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O estatuto político do significante vazio: identidade coletiva, psicanálise e política[1]
Daniel Omar Perez; Alexandre Starnino
Daniel Omar Perez; Alexandre Starnino
O estatuto político do significante vazio: identidade coletiva, psicanálise e política[1]
The political status of the empty signifier: collective identity, psychoanalysis and politics
Revista de Filosofía Aurora, vol. 33, núm. 58, pp. 84-104, 2021
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
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Resumo: Neste artigo procuramos apresentar os elementos que possibilitam a constituição das identidades coletivas a partir de quatro conceitos fundamentais: a demanda, o significante vazio, a identificação e o gozo (la jouissance). Primeiro, revisitamos Freud trazendo a noção de identificação pensada em sua determinação política. Em seguida, buscamos justificar a especificidade da noção lacaniana de significante vazio, repensado por Ernesto Laclau enquanto um conceito político fundamental implicado na constituição e formação das identidades coletivas. Avançamos na lógica do significante e das demandas insatisfeitas que se organizam basilarmente na composição das identidades coletivas a partir de casos específicos e formalizações. Com este trabalho, temos como objetivo contribuir com a reflexão e debate psicanalítico, filosófico e político acerca das identidades políticas, sociais, de gênero, de diversidade sexual, étnicas e culturais em suas mais variadas formas.

Palavras-chave: Identidade, Psicanálise, Política, Lacan, Laclau.

Abstract: In this article we try to present the elements that make possible the constitution of collective identities from four fundamental concepts: demand, the empty signifier, identification and enjoyment (la jouissance). First, we revisit Freud bringing the notion of identification thought of in his political determination. Next, we seek to justify the specificity of the Lacanian notion of empty signifier, rethought by Ernesto Laclau as a fundamental political concept implied in the constitution and formation of collective identities. We move forward in the logic of the signifier and the unsatisfied demands that are organized basically in the composition of collective identities from specific cases and formalizations. With this work, we aim to contribute to the psychoanalytic, philosophical and political reflection and debate about political, social, gender, sexual, ethnic and cultural identities in their most varied forms.

Keywords: Identity, Psychoanalysis, Politic, Lacan, Laclau.

Carátula del artículo

Dossiê

O estatuto político do significante vazio: identidade coletiva, psicanálise e política[1]

The political status of the empty signifier: collective identity, psychoanalysis and politics

Daniel Omar Perez[b]
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil
Alexandre Starnino[c]
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil
Revista de Filosofía Aurora, vol. 33, núm. 58, pp. 84-104, 2021
Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Recepción: 29 Noviembre 2020

Aprobación: 24 Febrero 2021

Introdução ao problema: os discursos identitários em relação Uns aos Outros

Provisoriamente, podemos formular nosso problema inicial do seguinte modo:

  1. (1) Como uma diversidade de sujeitos singulares pode se constituir enquanto identidade, isto é, como coletivo identitário altamente organizado ou não, duradouro, milenar, efêmero ou não?

  2. (2) O que outorga legitimidade a um sujeito singular X falar em nome de alguma causa coletiva, de uma ideia geral ou de um grupo, e o que desautorizaria outro sujeito singular C ou D a ter essa legitimidade?

  3. (3) Como se estabelecem os discursos identitários em relação uns aos outros? Em forma de oposição, simetria, incompatibilidade ou inclinação e entusiasmo recíprocos? Ódio ou ressentimento mútuos?

Essas três questões iniciais remetem ao que comumente denominamos de constituição identitária coletiva e seus efeitos de discursividade e práticas sociopolíticas. A articulação constitutiva das identidades coletivas é algo que atravessa muitas das obras de Ernesto Laclau. Podemos considerar como trabalho principal A razão populista (2013), um de seus últimos textos, escrito já não com a parceria de Chantal Mouffe. Nas primeiras linhas, são designados seus propósitos maiores: “as principais questões tratadas neste livro são a natureza e a lógica da formação das identidades coletivas”, questão que, segundo o autor, se originou de “uma insatisfação com perspectivas sociológicas que consideravam o grupo como unidade básica da análise social ou tentavam transcender essa unidade através de paradigmas funcionalistas ou estruturalistas” (LACLAU, 2013, p. 25).

Uma certa “insatisfação” é revelada com os respectivos caminhos teóricos anteriores por trazer, segundo Laclau, uma roupagem “simples e uniforme demais” para dar conta de apreender a “variedade de movimentos implicados na construção das identidades” (LACLAU, 2013, p. 25). O percurso estabelecido em A Razão populista tem forte intervenção de categorias psicanalíticas, sendo A Psicologia das Massas e análise do eu de Freud o ponto de partida para pinçar essa crítica. Afirma Laclau: “Freud constituiu, indubitavelmente, o mais radical avanço até então realizado tendo em vista a psicologia das massas” (LACLAU, 2013, p. 97).

Esse radical “avanço freudiano” para o entendimento de uma “coletividade unificada” encontra, segundo Laclau, uma barreira epistemológica: “o molde freudiano muitas vezes oferece uma abordagem predominante genética ao objeto de seu estudo sendo útil uma reformulação estrutural como instrumento de análise para compreender com mais alcance o que se desenvolve no âmbito do social” (LACLAU, 2013, p. 111-112). É nesse sentido que o autor impõe para compreensão da “natureza e lógica das identidades coletivas” um diálogo intenso, sobretudo, com Jacques Lacan[4].

