Fluxo contínuo

O murmúrio da existência: apontamentos sobre o il y a em Levinas

Murmur of Silence: notes on Levinas’ il y a

Roberto Wu [a]
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brazil

O murmúrio da existência: apontamentos sobre o il y a em Levinas

Revista de Filosofía Aurora, vol. 33, no. 59, pp. 613-630, 2021

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Received: 23 April 2021

Accepted: 01 July 2021

Resumo: O há .il y a), também denominado de “ser em geral”, é um conceito basilar para a filosofia de Emmanuel Levinas, sendo empregado reiteradamente em seus escritos para assinalar o caráter desértico e indeterminado da presença de uma densidade de vazio. Em nenhuma outra obra levinasiana essa noção recebe um tratamento tão exaustivo quanto em Da existência ao existente, muito embora ele não seja de todo claro. Uma dificuldade crucial advém do fato de que Levinas provém em geral um discurso indireto, negativo, sobre o , em vista da própria natureza dessa noção, refratária a determinações de qualquer natureza. O presente artigo objetiva destacar os traços fundamentais do nessa obra, o que implica, na medida em que não há um discurso direto sobre ele, investigar os eventos que lhe são correlativos. Considerando que o próprio Levinas se esforça em diferenciar esse conceito do dá-seou há .es gibt) heideggeriano, a primeira seção do artigo examina a diferença entre essas concepções. Nas seções seguintes, expõe-se o através dos eventos de neutralização (cansaço, preguiça e esforço), que manifestam o peso desse ser em geral, e de despersonalização (noite, horror e insônia), que colocam em questão a singularidade existencial, em vista da ubiquidade de uma plenitude de ausência, de um anônimo, de um murmúrio da existência. A investigação encerra ressaltando que o conceito de hipóstase, que se tornaria fundamental para a ética levinasiana, na medida em que conduz à ideia de separação, advém da posição do sujeito sobre o .

Palavras-chave: Neutralização, Despersonalização, Hipóstase.

Abstract: The there is (il y a), also called “being in general”, is a basic concept to Emmanuel Levinas’ philosophy, as it is repeatedly employed in his writings to indicate the desertic and indeterminate character of a density of emptiness becoming present. Nowhere in Levinasian literature this notion receives such a complete treatment as in From Existence to the Existent, although its presentation lacks clarity in some moments. A difficulty lies on the fact that Levinas provides an indirect and negative discourse on the there is, considering the very nature of this notion, which is refractory to any attempts of determining it. The goal of this article is to display the basic characters of the there is in that work, a task that implies an investigation into its correlative events, as a direct discourse on it is not possible. Considering that Levinas himself makes an effort to present a distinction between this concept and the Heideggerian “there is” (es gibt), the first section of this article examines the difference between these conceptions. The next sections examine the there is through events of neutralization (fatigue, indolence, and effort), which manifest the weight of being in general, and depersonalization (night, horror, and insomnia), which conflicts with the existential singularity, because of the ubiquity of this plenitude of absence, this anonymous there is, this murmur of existence. The investigation concludes suggesting that the concept of hypostasis, which becomes paramount to Levinasian ethics, as it leads to the notion of separation, results from the position of the subject regarding the there is.

Keywords: Neutralization, Depersonalization, Hypostasis.

I. A demarcação em relação ao es gibt heideggeriano

Toma-se recorrentemente a introdução do termo há .il y a) como sendo a grande contribuição de Da existência ao existente à conceitualidade filosófica de Emmanuel Levinas[2]. Embora a obra passe por uma série de motivos relacionados à existência, é no caráter anônimo e impessoal de sua realização que se articulam esses motivos, na experiência de um há inconvertível em luz e intencionalidade.

O termo il y a distingue-se do es gibt heideggeriano, termo este traduzível por dá-se, mas também por. Porém, ao passo em que esta última remete à “abundância” (abondance) e “generosidade” (générosité) (LEVINAS, 1998, p. 11), características da doação de ser, o levinasiano anuncia o ser anônimo, que não é encontrado na luminosidade do sentido, mas em experiências totalmente distintas desta. Conforme explica Levinas, “O , descrito por nós no cativeiro e apresentado nesta obra publicada pouco depois da Libertação, remonta a uma dessas estranhas obsessões que se guarda da infância e que reaparecem nas insônias quando o silencia ressoa e o vazio permanece pleno” (1998, p. 11). A tarefa de sua descrição exige uma modificação da própria fenomenologia, na medida em que esta passa da apreensão de “objetos” descobertos e iluminados pela consciência que investiga, para um discurso sobre eventos refratários. Embora Heidegger seja recorrentemente mencionado e confrontado ao longo de seus escritos, Levinas raramente realiza uma exposição direta de passagens e de conceitos daquele, reservando-se a apontar um ou outro aspecto que lhe interessa. Por outro lado, há uma série de críticas a Heidegger que são subentendidas na redação mesma de suas obras, mesmo sem a sua menção[3]. Não nos interessa nesta seção explorar a complexidade dessas relações, mas estabelecer suficientemente uma distinção entre o il y a proposto por Levinas e o es gibt heideggeriano.

