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A historicização da herança geracional segundo a teoria freudiana: um imperativo para os estudos psicanalíticos feministas
The historicization of generational heritage according to Freudian theory: an imperative for feminist psychoanalytic studies
Revista de Filosofía Aurora, vol. 33, no. 58, pp. 145-168, 2021
Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Dossiê


Received: 27 November 2020

Accepted: 26 February 2021

DOI: https://doi.org/10.7213/1980-5934.33.058.DS02

Resumo: Procuramos expor o pluralismo de leituras da obra freudiana mediante a exploração da hipótese de historicização da formação psíquica dos sujeitos, especialmente relativa ao complexo de Édipo e Supereu. Partindo da perspectiva de estudos feministas, verificamos no corpus teórico freudiano se há a possibilidade de que o avanço sócio-histórico seja um fator de modificação de concepções que, na leitura freudiana clássica, seriam lidas como imutáveis, fixas e rígidas cultural e historicamente. Madelon Sprengnether, Nancy Chodorow e Judith Butler serão retomadas para criticar a leitura clássica e generalizante do complexo de Édipo enquanto “estrutural”, essencializado e substancializado. Sugerimos que, sendo uma lei hegemônica, a vivência edípica não pode ser completamente ultrapassada, mas pode ser performativamente atuada de formas desviantes de sua estrutura classicamente pensada por Freud. Nesse âmbito, a transmissão geracional é nosso enfoque primordial. Ela é debatida ao menos em três momentos complementares: na análise da filogênese, da herança arcaica e do Édipo social exposta em Totem e tabu (1913), na herança narcísica de expectativas e ideais compreendida em Introdução ao narcisismo (1914) e na teoria da perpetuação de valores e tradições morais via identificações geracionais superegoicas que consta nas Novas Conferências sobre Psicanálise (1933).

Palavras-chave: Freud, Feminismo, Herança geracional, Édipo, Supereu.

Abstract: We attempt to expose a pluralism of readings of Freud's work by exploring the hypothesis of historicizing the psychic formation of the subjects, especially related to the Oedipus complex and the Superego. Starting from a perspective of feminist studies, we look at the Freudian theoretical corpus for the possibility that socio-historical advancement may be a factor in the modification of concepts that, in classical Freudian reading, that would be read as immutable, culturally and historically fixed and rigid. Madelon Sprengnether, Nancy Chodorow and Judith Butler will be mentioned to criticize the classic and generalized reading of the Oedipus complex as "structural", essentialized and substantiated. Suggesting that, as a hegemonic law, the oedipal experience cannot be completely overcome, it can be performatively acted in ways deviating from its structure classically thought by Freud. In this context, generational transmission is our primary focus. It is debated at least in three complementary moments: in the analysis of phylogenesis, archaic heritage and social Oedipus exposed in Totem and taboo (1913), in the narcissistic heritage of expectations and ideals comprehended in Introduction to narcissism (1914) and in the perpetuation of values and moral traditions via generational superegoic identifications contained in the New Conferences of Psychoanalysis (1933).

Keywords: Freud, Feminism, Generational heritage, Oedipus, Superego.

Introdução

Partimos do pressuposto de estudos feministas na psicanálise segundo o qual é de suma importância a possibilidade de historicização das constituições psíquicas sob influência de transformações sociais. Tal historicização designaria uma atualização teórica das concepções que guiam as reflexões e as práticas psicanalíticas, tanto na própria esfera de atuação, quanto na de outras disciplinas que se apoiam na psicanálise. Por si só, esta historicização, se possível, produziria pluralismos na psicanálise: mais do que comparações teóricas de diversas escolas psicanalíticas — que se amparam nas anteriores e as reformulam —, pensamos aqui na análise interna de uma das vertentes da psicanálise — a clássica teoria freudiana — para procurarmos não precisamente comparações com teorias mais recentes de outros autores, mas para evidenciarmos a pluralidade de leituras no interior mesmo do corpus freudiano. Em outras palavras, o pluralismo na psicanálise freudiana pode advir de diferentes leituras feitas dos textos de Freud, procurando por reflexões diferentes das desenvolvidas pelos comentadores mais reconhecidos, sobressaindo novos debates no interior mesmo da obra de Freud[2].

Especificamente em nosso texto, procuraremos abordar se conseguiríamos encontrar, na letra freudiana, a possibilidade de modificações geracionais de imposições familiares que estruturam as formações psíquicas, denominando uma forma de historicização das constituições do complexo de Édipo e do Supereu, descritas por Freud. Esta seria uma forma de compreendermos como o avanço sócio-histórico pode ser concebido como um fator de transformação nas formações psíquicas e cognitivas que, na leitura freudiana clássica, seriam lidas como imutáveis, fixas e rígidas cultural e historicamente[3]. Segundo o ponto de vista de estudos feministas, a descrição que Freud faz da psique humana é decorrente da influências sociais, uma espécie de retrato da socialização das pessoas em um dado momento histórico. Contudo, o que pretendemos fazer aqui é algo, ao mesmo tempo, próximo e diferente: procurar tal possibilidade de historicização no interior mesmo da teoria freudiana, de forma a conferir se ao menos partes do exposto por Freud autorizariam essa premissa.

