhes cabe desenvolver com o ensino de 1º e 2º graus (1980, p. 313)”. Ainda definindo que “o especialista também é um prolongamento do professor, resultante do crescimento das escolas e de como sua organização como e em sistemas cada vez mais complexos[...]. Daí as três especialidades fundamentais - administração, supervisão e orientação. (Id, 1980, p. 317, grifo nosso)”. Assim seriam os dois tipos de professores que compuseram os sistemas de ensino: o docente que atuaria em sala de aula e o professor que desenvolveria outras atividades na escola. Abaixo um exemplo de grade curricular para o curso de 2º Grau, habilitação Magistério.

Quadro 09
Grade Curricular para Formação de Professores de 1ª a 4ª Série
Grade Curricular para Formação de Professores de 1ª
                        a 4ª Série

Chagas destacou que era necessário habilitar o especialista no professor

O caminho é sempre o mesmo de restabelecer em novo plano a linha tradicional, hoje tão nítida como há um século, e habilitar no sentido técnico e estrito que a palavra tomou na terminologia educacional brasileira, isto é, como um acréscimo específico a um base comum de estudos. No caso que tratamos, como o candidato deve ser o professor diplomado, uma ou mais habilitações já existem. Em consequência, a especialidade escolhida será pelo menos uma segunda opção como prolongamento da parte pedagógica e do seu preparo. (CHAGAS, 1976, p. 103)

Essa formação, conforme compreendemos corresponderia a um profissional habilitado para tarefas especificas na escola. Nesse sentido, haveria os professores na regência de classe e aqueles que assumiriam esses papeis mais técnicos no serviço público do magistério. Esse foi um plano executado nos grandes centros urbanos no Brasil.

A expansão da escolarização nesse período também pode ser considerada muito importante, pois houve uma ampliação das salas de aula e de escolas, urbanas e no campo. Isso também impulsionou para que houvesse a qualificação dos professores através de programas de formação que atendia a exigência do nível de atuação no 1º grau em que se exigia do professor a qualificação em 2º grau no curso de Magistério.

Como um dos exemplos da profissionalização a nível de 2º Grau, o Governo Brasileiro publicou o Decreto 70.929, de 03 de agosto de 1972 que dispunha do registro no MEC dos professores de ensino de 2º Grau

Art. 1º - Fica instituído, no Ministério da Educação e Cultura, o registro de professor de ensino de 2º Grau (artigo 40 da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971), que se fará nos termos do presente Decreto e das normas e instruções a serem baixadas pelo mesmo Ministério. Parágrafo Único: O Departamento de Ensino Médio do Ministério da Educação e Cultura, o registro de professor para as disciplinas integrantes dos currículos do 2º Grau [...] Ficam estabelecidas 2 (duas) categorias de registro, identificadas por códigos, segundo a natureza da qualificação exigida aos candidatos, dentre as especificidades no art. 3º. I - Registro “L”. II - Registro “S”. Art. 3º - Constitui condição essencial para pleitear registro de professor, possuir o interessado um dos títulos abaixo, revestidos das formalidades legais. I - Para registro “L” diploma de licenciatura conferido por Universidade, Faculdade ou curso específico de formação de professores de ensino médio. II - Para registro “S” certificado de aprovação em exame de suficiência obtido na forma da lei. (BRASIL, 1978, p. 191)

É válido destacar que nesse caso se tratava da formação do professor que iria atuar nos cursos de 2º Grau, o que deveria ter o curso de 3º Grau.9 . Ficou assim instituído o registro profissional desse docente, que poderia fazer seus registros nas delegacias regionais, em cada unidade da federação, o qual deveriam procurar ao Estado que pertenciam.

5. A profissionalização e a habilitação em nível de 2º Grau.

A profissionalização no 2º Grau foi uma temática muito discutida na legislação na década de 1970 e trouxe, inclusive para os professores a possibilidade de Estatutos, Conselhos e Órgãos que regulamentavam a profissão. “Art. 40. Será condição para exercício de magistério ou especialidade pedagógica o registro profissional, em órgão do Ministério da Educação e Cultura, dos titulares sujeitos à formação de grau superior.” (BRASIL, 1971).

Sobre o professor formado nesse novo magistério, na concepção de Valnir Chagas “os tipos de professores agora necessários têm de refletir o currículo que lhes cabe desenvolver com o ensino de 1º e 2º graus (1980, p. 313)”. Ainda definindo que “o especialista também é um prolongamento do professor, resultante do crescimento das escolas e de como sua organização como e em sistemas cada vez mais complexos[...]. Daí as três especialidades fundamentais - administração, supervisão e orientação. (CHAGAS, 1980, p. 317, grifo nosso)”. Assim seriam os dois tipos de professores que compuseram os sistemas de ensino: o docente que atuaria em sala de aula e o professor que desenvolveria outras atividades na escola.