Uma proposição fundamental de Laclau explorada aqui é a de que nos processos identitários coletivos opera uma “lógica selvagem do significante vazio” (LACLAU, 2010). O predicado selvagem aparece atrelado ao conceito teórico lacaniano de significante vazio que, segundo o autor, tem “o estatuto de um conceito político” (LACLAU, 2010). As identidades coletivas se organizam a partir da sustentação contingente de significantes vazios. De certo modo, poderíamos denominar a constituição identitária coletiva como uma forma selvagem de apropriação de significantes vazios. De algo que aparece como um “particular coletivizado”, sustentado enquanto discurso e prática por um sujeito, coletivo ou massa.

Nas linhas que seguem, a partir de uma intersecção teórica entre psicanálise e política, buscamos estabelecer o movimento desse processo a partir do questionamento central: como é possível algo assim como uma coletividade identificada? O que aparece no registro da estrutura?

Para responder às questões acima enunciadas propomos quatro conceitos fundamentais para estabelecer o que se prende de rigor estrutural nas identidades coletivas: a demanda, o significante vazio, a identificação e o gozo (la jouissance). Todos esses elementos serão percorridos no presente artigo, a partir, também, de casos específicos e de formalizações. Em primeiro lugar, revisitaremos A Psicologia das Massas de Freud.

Freud revisitado: a identificação como um conceito político
Gustave Lebon e as multidões ensandecidas



As multidões assemelham-se, de certo modo, a esfinge da antiga fábula. É necessário chegar a uma solução dos problemas oferecidos por sua psicologia ou então nos resignarmos a ser devorado por elas (LE BON, 1980).

A matriz conceitual inaugurada por Freud influenciou de modo irreversível a compreensão contemporânea do campo social, o que acarreta a problematização das configurações sociais produzidas e a constituição dos processos de subjetivação e formação dos vínculos identitários, implicando não só a esfera da clínica, mas a forma como investigamos o próprio campo sociopolítico. Podemos afirmar que Freud fez em a Psicologia das Massas e análise do Eu (2011) seu maior esforço teórico na tentativa de compreender como se articulam as identificações coletivas (em grupos, coletivos, massas) a partir de elementos da Psicanálise, num diálogo principalmente com antropólogos e sociólogos de sua época.

A questão posta em primeiro plano em Psicologia das Massas e análise do Eu (2011) gira em torno das condições de possibilidade de uma coletividade organizada e como que os coletivos adquirem a peculiaridade de “influir tão decisivamente na vida psíquica do indivíduo” (FREUD, 2011, p. 12). Freud se insere nesse problema a partir de uma crítica à noção de “sugestão” de Gustave Lebon, termo difundido na conhecida obra Psychologie de Foules (1895). A sugestionabilidade é apontada por Le Bon como o elemento central que explicaria a constituição das multidões. Acerca disso, Freud nos diz: “minha resistência se orientou em protestar contra a visão segundo a qual a sugestão, que tudo explicava, era ela própria isenta de explicação (...), desse modo, afastar um pouco da penumbra que costuma cobrir o enigmático termo ‘sugestão’” (FREUD, 2011, p. 26, 31).

A "sugestionabilidade" se estabeleceria a partir de “imagens, palavras e fórmulas” onde quanto mais indefinido o termo lançado, mais poder e influência sobre as multidões teria: sugestão, afirmação, repetição e contágio são alguns conceitos usados por Lebon para explicitar a constituição das multidões. Disso decorre o autor afirmar que termos como “socialismo”, “democracia”, “liberdade”, “igualdade”, que “pelo simples fato de serem evocados” impõem, ele nos diz, “um poder verdadeiramente mágico associado a essas curtas sílabas, como se elas contivessem a solução de todos os problemas. Elas sintetizam as mais diversas e inconscientes aspirações, bem como a esperança de sua realização” (LE BON, 1980, p. 52).

Não é novidade a exploração eficaz de índices como “comunismo”, “socialismo”, “fascismo”, “esquerda”, “direita”, “liberdade” ou “igualdade”, a disputa política em torno deles, as colagens de significados produzidos e altamente exploradas pelas dinâmicas sociais de propagação, difusão, e construção de verdade, atualmente em redes sociais e afins, pela via da insaciável repetição e afirmação. Tentativa de colagem de significação. O Outro (oposto ao coletivo identitário em questão) é sempre o “comunista”, “o resto”, “o judeu”, “o populista”, o causador de todos os males, aquele que precisa ser descartado, odiado para o “bem de todos”; é sempre o Outro (aquele que não tem o traço positivado da marca da identidade) que atrapalharia a construção de uma “sociedade unificada” sem diferenças de grupos nem antagonismos irreconciliáveis.

Mas o simples fato da sugestionabilidade da massa por parte do líder, proposta por Le Bon, explicaria todo o processo constitutivo dos diversos grupos, coletivos, massas, as oposições e conflitos com outros grupos?

O caráter político da identificação

Apesar da obra Psychologie de Foules (1895) de Le Bon ter tido uma grande recepção nos estudos políticos e sociais concernentes às multidões, inclusive muito elogiada por Freud, principalmente em seu aspecto descritivo, Ernesto Laclau nos afirma que a ideia leboniana de sugestão se tornou na época “o Deus ex machina onipresente no discurso sobre a psicologia das massas” (LACLAU, 2013, p. 66) e que é Freud quem promove uma “verdadeira revolução” com a sua obra Psicologia das massas e análise do Eu, principalmente, a partir da exploração da noção de identificação.

Laclau escreve:

se minha leitura for correta, tudo gira em torno da noção primordial de identificação, e o ponto de partida para explicar uma pluralidade de alternativas sociopolíticas deve ser encontrado no grau de distância entre o Eu e o Ideal de Eu (LACLAU, 2013, p. 102).

