Dossiê

Apresentação do dossiê: “Os movimentos de precarização do trabalho e a educação” O Impacto do crescimento da precarização das relações de trabalho e suas consequências organizacionais na classe trabalhadora e na educação

Maria Fabiana Costa
Daniel Rodrigues

Apresentação do dossiê: “Os movimentos de precarização do trabalho e a educação” O Impacto do crescimento da precarização das relações de trabalho e suas consequências organizacionais na classe trabalhadora e na educação

Revista Tópicos Educacionais, vol. 28, núm. 1, pp. ii-vi, 2022

Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Estamos em 2022, atravessando uma pandemia que desnudou o caráter perverso do capital. Por um lado, um aumento da concentração de capital, por outro, mais fome, miséria e uma intensa precarização da vida e das relações de produção existentes. Dentro dessa situação aviltante ainda se soma uma política neofascista e reacionária nos quatro cantos do mundo, inclusive no Brasil, em especial, a partir do presidente que comanda o Governo Federal. Nesse contexto, esse dossiê busca contribuir para o entendimento desse fenômeno renovado de precarização e de impactos na organização do trabalho, seus sujeitos, classes e processos educativos em sentido amplo até os mais específicos, como no trabalho docente.

O primeiro conjunto de textos se trata de pesquisas sobre aspectos do avanço do capital sobre o trabalho e de suas caracterizações históricas. Ana Lúcia de Sousa e Maria Denise Guedes no título: “Precarização do trabalho e desarticulação do movimento sindical no capitalismo contemporâneo” analisam nos vários momentos do capitalismo a busca pelo aumento da produtividade e pelo controle da classe trabalhadora; desde o laissez faire, passando pelo taylorismo, fordismo, toyotismo, configurando as políticas desregulatórias no trabalho resultantes da reestruturação produtiva do atual século e dos impactos desorganizativos no movimento sindical brasileiro, implicando em políticas governamentais neoliberais independente das matizes dos governos.

O segundo texto traz um debate fundamental, a apropriação da mais-valia através das políticas para a seguridade social. Revela o quanto da produção social realizada pelos e pelas trabalhadoras incidem no momento de aposentaria da classe, conquista esta, a partir da solidariedade da própria classe operária, buscando garantir condições de vida digna àqueles que estão impossibilitados de trabalhar ou àqueles que contribuíram com toda uma vida na construção da riqueza. O caso apresentado é “El sistema público de pensiones de reparto en el Estado español” escrito por José Francisco Fernandéz Álvarez e Claudia Maria Costa Gomes, aponta o ataque do modelo de solidariedade entre gerações mais novas e velhas como parte fundamental de perda de direitos. Esse artigo dá a dimensão do projeto de aumento da produtividade e da exploração da classe trabalhadora através da reforma previdenciária espanhola em sua construção histórica desde a crise de acumulação de capital da década de 1970. O texto dá a amplitude das perdas e desnuda o ataque construído ao longo de mais de quarenta anos, legitimando o aumento vertiginoso da apropriação da mais-valia.

O terceiro trabalho desse primeiro bloco, trata-se da pesquisa de Haidée de Caez Pedroso Rodrigues, com o título “Impactos da reestruturação produtiva na produção de calçados”, nesse artigo está exposto o impacto das ações do capital frente às conquistas da classe trabalhadora na indústria de calçados no sul do Brasil, mesmo sendo uma análise de um setor localizado, o seu trabalho dá a dimensão das implicações desorganizativas mais básicas, como a subcontratação e a diminuição de direitos na esfera da negociação coletiva, enfraquecendo a luta sindical. A autora aponta a necessidade de resgatar as estratégias de luta que enfrentem a terceirização, fonte também do aumento da precarização de direitos conquistados da classe trabalhadora.

O quarto trabalho feito por Maria Fabiana da Silva Costa e Daniel Alvares Rodrigues, intitulado “Empreendedorismo como estratégia do aumento da precarização e desorganização do proletariado” aponta o empreendedorismo não só como método revolucionário organizativo do capital atual, mas como forma de desorganização da própria classe trabalhadora, negando a existência da luta entre as classes, reafirmando que todos podem ser empreendedores. Também traz a impossibilidade de ressignificação dos empreendedorismos sociais, no caso, realizando uma crítica ao afroempreendedorismo, visto o mesmo não conseguir enfrentar as contradições classistas existentes. Conclui com a necessidade de deixar evidente a ilusão do empreendedorismo como forma enfeitiçada de aumento da exploração do trabalho.

