ARTIGO
Da Faculdade de Filosofia à Faculdade de Educação da UFMG: a invenção de uma instituição
De la Facultad de Filosofía a la Facultad de Educación: la invención de una institución
Da Faculdade de Filosofia à Faculdade de Educação da UFMG: a invenção de uma instituição
Revista Tópicos Educacionais, vol. 28, núm. 2, pp. 01-19, 2022
Centro de Educação - CE - Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Recepção: 15 Julho 2022
Aprovação: 15 Novembro 2022
Resumo: Neste texto propomo-nos a analisar algumas das facetas da constituição da Faculdade de Educação da UFMG, instituição parida no interior dos debates acerca da necessária reforma das universidades brasileiras, na década de 1960. A perspectiva a partir da qual analisamos a criação e a institucionalização inicial da Faculdade é a da história das instituições escolares. Neste trabalho, as fontes utilizadas são, fundamentalmente, referentes ao acervo histórico da Faculdade de Educação, que estão sob a guarda do Centro de Pesquisa, Memória e Documentação (CEDOC), da própria instituição e, também, entrevistas realizadas e transcritas pelo projeto de História Oral do Museu da Escola “Professora Ana Maria Casasanta”. Os três departamentos por meio dos quais a Faculdade de Educação da UFMG se organizou naquele momento e manteve até hoje – Administração Escolar, Ciências Aplicadas à Educação e Métodos e Técnicas de Ensino – são muito similares aos de outras Faculdades de Educação do país, dão visibilidade e atualizam a perspectiva muito forte nos anos de 1960 e nas décadas seguintes, de dividir as grandes questões da educação escolar e da formação de professores, função precípua da Faculdade de Educação, em três grandes dimensões autônomas, ainda que articuladas: os fundamentos da educação, as didáticas e metodologias de ensino e a administração escolar.
Palavras-Chaves: Reforma Universitária, Instituições Escolares, Faculdade de Educação.
Resumen: En este texto nos proponemos a analizar algunas de las facetas de la constitución de la Facultad de Educación de la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG), institución parida en el interior de los debates acerca de la necesaria reforma de las universidades brasileñas, en la década de 1960. La perspectiva a partir de la cual analizamos la creación y la institucionalización inicial de la Facultad es la de la historia de las instituciones escolares. En este trabajo, utilizamos, fundamentalmente, fuentes referentes al acervo histórico de la Facultad de Educación, que están bajo custodia del “Centro de Pesquisa, Memória e Documentação (CEDOC)”, de la propia institución y, por otro lado, entrevistas realizadas y transcritas en el proyecto de Historia Oral del Museo de la Escuela de Minas Gerais “Professora Ana Maria Casasanta”. Los tres departamentos por medio de los cuales la Facultad de Educación se organizó, en aquel momento y hasta hoy – Administración Escolar, Ciencias Aplicadas a la Educación, Métodos y Técnicas de Enseñanza – son muy similares a los de otras Facultades de Educación de Brasil, dan visibilidad y actualizan la perspectiva muy fuerte, en los años 1960 y en las décadas siguientes, de dividir las grandes cuestiones de la educación escolar y de la formación de profesores, función precipua de la Facultad de Educación, en tres grandes dimensiones autónomas, aunque articuladas: los fundamentos de la educación, las didácticas y metodologías de enseñanza y la administración escolar.
Palabras clave: Reforma Universitaria, Instituciones Escolares, Facultad de Educación.
1. Introdução
Assim se criou a Faculdade de Educação, tudo isso fácil de dizer, difícil de viver, havia um espírito de família nas relações de trabalho na Faculdade de Filosofia, o que se desintegrou porque cada grupo foi cuidar de inventar seu próprio Instituto ou sua própria faculdade. E afinal, o que seria uma Faculdade de Educação? (Magda Soares, 2008).
Neste texto propomo-nos a analisar algumas das facetas da constituição da Faculdade de Educação da UFMG, instituição parida no interior dos debates acerca da necessária reforma das universidades brasileiras que agitaram os anos de 1960. Instituição cuja criação, obedecendo a um processo que dialogou com o que ocorria no Brasil e no mundo naquele momento, mas que tomou um rumo próprio no interior da UFMG, foi estabelecida antes mesmo da famosa Reforma Universitária de 1968.
A perspectiva a partir da qual pretendemos analisar a criação e a institucionalização inicial da Faculdade é a que vem presidindo os estudos acerca da história das instituições escolares. Como sabemos, a história das instituições escolares não é tema novo no âmbito da historiografia da educação brasileira. Segundo Gatti, “em termos científicos, ele está presente desde a época da própria constituição da disciplina no Brasil”, o que ocorreu por volta de 1950, “por meio das iniciativas pioneiras de pesquisadores vinculados aos centros regionais de pesquisa educacional” (ARAÚJO, 2008; GATTI JR., 2015). Gatti aponta que importantes iniciativas acadêmicas ocorreram também, por meio dos empreendimentos liderados por Laerte Ramos de Carvalho na Universidade de São Paulo (VIDAL; BONTEMPI JR.; SALVADORI, 2015).
O pesquisador afirma que “a pesquisa em Educação [...], em História da Educação, antecede a criação dos cursos de pós-graduação em Educação no Brasil” (GATTI, 2015, p. 328): os primeiros cursos foram sediados em universidades católicas brasileiras, no Rio de Janeiro e em São Paulo, datando de meados da década de 1960. Seria a partir da pós-graduação em Educação que grande parte dos investimentos no tema se intensificariam e marcariam seu lugar na pesquisa acadêmica.