O autor aponta para a noção de identificação como elemento primordial para explicar a diversidade dos processos sociopolíticos e identitários[5]. Poderíamos nos perguntar: por que a identificação teria esse estatuto de conceito político? Haveria várias formas de se responder a essa pergunta. A mais imediata pode justamente ser obtida em chave freudiana a partir do grau de distância entre o Eu e o Ideal do Eu, como aponta Laclau acima. Vejamos.

É demonstrado por Freud (2011) que a sugestão não funciona sem a identificação afetiva a um “elemento externo” que coagiria os indivíduos em situação de grupo: ao analisar como protótipo duas massas artificiais (o exército e a igreja), Freud aponta no cerne da constituição dessas “massas artificiais milenares” (como ele as denomina), o caráter político da identificação entre o Líder e os membros da coletividade organizada ou entre os próprios membros do grupo. O general no exército, Cristo pelo lado da igreja, operariam como Ideal de Eu. Tais líderes operariam como o protótipo ideal a ser seguido via identificação pelos membros (irmãos) da massa artificial organizada. Segundo Freud (2011), Cristo e o general nutririam a fantasia coercitiva de que “ama a todos igualmente”, um “traço democrático” atuando decisivamente no laço identitário sustentado por soldados por um lado, crentes por outro[6]. Há uma imposição decisivamente libidinal nesse processo, não uma mera sugestão ou loucura generalizada das massas.

No caso dessas duas massas artificiais, o exército e a igreja, os ideais propagados são o garantidor dos indivíduos identificados afetivamente. Dupla identificação política: horizontalmente entre “irmãos” que compartilham os ideais e verticalmente, com o líder, o Ideal a ser seguido.

Freud vai definir a identificação justamente como “a mais antiga manifestação de uma ligação afetiva a uma outra pessoa” (FREUD, 2011, p. 46), reafirmando a indissociabilidade entre psicologia social e psicologia individual:

Na vida psíquica do ser individual, o Outro é via de regra considerado enquanto modelo, objeto, auxiliador e adversário, e portanto a psicologia individual é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado, mas inteiramente justificado (FREUD, 2011, p. 11).

Poderíamos acrescentar que uma psicologia social, indissociável de uma psicologia individual, opera numa instância política. Ora, se identificar a um líder e seus ideais, ao professor, ao pai, ao amigo, à religião, ao partido político, às construções ideológicas sempre é uma instância política com efeitos afetivos, libidinais, portanto, políticos e identitários.

Ocorre que, conforme nos afirma Freud (2011), se há um fluxo libidinal nesse processo que leva os sujeitos a se identificarem coletivamente com algo, se a mera sugestão por si só fracassaria em captar por completo o processo constitutivo das coletividades, torna-se necessário estabelecer os outros elementos envolvidos nesse processo que justifiquem a assertiva freudiana da identificação.

Ainda é tentadora a saída de Le Bon, algo que se repete em vários discursos e autores, inclusive quando versam sobre a noção de populismo, por exemplo, ou quando se referem aos coletivos organizados, em inscrever uma dicotomia moralista e normativa colada aos processos coletivos. Le Bon afirmara que “pelo simples fato de pertencer a uma multidão organizada, o homem desce vários degraus na escala da civilização. Isolado, ele pode ser um indivíduo culto; na multidão, ele é um bárbaro” (LE BON, 1980, p. 74). O que está em jogo em Le Bon é a dicotomia entre psicologia individual e psicologia social, além da tentativa de cunhar um primado soberano a um logos individual em detrimento de um pathos coletivo: afetos coletivos, irracionais, incontidos, imoderados, sendo o coletivo, a massa, as multidões, algo da ordem do patológico — o que Freud buscou superar a partir da noção de identificação.

Pode ser epistemologicamente cômodo para alguns, para outros pode ser lido como uma provocação dizer que consiste em impossibilidade compreender os vértices das identificações coletivas sem implicar os investimentos libidinais, os desejos, os afetos que as estruturam. Se há uma lição primária que Ernesto Laclau nos traz em seus estudos acerca das identidades coletivas, herança evidente de sua leitura da Psicanálise, é essa espécie de absurdo que seria pensar a constituição dos coletivos sem evocar a explosão dos afetos e investimentos libidinais: “Freud já havia entendido esse fato com clareza: o laço social é um laço libidinal” (LACLAU, 2013, p. 25).

Mais que isso, podemos formular, na esteira de Laclau, que não há identificação alguma sem demandas. O que é uma identidade coletiva sem demandas? Só com a morte do sujeito cessariam suas demandas: seus pedidos, desejos, conflitos e reivindicações. Só com a morte dos grupos, coletivos, identidades – do próprio drama político – que cessariam as demandas. A natureza e a lógica das identidades coletivas repousam, segundo Laclau, na unidade mínima de suas demandas. Os cristãos só se identificam milenarmente com os ideais do Cristo porque demandam algo; um algo como, por exemplo, “justiça transcendental” ou um “pai protetor” que “ame igualmente a todos nós”, como revela Freud (2006). Algum tamponamento frente ao desamparo estrutural.

Demandas e identidade coletiva

Talvez seja redundante dizer que a identificação coletiva é uma construção política. O aforismo lacaniano o inconsciente é a política encontra no processo identitário uma reverberação precisa: as identidades coletivas se constroem não como fruto do idílio, mas no conflito e na disputa política incessante e inacabada.