Como iremos ver no decorrer de nosso texto, a descoberta de Freud segundo a qual o complexo de Édipo seria um elemento-base da cultura humana forneceu a este dado empírico contornos generalizantes. Entretanto, alguns dos nomes do feminismo psicanalítico como Madelon Sprengnether, Nancy Chodorow e Judith Butler procuram combater a leitura clássica produzida do complexo de Édipo enquanto “estrutural”, essencializado e substancializado, como se fosse imutável. Mais do que uma crítica teórica à organização psicológica dos sujeitos, o debate que está por trás do pensamento das autoras envolve a possibilidade de localização de modos de perpetuação de ideologias masculinistas envolvidas na própria constituição e descrição da situação edípica. Se tais ideologias, descrições e constituições são geracionalmente herdadas e passíveis de modificações históricas, então o patriarcalismo pode ser, tanto individual quanto socialmente, ultrapassado.

Assim, além de expor as críticas feministas à teoria freudiana, desenvolveremos os conceitos de filogênese, herança arcaica, além da transmissão familiar narcísica de expectativas e ideais, bem como as noções de perpetuação de valores e tradições morais via identificações geracionais superegoicas. Serão visitados por nós principalmente os textos Totem e tabu, Introdução ao narcisismo, Novas conferências introdutórias à psicanálise, entre outros.

Críticas feministas às generalizações freudianas

A desigualdade enfrentada pelas mulheres no sistema socioeconômico vigente encontra a sua sustentação principalmente mediante noções naturalizadas, essencializadas e objetificadas imputadas a elas. Nesse sentido, a psicanálise freudiana seria um terreno fértil para o debate entre natureza e cultura envolvido na objetificação feminina em nome de sua pretensa natureza biológica. A recorrência à Freud se justifica, pois a concepção da mulher envolvida especialmente nas descrições do complexo de Édipo ainda permanece minimamente vigente na socialização atual, descrevendo a constituição majoritária dos papéis de gênero, ao menos ideologicamente[4].

São várias as autoras que identificaram os problemas envolvendo a função feminina na estrutura edípica clássica: “O problema óbvio nessa fábula [Édipo] é o papel que ela atribui às mulheres — como objetos passivos das fantasias e desejos dos homens, como nutrizes, em vez de criadoras da cultura humana” (SPRENGNETHER, 2018, p. 66). A questão maior se encontra justamente na generalidade estrutural que tal leitura das mulheres no complexo de Édipo ganha em Freud[5], o que leva à impressão de exclusão de outras atuações de gênero. Para a crítica feminista ao complexo de Édipo freudiano, a generalidade de tal leitura edípica se explica pela hegemonia de atuações de papéis de gênero na cultura profundamente masculinista do status quo ocidental capitalista — posição que, apesar de ter sofrido modificações desde a época de Freud, continua predominando até hoje. Tal leitura pode ser tomada inclusive de forma a favorecer a mobilização da teoria freudiana para as causas feministas, uma vez que a descrição fornecida pelo autor pode ser compreendida como um retrato de uma forma hegemônica de socialização, diagnóstico de um problema social que deve ser conhecido para ser ultrapassado:

Uma das razões do sucesso do complexo de Édipo como conceito estrutural é a facilidade com que ele explica o status quo social. Nessa perspectiva, muitas feministas encontraram em Freud um aliado, alguém que pode ajudar a elucidar o sistema social que esperamos transformar. [...] Enquanto o pai (ou sua função) permanecer identificado com a realização da linguagem e da cultura, a posição da mulher será marginal em ambas. O complexo de Édipo garante a perpetuação desse sistema (ao menos em teoria) ao exigir a submissão de homens e mulheres à sua lógica patriarcal (SPRENGNETHER, 2018, p. 67).

A perpetuação da lógica patriarcal via o complexo de Édipo ocorreria, entre outros, segundo a reprodução geracional da identificação da menina heterossexual com a mãe enquanto objeto de “falta”. Para Chodorow, por exemplo, ao perceberem que a mãe não possui um pênis, os filhos de

ambos os sexos desenvolvem desprezo pelas mulheres. O menino sente ‘horror da criatura mutilada ou desprezo triunfante sobre ela’, e a menina ‘começa a compartilhar o desprezo sentido pelos homens por um sexo que se configura menor em respeito a tão importante aspecto’ (CHODOROW, 1994, p. 8).

Assim, o amor relacionado à mãe na época pré-edípica é transferido posteriormente para o pai — que se deseja enquanto objeto pulsional sexual ou que se quer imitar por identificação. Nesta mudança, a menina heterossexual se encontra em uma condição contraditória de identificação com a mãe — que ocorre com “um sujeito castrado, rejeitado. Esse sujeito castrado, rejeitado torna-se, como resultado de processos identificatórios, parte do Eu da menina, mesmo quando a mãe-objeto permanece, interpessoal e intrapsiquicamente, objeto ambivalente de amor e ódio” (CHODOROW, 1994, p. 16). Concebemos a transmissão geracional de assimetrias de gênero quando a menina heterossexual se vê em condições de se identificar com o lugar da mulher como um objeto a ser repudiado, tendendo a reproduzir socialmente tal papel. Já o pai, na explicação freudiana do complexo de Édipo, aparece como um sujeito propriamente dito, permitindo a diferenciação pela promoção do princípio de realidade. Segundo tal esquema, só nos tornamos efetivamente maduros sob a intervenção paterna: enquanto a mãe seria considerada afastada da realidade, o pai simbolizaria individuação e participação do mundo sociocultural. Sob tal ponto de vista supostamente baseado em “condições biológicas e naturais” da maternidade, a mãe não conseguiria fomentar a autonomia de seus filhos, papel este reservado somente ao pai.