Segundo Gatti, no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1990, houve concentração da oferta de programas de pós-graduação em Educação nas regiões Sul e Sudeste brasileiras, mas, com o tempo, foi possível expandi-los para as demais. No entanto, mesmo no momento inicial da pós-graduação em Educação, muitas das temáticas de investigação possuíam apelo regional e mesmo local, com destaque para os esforços de investigação sobre a História das Instituições Escolares. Investimentos de pesquisa que ganhariam relevo – sobretudo com a volta de mestres e doutores formados nos primeiros programas brasileiros de pós-graduação em Educação – buscariam constituir grupos de pesquisa e, depois, programas de pós-graduação em Educação nas mais diferentes regiões e localidades do país, cujos interesses de pesquisa contribuíram para o crescimento das investigações no âmbito da História das Instituições Escolares.
O pesquisador faz ainda uma reflexão sobre a emergência das instituições escolares no contexto da modernidade, trazendo argumentos sobre a importância das pesquisas nessa temática; indica obras nacionais no campo da historiografia; apresenta aspectos mais recentes no âmbito teórico-metodológico, em relação às fontes para pesquisas na área. Diz o pesquisador que é
“perceptível o caráter fundamental conferido às instituições escolares ao longo do tempo e por todo mundo, devido ao caráter de ampla difusão mundial adquirido, ocorrido na Modernidade e pelos processos de escolarização e de cientificação a ela associados” (GATTI, 2015 p. 337).
Seja pelo exame das diferentes finalidades que as presidem, seja pela realidade pedagógica que elas abrigam, “as instituições escolares são objetos de estudo e de pesquisa, fundamentais para a compreensão da vida em sociedade, sobretudo no que se refere à época contemporânea” (GATTI, 2015, p. 338).
Nesta direção, Gatti cita Justino Magalhães (1998) sobre o conceito de instituição educativa apresentado por este, no que tange à percepção da valorização do sujeito e no reconhecimento da força que a institucionalização exerce na formação da humanidade, nos indivíduos. Para Justino, no plano histórico, uma instituição educativa é:
Uma complexidade espácio-temporal, pedagógica, organizacional, onde se relacionam elementos materiais e humanos, mediante papéis e representações diferenciados, entretecendo e projectando futuro(s), (pessoais), através de expectativas institucionais. É um lugar de permanentes tensões. As instituições educativas são projectos arquitectados e desenvolvidos a partir de quadros sócio-culturais (MAGALHÃES, 1998, p. 61-62 apud GATTI, 2015, p. 339).
Os intensos conflitos ideológicos presentes na vida social afetam as instituições escolares, da mesma forma como afetam a vida dos indivíduos em sociedade, conformando-os, levando grupos de pessoas a ações de combate, de modo velado, pouco explícito. A posição das instituições está ligada a atingir seus objetivos estratégicos fundamentais para as diferentes instâncias promotoras do ensino. Conhecer o funcionamento das instituições educativas é fundamental para a compreensão dos contornos específicos de qualquer sociedade, ainda que não se esgote em si mesmo, possibilita a compreensão da articulação que essas instituições comportam em termos societários.
A importância de se investigar as instituições escolares e/ou educativas ao longo do tempo refere-se à necessidade de compreender a forma como as sociedades buscaram forjar “um homem e uma sociedade novos”, tendo por base suas ideologias de conformação social e política. Sejam quais forem essas concepções, inspirado nas ideias de Alain Touraine, sociólogo francês, Gatti aponta que foram “atreladas à ideia do Estado como uma espécie de depositário da consciência coletiva da sociedade, com as instituições escolares sendo portadoras dos novos códigos de conduta, laicos e estatais” (GATTI, 2015, p. 338) baseados nos conhecimentos científicos de dado momento histórico, necessários e centrais na vida pública, “com as religiões e as emoções devendo ser restringidas à esfera da vida privada” (TOURAINE, 2012, p. 18 APUD GATTI, 2015, p. 338).
Diz o pesquisador que “de um número restrito de investigações na origem da pesquisa em História da Educação, no Brasil, passou-se a um número expressivo de investigações dedicadas à História das Instituições Escolares na atualidade” (GATTI, 2006, p 341) fato que se deve à expansão da pós-graduação em Educação em todo Brasil, desde a década de 90, bem como à criação de um bom número de linhas de pesquisa nesses programas direcionadas para a área de História da Educação.
Dentre os pesquisadores que contribuíram sobremaneira para a divulgação dos estudos da área estão Ester Buffa e Paolo Nosella. Esses pesquisadores publicaram, em 1996, uma obra que marcou época e delimitou o início da importante produção de ambos no campo da História das Instituições Escolares - “Schola Mater: A Antiga Escola Normal de São Carlos”, que apontava importantes categorias de análise que passariam a ser amplamente utilizadas em trabalhos de pesquisa nos programas de pós-graduação em educação no Brasil. Tais estudos representam hoje, no âmbito da história da educação, temas de pesquisas significativos privilegiando aspectos, segundo Nosella e Buffa:
Contexto histórico e circunstâncias de criação e instalação; processo evolutivo: origens, avanços e recuos e situação atual; patrimônio edificado: organização do espaço, estilo, reformas, adaptações e descaracterizações; corpo docente e administrativo: origem, formação, atuação e organização; alunos: origem social, destino profissional e suas organizações; saberes: currículo, disciplinas, métodos e instrumentos de ensino, regimentos, organização do poder, burocracia [...] (NOSELLA e BUFFA, 2009, p. 18).