O interior da cultura em que o fenômeno identitário se organiza é marcado por relações por excelência simétricas, pela força e insistência de normatividades, em formas de interpelação e imposição a modos precisos de gozo e de laço identitário. Nesse processo, uma infinidade de demandas se organiza no interior de cada identidade coletiva. Como dissemos, a natureza e a lógica das identidades coletivas repousam, segundo Laclau, na unidade mínima dessas demandas: é deslocada a unidade mínima de análise da identidade coletiva para a demanda. Se numa análise sociológica temos o “grupo”, o “coletivo” como “um referente primário” (LACLAU, 2013, p. 24), em Laclau teremos em primeiro plano a demanda: (a) aquilo que é demandado; (b) a quem é demandado; (c) se é atendido ou se é negado; (d) e quem se opõe às demandas do coletivo organizado.

Um pedido dirigido a um Outro

O que é uma demanda coletiva? Uma demanda qualquer é um pedido dirigido a um Outro. Vários sujeitos formam uma demanda coletiva já com um estatuto de reivindicação dirigida a um Outro. Reivindicamos cotas. Reivindicamos igualdade de salários. Reivindicamos a cura gay. Reivindicamos uma ponte, transporte público, moradia, educação de qualidade, etc. A tipificação de cada coletivo identitário aparece, antes, nas demandas sustentadas dirigidas a um Outro. Ou seja, há um processo de identificação, primeiro, no entorno contingente das demandas reivindicadas.

Segundo Laclau (2013), as identidades coletivas se constroem a partir de demandas insatisfeitas: “o significado das demandas é determinado em grande parte por suas posições diferenciais na estrutura simbólica da sociedade e é somente sua frustração que as apresenta sob uma nova luz” (LACLAU, 2013, p. 141). Os coletivos se formariam a partir dessas demandas insatisfeitas organizando uma cadeia de equivalência.

Podemos explicitar isso do seguinte modo: Imaginemos que um “grupo B” do bairro X tem uma demanda por transporte público (D1) que conecte o bairro X ao centro da cidade. O prefeito, o representante e o vereador do bairro conseguem atender institucionalmente essa demanda aprovando uma linha de metrô. O “grupo B” é desfeito com a demanda atendida. Já o “grupo C” do bairro Y tem a demanda de “menos repressão policial aos negros da comunidade” (D1). Suponhamos que essa mesma demanda convirja com outros tantos grupos de outros bairros de uma mesma cidade e estado e que um “grupo N” de estatura nacional, que demanda “por cotas raciais” (D2), converge com as demandas municipais e estaduais dos que apelam por “menos repressão policial” (D1). Digamos que esses grupos todos, heterogêneos, criem um partido ou movimento político[7] e se organizem enquanto uma identidade coletiva com demandas em cadeia de equivalência: “É precisamente isso o que torna possível a relação de equivalência: diferentes lutas particulares são outros tantos corpos, que podem indiferentemente encarnar a oposição de todos ao poder repressivo” (LACLAU, 2011, p. 72).

Laclau (2013) traz um diagrama (ver abaixo) para explicitar o jogo das demandas (D1, D2, D3, D4) e a oposição as demandas em (C), que representa os entraves contingenciais que assumem variadas formas para o atendimento das demandas organizadas[8]:

Figura 1 - As demandas e a equivalência


Figura 1
As demandas e a equivalência
Fonte: LACLAU (2013).

Fonte: LACLAU (2013).

São mencionados por Laclau (2013) diversos exemplos históricos onde grupos distintos se organizam contingencialmente em coletivos identitários mais abrangentes, e muitas vezes acolhendo demandas que não necessariamente formam um corpo consistente, senão que podem até entrar em conflito dentro do próprio movimento. O exemplo mais próximo de Laclau é o movimento peronista.

Em suma, as demandas proporcionam o arranjo contingencial, mutante, das identidades coletivas acarretando formações identitárias sempre em conflito político e oposição a outros grupos e coletivos, ou em oposição à própria superestrutura institucional. Para ilustrar, Laclau cita, entre outros exemplos, a articulação de uma suposta identificação a um “nacionalismo iraquiano contemporâneo” ter aproximado sunitas e xiitas (LACLAU, 2013, p. 322). Outro exemplo privilegiado é o New Deal americano, onde “a defesa do homem comum [small man] contra o poder deixa de ser associada a um discurso de esquerda, e passa a ligar com a maioria moral” (LACLAU, 2013, p. 322). Desse modo: “a própria identidade que se institui e se constrói se mostra porosa de tal modo que a disputa de sentido lhe seja interna na formação da equivalência” (STARNINO, 2018, p. 223).

A crise e a frustração como lócus do laço social

A partir dessa leitura, podemos dizer que a frustração crescente no entorno das demandas justificaria o rearranjo de contingentes massivos de indivíduos que encontram na sustentação, por exemplo, de “líderes autoritários” a resposta viva para suas demandas, uma resposta imediata daquilo que lhes falta. Como diz Laclau: “A própria crise [lócus onde a frustração aparece como estatutária] é sinônimo da emergência da articulação política como algo absolutamente constitutivo do laço social” (LACLAU, 2013, p. 217). Nesse sentido relacional entre demanda e frustração, Claude Lefort irá justificar as bases do totalitarismo:

quando os indivíduos se sentem cada vez mais inseguros como resultado de uma crise econômica ou da devastação provocada pela guerra, quando os conflitos entre as classes e grupos são exacerbadas e não podem mais ser resolvidos simbolicamente na esfera pública, quando o poder parece ter afundado no nível da realidade e não ser mais do que um instrumento para a promoção de interesses e apetites da ambição vulgar, quando, numa palavra, esse poder surge na sociedade e quando, ao mesmo tempo, a sociedade parece estar fragmentada, então presenciamos o desenvolvimento da fantasia de Um-Só-Povo, o início da busca de uma identidade substancial, de um corpo social unido por meio de sua cabeça, de um poder encarnado, de um Estado livre da divisão (LEFORT, 1988 apud LACLAU, 2013, p. 242-243).