De forma complementar, Butler comenta como a mulher aparece como um significante foracluído do discurso dominante, gerando repúdio. Nesse âmbito, ela formula relações entre ideologias patriarcais e heteronormativas, as transmissões geracionais de papéis de gênero e análises psicanalíticas de como tais determinantes sociais influenciam na formação psíquica e corporal dos sujeitos. Partindo de uma forte influência foucaultiana, a heterossexualidade compulsória e o falocentrismo são compreendidos como regimes de poder que não só determinam o sujeito, mas o formam. A condição da existência humana e do desejo subjetivo dependem das determinações sociais, de modo que desenvolvemos, preservamos e reproduzimos nossas constituições psíquicas e físicas a partir de discursos impostos sem escolha (BUTLER, 2003).

O vínculo com a psicanálise surge ao pensarmos nas imposições geracionais no interior da família: é justamente o amor e apego promovidos pelo cuidado e dependência dos progenitores que permite a identificação e introjeção de modos de subjetivação. É em “Rethinking social difference and kinship in Juliet Mitchell’s Psychoanalysis and Feminism” que Butler debate com Mitchell sobre as formas de transmissão inconsciente de diferenças de gênero ao longo de gerações. Dentre os muitos tópicos debatidos no artigo, vemos a permanência das desigualdades na estrutura de formações de gêneros, apesar da diversificação da prática social. Contudo, Butler questiona o conteúdo a ser replicado entre as gerações, enfatizando que deve haver modificações nas transmissões destes, sendo impossível uma reprodução exata ao longo do tempo[6].

Tal questionamento sobre reproduções geracionais de determinantes de gênero está relacionado com a concepção de performatividade: se o gênero é performativo, e não expressão de uma substância anterior, constituindo uma repetição ritualizada de convenções socialmente impostas, então a herança geracional de determinações de gênero perde igualmente tal substancialização e naturalização. O que vemos é uma espécie de cadeia de performatividades repetitivamente atuadas de forma similar, de modo que somente as imposições sociais da cultura heteronormativa e masculinista asseguram a perpetuação de atuações de gênero predominantes. É justamente porque o gênero é performativo que há possibilidades sempre iminentes de desvios das fronteiras impostas geracionalmente, mesmo que seja impossível ultrapassar totalmente as determinações sociais hegemônicas que nos formam enquanto sujeitos. A repetição geracional guarda em si a possibilidade de uma nova performance que não irá refundar as configurações de gênero, mas reencenar as performatividades dominantes por meio de uma nova experiência que permite certa modificação na ritualização das atuações de gênero pretensamente mais legítimas: “é somente no interior das práticas de significação repetitiva que se torna possível a subversão da identidade” (BUTLER, 2003, p. 209).

O que Butler sugere é um deslocamento na repetição inevitável da lei, replicando diferentes performances das identidades de gênero — algo que o inconsciente, enquanto reserva plástica de pulsões e significações, pode fazer. Assim, a teoria edipiana pode ser considerada um reflexo do posicionamento masculinista heterossexual no sistema de gênero prevalente, sendo, portanto, uma estrutura performativa geracionalmente herdada. Sendo uma lei hegemônica, a vivência edípica não pode ser completamente ultrapassada, mas pode ser performativamente atuada de formas desviantes de sua estrutura originalmente pensada por Freud. Sendo assim, voltamo-nos à psicanálise freudiana para considerarmos a possibilidade de uma historicização e modificação das performances de gênero no interior das famílias.

A filogênese de Totem e tabu e a hipótese do Édipo social

Apesar de Freud sugerir algumas vezes que a dinâmica social seria reflexo da organização psíquica individual[7] (denominando o que se conhece como “psicologismo” ou ainda um reflexo do “biologismo” freudiano a partir da sua teoria filogenética[8]), é nossa tarefa aqui tentar encontrar um viés de compreensão contrário também presente na letra freudiana, a saber, a admissão de que o contexto sócio-histórico pode vir a influenciar e modificar a dinâmica psíquica dos indivíduos segundo as mudanças de uma época e região.

Mas, para tanto, pensemos inicialmente na generalidade e necessidade de vivência do Complexo de Édipo, decorrente de uma aproximação entre os domínios individual e coletivo formulada por Freud. Um primeiro viés possível de articulação entre ambos os domínios foi produzido em Totem e tabu: como uma das consequências da descrição freudiana da horda primeva, vemos serem erigidas as duas tábuas fundamentais do totemismo, a exogamia e o parricídio.