Outro aspecto apontado pelos pesquisadores, no campo da história das instituições, é que o tema deve gerar motivação suficiente para merecer estudo, além do fato de “se estar convencido do valor educativo, cultural e social da instituição e, especialmente, da clareza sobre sua densidade histórica” (NOSELLA e BUFFA, 2009, p. 56). Esta clareza irá favorecer a qualidade da pesquisa, cujo objeto não está dado a priori, é sempre construído, o que “faz da história uma ciência aberta” (NOSELLA e BUFFA, 2009 p. 57). Nesse sentido, o valor educativo, cultural e social da FaE-UFMG, se define pelo lugar que a instituição ocupa no quadro das universidades públicas brasileiras, particularmente, sua densidade histórica.
Para os autores, nos estudos sobre tais instituições “o que mais deve interessar são os procedimentos metodológicos e o referencial teórico”. Isso exige leitura atenta dos estudos já realizados sobre o tema, bem como a observância da “articulação entre referencial teórico proclamado e o posto em prática”, aspecto que pode indicar “uma falta de articulação entre o referencial teórico e os dados empíricos coletados (NOSELLA e BUFFA, 2009, p. 26). Nesse sentido, é importante apurar a sintonia no trato com as fontes e sua relação com as teorias da história, o que demanda leituras específicas no campo do conceito de história, da relação entre história e memória, com base em Marc Bloch (2001), Le Goff (1992) e Antoine Prost (2015), como também rever/refinar os conhecimentos no campo da metodologia da história oral, buscando estudos mais recentes nessa área.
Neste trabalho, as fontes utilizadas são, fundamentalmente, referentes ao acervo histórico da Faculdade de Educação que estão sob a guarda do Centro de Pesquisa, Memória e Documentação (CEDOC) da própria instituição e, por outro lado, fontes orais gravadas e transcritas pelo projeto de História Oral do Museu da Escola de Minas Gerais4. No que diz respeito às fontes sob a guarda do CEDOC, salientam aquelas produzidas pela profa. Alaíde Lisboa no transcurso do processo de constituição da Faculdade; já no que se refere às fontes orais, utilizamos sobretudo as entrevistas da profa. Magda Becker Soares que, em diversos momentos de sua carreira, foi convidada a falar sobre a transição do Departamento de Pedagogia e Didática da Faculdade de Filosofia para a Faculdade de Educação da UFMG.
2. A reforma na UFMG/A reforma da UFMG
Era 28 de fevereiro de 1968, o Plano de Reestruturação da UFMG foi aprovado pelo Decreto Federal nº 62.317. Aprovação esta que reconheceu o processo de profundas transformações na instituição, em curso desde 1965, com a meta de reformar a Universidade, fazer dela um instrumento de mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais, dando-lhe uma estrutura integrada e flexível. Segundo as pesquisadoras que se debruçaram sobre este processo:
É sob a gestão de Aluísio Pimenta (1964-1967) que tem início na UFMG um conjunto de iniciativas endogenamente processadas que colocam em curso a reforma da Universidade antes mesmo do movimento reformista patrocinado pelo governo federal. Aluísio era professor catedrático em duas unidades da UFMG: na Faculdade de Farmácia, que fazia parte, na categoria de ‘primo pobre’, segundo o próprio ex-reitor, das escolas mais prestigiadas da Universidade (Medicina, Engenharia, Direito) e na Faculdade de Filosofia (FAFI), uma das que gozavam de menor prestígio [...] em sua opinião, corroborada por vários de seus antigos auxiliares, sua experiência de trabalho na FAFI, onde conviviam as ciências naturais, a filosofia e as ciências sociais, tê-lo-ia ajudado a desenvolver a concepção da verdadeira universidade e o estimulado, assim, a conceber sua proposta de reforma (VEIGA et a.l., 1987, pp. 23 - 24).
Formado pela Faculdade de Odontologia e Farmácia da UFMG (1945), dois anos depois Aluísio Pimenta foi aprovado, nesta mesma Faculdade, no concurso de livre-docência nas disciplinas Química Orgânica e Biológica (1947); aprovado para a cátedra de Ciências Naturais, no Colégio Estadual de Belo Horizonte (1949)5; tornou-se catedrático na Faculdade de Farmácia, na área de Química Orgânica e Bioquímica (1951), e professor catedrático, também, na Faculdade de Filosofia de Minas Gerais (1952).
Os conhecimentos e o dinamismo dessa trajetória foram ampliados por suas experiências em trabalhos na Universidade de São Paulo (USP) e pelas relações que lá estabeleceu. Voltando para a UFMG, mergulhou no estudo dos graves problemas estruturais da universidade e incorporado ao Colegiado6, “no qual e pelo qual a Universidade se expressava e se mostrava, a visão que tinha sobre esta, era paradoxalmente, estimuladora e desalentadora” (PIMENTA, 1984, p. 17). Alentava-o reconhecer que a UFMG contava com um corpo de docentes e dirigentes do mais alto valor, pessoas de sólida cultura e discernimento, abertas às inovações já entendidas como necessárias. Por outro lado, “era desalentador observar uma lógica feudal que regia as escolas e faculdades – os feudos – que prestavam homenagens ao reitor, mas os atos decisivos não passavam por ele, era então, um poder vazio, destituído de substância universitária” (PIMENTA, 1984, p.17).