Laclau questiona Lefort no sentido de que não é só no interior infraestrutural das demandas não atendidas e da frustração e devastação de uma “grande crise ou guerra” que se constituem regimes totalitários, mas afirma que várias das características apontadas por Lefort estão presentes, também, em regimes de base popular e democrática:

o espectro de possíveis articulações é muito mais diversificado do que a simples oposição totalitarismo/democracia parece sugerir. A dificuldade em relação à análise que Lefort faz da democracia é que ela se concentra exclusivamente nos regimes liberais-democráticos e não presta a devida atenção à construção dos sujeitos populares-democráticos (LACLAU, 2013, p. 241-243).

A lógica das demandas insatisfeitas oriundas dos mais diversos grupos como elemento estruturante das identidades coletivas não seria algo encontrado apenas na dimensão de regimes totalitários, de tal modo que a simples oposição totalitarismo/democracia se perderia, segundo Laclau, quando implicada a diversidade da construção de sujeitos populares-democráticos, das diversas identidades coletivas.

O que queremos insistir é que a articulação de demandas insatisfeitas na constituição de grupos, coletivos e massas é um elemento estrutural independentemente do polo de disputa política. Dito de outro modo, não há identidades e discursos coletivos sem demandas, mesmo as mais perversas de exclusão sistemática do tipo bandido bom bandido morto ou Arbeit macht frei, inscrita em Auschwitz pelos nazistas ou as que buscam uma pauta popular do tipo Black Lives Matterou revolucionária como paz, pão e terra ou ainda reacionária ao estilo John Locke, o liberal escravocrata acionista da Royal African Company, defensor da instituição da escravidão e da liberdade num só tomo: a escravidão como o “bem positivo”, a demanda da qual “a civilização nunca poderá renunciar” (LOSURDO, 2006, p. 15); conforme exposto nos termos de John C. Calhoun, inspirando-se em Locke.

Em todo caso, são as demandas que estão nas bases de cada discurso identitário que se coletiviza. De tal modo, as “mediações discursivas deixam de ser meramente derivadas e se tornam constitutivas” (LACLAU, 2016, p. 190). A demanda, afinal, é um elemento estrutural presente na constituição das identidades coletivas.

Por que os significantes interessam à política?



O que é encarnado, o significante, são todas as vezes que a demanda se repete. (LACAN, 2003)

Em Emancipação e Diferença (2011) Laclau coloca a seguinte questão: Por que os significantes vazios são importantes para a política? O autor procura responder à questão posta, primeiro, evitando qualquer resposta naif ao questionamento. De antemão, poderíamos formular que os significantes vazios interessam à política porque se não fosse o vazio fundacional[9]presente na estrutura do processo significante não haveria disputa política em torno de um nome, de um discurso, de uma prática social, de um líder, dos símbolos esparsos na cultura. Só haveria “verdadeiros discursos”, homogenia e identidade absoluta[10], o que significa fim da disputa política: uma espécie de mitologia da sociedade reconciliada consigo mesma. Como diz Laclau, “a política é possível porque a impossibilidade constitutiva da sociedade só pode representar a si mesma por meio da produção de significantes vazios” (LACLAU, 2011, p. 76). O contrário da estabilidade ocorre nos processos identitários: a intensa “penetração da contingência na organização dos laços” (HOWARTH, 2000, cap. VI).

Os significantes justamente por não ter uma identidade consigo mesmos estariam em franca disputa. É fundamental insistir que não há um uso acabado do significante – portanto do discursoe por isso mesmo algo assim como uma identidade coletiva se constitui pela díade: diferença/contingência e não pelo idêntico a si. Como diz Laclau: “se preciso me identificar com alguma coisa, é porque, para começar, não tenho uma identidade plena” (LACLAU, 2011, p. 140). Assim sendo, a relação entre as demandas contingentes e a identificação diferencial que se entrelaça nas identidades coletivas se cristaliza no destino e especificidade do significante: em cadeias significantes. Poderíamos, desse modo, formular que há uma impossibilidade de, no nível da estrutura, uma identidade coletiva se consumar sem a demanda, a identificação, o significante e o gozo (la jouissance).

A demanda encarnada no nome

Em uma metáfora feliz, Lacan aponta precisamente para a relação entre demanda e significante:

O que é encarnado, o significante, são todas as vezes que a demanda se repete. Se justamente não fosse em vão que a demanda se repete, não haveria significante, porque [não haveria] nenhuma demanda. Se, o que a demanda encerra em seu laço vocês o tivessem, nenhuma necessidade de demanda. Nenhuma necessidade de demanda, se a necessidade está satisfeita. Um humorista exclamava, um dia: "Viva a Polónia, senhores, porque, senão houvesse Polónia, não haveria Polonês!". A demanda é a Polónia do significante (LACAN, 2003, p. 349).