O termo es gibt remete à doação de ser na filosofia de Heidegger. Inicialmente, essa expressão assinala a contrapartida da transcendência do ser-aí, à época da ontologia fundamental. Ao destacar que o do ser-aí remete à abertura ao ser, Heidegger salienta que a estrutura ontológica característica do ente que nós mesmos somos é fundamentalmente uma correspondência a um acontecimento que não causamos e que, no entanto, é indissociável de nossa constituição. Ao recusar qualquer associação a uma fundamentação subjetiva da relação ontológica, Heidegger salienta que a estrutura ser-no-mundo já implica uma resposta fáctica a diversos modos de interpelação, no caráter de estar-lançado (Geworfenheit) em vista de um projeto (Entwurf). A horizontalidade que subjaz a todo aparecimento dos entes como significativos é constituída desde o princípio como dotada de sentido, em vista da transcendência originária que nos constitui. Evitando a via de uma construção cronológica das significações, o ser-aí é tomado, em Ser e tempo, como o ente familiar com uma totalidade de sentido que desde sempre lhe é aberto. O sentido do mundo não é primeiramente algo derivado de diversos empenhos no mundo; do ponto de vista da transcendência, o fato de dar-se um mundo revela-se condição possibilitadora de todo comportamento de ser.

A noção de transcendência sofre, entretanto, sutis alterações em seu campo de significação. Em obras posteriores a Ser e tempo, Heidegger ressalta ainda mais o caráter originário da doação do ser, de modo que a própria transcendência, embora sempre pressuposta na exposição de seu pensamento, deixa de ser o foco privilegiado da discussão, passando a ceder espaço para termos que assinalam o caráter correspondencial do ser-aí. Todo comportamento de ser ocorre com base na abertura que se dá pelo acontecimento do ser, sendo que “a correspondência [Entsprechen] propriamente assumida [...] que corresponde ao apelo do ser do ente, é a filosofia” (HEIDEGGER, 2006, p. 25). Assim, em Sobre o humanismo Heidegger explica que o uso do es gibt tem por justificativa evitar o equívoco contido na expressão “o ser é”, que ontifica o ser (Cf. HEIDEGGER, 1976, p. 334). Porém, além de chamar a atenção para a diferença ontológica, o es gibt salienta o caráter de acontecimento da clareira do ser. O ser-aí é, portanto, aquele que corresponde a esse acontecimento. O fato de ser denominado “pastor do ser” [Hirt des Seins], mostra que a sua ligação com o ser não é nem na forma de uma criação, como se o ser resultasse arbitrariamente de uma atividade subjetiva, nem que o ser lhe pertencesse, numa relação de dominação. Assim, o ser humano não é, de modo algum, “senhor do ente” [Herrder Seienden], mas aquele que foi “chamado pelo próprio ser para a guarda de sua verdade” (HEIDEGGER, 1976, p. 342).

Embora por vezes Levinas mencione algumas discussões do Heidegger tardio, em especial o conceito de deixar-ser (Sein-lassen), em geral a sua filosofia se detém mais frequentemente na ontologia fundamental. O aparente desinteresse pelo Heidegger tardio pode ser considerado à luz de suas preocupações éticas. Se a ontologia fundamental não conseguiu, segundo Levinas, elaborar propriamente uma filosofia da alteridade, tampouco a filosofia tardia de Heidegger que radicaliza a questão ontológica e deslocaria ainda mais o ser-aí do foco de investigação o realizaria. Não resta dúvida de que vários paralelos da crítica de Heidegger à violência da técnica poderiam ser traçados em direção à filosofia de Levinas, mas deve-se observar que as propostas de ambos envolvem uma conceitualidade de fundo muito distinta.

Não resta dúvida que Heidegger chama a atenção para fenômenos privativos, tão caros a Levinas, como o nada, a angústia e o tédio. O próprio Levinas saúda esse gesto ao apresentar a filosofia de Heidegger em Descobrindo a existência com Husserl e Heidegger, ao lembrar que, para este, “a angústia é compreensão” (LEVINAS, 1997, p. 94). Contudo, Levinas não deixa de acentuar a incompatibilidade de seu projeto com a via heideggeriana em diversos escritos. Particularmente, a identificação da submissão da filosofia da existência em relação à ontologia, seria tomada por Levinas como análoga à subsunção de fenômenos existenciais à inteligibilidade compreensiva (Cf. LEVINAS, 1991, p. 12-22). Não se trata de conferir outro sentido a fenômenos descobertos pela ontologia heideggeriana, mas de propor uma via negligenciada e inalcançável, segundo Levinas, por aquela. Fenômenos privativos, tais como os que ele discute, colocam-se em oposição à positividade do mundo compreendido, já que não produzem nenhum tipo de saber concreto ou apropriável, e sim resistência à compreensão. A referência ao cativeiro mostra explicitamente que os fenômenos ali experimentados não podem ser apreendidos a partir da conceitualidade de Ser e tempo, já que pertencem a situações existenciais extremas, que não possuem lugar na arquitetônica da ontologia fundamental.