Sua experiência intensa na vida universitária, em diferentes papéis, estar cercado por colegas e professores que pensavam com ele a Universidade, seus conhecimentos acerca da realidade das outras universidades brasileiras mais importantes e, principalmente, chegar à reitoria muito jovem, pleno de ideias amadurecidas sobre novos caminhos para uma universidade sintonizada com seu tempo, favoreceu sobremaneira a elaboração do Plano de Reestruturação da UFMG. Esse Plano foi se delineando tendo como questões norteadoras os males crônicos identificados na instituição:
Ausência de pesquisas científicas sistemáticas, amparadas por uma política de financiamento regular e que nos permitisse, enquanto comunidade acadêmica, constituir acervo significativo de conhecimentos nos diferentes campos do saber; ensino deficiente e, ainda mais, dominantemente orientado para a formação de profissionais liberais, com pouca ênfase na formação de técnicos e cientistas que, na própria Universidade, se dedicassem às pesquisas básicas e ao ensino fundamental; e finalmente, um grande desconhecimento do papel da instituição universitária como centro de reelaboração de nossas experiências culturais e, ao mesmo tempo polo de irradiação para toda a comunidade do conhecimento científico, das manifestações das letras e das criações da arte (PIMENTA, 1984, p. 24).
Confirmando os compromissos assumidos para sua gestão, seu discurso de posse, escrito com colegas que o ajudaram a elaborar, foi um verdadeiro programa de trabalho que, segundo Veiga, “se levado integralmente, a efeito, colocaria a UFMG em posição de singular pioneirismo, dentre as universidades federais, na implantação de uma reforma que possibilitaria a criação de uma estrutura universitária mais integrada e flexível” (VEIGA et al., 1987, p. 23). O recém-empossado reitor destacou as linhas mestras de seu programa; esclareceu que reformas profundas seriam necessárias, sempre submetidas “às leis da razão e ao crivo da crítica”, mas alertou sobre os riscos que “os embates de natureza política partidária, as opções religiosas e filosóficas e as idiossincrasias individuais não poderiam transformar a Universidade numa arena de lutas com riscos para a instituição” (PIMENTA, 1984, p. 23).
As pesquisadoras analisam que a questão primordial era a criação dos institutos centrais que concentravam, por um lado, os maiores esforços e, por outro, as resistências mais acirradas à Reforma.
O artigo 79 do Estatuto da UFMG7, aprovado em 1963, previa os seguintes institutos, destinados a abrigar exclusivamente atividades de pesquisa: - Instituto Central de Matemática - Instituto Central de Física - Instituto Central de Química - Instituto Central de Ciências Biológicas - Instituto Central de Ciências Geológicas - Instituto Central de Direito Público e Ciências Políticas (VEIGA et al., 1987, p. 25).
Diante de estudos feitos que apontaram a conveniência de ampliar o número dos institutos básicos e com a anuência do Conselho Universitário, foram aprovados mais três institutos: Instituto Central de Ciências Humanas, Instituto Central de Letras e o Instituto Central de Filosofia (1984, p. 59). Mas somente três institutos se estruturaram e, desde então, vêm marcando seu lugar na história: o Instituto de Ciências Exatas – ICEX que reuniu Matemática, Física e Química, o Instituto de Ciências Biológicas – ICB e o Instituto de Geo-Ciências – IGC.
3. Faculdade de Educação: a invenção de uma instituição
Desde seu início, a reforma assumiu, na universidade, um caráter contrário ao de gabinete, de poucos escolhidos, uma vez que, a partir da definição entre o reitor e seu grupo de colaboradores, do projeto em suas grandes linhas, o trabalho se abriu ao coletivo da Universidade. Dessa forma, foram formadas comissões de professores, encarregadas da elaboração dos projetos de implantação destas novas unidades, que deveriam abranger atividades de ensino e pesquisa. A essas comissões foi atribuída a tarefa de examinar uma série de questões, tais como:
Definição das funções dos institutos, suas relações com os cursos médios, com o Colégio Universitário e com várias unidades universitárias, as inter-relações dos institutos entre si, a estrutura administrativa, a composição do corpo docente e de pesquisadores e a forma de acesso dos alunos às faculdades profissionais. As funções dos institutos centrais são definidas da seguinte maneira: ao nível básico e propedêutico, centralização de todas as disciplinas consideradas básicas - tanto as que vinham sendo ministradas nas escolas e faculdades profissionais, quanto as dos cursos de graduação a serem desenvolvidos nos próprios institutos; ao nível de graduação, cabe-lhes desempenhar as antigas funções da Faculdade de Filosofia; finalmente, é tarefa dos institutos a implementação do ensino de pós-graduação, estreitamente vinculado às atividades de pesquisa, com o objetivo de criar condições para a especialização e o aperfeiçoamento, no âmbito da própria UFMG. Após alguns meses de atividades das comissões colocadas sob a coordenação do Centro de Estudos Gerais, em fevereiro de 1966 - decidiu-se que deveria ser dada prioridade à implantação dos Institutos Centrais de Matemática, Física e Química. Três razões foram alegadas para essa decisão. Em primeiro lugar, a importante contribuição que estes três setores dariam aos programas de desenvolvimento industrial e tecnológico, ‘tão essenciais a um Estado em vias de desenvolvimento’, em segundo, o fato destes institutos abrangerem as mesmas escolas e faculdades, tornando mais fácil a organização de seus cursos e programas. E, por último, o ‘excepcional entrosamento’, observado entre as comissões desses institutos, o que proporcionaria um trabalho conjunto mais eficaz. Há uma motivação de ordem política, não explicitada, para se iniciar a implantação dos institutos centrais pela área de ciências exatas. Esse projeto envolvia, por um lado, os Departamentos de Física, Química e Matemática da FAFI e implicava, por outro lado, profundas modificações na estrutura da Escola de Engenharia. (VEIGA et al., 1987, p. 25).