Reevocaram sua façanha declarando não permitida a morte do substituto paterno, o totem, e renunciaram a seus frutos negando-se as mulheres liberadas. Assim, desde a consciência de culpa do filho varão, eles criaram as duas tábuas fundamentais do totemismo, que por isso mesmo necessariamente coincidiram com os dois desejos reprimidos do complexo de Édipo (FREUD, 1913/2000, p. 145).

Deste modo, em decorrência de acontecimentos vividos em um grupo ficcional, Freud formula a hipótese da instauração coletiva de leis sociais em que todos, como filhos, submeter-se-iam simultaneamente aos ditames da civilização, da moral e da religião. O psicanalista erige a sua teoria da “origem mítica” de normas que sustentariam as sociedades atuais por homologia com a vivência individual do Complexo de Édipo. O que se encontra por trás de tal elaboração teórica é a experiência clínica do autor que se depara com reincidências contínuas da experiência edípica em seus pacientes, estendendo-a coletivamente, a um ponto de torná-la fundante da sociedade civilizada, ao menos de forma fictícia. Assim,

Essas cenas descritas na pré-história do homem, cuja trama Totem e Tabu pretende reconstituir, e atribuídas ao homem originário (Urmensch), ao pai originário (Urvater), seriam invocadas por Freud menos para reencontrar uma realidade que lhe escapa ao nível da história individual do que para limitar um imaginário que não poderia compreender em si mesmo o seu princípio de organização (LAPLANCHE; PONTALIS, 1993, p. 54-5).

Formula-se, com isso, a tese filogenética, teoria segundo a qual haveria uma projeção mítica quanto à gênese da sociedade, da moral e da religião que estaria de acordo com os desejos infantis e os mecanismos de repressão próprios da generalização da experiência edípica. Concebendo o conceito de Édipo social, Freud vislumbra a possibilidade de que as mesmas experiências de relações de objeto e identificação fundamentem conflitos e tensões típicas, culminando nos mesmos motivos morais mobilizados pelo Supereu decorrente da fase edipiana. Isso levaria à formulação de noções de lei e autoridade similares a todos os sujeitos ao longo do decorrer da história civilizacional. Com isso, Freud estende para o nível social a mesma constituição simbólica das normas intrapsíquicas, criando uma similitude entre os domínios ontogenético e filogenético. Assim, os modos de organização de vivências individuais teriam sido estendidos para experiências sociais fundadas em um passado geracional sempre presente, já que fora herdado.

O que mais nos interessa em tal hipótese filogenética é que o mito ficcional da horda primeva teria sido herdado geracionalmente. O que nos coloca a questão: tal herança poderia sofrer modificações históricas com o tempo? Sabemos que Freud elaborou o mito da horda primeva segundo as generalidades percebidas por ele no início do século XX. Mas, e se o autor tivesse vivido na contemporaneidade, será que a formulação do mito edípico filogenético não teria sido diferente?

O sistema narcísico de transmissão geracional

A hipótese do sistema narcísico de transmissão geracional, que a nosso ver complementa a teoria filogenética, é formulada em Introdução ao narcisismo (1914), tendo sido escrita, portanto, um ano após a redação de Totem e tabu (1913). Ao desenvolver explicações em torno da constituição da moralidade na infância, Freud elabora uma possibilidade teórica de identificações narcísicas entre gerações familiares. Trata-se de uma sequência hereditária de expectativas: os progenitores, no momento de nascimento de seus filhos, transferem para eles os seus próprios anseios de realizações ideais adquiridos na sua própria infância, mas que tiveram de ser abandonados por imposições da realidade externa. Os atributos que os pais viam em si mesmo são, então, repassados para os filhos na primeira infância:

para os progenitores, a criança deve concretizar os sonhos não realizados de seus pais, tornar-se um grande homem ou herói no lugar do pai, desposar um príncipe como tardia compensação para a mãe. No ponto mais delicado do sistema narcísico, a imortalidade do Eu, tão duramente acossada pela realidade, a segurança é obtida refugiando-se na criança. O amor dos pais, comovente e no fundo tão infantil, não é outra coisa senão o narcisismo dos pais renascido, que na sua transformação em amor objetal revela inconfundivelmente a sua natureza de outrora (FREUD, 1924/2010, p. 37-38).

O renascimento do narcisismo dos pais, simultâneo ao nascimento de seus filhos, permite relacionar as gerações por meio da transmissão de conteúdos via investimentos objetais paternos. Tais conteúdos narcísicos formarão a base de construções de ideais de si, compreensões de si mesmo espelhadas nas formulações narcísicas dos pais repassadas pelas gerações: “O próprio ideal narcísico da criança é o reflexo — ou a projeção — do ideal de onipotência (debilitado) que os pais projetam nela” (LAPLANCHE, 1998, p. 289). Logo, o fundamento idealizado de expectativas e valores que formará posteriormente o Supereu é baseado em um modelo herdado pelos pais. Bem como, a parte aparentemente mais individual do Eu, o seu próprio narcisismo, seria, então, formulado exteriormente[9].