Por fim, antes de se passar para um exame desses fenômenos, é preciso salientar ainda um último ponto de discordância entre esses filósofos. Embora tanto o ily a levinasiano e o es gibtheideggeriano remetam a um elemento eventual, a uma espécie de acontecimento que ultrapassa o âmbito do querer subjetivo, eles pressupõem concepções distintas de ser. Para Heidegger, o es gibt assinala a doação primordial do ser correlativa ao acontecimento apropriador (Ereignis) que, por sua vez, estabelece os contornos da tarefa de nos mantermos na verdade do ser. Concomitantemente à sua realização como metafísica, o ser envia-se também como o impensado, que pode retornar ao pensamento como possibilidade não acolhida em seu decurso. Essa tarefa é decisiva, pois, o modo predominante de relação com o ente em nossa época, a técnica, produz um estreitamento do horizonte dessa verdade, ao tomar o ente exclusivamente da perspectiva de um fundo de reserva (Bestand), no interior de um âmbito de requisição incessante, denominado composição (Gestell). Desse modo, em Heidegger, o es gibt implica uma ultrapassagem de qualquer esfera subjetiva, bem como coloca fora de circuito a ideia de que atender ao apelo do ser seja algo que provenha meramente de uma vontade arbitrária — o que simplesmente confirmaria e aprofundaria a tendência técnica de uma vontade de vontade. Pelo contrário, o es gibtexige uma correspondência não-impositiva, que acolha o advento do ser em sua doação.

Se o es gibt se coloca numa esfera distinta daquela determinada pela subjetividade, o tratamento levinasiano do il y a também assinala os limites desta (em sentido moderno), mas para estabelecer outra concepção de subjetividade. A proposta levinasiana não se coloca no panorama da história do ser, mas adentra lá onde a filosofia heideggeriana passa a recuar, a saber, nos fenômenos existenciais. Na ontologia fundamental, não há fenômenos que levem o existente a um grau de despersonalização extrema tal como aqueles que são apontados por Levinas em sua análise do , já que até mesmo o conceito de nada perde sua radicalidade ao subordinar-se aos contornos da analítica existencial. Diferentemente do es gibtque se coloca desde o início em um plano inatingível pela subjetividade, o il y a impõe-se como ameaça ao eu, como presença de uma ausência capaz de despersonalizar o existente.

II. Modos de neutralização

O cansaço (fatigue), a preguiça (paresse) e o esforço (effort) são modos de neutralização do ente humano. Através deles, o existente enreda-se em uma via que o captura e o mantém cativo até sua mais absoluta despersonalização, e que apresenta “traços marcados pelo caráter desértico, obsedante e horrível do ser” (LEVINAS, 1998, p. 12). Nessa via, o existente confronta-se com o “ser em geral” (LEVINAS, 1998, p. 17), que se evade de qualquer determinação e, assim, de toda personalização[4]. É esse ser anônimo que se sobressai na interrupção da fluidez das relações de mundo assentadas na familiaridade. Enquanto os filósofos em geral concebem a admiração como a resposta primeira ao advento do ser, cabendo à filosofia colocar-se na perspectiva de visão característica dessa atitude, que aprende a ver o ser que se doa, Levinas propõe que o fundo a partir do qual se sustenta a inteligibilidade dos entes, o ser em geral, não é algo da ordem da luminosidade doadora: “o ser é essencialmente estranho e nos choca”, nos diz o filósofo (1998, p. 23). Na medida em que se posicionam sobre a existência, o cansaço e a preguiça lidam diretamente — isto é, pré-reflexivamente — com o ser em geral.

Levinas inicia sua análise dos fenômenos da existência pontuando a imposição de uma “lassidão de si” (lassitude de soi), que não pode ser evadida, pois corresponde a um “contrato irrescindível”, seja qual for a atividade em que alguém se empenhe (1998, p. 25). “É da própria existência, e não de um de seus cenários, na nostalgia de um céu mais belo, que queremos nos evadir, na lassidão”, diz Levinas (1998, p. 25). Contudo, a evasão não busca um destino definido, mas um “partir por partir” que não visa a algo, mas que não também não é originado por algo específico, e sim de todo o “‘é preciso’ inevitável” e de toda a “necessidade de agir e de empreender” (LEVINAS, 1998, p. 25). Diante dessa obrigação com o existir, o ente humano pode simplesmente se relacionar com esse peso desse “é preciso” contornando-o. Assim, a preguiça diz respeito à “impossibilidade de começar” (LEVINAS, 1998, p. 26), ao adiamento preferível que, contudo, não remete o ato ao futuro, mas abstém-se dele, porque cansa-se dele.