Aluísio Pimenta contava com grande número de aliados, na Faculdade de Filosofia (FAFI), tanto entre os docentes da área de ciências humanas e filosofia, como também entre os professores jovens da área de exatas, que haviam passado por experiências e treinamento em pesquisa no exterior e não tinham possibilidade de desenvolver atividades nesse campo, dadas as condições de trabalho na escola. A Escola de Engenharia, uma das de maior prestígio da UFMG, foi onde o reitor encontrou maior resistência à sua proposta da reforma. Portanto, minar o poder dessa Escola, com o apoio praticamente total da FAFI, através da transferência de docentes, equipamentos e recursos financeiros para os Institutos Centrais de Matemática, Física e Química era um ganho político significativo da reitoria e um trunfo para o plano de reforma. Mas é preciso lembrar que, para o sucesso desta tarefa, foi fundamental o apoio de docentes da própria Escola de Engenharia, como foi o caso do Prof. Francisco de Magalhães Gomes - também professor da FAFI - idealizador e primeiro diretor do Instituto de Pesquisas Radioativas, implantado na Escola.
A Faculdade de Filosofia8 tem importância singular na história da UFMG pois dela derivaram os chamados Institutos Centrais9, a Faculdade de Letras (FALE), a Faculdade de Educação (FaE) e a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH), como as conhecemos hoje. Na documentação analisada, é possível perceber o processo de extinção da Faculdade de Filosofia e o nascimento, ou se preferirmos, a invenção da Faculdade de Educação.
A reforma do ensino universitário, iniciada pela UFMG em 1966 criou a Faculdade de Educação, órgão destinado a formar o professor, o especialista, o pesquisador, o administrador, o técnico em educação nos três graus de ensino primário, médio e superior. O núcleo básico da nova Faculdade foi o departamento de Pedagogia e Didática da Faculdade de Filosofia da UFMG, até então único órgão interessado, especificamente, na formação do educador. Reestruturado em novas bases, com perspectivas mais amplas, o Departamento de Pedagogia e Didática cedeu, então, lugar à Faculdade de Educação, conforme organograma anexo. No início de 1967, instalou-se a Faculdade de Educação, contando já com grande número de alunos provenientes da antiga Faculdade de Filosofia (Pedagogia 120 alunos, Licenciatura 200 alunos).10
Conforme já vimos, a partir de sua nomeação como reitor, em 1964, Aluísio Pimenta propôs o Plano de Reestruturação da UFMG, que dialogava com as grandes discussões que se faziam no Brasil, naquele momento, sobre o tema, dando início a uma nova ordem nos diversos departamentos da Faculdade de Filosofia e implantando uma profunda reforma na Universidade. Tais mudanças transformaram a realidade por demais conhecida dos professores e administradores da instituição, em um cotidiano sedimentado em décadas de trabalho na Faculdade de Filosofia.
Magda Becker Soares, hoje Professora Emérita da Faculdade de Educação, participou de todo o processo de implantação das mudanças estruturais na instituição. Atuava no Departamento de Pedagogia e Didática da Faculdade de Filosofia, o cerne das mudanças do Plano de Reestruturação, extinta com seus nove departamentos, para serem criados os Institutos Centrais e as novas faculdades: Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Instituto de Geo-Ciências (IGC), Instituto de Ciências Exatas (ICEX), Faculdade de Letras (FALE) e a Faculdade de Educação (FaE). Disse Magda Soares:
Quando tiveram início as primeiras discussões, nos negros anos de 1966/1967, sobre a reforma universitária que se pretendia implantar no país, a proposta que logo se anunciou foi o ‘desmonte’ da Faculdade de Filosofia, transformando os vários departamentos em institutos básicos e faculdades, de modo que as áreas de conteúdo e área pedagógica ganhassem identidade própria, autonomia e possibilidade de expansão para além da formação de professores, que pudessem desenvolver-se em pesquisa e formação de cientistas e especialistas nas várias áreas. O Departamento de Pedagogia e Didática ganhou então, ele também, identidade própria e autonomia, e transformou-se em Faculdade de Educação, seguindo uma iniciativa já implantada na Universidade de Brasília, graças ao espírito pioneiro e inovador de Darcy Ribeiro, e que, aqui encontrou outro espírito pioneiro e inovador, o Reitor Aluísio Pimenta. Assim se criou a Faculdade de Educação, tudo isso fácil de dizer, difícil de viver, havia um espírito de família nas relações de trabalho na Faculdade de Filosofia, o que se desintegrou porque cada grupo foi cuidar de inventar seu próprio Instituto ou sua própria faculdade. E afinal, o que seria uma Faculdade de Educação?11
A fala de Magda Soares sobre o vivido na universidade na década de 1960, aponta um final nefasto do período que havia nascido marcado por intenso debate e muita insatisfação quanto aos rumos da situação sócio-política-econômica do Brasil, e de forma acentuada no campo do ensino superior. Esse debate deu-se a partir de fortes manifestações promovidas pelos estudantes universitários, como já foi registrado, incorporado pelos professores e camadas da sociedade que se fizeram presentes na discussão. Tais manifestações foram, desde sempre, pontuadas por novas ideias, concepções, reivindicações para mudanças estruturais e propostas de rupturas, como foi a questão das cátedras, vistas pelos reformistas como um atraso no campo da docência no ensino superior.