Podemos ler esse trecho de Lacan desde um prisma político: a demanda enquanto pedido ou reivindicação no interior de uma identidade coletiva se encarna na especificidade de cadeias significantes comungadas. “Lula”, “Bolsonaro”, “Trump” ou “Mahatma Gandhi” são significantes vazios. “Democracia”, “Liberdade”, “Socialismo”, “Igualdade”, “Esquerda” ou “Direita” são significantes vazios em disputa contínua e inacabada. As demandas se cristalizam em determinados tipos específicos de discursividade e práticas – pode ser um “nome”, um “grupo”, um “povo”, um “ideal”, etc. Ancorando-se em significantes, a partir de cadeias equivalenciais, as demandas ganham o seu corpo de sustentação formando a identidade de coletivos, nos significantes encarnados; por exemplo: “Todos pela democracia” e “Contra o Fascismo”. Dito de outro modo: Black Lives Matterou The White Power formam grandes contingentes e coletivos, justapostos em franca oposição e conflito político, porém constituídos pelos mesmos elementos no nível da estrutura: as demandas em torno dos grupos, a identificação com as demandas reivindicadas e com os significantes privilegiados que aparecem e se repetem no discurso e na prática política comungada. É fundamental o papel do que se estabelece como oposto ao coletivo identitário, formando um campo de oposição para onde a demanda é dirigida e contra quem ela é dirigida: contra “a repressão policial”, contra “Trump, o racista”, contra o “Estado fascista”, etc. Desse modo, se estabelecem os diversos antagonismos e as relações de mútuo reconhecimento. Justamente, “a função dos significantes diferenciais é renunciar à sua identidade diferencial de forma a representar a identidade puramente equivalencial de um espaço comunitário” (LACLAU, 2011, p. 72).

Laclau entende que não há um elemento social que não seja sobredeterminado. Quer dizer, todo significado é sobredeterminado pela sequência discursiva que o acompanha, todo significante é vazio e não pode ser redutível a um único significado e sentido: “o resultado, em última instância, é que esse significado não pode ser apreendido conceitualmente, se por ‘conceitual’ entendemos um significado que eliminaria inteiramente a opacidade do processo significante” (LACLAU, 2011, p. 72). O fato de demandas, insatisfações e reivindicações se repetirem é condição de possibilidade para que haja operações e conversões de algo da ordem da nomeação e reconhecimento identitário: a demanda participa e se aloja em sequências discursivas bem endereçadas, ela é em termos lógicos anterior ao que se apresenta como identificação no nível significante. Segue disso a anedota criada por Lacan (2003) de que “a demanda é a Polónia do significante”.

Efeitos de gozo (la jouissance)

Como procuramos demonstrar até aqui, as nomeações atingem o estatuto de identificação para todo um grupo na medida em que as demandas se cristalizam na especificidade do significante – tornando-se identificação significante – sustentada pelo grupo ou coletivo identitário. Há, por efeito, um gozo (la jouissance) nessa sustentação[11].

Dentre os diversos afetos que se organizam nos coletivos identitários, cabe sublinhar “a eficácia do afeto do ódio em produzir vínculos poderosos de gozo, prendendo e alienando o sujeito ao odiado muitas vezes de modo mais poderoso do que, como se diz vulgarmente, quando se ‘ama’” (STARNINO, 2018, p. 167). Como nos diz Freud (2010, p. 68), “sempre é possível ligar um grande número de pessoas pelo amor, desde que restem outras contra as quais se exteriorize a agressividade”. O ódio é um grande afeto de alienação com destino, objeto, significante bem definido. Pastoreiam-se medos produzindo adversários, inimigos; ativando o gozo de montagem perversa, a agressividade, ocupando vácuos de indeterminação pela precisa produção de narrativas de exclusão sistemática.

Quando abordamos nesse início de século XXI as ditas identificações e discursos coletivos e massivos, há necessariamente que se considerar como fundamentais nesse processo de produção de narrativas de ódio e agressividade os meios de propagação midiáticos e as atuais “redes sociais”. O que é novo não é obviamente o afeto do ódio, mas o alcance e proliferação dele. Como nos dizia Gabriel Tarde no século XIX (ainda sem qualquer sinal das ditas redes virtuais/sociais): “Descobrir ou inventar para o público um grande e novo objeto de ódio ainda é um dos meios mais seguros de se tornar um dos reis do jornalismo” (TARDE, 2005, apudLACLAU, 2013, p. 77).

A lógica selvagem de apropriação do significante vazio



Lembremos de quantos regimes brutais usam a palavra “democrata” em seu nome (Witschel) [12].

Não há controle, tampouco jurisdição em torno do uso do significante tomado pelos atores políticos, pelos coletivos identitários – tampouco para os opositores –, por isso afirmamos que há uma lógica selvagem de apropriação do significante vazio. Laclau (1987) ilustra isso com um exemplo: Uma menina pequena, quando não tem sua demanda hospitalar atendida, lança pedras na janela do hospital com o seguinte dizer: “Viva Peron” (emblema dos peronistas). O exemplo revela que os “grandes significantes” (no caso o significante que remete à figura de um líder) tomam destinos de significado assumidos pelos atores sociais: o “incontrolável número de demandas que se alojam em torno do nome, a impotência do nome para saciar todas as demandas, a impotência de Peron” (LACLAU, 2010)[13] — onde a regra é o conflito, a selvageria do significado descolado de um suposto uso referencial, factual, concreto e verdadeiro.

Toda identidade coletiva constituída e organizada por fundamento é a tentativa de promover o “verdadeiro significado de algo”, em torno dos significantes evocados, ou seja, instituir a verdadeira identidade de algo. Seria estranho pensar o contrário, por exemplo, um cristão afirmando Brahma como uma verdadeira divindade. É algo que poderíamos encontrar na seguinte fórmula: “Nós podemos falar em nome disso verdadeiramente”, o que significa por efeito o estabelecimento da oposição: “os outros não portam o verdadeiro”. Esse processo por vezes se expressa no vale-tudo da construção do significado à revelia de um a priori que privilegiaria uma concretude factual, um consenso. Um terreno fértil, evidentemente, para o cinismo sugestivo.