O cansaço não é concebido como o mero efeito de certa atividade, com o qual nos envolvemos. Ao invés, o cansaço exprime a apreensão pré-reflexiva do “é preciso ser” que ressoa ao fundo de todo “é preciso agir” (LEVINAS, 1998, p. 31). Enredado no circuito dos comportamentos de mundo, o existente envolve-se com uma camada de sentido composto pelas significações de seus envolvimentos, mas também, e de modo pré-reflexivo, com a gravidade do próprio existir, que demanda perpetuamente algo do existente. Essa exigência ininterrupta não permanece incólume: “o cansaço, mesmo e sobretudo o cansaço que se chama levianamente físico, apresenta-se, em primeiro lugar, como uma falta de flexibilidade, um torpor, uma maneira de se retrair” (LEVINAS, 1998, p. 31). Da perspectiva existencial, o cansaço revela-se um embotamento da ligação fundamental entre o existente e a existência. Ao perceber-se num circuito de constante exposição a demandas, que derivam do simples fato de existir, o existente retrai-se pré-reflexivamente de sua própria exposição a essas exigências, em vista de seu esgotamento.

Para Levinas, o cansaço configura-se como “uma impossibilidade de acompanhar, distanciamento constante e crescente do ser em relação àquilo a que fica preso, como uma mão que larga pouco a pouco o que ela segura, que larga no próprio instante em que ela segura” (1998, p. 32). Esse descompasso se revela como sendo algo aquém do voluntário, ou mesmo anterior à distinção entre o voluntário e o involuntário. Não é meramente na ordem do físico que se deve conceber essa fraqueza, visto que suas raízes remontam a um cansaço existencial.

Ao cansaço corresponde o esforço. Só há esforço, quando já se está cansado. O esforço é a interrupção do jogo, em que os lances são dados com leveza. Ele é uma condenação, que concebe o instante como sendo um presente inevitável, ao qual se submete. Por oposição à leveza do jogo, que se encontra liberto do instante, o esforço consome-se no instante e move-se em passo a passo. Ao encontrar-se sempre em descompasso em relação ao cansaço, o esforço tenta resolver no presente algo que já vem como peso, como atraso legado por aquele. Mas é entre o atraso e o instante em que o esforço se cumpre que o presente se constitui. É nele que verificamos o aparecimento de um existente em meio à existência, a hipóstase, o espaço de jogo entre um eu (moi) e um si (soi), que será desenvolvido na última seção.

A preguiça, o cansaço e o esforço são eventos que se relacionam diretamente com o ser em geral, ou mais precisamente, são modos pré-reflexivos de articulação da existência e, portanto, relações com o fundo indeterminado e inapreensível que a constitui, o il y a[5]. Entretanto, neles se vislumbra a posição de um existente, um “sujeito que está em luta contra essa existência” (LEVINAS, 1998, p. 35).

III. A noite, o horror e a insônia

O caráter anônimo do il y a não remete, de algum modo, ao desconhecimento de um autor ou responsável por determinada ação, mas ao fato de que ressoa, ao fundo de todo o nosso envolvimento de mundo, uma ineludível impessoalidade. Levinas afirma: “essa ‘consumação’ impessoal, anônima, mas inextinguível do ser, aquela que murmura no fundo do próprio nada, fixamo-la pelo termo . O , em sua recusa de tomar uma forma pessoal, é o ‘ser em geral’” (1998, p. 67).

Com isso, Levinas adentra na esfera do que não pertence ao mundo, isto é, do que não corresponde à intencionalidade e à luminosidade. Nesse sentido, ele afirma que “se o termo experiência não fosse inaplicável a uma situação que é a exclusão absoluta da luz, poderíamos dizer que a noite é a própria experiência do ” (1998, p. 68). Além da contraposição explícita aos fenômenos luminosos, que em outro momento Levinas designara como sendo o circuito da inteligibilidade da compreensão, ele salienta que esse ser em geral, o , não pertence a esse circuito e, dessa forma, não se oferece à compreensão como algo sobre o qual se realiza uma experiência. Pelo contrário, a noite não doa nada e, na medida em que recusa assumir alguma forma, ela invade a existência como uma ausência que, no entanto, torna-se plenamente presente.

O não é um ente e, por isso, não pode concentrar em si o foco intencional de uma compreensibilidade. Ao ser refratário a todas essas investidas de sentido, a noite deixa o existente entregue ao nada:

Quando as formas das coisas são dissolvidas na noite, a escuridão da noite, que não é um objeto nem a qualidade de um objeto, invade como uma presença. Na noite, quando estamos presos a ela, não lidamos com coisa alguma. Não é mais isto, nem aquilo; não há ‘alguma coisa’ (LEVINAS, 1998, p. 68).

A ambiguidade desse fenômeno, que é tanto uma “universal ausência” quanto uma “presença absoluta” (LEVINAS, 1998, p. 68), é característico do próprio . Trata-se de uma ausência que se impõe, e como tal, faz-se sentir, embora não como ente. Esse tipo de fenômeno mostra que o não é acessado pela via do mundo, ou seja, como luminosidade e sentido, mas que ele desde sempre subjaz à articulação de mundo, embora de um modo represado. A confiabilidade do mundo sobrepõe-se cotidianamente ao ; em certo sentido, pode-se dizer que o existente se agarra a essa confiabilidade para evitar a neutralização da existência que é pressentida.