Sobre a criação da FaE, convidada a participar como palestrante, na comemoração dos 40 anos da instituição, em 2008, a professora Magda rememorou:
Começo falando um pouco da pré-história – também essa eu vivi... A pré-história da FaE é o Departamento de Pedagogia da antiga, e também pré-histórica, Faculdade de Filosofia, de que a Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) de hoje não é a continuidade, como algumas vezes se pensa e se diz... a [Faculdade de Filosofia] era uma Faculdade que tinha a exclusiva finalidade de formar profissionais da educação e para isso fora criada [...] havia, assim, na Faculdade de Filosofia um departamento para o conteúdo de cada disciplina do ginásio e do ensino médio: Departamento de Letras (Neolatinas, Clássicas, Germânicas), de Matemática, de História, de Geografia, de Química, de Física, de Biologia. O Departamento de Pedagogia encarregava-se da formação dos especialistas para as escolas – que eram os hoje quase desaparecidos supervisor pedagógico, orientador educacional, administrador escolar e inspetor escolar – e encarregava-se da formação pedagógica dos futuros professores que cursavam três anos de conteúdo, no departamento respectivo, ao fim dos quais recebiam o diploma de Bacharel e, em seguida, cursavam um ano de Licenciatura para receber um segundo diploma, de Licenciado, era o chamado 3+1.12
Magda Soares destacou que havia uma diferença fundamental em relação à situação que se criou com as reformas na universidade, quando extinta a Faculdade de Filosofia e criados os Institutos e as duas novas faculdades – a de Letras e a de Educação. Enfatizou que na Filosofia a dedicação era exclusiva à formação de professores em seus dois componentes, “conteúdo e formação pedagógica, em convívio estreito e intenso entre os departamentos, o de conteúdo e o de formação pedagógica, reunidos em uma mesma instituição, com a mesma finalidade”. Disse ainda, embora não quisesse ser saudosista, que resistia à equivocada tendência de muitos de achar que o passado foi melhor que o presente, constatava que, no entanto, a grande dificuldade de integração dos Institutos Centrais e a recém-criada Faculdade de Educação, no que tange à formação de professores, a levava a se perguntar “se aquele esquema não era mais eficiente, no que se refere a essa formação”.
A professora Magda Soares comentou, ainda, sobre o espírito de família que havia nas relações de trabalho na Faculdade de Filosofia, o que se desintegrou, uma vez que “cada grupo foi cuidar de inventar seu próprio Instituto ou sua própria Faculdade”. Relata que essa equipe unida pelo trabalho no Departamento de Pedagogia se viu sozinha, em situação mais confusa que os colegas dos demais departamentos. Sua narrativa é centrada na constituição mesma da FaE, nas indagações que se colocavam os professores incumbidos de organizá-la, dar-lhe estrutura, fazê-la funcionar: “afinal, o que seria uma Faculdade de Educação?”:
Hoje, essa pergunta pode parecer ingênua, porque depois que algo é inventado, criado – neste caso, uma instituição – parece que o mundo nunca existiu sem esse algo: como imaginar uma universidade sem uma faculdade de educação? Na época, porém, essa pergunta foi para nós, do Departamento de Pedagogia, um desafio, não havia uma tradição, uma experiência anterior, não existia no país para que tivéssemos em que nos basear, uma instituição como aquela que devíamos criar, porque a Faculdade de Educação, imaginada por Darcy Ribeiro não vingara devido à intervenção da ditadura militar na Universidade de Brasília, o que é outra história a se contar...13
Aspectos muito interessantes da história da constituição da FaE foram trazidos por Magda Soares, entre tantos, a providência tomada pelo reitor Aluísio Pimenta de trazer três professores de instituições similares dos Estados Unidos para relatar suas experiências e auxiliar a comissão formada por professores do Departamento de Pedagogia, na criação da estrutura da FaE – “nossa sensação foi a de que eram alienígenas trazidos de outro planeta por algum disco voador, tão distante era o que diziam da experiência departamental que tínhamos vivido até então”. Ainda segundo a professora, foram vários os exercícios feitos para planejar a FaE - o que era um departamento com poucos professores teve que se separar em partes, “desmanchar velhos laços e criar novos laços”, em um vai e vem de tentativas - “departamentos sendo criados, recriados, constituídos, reconstituídos até que chegamos a esta estrutura atual”, que “já dura mais tempo do que deveria, porque já está ultrapassada”, avaliou.