Voltemos a uma das perguntas postas no início desse texto, a saber, o que outorga legitimidade a um sujeito singular X falar em nome de alguma causa coletiva, de uma ideia geral ou de um grupo, e o que desautorizaria outro sujeito singular C ou D a ter essa legitimidade? Podemos dizer que a própria “selvageria” do inacabamento e da irredutibilidade do sentido tem como aliadas as construções imaginárias em torno dos significantes sustentados pelos diversos sujeitos e coletivos. Em chave lacaniana, o coletivo constrói em torno dos significantes sustentados um sentido simbólico e imaginário, portanto é dado dentro de coordenadas específicas de uma construção assumida em franca oposição a outras relações de sentido que são negadas; isso produziria um efeito de identidade onde a legitimidade é necessariamente demandada. Pode ser lido aqui: “Nós somos a verdadeira esquerda”. Tudo depende em última instância, como diz Laclau, “do ato performativo que o significante vazio ocasiona” (LACLAU, 2013, p. 46).

O conflito, a disputa, o gozo – a repetição – é o que podemos designar como o Real (em sentido lacaniano) que não cessa de se inscrever como lugar da ausência nos processos identitários, pelo vazio fundacional e efeito do próprio processo inacabado do significante. Por isso mesmo, os significantes vazios interessam tanto a política. O Real é a constante tensão em relação com o registro simbólico e imaginário, “onde ações, palavras e coisas se organizam numa mútua relação enquanto construções discursivas em modos de antagonismo, oposição, disputa e identidades” (STARNINO, 2020, p. 439).

Sobre esse ponto, Laclau e Mouffe (2001) afirmam que:

não existe uma identidade social totalmente protegida de um exterior discursivo que a deforma e empeça que ela fique totalmente suturada. Tanto as identidades quanto as relações perdem seu caráter necessário. Como um conjunto estrutural sistemático, as relações são incapazes de absorver as identidades; mas como as identidades são puramente relacionais, esta é apenas outra forma de dizer que não há identidade. que pode ser totalmente constituída (LACLAU; MOUFFE, 2001, p. 111, tradução e grifos nossos).

Zizek irá explorar essa formulação de Laclau justamente no ponto central que tocamos nesse artigo, em relação à lógica do significante vazio e a fragilidade constitutiva das identidades coletivas no interior das construções ideológicas:

A tese de Laclau e Mouffe (1985) é a de que a sociedade não existe. O social é sempre apenas um campo inconsistente, estruturado em torno de uma impossibilidade constitutiva, atravessado por um antagonismo central. [...] Essa tese implica que todo processo de identificação que nos confere uma identidade sócio simbólica fixa está, afinal, condenado ao fracasso – é exatamente a função da fantasia ideológica mascarar essa inconsistência, o fato que “a sociedade não existe”, e assim nos compensar pela identificação malograda (ZIZEK, 1992, p. 124).

Considerações finais: o estatuto político do significante vazio

Rememoremos as questões que trouxemos no início do artigo.

  1. (1) Como uma diversidade de sujeitos singulares pode se constituir enquanto identidade, isto é, como coletivo identitário altamente organizado ou não, duradouro, milenar, efêmero ou não?

  2. (2) O que outorga legitimidade a um sujeito singular X falar em nome de alguma causa coletiva, de uma ideia geral ou de um grupo, e o que desautorizaria outro sujeito singular C ou D a ter essa legitimidade?

  3. (3) Como se estabelecem os discursos identitários em relação uns aos outros? Em forma de oposição, simetria, incompatibilidade ou inclinação e entusiasmo recíprocos? Ódio ou ressentimento mútuos?

Desenvolvemos essas questões no decorrer do artigo a partir de quatro conceitos fundamentais: a demanda, o significante vazio, a identificação e o gozo (la jouissance). Todos esses elementos foram percorridos, além de evidenciarmos alguns casos específicos contemporâneos para dar contornos à teoria explicitada. Sem a intenção de encerrar a questão, estamos em condições de formular que há uma impossibilidade de uma identidade coletiva se consumar sem esses elementos, por isso os denominamos de estruturais: aquilo que se prende de rigor estrutural nos processos identitários, na constituição das identidades coletivas. O significante vazio assume desse modo o estatuto de um conceito político fundamental, pela disputa em torno dos sentidos e significados que se organizam na multiplicidade contingencial dos movimentos políticos e identidades coletivas organizadas: em modos de oposição e antagonismo, simetria, incompatibilidade ou inclinação e entusiasmo recíprocos: discursos identitários em relação Uns aos Outros.

Procuramos assim contribuir com a reflexão e debate psicanalítico, filosófico e político acerca das identidades políticas, sociais, de gênero, de diversidade sexual, étnicas e culturais em suas mais variadas formas; o que nos permite avançar em outros trabalhos.