Chagas destacou que era necessário habilitar o especialista no professor

O caminho é sempre o mesmo de restabelecer em novo plano a linha tradicional, hoje tão nítida como há um século, e habilitar no sentido técnico e estrito que a palavra tomou na terminologia educacional brasileira, isto é, como um acréscimo específico a um base comum de estudos. No caso que tratamos, como o candidato deve ser o professor diplomado, uma ou mais habilitações já existem. Em consequência, a especialidade escolhida será pelo menos uma segunda opção como prolongamento da parte pedagógica e do seu preparo. (CHAGAS, 1976, p. 103)

Essa formação, conforme compreendemos corresponderia a um profissional habilitado para tarefas especificas na escola. Nesse sentido, haveria os professores na regência de classe e aqueles que assumiriam esses papéis mais técnicos no serviço público do magistério. Esse foi um plano executado nos grandes centros urbanos no Brasil. Entretanto

A criação e funcionamento de cursos de 2º grau de Habilitação ao Magistério, pelo interior do país, nas pequenas cidades não garante, em si, a entrada e a permanência na carreira do magistério do professor formado, em substituição ao leigo. Não é a escolaridade que garante isso. Seria necessário que a profissão de professor tivesse determinadas condições mínimas de trabalho, como salário adequado e uma carreira estruturada em estatuto, que criasse condições para uma efetiva profissionalização no magistério de 1º grau. (FUSARI, 1990, p. 36).

Em relação a modernização do ensino, sabemos que a dificuldade de emplacar políticas públicas na educação no período supracitado poderia ser uma tarefa difícil, pois nesse momento as prioridades de investimento do Governo eram, sobretudo em obras de infraestrutura e na economia. Isso não quer dizer que não houvesse interesse nessa área estratégica, pois os acordos internacionais e a influência de tendências pedagógicas tecnicistas foram deliberadamente escolhidas, pois a ideia de produtividade, eficiência e da instrução, como o ensino, os currículos eram postos como benéficos para a perpetuação do Governo e para que não houvesse questionamentos por parte da população.

De acordo com esse Parecer

Os cursos supletivos serão ministrados a níveis de 1º e 2º graus, segundo cada projeto, não podendo os de Aprendizagem ter nível inferior ao da quinta série. A sua duração será de um a quatro anos letivos nesta modalidade e, nas demais, deverá ser fixada nos planos correspondentes, com as necessárias cargas horárias. Para frequentá-los, exige-se a idade mínima de 14 anos completos. Na Suplência, a idade será de 18 a 21 para conclusão de 1º e 2º graus, respectivamente, com direito a “prosseguimento de estudos em caráter regular”. Os cursos e exames supletivos incluirão o núcleo-comum fixado para o Ensino Regular, quando visem à conclusão de grau com direito a prosseguimento, e, os mínimos de habilitação profissional, quando se destinem também ou exclusivamente a preparar para o mercado de trabalho, com validade nacional dos correspondentes diplomas ou certificados. (PARECER 699, 1973, p. 28).

Sobre o Ensino Supletivo, fundamentado no Parecer citado anteriormente e na Lei 5.692/71.

Art. 25. O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional definida em lei específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de conhecimentos. § 1º Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades próprias e ao tipo especial de aluno a que se destinam. § 2º Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização de rádios, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior número de alunos. (BRASIL, 1971, grifo nosso).

Para atender ao Parecer 699/72, além das características inerentes ao 2º grau, o curso era preparatório para a docência dentro da expectativa da ideologia tecnicista e compunha, em seu currículo, uma carga horária voltada para a educação geral e educação específica com a habilitação no Magistério.

A parte de educação geral destina-se a transmitir uma base comum de conhecimentos indispensáveis a todos na medida em que espelhe o Humanismo dos dias atuais. A parte de formação especial, por sua vez, “terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1º grau” (art. 5.º, § 2.º, letra a). Além de sua função específica, a parte geral tende por natureza a levar mais estudos e, assim, a definir o primeiro atributo da nova escolarização, que o Grupo de Trabalho chamou de continuidade. A parte especial, por sua destinação, caracteriza a terminalidade. Conforme os termos expressos da lei (art. 5.º, § 1.º, letras “a” e “b”), a educação geral será exclusiva nos anos iniciais de escolarização e predominará sobre a especial até o fim do ensino de 1º grau. A formação especial surgirá após estes “anos iniciais”, de certo modo em segundo plano, e crescerá gradativamente até predominar sobre a educação geral no ensino de 2º grau. (CHAGAS, 1993, p. 394).