Concebemos, então, a formação moral de um indivíduo por meio de “sistemas narcísicos” repassados entre gerações familiares que compreendem valores e expectativas historicamente transmitidos. Mais uma forma de vislumbrar como a moralidade individual é, na verdade, socialmente imposta não só por força simbólica de imposições edípicas, mas, antes, por heranças narcísicas:

a educação não se exerce unicamente pela transmissão explícita dos conhecimentos adquiridos, mas pela transmissão inconsciente dos desejos, das fantasias, das angústias, das interdições, não somente dos pais, mas dos pais destes. Deste modo, pode-se facilmente compreender como os questionamentos podem percorrer gerações ou diversos povos, mantendo-se sempre efervescentes e pertinentes (ENRIQUEZ, 1990, p. 128-9).

A cadeira geracional de formações superegoicas – o Supereu cultural

Já vimos que a organização narcísica individual formada externamente ao indivíduo e herdada geracionalmente seria a base de valores ideais que formará o Supereu posteriormente à fase edipiana. Em complemento, desenvolveremos agora a noção de Supereu cultural. Se Freud concebeu o Édipo social a partir das vivências percebidas como generalizadas em seus pacientes, o mesmo foi feito com a concepção superegoica, responsável pela explicação da vivência social da repressão e idealização coletivas.

também a comunidade forma um Super-eu, sob cuja influência procede a evolução cultural. [...] O Super-eu de uma época cultural tem origem semelhante ao de um indivíduo, baseia-se na impressão que grandes personalidades-líderes deixaram, homens de avassaladora energia espiritual, ou nos quais uma das tendências humanas achou a expressão mais forte e mais pura, e por isso também, com frequência, a mais unilateral (FREUD, 1930/2010, p. 116, grifos nossos).

Dentre as várias aparições deste conceito na obra freudiana, destacamos aquela desenvolvida em Dissecção da personalidade psíquica contida nas Novas Conferências à Psicanálise (1933). Será nesse texto que o autor desenvolverá a explicação genética do Supereu cultural, formulada segundo a hipótese de identificações geracionais: o Supereu de uma época cultural pode ser concebido justamente porque individualmente o Supereu é formado por influência encadeada do Supereu dos pais:

Como ele próprio [Supereu] remonta à influência dos pais, educadores etc., sua importância ficará mais clara se nos voltarmos para essas fontes. Via de regra, os pais e autoridades análogas seguem, na educação da criança, os preceitos do seu próprio Super-eu. Não importando como o seu Eu tenha se arranjado com seu Super-eu, na educação da criança eles são rigorosos e exigentes. Esqueceram as dificuldades de sua própria infância, estão satisfeitos de poder identificar-se totalmente com os próprios pais, que a seu tempo lhes impuseram essas duras restrições. De modo que o Super-eu da criança é construído não segundo o modelo dos pais, mas do Super-eu dos pais; preenche-se com o mesmo conteúdo, torna-se veículo da tradição, de todos os constantes valores que assim se propagaram de geração a geração (FREUD, 1933/2010, p. 205-6, grifos nossos).

A herança geracional exposta no trecho acima mostra ser próxima, porém diferente do que no caso narcísico anteriormente abordado: os pais se identificam com o Supereu dos próprios pais na educação de seus filhos, o que relaciona mais diretamente os conteúdos simbólicos, e não narcísico, entre as gerações familiares. A identificação envolvida na criação dos filhos não seria exatamente com toda a estrutura da personalidade dos avós da criança, mas com os valores e exigências morais impostos entre as gerações, atualizando as tradições morais vivenciadas anteriormente. Tais repetições, conscientes e inconscientes, seriam modelos de criação e educação familiar:

ao “pai” se superpõe o “pai do pai”, como portador da injunção e do modelo de autoridade a partir do qual cada “geração” decide o modo pelo qual ela deve educar a seguinte […]. O Supereu é essa culpabilidade que passa ou se “transfere” daqueles que submeteram a autoridade àqueles que a exerceram, e então também o que os sujeitos, sabendo disso ou não (mais fundamentalmente ele não o sabem) “retornam” contra seus filhos (ou suas crianças) por tê-lo herdado de seus pais (BALIBAR, 2011, p. 425).

Se o que se impõe à criança são os determinantes dos pais, a formação do Supereu individual se mostra complexa, uma vez que a identificação acontece em níveis acumulados de cadeias identificatórias, por assim dizer. Tais conteúdos são similares, o que permite a Freud supor haver um Supereu culturalmente identificável em uma dada época e região.

Além disso, a formulação do Supereu por uma cadeia de identificações permite dizer que as reações à fase do Complexo de Édipo também seriam herdadas, a criança não se limitando somente à experiência vivida em sua realidade individual. Em outras palavras, não é somente o Complexo de Édipo que se mostra geral, mas as reações individuais a ele, que levam a organizações psíquicas típicas, fruto de influências entre as gerações. Tais organizações psíquicas serão aquelas que permitirão certa formulação interna de fantasias, idealizações e interditos, definindo parte da relação do sujeito com a realidade externa — como se existissem “apenas ‘fantasias sociais’, processos supraindividuais e supratemporais que insistem no interior de indivíduos” (SAFATLE, 2011, p. 51-2) e que “À semelhança dos mitos, [...] pretendem proporcionar uma representação e uma ‘solução’ ao que, para a criança, oferece-se como importantes enigmas” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1993, p. 60).