O segundo conjunto de textos deste dossiê reúne pesquisas sobre o avanço do capital no fenômeno educacional. Dado os impactos da crise sanitária vivenciada com o COVID 19, a educação foi destaque no quinto trabalho, intitulado “Aprofundamento da precarização da educação e da docência em tempos pandêmicos” de Jetson Lourenço Lopes da Silva. O autor traz algumas mediações que articulam o movimento de reprodução ampliada do capital à dinâmica mais geral de precarização e a relação costurada pelo ensino remoto a esse processo. Ao levantar algumas questões ligadas à educação virtual remota e suas contradições para o ensino e para as/os trabalhadoras/es da educação, o autor traz à tona questões como o desfinanciamento educacional, o aprofundamento das desigualdades educacionais tendo em vista o não acesso dos/as estudantes da escola pública às tecnologias necessárias para a aprendizagem e a intensificação do rebaixamento das condições do trabalho docente que mergulhado num processo de uberização e youtuberização do ensino remoto tem amplificada a precarização do seu trabalho.

O sexto trabalho, intitulado “Da precarização à autonomia estranhada: nexos psicofísicos da docência em Pernambuco”, o autor John Mateus Barbosa analisa a partir de categorias de análise fundamentadas, especialmente, das reflexões de Gramsci em Americanismo e Fordismo(2007), uma nova morfologia do trabalho docente, ao identificar a existência de nexos psicofísicos extraídos do mundo empresarial demandada pelo modelo Tecnologia Empresarial Socioeducacional – Tese, oriunda do setor empresarial (Odebrecht) e difundida na gestão pública educacional no estado de Pernambuco por fundações com interesses privatistas que condicionam a uma estrutura profundamente precarizada na rotina do trabalho docente além de restringir ainda mais a sua autonomia relativa.

O sétimo trabalho, de Moisés Diniz de Almeida, intitulado “Corporações, redes de ensino e capital aberto na bolsa de valores: o avanço do setor privado na educação nos últimos anos” traz reflexões sobre a expansão do setor privado na educação básica brasileira a partir de mudanças recentes na legislação e indicadores estatísticos que comprovam o início de um ciclo de apropriação privada deste nível de ensino. A partir de um breve resgate histórico do processo de privatização na educação passa pelo Ensino Superior no final do século XX e chega na educação básica. Ao abordar o processo de mercadorização da educação, o autor apresenta alguns programas do governo federal que repassam recursos financeiros para as instituições privadas do ensino superior bem como o empresariado educacional que avança para a educação básica abocanhando os recursos públicos.

O oitavo texto, “Neoliberalismo e educação brasileira: a dominância financeira no capitalismo Contemporâneo” escrito por Renalvo Cavalcante Silva, segue as reflexões sobre a privatização da educação brasileira, tendo seus recursos orientados para o setor privado. O autor demonstra a intencionalidade com o descaso à educação objetivando a criação de conglomerados educacionais e a expansão dos seus investimentos, inclusive para o mercado financeiro. Ao apresentar reflexões acerca da ofensiva neoliberal à classe trabalhadora, a educação ganha destaque, pois seu desmonte passa a ser um importante instrumento para a reprodução do capital, não só no brasil como também na América Latina tanto no campo prático como no ideológico. O autor aponta a necessidades da construção de uma educação para além do capital.

Por fim, o texto de Eblin Farage “Educação superior pública, ultraneoliberalismo e extrema direita no Brasil: traços dos retrocessos em curso” consolida o dossiê com um chamado à reflexão e à ação política da classe trabalhadora. Alerta sobre o avanço da extrema-direita fruto de uma política ultraliberal como resposta das crises do capitalismo expresso e difundida no campo educacional formal. A autora aponta a sociabilidade violenta contemporânea de desenvolvimento da cultura do medo, do autoritarismo. Entende essa violência como um fenômeno mundial surgido das desigualdades sociais somada as particularidades brasileiras como: escravocrata, machista e racista. Nesse momento, a política do atual Governo de Bolsonaro se apresenta como uma síntese da própria história da violência opressora do Brasil, agregando medidas concretas econômicas que favorecem, por exemplo, o comércio de armas em favor da extrema-direita; o aumento das escolas cívico-militares conservadoras; as intervenções nas universidades e institutos federais de cunho privatizante que vão se legitimando; entre outros. Essa relação entre o aumento da violência e o projeto político fascista ultraliberal necessita de uma resposta qualificada, a autora desafia as organizações da classe trabalhadora a construir uma contra hegemonia, uma nova sociedade.

Esse dossiê busca analisar histórica e conjunturalmente o processo do aumento da precarização das relações de trabalho e toda a ação do capital frente a sua sanha acumuladora inesgotável que ataca ganhos dos diversos tipos da classe trabalhadora, e, em especial a educação, para tal, se calca numa ação cada vez mais violenta até de caráter fascista para impor seu modo de vida para o conjunto da sociedade. Primando pelo rigor científico e pela firmeza da necessidade de se pensar o que ocorre hoje propicia teoricamente possibilidades práticas de enfrentamento ao que está posto, acreditando na força dos oprimidos e explorados que conscientemente podem e devem apontar para a recriação de sua humanidade, de novas relações entres os seres humanos, uma nova educação, um necessário novo tipo de relações entre nós e, consequentemente, com conjunto do planeta. Boa leitura.

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