A professora retomou suas memórias considerando que seu objetivo, naquela palestra era “falar do passado e não do presente”. Segundo Magda, a equipe de professores que fazia a transição do Departamento de Pedagogia e Didática da Faculdade de Filosofia para a FaE, tinha não somente que criar uma nova faculdade, mas também criar pontes entre esta, que se responsabilizaria pela formação pedagógica dos professores das várias disciplinas e as novas instituições dos antigos colegas da Filosofia: “esses colegas também estavam construindo, com seus próprios critérios e objetivos, suas novas instituições”.
Outra questão importante, segundo a professora, era ter que repensar, no caso do Curso de Pedagogia, os especialistas em educação para o ensino básico, que também estava em processo de reforma, que resultou na Lei 5.692 de 1971 - “essa foi uma longa e controvertida discussão”, diz Magda: “sobretudo tínhamos que criar as atividades de pesquisa e de extensão” – uma das grandes inovações da Lei da Reforma Universitária.
A Reforma impunha ao corpo docente da universidade a necessidade de realizar a pósgraduação já que o “mestrado e doutorado viriam a se tornar os grandes motivadores e incentivadores das atividades de pesquisa”. Sobre a dificuldade que havia na formação dos próprios professores que, naquele momento, constituíam a FaE, Magda Soares destacou que:
Foi preciso planejar a formação de professores pesquisadores: primeiro, um esforço para que todos se qualificassem em nível de mestrado, depois, quando já tínhamos a maioria com mestrado, para que se qualificassem em nível de doutorado [...] era preciso que fossem para outras instituições quase sempre instituições de outros países, porque ainda eram pouquíssimos os cursos de pósgraduação no Brasil, uma complicada escala de ausências e substituições... Assim que relativamente consolidada a Faculdade, começamos nossa trajetória em direção a um curso de pós-graduação, mas essa já é outra história...14
Em que pese essas recordações, Magda Soares complementou:
Quando me desloco para esses primeiros anos da FaE e olho, de lá, desses primeiros anos, para o que então era para nós o ‘à frente’, para o que pensávamos que poderia acontecer depois, entendo a vida que construímos e me encho de entusiasmo e me sinto recompensada”. Concluí ter partilhado de um passado que construiu um magnífico futuro que é o presente de hoje, “no final dos anos 1960 nós, os que vivemos a pré-história e o início da história, não podíamos prever, só podíamos sonhar: uma Faculdade de Educação, que é certamente uma das melhores, senão a melhor do país, rica em pesquisa, comprometida com os movimentos sociais e inovadora. Como é bom um sonho que deu certo!15
4. A departamentalização da Faculdade
Um dos caminhos pelos quais buscamos compreender a constituição da FaE e o processo de sua institucionalização foi o de buscar historiar o processo de criação dos seus departamentos. Aspectos da história desse processo, de renovar por dentro a Universidade, são abordados pelo sociólogo e pesquisador Luiz Antônio Cunha, no caso específico da UFMG, quando analisa a vitória de Aluísio Pimenta ao aumentar o poder material da reitoria e firmá-la como poder decisório central da instituição, fortalecendo-a diante de uma estrutura arcaica fragmentada, apoiada no regime de cátedras. Cunha trata da movimentação do ex-reitor, antes de sua eleição, em visita às universidades norte-americanas, o que significou tomar duplo conhecimento da fonte inspiradora da modernização das universidades brasileiras, naquele momento e, no retorno ao Brasil, estar diante de sua versão mais avançada – a recém criada Universidade de Brasília (UnB), cujo nascimento acompanhou de perto. Segundo Cunha, a UnB foi por ele tomada como modelo orientador da reforma da UFMG:
A estrutura da UnB, surgindo como solução para reunir os recursos materiais e docentes da universidade, enfraquecendo o regime de cátedras, foi experimentada pelo reitor como ideal para evitar as duplicações tão comuns [...]. Vivenciava, assim mais facilmente do que outros, a possibilidade (e o imperativo) de se reunirem as cátedras dispersas em departamentos, e estes em institutos ou faculdades, que prestariam serviços de ensino para toda a universidade, somando os laboratórios, as bibliotecas, os técnicos e os professores disponíveis, evitando duplicações e, em consequência, podendo aumentar o suprimento ou melhorar a qualidade do trabalho realizado. (CUNHA, 2007, p.116).
A organização do trabalho docente, e suas disciplinas, no sistema departamental, de forma orgânica, fazia parte das principais inovações do Plano de Reestruturação da UFMG implementada pelo reitor Aluísio Pimenta:
Assinalo algumas das inovações [...] até onde o destino permitiu, concretizadas: instituição do sistema de organização departamental; inexistência das cátedras; instauração de uma carreira docente responsável pela introdução do sistema de tempo integral, com a concomitante extinção do triste e generalizado expediente do ‘bico’ que aviltava a atividade por transformá-la, pela própria força das coisas, em atividade suplementar, e não essencial [...] (PIMENTA, 1984, p. 27).