A noite não oferece abrigo algum — toda presença some na sua vastidão e no seu silêncio. Ela se impõe como uma ausência que devora todas as presenças. Ao imergir na noite, o existente relaciona-se com um processo de despersonalização, na medida em que o impessoal impõe-se obstinadamente à toda tentativa de sentido. No , o sentido é constrangido pela sua impossibilidade, visto que na noite, “não há discurso. Nada responde” (LEVINAS, 1998, p. 68). O sentido esvanece no e o existente é entregue a si mesmo. Contudo, isso não significa um retorno à tarefa de uma singularidade autêntica, na medida em que o mundo nada pode oferecer, como se poderia sugerir por certa via heideggeriana, mas antes, que o existente se encontra à mercê de um impessoal que avança silenciosamente por tudo. Dessa forma, afirma Levinas que “o que se denomina de eu é, ele mesmo, submergido pela noite, invadido, despersonalizado, sufocado por ela” (1998, p. 68). Diferentemente da ampliação luminosa, em que cada aspecto visível se refere a outro e, assim, constitui plenitude de mundo, apreensível por perspectivas que se distinguem claramente umas das outras, a noite “é um fervilhamento de pontos”, que “não se referem uns aos outros” e nem “são situados” (LEVINAS, 1998, p. 69). O caráter impessoal de seu domínio submerge todas as diferenças entre os entes na indiferença de seu espraiamento. “A escuridão preenche o espaço noturno como um conteúdo: ele está pleno, mas pleno de nada do tudo” (LEVINAS, 1998, p. 69).

O silêncio da noite, que “nada responde”, remete ao conceito de anonimato. O é a imposição da despersonalização, porque ele mesmo não reconhece a existência. O que se anuncia na noite implica um “anonimato essencial” (LEVINAS, 1998, p. 68), que não somente não vem de lugar algum ou é referente a alguém, mas ameaça toda a existência com o seu retorno. É preciso diferenciar, contudo, esse anonimato daquele discutido por Heidegger em Ser e tempo. Neste, o Das Man implica uma impessoalidade, uma indiferença em relação ao quem do existente, que ocorre no interior da esfera existencial, sendo a questão do si próprio uma modalização na compreensão do ser-aí a partir da apreensão do seu ser-todo antecipado pelo ser-para-a-morte. Já o anonimato do , que a noite manifesta, anuncia a indiferenciação absoluta do ente, na imposição em todas as esferas do ser em geral. O anonimato que advém pela noite não é algo da ordem do que é evitável, como um acontecimento fortuito em relação ao qual se pode prevenir, já que o desaparecimento dos entes e a despersonalização do eu implicam a permanência do laço existencial, o “contrato irrescindível”. Por esse motivo, o anonimato não libera o existente, mas o prende em um grau extremo de indiferença, na despersonalização que comunga com os outros entes no anúncio do ser em geral.

Como discutido anteriormente, o avanço irresistível do através da noite não pode ser contabilizado por critérios luminosos, pois não se trata, de forma alguma, de uma simples permuta de entes. Antes, “nada se aproxima, nada vem, nada ameaça: esse silêncio, essa tranquilidade, esse nada de sensações constituem uma surda ameaça, absolutamente indeterminada” (LEVINAS, 1998, p. 69). Ao estar entregue ao nada, todo apelo e toda reinvindicação do existente se precipitam na sua densidade, que não é apenas insensível a toda determinação e peculiaridade, como também nada oferece por seu turno. O existente, sem possibilidade de fuga, tende à despersonalização, como um eu que submerge no ser em geral, em que “qualquer coisa equivale a qualquer coisa” (LEVINAS, 1998, p. 69). Enquanto a doação de ser heideggeriana implica que o ser-aí encontra-se vinculado ao ser pela transcendência, Levinas afirma que “o espaço noturno entrega-nos ao ser” (LEVINAS, 1998, p. 69), enfatizando o abandono do existente ao ser em geral, ao anonimato, à despersonalização, à indeterminação, à vastidão e ao silêncio.

Mas a escuridão da noite não está confinada apenas aos fenômenos tipicamente noturnos. Considerando que o impulso fundamental da noite é o anúncio do , é perfeitamente possível concebê-lo irrompendo diurnamente: “é possível falar de noites em pleno dia” (LEVINAS, 1998, p. 69). A irrupção do noturno durante a ordem confiável do dia produz o horror, no qual “os objetos iluminados podem aparecer-nos como através de seus crepúsculos” (LEVINAS, 1998, p. 69). Nesse lusco-fusco, embora os entes se mostrem integrados em relações de significações, na confiabilidade da familiaridade, eles deixam entrever concomitantemente a indeterminação do anonimato. Em razão dessa ambiguidade, os entes “atingem-nos como se não fossem mais um mundo, nadando no caos de sua existência” (LEVINAS, 1998, p. 69). O horror é a ameaça da realização absoluta do caráter noturno do . O horror se instala no coração das “coisas mais familiares” e dos “seres mais habituais” (LEVINAS, 1998, p. 70), e é justamente dessa relação que ele se nutre.