O curso visava a habilitação profissional no curso de Magistério em nível de 2º grau para os professores não diplomados, permitindo que o cursista fizesse essa formação para a obtenção do curso de 2º grau habilitação Magistério.

6.Considerações Finais

A despeito de tudo que foi discutido, a partir da experiência que todos tiveram com a escola nas últimas décadas do século XX, fica claro que a presença das concepções de Valnir Chagas encontrada nos programas de formação de professores, currículos, nas séries, no ensino público das décadas de 1960 a 1980 e consequentemente na década posterior, pois apenas com a LDB 9.394/96 que a Lei 5.692/71 foi revogada, foi marcante no sentido das características presentes no sistema educacional.

A principal atuação de Chagas aconteceu no Conselho Federal de Educação, órgão estratégico que serviu para regulamentar a educação pública brasileira em todos os parâmetros e âmbitos educacionais, deixando suas concepções nas proposições de conselheiro e de relator em vários dos seus pareceres, seja como autor, seja como membro do CFE, o que demonstrou forte influência nas suas proposições e formulações na área da educação

Em relação a modernização do ensino, sabemos que a dificuldade de emplacar políticas públicas na educação no período da Ditadura Militar poderia ser uma tarefa difícil, pois nesse momento as prioridades de investimento do Governo eram, sobretudo em obras e na economia. Isso não quer dizer que não houvesse interesse nessa área estratégica, pois os acordos internacionais e a influência de tendências pedagógicas tecnicistas foram deliberadamente escolhidas, pois a ideia de produtividade, eficiência e da instrução, como o ensino, os currículos eram postos como benéficos para a perpetuação do Governo e para que não houvesse questionamentos por parte da população.

A expansão da escolarização nesse período também pode ser considerada muito importante, pois houve uma ampliação das salas de aula e de escolas, urbanas e no campo. Isso também impulsionou para que houvesse a qualificação dos professores através de programas de formação que atendia a exigência do nível de atuação no 1º grau em que se exigia do professor a qualificação em 2º grau no curso de Magistério.

Houve transformações substanciais como o método de ensino, currículo, escolarização, entre outros instrumentos que podem auxiliar, inclusive na compreensão tanto do ponto de vista histórico do processo de formação de professores, quanto da cultura escolar. Outro fator a ser considerado foi o tempo de atuação dessa política educacional que perdurou pelas décadas finais do século XX e isso dá margem para um campo fértil da pesquisa acadêmica, pois nos faz refletir a atuação docente nas escolas brasileiras e o campo da memória, história e afetividade com o ensino, escola e a educação.

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Notas

3 Chagas escreveu três livros na área da educação: Didática Especial das Línguas Modernas (1956), A Formação do Novo Magistério: Novo Sistema (1976) e o Ensino de 1º e 2º Graus: Antes, Agora e Depois (1978).
4 Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939.
5 A Lei nº 4.024/61 foi desgastada muitas lutas no Congresso Federal até a sua homologação e teve em um dos seus aspectos marcantes a busca constante para alcançar o princípio de descentralização de poderes, da liberdade de legislar, da autonomia dos Estados e, até mesmo, de Municípios. (MAIA; RENAN, 1983, p. 77). O avanço no aspecto da descentralização, passou pouco tempo durante a vigência em um regime democrático, pois a partir de 1964, o regime político brasileiro mudou e encrudesceu no tocante os direitos e as garantias coletivas e individuais da população brasileira, bem como na educação pública também.
6 A despeito dessa Lei, que não fora uma LDB, mas modificou estruturalmente o ensino e a estrutura básica da escola brasileira, permaneceu sob vigência até o ano de 1996, onde foi revogada pela Lei 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.
7 De acordo com o art. 34 da Lei 4.024/61 o Ensino Médio correspondeu aos doisciclos: ginasial e colegial e abrangia todos os cursos secundários, técnicos ede formação de professores para o ensino primário.
8 Aprovado em 12 de novembro de 1971.
9 Terminologia utilizada na Lei 5.692/71. Na contemporaneidade corresponde ao Ensino Superior.

Autor notes

1 Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Professor de História da rede pública municipal de Riachuelo-RN e na rede pública estadual em Caiçara do Rio do Vento-RN. E-mail: rodrigowantuir@yahoo.com.br.
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora adjunta na Universidade Federal Rural da Amazônia. E-mail: paulalcac@gmail.com. http://orcid.org/
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