Assim, as predisposições a seguirmos determinados valores, visões de mundo, formas de submissão à autoridade, de afastamento ou não da realidade vinculadas a certas organizações psíquicas são formadas para além do seio familiar, atravessando gerações — ou seja, são frutos de influência cultural sobre as constituições psíquicas individuais. É nesse âmbito que concebemos as reações à generalidade do Complexo de Édipo e formação do Supereu como pertencente ao que Freud chama de herança arcaica. Ela seria identificável

em determinadas predisposições, como as que são próprias de todo ser vivo. Vale dizer, na aptidão e na inclinação para empreender determinadas direções de desenvolvimento e para reagir de particular maneira frente a certas excitações, impressões e estímulos. [...] E posto que todos os seres humanos, em sua primeira infância, vivenciam mais ou menos o mesmo, também reagem frente a isso de maneira uniforme, e poder-se-ia engendrar a dúvida se estas reações, junto com suas diferenças individuais, não deveriam imputar-se à herança arcaica (FREUD, 1939/2001, p. 94-5).

O que seria mutável na herança geracional?

Segundo o exposto até agora, o complexo de Édipo foi compreendido como geral e inescapável e a sua decorrência topológica, a instância do Supereu, foi enfatizada segundo sua repetição por meio de uma herança narcísica e simbólica de cadeias de identificações e investimentos objetais ao longo das gerações familiares — o que indica certa imutabilidade histórica. Contudo, pretendemos conceber se há alguma noção possível de transformação histórica — e qual a sua extensão — que envolva os conceitos de Complexo de Édipo e Supereu, como um testemunho da influência de fatores culturais que modificam a organização psíquica.

Em duas das citações de Freud expostas acima, destacamos como o Supereu seria um veículo da tradição, perpetuando os mesmos valores e expectativas ao longo de gerações, ao passo que o Supereu socialmente difundido seria, ao mesmo tempo, referente a uma época cultural. Em tal contraposição, já vislumbramos uma possível abertura para os nossos interesses de investigação: se o Supereu é imutável, ele não deveria ser constituído por um único conjunto de conteúdos morais, ao invés de haver uma especificidade para cada época cultural? Para explicá-lo iremos recorrer novamente a Freud:

A humanidade nunca vive inteiramente no presente; o passado, a tradição da raça e do povo prossegue vivendo nas ideologias do Super-eu, apenas muito lentamente cede às influências do presente, às novas mudanças, e, na medida em que atua através do Super-eu, desempenha um grande papel na vida humana (FREUD, 1933/2010, p. 205-6, grifos nossos).

No trecho acima, fica claro o posicionamento apenas aparentemente contraditório de Freud: os conteúdos da herança geracional edípica e superegoica não se mostram como completamente imutáveis, pois as tradições se transformam, mesmo que lentamente. Isso seria possível, a nosso ver, pela própria condição de constituição do Supereu: por mais que ele seja geneticamente estruturado na infância, a sua formação continua a ocorrer ao longo da vida adulta. Ou seja, o Supereu não se forma completamente segundo as sanções e reações edípicas infantis, mas estas sofreriam modificações a partir de experiências vivenciadas ao longo da fase adulta do sujeito, momento em que a organização psíquica se encontra envolvida em círculos mais amplos do que a família, sofrendo transformações que excedem as determinações geracionais dos pais e avós. Por mais que o núcleo da moralidade, e até mesmo a possibilidade de maior ou menor enrijecimento moral e estrutural da personalidade, ser essencialmente formulada na infância, tal núcleo estruturante deve ceder, em alguma medida, às influências sociais mais diversas — o que inevitavelmente acaba transformando a constituição psíquica de forma geral, inclusive o Supereu. Tal transformação atinge as pessoas justamente no momento em que elas geralmente têm seus filhos, o que permite uma transmissão geracional de conteúdos ligeiramente modificada em relação à herança vivida na geração familiar anterior. Logo, em certos casos, é possível que haja inclusive oposições morais entre as gerações familiares.

No indivíduo que cresce, seu desapego da autoridade parental é uma das operações mais necessárias, mas também mais dolorosas, do desenvolvimento. É absolutamente necessário que se cumpra, e é lícito supor que todo homem que se torna normal o levou a cabo em certa medida. Mas, todavia: o progresso da sociedade descansa, todo ele, nessa oposição entre ambas gerações (FREUD, 1909/1993, p. 217).