Os documentos analisados indicam que o primeiro departamento da recém criada Faculdade de Educação foi nomeado Departamento de Pedagogia e Didática, o que sugere ter sido mantido o nome do departamento da extinta Faculdade de Filosofia. No entanto, essa continuidade foi abortada com a criação de uma outra estrutura departamental composta por 05 departamentos; Departamento de Administração Escolar, Departamento de Ciências Aplicadas à Educação, Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino, Departamento de Métodos e Técnicas de Pesquisa, Departamento de Psicologia da Educação.16
Conforme dito pela Prof. Magda Soares no Programa de História Oral do Museu da Escola Professora Ana Maria Casasanta, a definição dos Departamentos da FaE foi um exercício de ensaios e reprogramação. Por isso mesmo, a instabilidade dos primeiros anos foi grande. Primeiro, o Departamento de Psicologia da Educação foi extinto, seja porque parte dos professores migrou para o recém criado departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH), seja porque, nas discussões internas, ficou insustentável mantê-lo face a existência do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação, que deveria incluir também a disciplina Psicologia. Em seguida, o Departamento de Métodos e Técnicas de Pesquisas também foi extinto por entenderem que a pesquisa deveria componente fundamental e comum a todos os departamentos, não tendo mais sentido um departamento específico para tal. Restaram, pois, três departamentos - Departamento de Administração Escolar (DAE), Departamento de Ciências Aplicadas à Educação (DECAE) e Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino (DMTE) – que ainda hoje estruturam a Faculdade de Educação.
5. Considerações finais
Compreender como se deu a criação da Faculdade de Educação da UFMG nos permite compreender também como se deram os processos de modernização das instituições escolares, sobretudo as de nível superior, que atravessaram uma profunda reforma. A racionalização do trabalho aliada ao aumento do número de vagas e investimento nos programas de pós-graduação contribuiu para a construção de um cenário no qual mudanças estruturais fossem realizadas, ou como nos referimos aqui neste texto, inventadas.
A partir das memórias da professora Magda Soares percebemos uma certa angústia por construir uma Faculdade a partir de apenas um departamento, que deveria dar conta da formação de professores não apenas do curso de pedagogia, mas dos cursos de licenciatura também. Passados mais de 50 anos, hoje, a Faculdade de Educação, além de abrigar os cursos de pedagogia, licenciatura do campo, licenciatura indígena e pós-graduação, continua cumprindo seu papel de contribuir com a formação dos cursos de licenciatura da UFMG.
Os três departamentos por meio dos quais a Faculdade de Educação da UFMG se organizou naquele momento e até hoje, dão visibilidade e atualizam a perspectiva muito forte nos anos de 1960 e nas décadas seguintes, de dividir as grandes questões da educação escolar e da formação de professores, função precípua da faculdade de educação, em três grandes dimensões autônomas, ainda que articuladas: os fundamentos da educação, as didáticas e metodologias de ensino e a administração escolar.
Tais departamentos, não por acaso, são muito similares aos de quase todas as faculdades de educação do país e em que pese o fato de que, em nossas universidades, os departamentos não sejam a unidade básica da pesquisa e da extensão, e nem onde as mesmas pulsam com maior energia, continuam a sinalizar um passado que teima em se fazer presente.
No entanto, historiar o processo pelo qual a Faculdade de Educação da UFMG se organizou em busca de sintonizar com o espírito daquele tempo, nos permite evocar a ideia de que “cada época não somente sonha a seguinte, como ao sonhá-la a impele a despertar” (BENJAMIM, 1982; apud. ROUANET, 1993, p. 55) e a nos perguntar sobre que sonhos temos para o futuro desse presente.
REFERÊNCIAS
ARAUJO, José Carlos Souza; FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de; LOPES, Antônio de Pádua Carvalho. Orgs. As Escolas Normais no Brasil: do império à república. Editora Alínea, 2008.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. São Paulo: Brasiliense,1987.
BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
CUNHA, Luiz Antônio. A Universidade Crítica: o ensino superior na república populista – 3ª ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2007.
CUNHA, Luiz Antônio. A Universidade Reformanda: o golpe militar de 1964 e a modernização do ensino superior. 2ª ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2007.
CUNHA, Luiz Antônio. Universidade Federal de Minas Gerais: projeto intelectual e político. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997.
GATTI, Décio; GATTI, Giseli Cristina do Vale. A história das Instituições Escolares em Revista: fundamentos conceituais, historiografia e aspectos de investigação recente. Revista Educativa, v. 17, n. 2, p. 327-359, jul./dez. 2015. Goiânia.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Editora Campinas: UNICAMP, 1992.
NOSELLA, Paolo; BUFFA, Ester. Instituições Escolares: por que e como pesquisar? Campinas, SP: Editora Alínea, 2009.
PIMENTA, Aluísio. Universidade: a destruição de uma experiência democrática. Editora Vozes Ltda, 1984.
PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
ROUANET, Sergio Paulo. A razão nômade. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993, p. 55.
VEIGA, Laura da; ALBANO, Maria Celina Pinto; SOMARRIBA, Maria das Mercês Gomes; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira. UFMG: a trajetória de um projeto modernizante (1964-1974). Revista do Departamento de História nº 05. Trabalho apresentado no GT Educação e Sociedade, SP: Águas de São Pedro 24 a 26/10/1984.
VIDAL, Diana; BONTEMPI JR., Bruno e SALVADORI, Maria Angela Borges. Tempos pretéritos e escolhas de futuro: a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e a formação docente. Revista Educação & Realidade Itinerários de Instituições de Formação Docente: memórias e narrativas para o amanhã, vol 41, nº esp. Porto Alegre dez 2016.
Notas
Autor notes