É no conceito de horror que se desdobra a noção de uma vigilância impessoal, que mostra a participação no mesmo evento e a indiferença entre esses partícipes. Retorna-se para um estágio anterior a Deus e à segurança civilizatória: “a noção do nos reconduz à ausência de Deus, à ausência de todo ente” (LEVINAS, 1998, p. 71). Diurnamente, o horror abriga-se na visibilidade do fenômeno, que ele mesmo rasga, provocando algo como uma repulsa existencial. Se a noite obrigatoriamente se alterna com o dia, que deve promover uma interrupção do , o horror mostra precisamente que não existe escapatória desse há, já que ele também irrompe no seio das atividades diurnas, intensificando assim o domínio desse ser em geral, na percepção de que se trata de uma situação “sem saída” (LEVINAS, 1998, p. 71). O horror reconduz o existente à absoluta exposição ao e mostra a fragilidade dos artifícios culturais que buscam protegê-lo do indeterminado. O caráter de não haver saída diz respeito ao fato de que o não pode ser extinto, por mais que a humanidade construa fortalezas e faça uso de instituições culturais que conferem sentido aos entes. O horror do cadáver exemplifica precisamente essa impossibilidade de descarte do , pois nele também se encontra o espectro que “anuncia seu retorno” (LEVINAS, 1998, p. 72). Assim, o caráter fantasmagórico do horror da noite não diz respeito apenas ao avanço do indeterminado em relação aos entes, mas também ao fato de que não se pode ser expurgado e que inevitavelmente retornará.

Conforme Levinas, “enquanto a angústia, em Heidegger, cumpre o ‘ser para a morte’, apreendida e compreendida de algum modo, o horror da noite ‘sem saída’ e ‘sem resposta’ é a existência irremissível” (1998, p. 73). Esse horror leva a um resultado existencial ulterior, ele é o próprio incontornável, uma ausência cuja densidade se faz presente. O existente não é remetido pelo para algum lugar ou alguma situação, pois este anula qualquer alternativa e empreendimento concreto daquele: “o ser não tem portas de saída” (LEVINAS, 1998, p. 74). Nesse sentido, Levinas afirma que essa presença da ausência que se anuncia na escuridão é “originariamente [...] o evento impessoal, a-substantivo, da noite e do . É como uma densidade do vazio, como um murmúrio do silêncio” (1998, p. 74). Com isso, a noção de evento adquire outro sentido em Levinas, visto que, diferentemente da doação de ser heideggeriana, ele implica negação, aniquilamento, despersonalização e neutralização.

Na esteira do “sem saída” anunciado anteriormente pela noite e pelo horror, Levinas propõe, na seção “A hipóstase”, uma investigação sobre a insônia. Assim, a vigília da insônia distingue-se do modo como a consciência se dirige atentamente aos entes no mundo. Considerando que a insônia não é um comportamento voluntário, a vigília que ocorre nesse estado reforça o caráter “sem saída” da existência. Ao não conseguir interromper a vigília, o existente permanece, por um lado, no mundo das significações familiares à consciência e, por outro, próximo da inevitabilidade do , que invade e corrói as estruturas mais regulares da vigília consciente. Ao ser obrigado a permanecer na vigília, o existente relaciona-se de outro modo com a totalidade dos entes e si mesmo, mais propriamente, ele se despersonaliza por esse estado em que não há exatamente sujeito e objetos. Ao ser arrancado da possibilidade do sono, o existente vaga sem poder retirar-se desse processo: “vela-se quando não há mais nada a velar, e apesar da ausência de toda razão de velar” (LEVINAS, 1998, p. 79). Sem poder sair da vigília, o existente tampouco dirige-se atentamente aos entes, seja porque fisiologicamente é incapaz dessa tarefa, seja porque não se interessa por algum ente ou por algum aspecto particular devido ao embotamento da consciência. A vigília da insônia, “tão anônima quanto a própria noite” (LEVINAS, 1998, p. 79), mantém o existente refém da própria existência. Sem trégua do ter de ser na vigília, sem a distensão proporcionada pelo sono, o existente passa a incorporar involuntariamente traços desse estado de repouso no seu comportamento insone.

A insônia significa, por um lado, a quebra da alternância entre a confiabilidade do mundo e o irromper do horror da noite, e, por outro, a explicitação da fragilidade desses limiares que, uma vez rompidos, reconfiguram a tessitura da intencionalidade, já que as categorias de sujeito e de objeto não se aplicam. “A vigília da insônia”, diz Levinas, “que mantém abertos nossos olhos, não tem sujeito”, e, na medida em que não possui ritmo nem pausa, porque relaciona-se com a imposição do , é equiparada à “própria eternidade do ser” (1998, p. 80). Na insônia não há escape em relação ao ser em geral, pois todas as instâncias de refúgio subjetivo se encontram inefetivas, como a atenção que advém da liberdade do eu ou a retirada, ao menos momentânea, de si em relação ao ser, no sono. Sem a possibilidade de um “refúgio em si mesmo para retirar-se do ser”, ou de “ter, como Penélope, uma noite sua para desfazer a obra velada e vigiada durante o dia” (LEVINAS, 1998, p. 80), o existente expõe-se inteiramente e incessantemente ao , a ponto de tornar-se a própria indistinção que experimenta.