Se a instância moral é aquela responsável tanto pela manutenção de valores tradicionais herdados, quanto pela possível mudança entre gerações, então o Supereu pode ser compreendido, em mais de um aspecto, como envolvido em uma duplicidade entre autonomia e heteronomia de valores, conservadorismo e progressismo moral: “Toca-se aqui em uma ambiguidade maior do Super-eu freudiano, aquela da evolução e da irreversibilidade das transformações psíquicas da qual ele é de uma só vez o efeito e a causa” (DONNET, 2008, p. 4). O Supereu seria responsável pelo prolongamento de tradições de gerações familiares, sendo simultaneamente aberto a influências sociais e históricas por meio de novas referências identificatórias na vida adulta, sendo o próprio motor da transformação da herança geracional. Tal compreensão dupla da instância moral habita no âmago de sua própria constituição: para Freud, a heteronomia (em que a lei da alteridade é tomada como a própria lei) seria o processo que permite o desenvolvimento da autonomia (internalização que permite a transformação da lei apropriada), de modo que não há avanços sem certa bagagem: “Se os processos psíquicos não se continuassem de uma geração à seguinte, se cada qual devesse adquirir de novo toda sua postura frente à vida, não existiria neste âmbito nenhum progresso nem desenvolvimento algum” (FREUD, 1913/2000, p. 159).

Com isso, na infância, se há uma identificação dos pais com o Supereu de seus próprios pais na criação de seus filhos, não esqueçamos que o Supereu dos avós não permaneceu o mesmo durante toda a vida, mas foi modificado por influências contextuais. Ou seja, a criança, ao lidar com a influência narcísica ideal de gerações anteriores, estaria necessariamente estreitando relações com conteúdos provenientes de identificações sociais de uma época — mesmo que haja certa defasagem entre os conteúdos herdados e os acontecimentos e visões de mundo contemporâneos à criança, o que explicaria a lentidão da modificação geracional. Por isso, as identificações intergeracionais abarcam inevitavelmente influências intrageracionais.

Diante do exposto, notamos que são admitidas mudanças, mesmo que lentas, na teoria moral freudiana, desde que fundamentadas em determinações geracionais. Tais mudanças são compreendidas pelo autor apenas na reação ao Complexo de Édipo, isto é, na estruturação do Supereu. O Complexo de Édipo continua a ser compreendido como inescapável na letra freudiana. Contudo, deixamos não respondida a questão da possibilidade de, caso haja mudanças profundas na sociedade ao longo de várias gerações, a vivência do Complexo de Édipo ser tão modificada a ponto de ser compreendida como socialmente ultrapassada, sendo substituída por outra explicação estrutural. Afinal, se a generalização da situação edípica ocorreu na teoria de Freud por formulação teórica com base em observações empíricas do autor, nada impede de seus conteúdos ganharem adaptações segundo novos arranjos familiares e concepções de uma época ou sociedade. É nesse sentido que interpretamos o seguinte excerto bastante conhecido do autor: “Assim como um planeta circula em volta do seu astro central, além de rodar em torno do seu próprio eixo, também um ser humano participa do curso evolutivo da humanidade, enquanto segue o seu caminho de vida” (FREUD, 1930/2010, p. 115). Fica a cargo de uma outra pesquisa, portanto, compreender não só o que há de pulsão de morte repetitiva na formação do Supereu — objeto de estudos já muito visitado pela literatura psicanalítica —, mas principalmente o que há de criativo, referente à pulsão de vida, na formulação superegoica.

Se aceitarmos que cada pessoa é capaz de inovar e de ser criadora de um acontecimento, podemos admitir que o imaginário coletivo (assim como o imaginário individual) pode se transformar, se enriquecer com novas imagens motoras que, por sua vez, vão transformar a ordem dos discursos, suscitar novas narrativas, favorecer a eclosão de novas metáforas, provocar novas aventuras (ENRIQUEZ, 1990, p.128-9).

Considerações finais

Retomando o exposto sobre as psicanalistas feministas e Butler, vimos ser possível construir uma releitura do complexo de Édipo freudiano segundo a qual, sendo considerado uma lei geral hegemônica, seria um reflexo do posicionamento masculinista heterossexual no sistema de gênero prevalente, sendo uma atuação performativa geracionalmente herdada. Se a vivência do complexo de Édipo não pode ser completamente ultrapassada, ela pode, contudo, ser performativamente atuada de formas desviantes de sua estrutura originalmente pensada por Freud. Afinal, tanto as imposições da realidade externa, quanto a plasticidade da realidade interna inconsciente impedem que formulações psíquicas e atuações subjetivas sejam completamente coerentes e autoidênticas. Se a performatividade predominantemente reforçada como legítima ocorre por repetição geracional, então as modificações possíveis nas performances de gênero no interior das famílias terão consequências psíquicas e sociais para as formações subjetivas.

Já considerando o exposto sobre a teoria freudiana, conferimos que as reações ao complexo de Édipo podem sofrer alterações. As transformações superegoicas na vida adulta, para além das imposições edípicas infantis, poderão influenciar a forma de impor aos indivíduos as normas vigentes no interior da família. Assim, se o complexo de Édipo é inescapável — dada a situação de prematuridade física e psíquica, desamparo e necessária identificação e amor por outras pessoas —, o que pode se modificar são os conteúdos de tais identificações — os papéis das mulheres, homens e não-binários — envolvidos na situação edípica. Que a imposição de tais normas seja menos violenta, mais próxima e terna, menos rígida e formal, mais racional e menos “mítica”, depende das transformações sociais que influenciam os pais enquanto modelos de identificação moral e constituição psíquica de seus filhos.