Material suplementario
Referências
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ZIZEK, S. Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.
Notas
Notas
[1] O presente artigo se relaciona com trabalhos anteriores e com as novas pesquisas em andamento na Unicamp.
[4] Como afirmam Laclau & Mouffe (2001, p. XI): “All these currents have fed our thought to some extent, but poststructuralism is the terrain where we have found the main source of our theoretical reflection and, within the post-structuralist field, deconstruction and Lacanian theory have had a decisive importance in the formulation of our approach”. Em um trabalho recente: Freud, Lacan e Laclau: o entroncamento ardiloso entre discurso, pulsão e gozo (STARNINO, 2020), procuramos estabelecer uma analítica das implicações teóricas do dispositivo psicanalítico na teoria política e na teoria do discurso de Ernesto Laclau.
[5] Em Por que nos identificamos (PEREZ, D. O. STARNINO, A., 2018) e em Sobre identidade e identificação em Psicanálise: um estudo a partir do Seminário IXA Identificação de Jacques Lacan (STARNINO, A., 2016) articulamos de modo mais minucioso o conceito de identificação e identidade na Psicanalise de Freud à Lacan.
[6] Freud (2011, p. 36) nos diz: “Há um traço democrático na Igreja, justamente porque diante de Cristo são todos iguais, todos partilham igualmente o seu amor. [...) Não é sem profunda razão que se evoca a semelhança entre a comunidade cristã e uma família, e que os crentes se denominam irmãos em Cristo, isto é, irmãos pelo amor que Cristo lhes tem. Não há dúvida de que a ligação de cada indivíduo a Cristo é também a causa da ligação deles entre si. Algo parecido vale para o Exército; o general é o pai, que ama igualmente todos os seus soldados, e por isso eles são camaradas entre si”
[7] A cadeia de equivalência acolheria diversos antagonismos internos ao próprio movimento político que se organizaria. Inclusive um partido político, por exemplo, pode fazer parte desse movimento por efeito contingencial, mas não por um apriorismo em seu ideário. Conforme estamos buscando demonstrar, as equivalências não podem ser concebidas sem as demandas.
[8] Sobre isso, podemos ver mais precisamente a composição teórica do diagrama exposto por Laclau no interessante capítulo 5 de A Razão Populista, intitulado “Significantes flutuantes e heterogeneidade social” (p. 195 -230). Laclau, na verdade, retoma esse diagrama a partir da discussão estabelecida com Zizek e Butler em Contingency, Hegemony, Universality: Contemporary Dialogues on the Left (BUTLER; LACLAU; ZIZEK, 2011).
[9] Essa ideia de “fundacional” (em outras ocasiões Lacau usa o termo “fundamento”) se relaciona com uma certa influência heideggeriana do autor. Sobre isso, Laclau nos diz: “La primera referencia es desde luego, a Heidegger, de quien la noción de ‘diferencia ontológica’ proviene. La categoría central es aquí la de Abgrund – un fundamento que es, a la vez, un abismo –. En el lugar del fundamento hay un abismo – o, para ser más precisos, el abismo mismo es el fundamento –. Decir que el abismo mismo es el fundamento no significa, pura y simplemente, la ausencia de fundamento, que sería una ausencia a secas, sino que sería la presencia de una ausencia. Y esta ausencia, en cuanto presencia, necesita ser representada. Una ausencia simple no requiere ningún tipo de representación; pero si la ausencia como tal está presente en el interior de la estructura, requiere tener acceso al campo de lo representable. Esta representación no puede, sin embargo, ser directa, porque lo que es representado es una ausencia; por lo tanto, solo puede ser representada como un proceso de des-fundamentación. Es aquí donde la diferencia ontológica hace su aparición: el contenido óntico no desaparece, pero es distorsionado a través de esta actividad des-fundante, si se nos permite el neologismo, que es al mismo tiempo un investimento. Y esta actividad des-fundante no es meramente negativa, sino que tiene una vertiente positiva: puesto que no hay fundamento último, no hay tampoco fijación última del sentido; pero porque este momento de no-fijación debe ser representado, él abre el camino a fijaciones parciales -es decir, a fijaciones que muestran las huellas de la contingencia que las penetra, y que son el único medio de mostrar discursivamente el abismo presente en el lugar” (LACLAU, 2014, p. 146).
[10] Abordamos com mais precisão as relações diferenciais entre hegemonia, homogenia e exclusão sistemática no interior das ações políticas no artigo “A eliminação sistemática de pessoas e os limites do político: breve ensaio sobre a ação política” (PEREZ, 2013).
[11] A partir, justamente, da releitura de Laclau, trabalhamos conceitualmente com mais precisão a noção de gozo (la jouissance) e a relação teórica necessária com o discurso, com o significante, com a pulsão, com a sublimação e a afetividade, em um trabalho recente intitulado “Freud, Lacan e Laclau: o entroncamento ardiloso entre discurso, pulsão e gozo” (STARNINO, 2020). Podemos dizer que “O gozo aparece como ‘substancial’ a toda operação discursiva, em modos diferenciais de trilhar o arco pulsional na direção dos objetos parciais, no modus operandi em que se repetem as cadeias significantes” (STARNINO, 2020, p. 451).
[12] Embaixador alemão em resposta “ao nazismo ser de esquerda”, conforme afirmado por membros do alto escalão do governo brasileiro. Ver em: https://www.hypeness.com.br/2018/09/embaixador-alemao-nao-consegue-entender-como-brasileiros-distorcem-nazismo/. Acesso em: 10 nov. 2020.
[13] Apesar de não ser o propósito deste artigo, cabe lembrar a importância e o papel que cumprem os líderes no entorno dos coletivos, questão sempre posta com absoluta relevância por Ernesto Laclau (2013). O líder, como afirma Lacan (2008, p. 308), opera justamente como o objeto a do coletivo: “a passagem de toda uma massa para a função de um olhar unívoco. Só o que pode explicar isso é a percepção das possibilidades oferecidas ao significante privilegiado”. Podemos formular que “o líder é o espectro que ronda o infatigável continente das demandas. Evocá-lo, em certa medida, faz com que o continente demandante se aflore numa mesma direção” (STARNINO, 2018, p. 227).
Notas de autor
[b] Doutor em Filosofia
[c] Mestre em Filosofia, Doutorando e pesquisador da Fapesp (2019/00407-0)

Figura 1
As demandas e a equivalência
Fonte: LACLAU (2013).
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