Desse modo, a relação entre consciência e vigília se modifica, visto que a primeira passa a fazer parte da última, pensada a partir de sua intromissão no sono. A participação da consciência na vigília da insônia modifica o seu caráter atencional na aderência ao impessoal. Por conseguinte, a consciência não é aquela que pressupõe a apercepção como condição de subjetividade; pelo contrário, o que se tem consciência não é um eu que acompanha toda a percepção, mas a indistinção de qualquer eu no . “É a própria noite que vela. Vela-se [Ça veille]” (1998, p. 80), afirma Levinas, salientando a existência impessoal que se arrasta na insônia, não muito diferente dos espectros que lhe causam horror.

As figuras da despersonalização em Da existência ao existente alcançam a sua realização última na insônia. Em todas elas percebe-se uma inversão do caráter ativo do sujeito, que acaba por se tornar refém do ser em geral, que impessoalmente subjuga tudo o que possui definição à indeterminação. A despersonalização implica que “sou, se se quiser, o objeto mais do que o sujeito de um pensamento anônimo. É bem verdade que faço ao menos a experiência de ser objeto [...]” (LEVINAS, 1998, p. 80). Com isso, Levinas busca assinalar um limite para a fenomenologia descritiva, na medida em que esta se baseia na consistência de um eu. Desse modo, Levinas realiza a seguinte distinção: a consistência do eu “coloca personagens em cena, ao passo que o é sua dissipação” (1998, p. 81). Assim, a proposta levinasiana realiza o movimento oposto da fenomenologia descritiva, já que esta desdobra as estruturas fundamentais do mundo a partir da consciência, enquanto que aquela parte do mundo para despersonalizar cada significação assentada na consciência.

IV. O surgimento do existente: a hipóstase

O existente surge como tal através dos eventos de neutralização e despersonalização engendrados pelo . Ele não é, de modo algum, uma espécie de substância certa de si a partir do nascimento, assim como também não se caracteriza pela unidade pré-formada do pensamento, consciência ou espírito, mas emerge enquanto tal a partir dos eventos acima descritos, que o colocam numa situação do qual não há saída. De acordo com Polk, ao contrário do experimento do aniquilamento de mundo proposto por Husserl, em que a subjetividade resta intacta em sua estrutura primordial, para Levinas, levar a cabo esse experimento significa “imaginar também a perda da consciência intencional” (2000, p. 36). Se o elimina toda a positividade do mundo, ao inserir a insegurança e indeterminação em todas as esferas, o existir persiste como resíduo. A posição do existente em relação ao assenta-se nesse existir residual. “A hipóstase, pelo fato de participar do , descobre-se como solidão, como o definitivo do acorrentamento de um [moi] eu a seu próprio si [soi]” (1998, p. 101), escreve Levinas. Enquanto tensão fundamental da existência, o eu e o si manifestam um desacordo que se mantém imperceptível na positividade do mundo luminoso, mas que se agrava e se revela como ineludível pelo . O existir pode assumir várias formas, mas inevitavelmente o eu se defronta com o si: “o eu [moi] retorna fatalmente a si [soi]; ele pode esquecer-se de si no sono, mas haverá um despertar. Na tensão e no cansaço do começo, goteja o suor frio da irremissibilidade da existência” (LEVINAS, 1998, p. 95). Ao ser despojado de todos os elementos luminosos e, portanto, de todos os sustentáculos confiáveis e perenes, o existente retroage até um limiar ao qual não cabe mais recuo, ao perceber-se como um corpo [corps] que é um lugar [lieu], em sentido diverso de algo como o “espaço geométrico” ou a “ambiência concreta do mundo heideggeriano” (LEVINAS, 1998, p. 88), sendo fenomenologicamente anterior a estes, pois constitui a base de uma posição que se afirma frente à ubiquidade do .

É no evento da posição que o existente se afirma como sujeito e como substantivo, evento nomeado de hipóstase, que “designa o evento pelo qual o ser expresso por um verbo torna-se um ser designado por um substantivo” (LEVINAS, 1998, p. 100), a passagem mesma da existência ao existente. Não resta dúvida de que o substantivo não pode ser concebido como tal sem que a despersonalização e neutralização do o tenham conduzido ao sem saída, esvaziado de seus poderes, à situação em que nada resta ao existente senão o próprio existir[6]. “A hipóstase”, prossegue Levinas, “a aparição do substantivo, não é somente a aparição de uma categoria gramatical nova, ela significa a suspensão do anônimo, a aparição de um domínio privado, de um nome. Sobre o fundo do surge um ente” (1998, p. 100)[7].