Referências

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Notas

[2] Como exemplo de tal pluralidade na leitura freudiana que nos inspira, trazemos a mais recente biografia sobre Freud escrita por Joel Whitebook (2017) na qual este desenvolve uma hipótese de leitura, fortemente influenciada por Hans Loewald, de um Freud oficial e outro não oficial. Dentre as possibilidades de explicação de tal diferenciação, ressaltamos que a leitura do Freud oficial seria aquela feita de forma clássica há gerações, que encontra como figura central da constituição psíquica e moral o pai no complexo de Édipo e de castração, momento ameaçador de hostilidade e oposição em que o pai se torna o veículo do princípio de realidade. O posicionamento do Eu seria, portanto, essencialmente defensivo. Já a leitura de um Freud não oficial, isto é, de temas presentes na teoria freudiana não suficientemente desenvolvidos por comentadores psicanalistas, tem como centro a relação da criança com a mãe no período pré-edípico. São concebidas noções como amparo e separação sem hostilidade, vinculando a realidade à reconciliação e a tensões não ameaçadoras, uma vez que a diferenciação seria decorrente de uma união prévia. O Eu promove a pulsão de vida ou Eros (a constituição de unidades cada vez mais complexas por inclusão), sua função não sendo primordialmente de defesa, controle ou dominação, mas de flexibilidade, articulação, comunicação, criação, desenvolvimento e relação entre as instâncias, culminando em maior circulação de conteúdos psíquicos segundo a disposição sintética do Eu. No âmbito dos estudos feministas, é o desenvolvimento dessa segunda leitura não oficial da teoria freudiana que é geralmente enfatizada. É pensando em tal distinção e pluralidade de leituras de Freud que empreendemos nossas análises.
[3] Como pode ser conferido em pesquisas sobre o tema, já desenvolvemos algo relativo à possibilidade de historicização da teoria freudiana em “Questionamentos sobre filogênese e história em Freud” publicado na Revista Ipseitas, São Carlos, v. 2, n. 1, p. 101-114, jan-jun, 2016. Mas, iremos fazê-lo aqui sob outra perspectiva, recorte e objetivos.
[4] Conferir Jessica Benjamin em “Authority and Family revisited: or a world without fathers” onde é debatida a teoria segundo a qual, pela cumplicidade entre o patriarcalismo e o capitalismo, apesar de estarmos vivendo a falência da figura paterna, esta ainda se mostra vigente ideologicamente, culminando em um sistema “patriarcal sem pai” (BENJAMIN, 1978, p. 36).
[5] Um dos primeiros momentos em que Freud trata o complexo de Édipo como geral pode ser conferido na carta de 15 de outubro de 1897 enviada a Fliess: “Veio-me ao espírito uma ideia que tem um valor geral (von allgemeinem Wert). Eu achei igualmente em mim o movimento amoroso em direção à mãe e o ciúme diante do pai e eu os considero atualmente como um acontecimento geral a todas as jovens crianças” (FREUD apud SCHNEIDER, 1994, p. 173)
[6] Este posicionamento é derivado de outra premissa, a saber, a reconsideração dos pais como causas primeiras das formações psíquicas dos filhos. Butler discorda “that parenting structures are the primary causes or formative factors in the establishing of sexual orientation when parenting structures are themselves formed, even haunted, by any number of other social, historical, and economic ways of organizing reproduction and child rearing. Parents come from somewhere and are as formed and haunted by unconscious processes as those they nurture. As a result, the parent-child dyad has to be rethought within the historicity of kinship, and the way transmission occurs, if it does, has to be rethought as well” (BUTLER, 2012, p. 10-1). Ou seja, se as determinações gerais da cultura e economia moldam as influências geracionais, os pais não podem ser considerados os modelos últimos na formação dos filhos, mas a parentalidade segue os ditames sociais, que são historicamente modificáveis.
[7] “os acontecimentos da história humana [...] não eram senão o espelhamento dos conflitos dinâmicos entre o Eu, o Isso e o Supereu, que a psicanálise havia estudado no indivíduo: os mesmos processos, repetidos em um cenário mais vasto” (FREUD, 1925/2001, p. 68).
[8] “O importante é ter em mente [...] que essa teoria [filogenética] prevalecerá e se difundirá por todo o século XIX e se tornará um lugar-comum nos meios científicos da época. Ela era largamente aceita entre médicos e psiquiatras, tanto alemães quanto franceses. A grande novidade que Freud introduz nesse esquema é a inversão dos papéis explicativos: em Comte é a filogênese que esclarece a ontogênese; em Freud trata-se exatamente do contrário (MONZANI, 1991 , p. 91).
[9] “Essa passagem tão conhecida põe fim à pretensão de querer situar seja no interior da criança, seja no interior dos pais, o narcisismo originário. Tanto se pode dizer: o narcisismo dos pais é uma revivescência de seu próprio narcisismo infantil, como: o narcisismo infantil nada mais é do que uma identificação por parte da criança e uma projeção por parte dos pais de seu próprio ideal narcísico decaído” (LAPLANCHE, 1998, p. 290).

Author notes

[a] Pós-doutora em Filosofia


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