Por fim, embora não seja o enfoque dessa investigação, cabe mencionar que o tema do torna-se perene em sua produção filosófica a partir de Da existência ao existente. Em Totalidade e infinito, a separação [séparation], a partir do qual a subjetividade emerge, contrapõe-se à indeterminação engolfante do , que é experimentada como o mítico presente no elemental. Pelo fato de o elemental não se circunscrever a partir de uma origem limitativa — “o sólido da terra que me suporta, o azul do céu acima da minha cabeça, o sopro do vento, a ondulação do mar, o brilho da luz” —, ele não remete à substância alguma ou a um suporte determinado, visto que vem de “nenhures” [de nulle part] (LEVINAS, 1971, p. 150). Porém, na medida em que remete ao ilimitado e ao indeterminado, o elemental anuncia o : “o prolongamento noturno do elemento é o reino dos deuses míticos”, esses “deuses sem rosto, deuses impessoais aos quais não se fala” (LEVINAS, 1971, p. 151). Aqui evidencia-se a distinção primordial entre o ilimitado do , que é sem rosto, pura presença de uma ausência, e o infinito do rosto, epifania e interrupção do [8].

Considerações finais

Em nenhuma outra obra de Levinas, o ocupa uma análise tão detida quanto a apresentada em Da existência ao existente. Metodologicamente desafiante, a exposição dessa obra nem sempre a aborda diretamente, mas a evoca reiteradamente a partir dos eventos de neutralização (cansaço, preguiça e esforço) e de despersonalização (noite, horror e insônia) e, dessa forma, a mobiliza como fundo indomável sobre o qual a luz e a intencionalidade produzem significação, mas que nunca é completamente conquistada. Somente com o advento da hipóstase anuncia-se uma subjetividade capaz de interromper o sem, contudo, extingui-lo. A posição da hipóstase revela uma base a partir da qual é possível existir sem que se seja completamente refém do e, desse modo, capaz de, no encontro com o outro, acolhê-lo.

Referências

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CRITCHLEY, S. Il y a – Holding Levinas’s hand to Blanchot’s fire. In: KATZ, C. E. (ed.) Emmanuel Levinas: critical assestments of leading philosophers. London: Routledge, 2005. p. 75-87.

DRABINSKI, J. E. & NELSON, E. S. (eds.) Between Levinas and Heidegger. Albany: SUNY, 2014.

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POLK, D. Good Infinity/Bad Infinity: Il y a, Apeiron, and the Environmental Ethics in the Philosophy of Levinas. Philosophy in the Contemporary World, n. 7, p. 35-40, 2000.

SEALEY, K. The ‘face’ of the il y a: Levinas and Blanchot on impersonal existence. Continental Philosophy Review, n. 46, 2013. p. 431-448.

ULJÉE, R. Thinking Difference with Heidegger and Levinas: truth and justice. Albany: SUNY, 2020.

Notas

[2] O próprio Levinas destaca esse aspecto em seu “Prefácio à segunda edição”: “A noção do há, desenvolvida neste livro já com trinta anos, parece-nos ser seu ponto mais resistente” (1998, p. 11). As citações serão a partir da edição brasileira, embora a versão francesa tenha sido consultada (LEVINAS, 1986).
[3] Dentre as diversas interpretações sobre ontologia, transcendência e a relação entre o il y a e o es gibt em Levinas e Heidegger, destacam-se a de ULJÉE (2020) e BERNASCONI (2005), que são congruentes em vários aspectos com a nossa exposição. Também a coletânea organizada por DRABINSKI & NELSON (2014) oferece um vasto material de pesquisa para as interseções entre as obras de ambos, embora excedendo os assuntos aqui tratados.
[4] Fagenblat (2019) emprega a expressão “o mal elemental” (elemental Evil) para se referir ao âmbito do há, a partir de uma passagem da carta escrita pelo próprio Levinas em 1990, utilizada como prefácio para a publicação de “Reflections on the Philosophy of Hitlerism”. O referido trecho diz: “This article expresses the conviction that this source stems from the essential possibility of elemental Evil into which we can be led by logic and against which Western philosophy had not sufficiently insured itself” (LEVINAS, 1990, p. 63). Apesar dessa passagem permitir, em certo sentido, que se pense o elemental como mal, assinalamos que tal perspectiva, autorizada em parte pelo próprio Levinas, contradiz a concepção de há em Da existência ao existente, na medida em que nesta se lê que “o ser recusa-se a toda especificação e nada especifica” (1998, p. 16). Uma análise mais detida sobre esse problema foge, entretanto, aos objetivos do presente artigo.
[5] Levinas associa em Totalidade e Infinito o com o apeiron, o que ressalta ainda mais a sua caracterização como o ilimitado e o indeterminado. Para um aprofundamento dessa relação, ver Polk (2000).
[6] Conforme Philip N. Lawton Jr., “o há é esse meio em que o si se banha antes de ser um si e, dessa forma, antes de ser um sujeito da existência” (1976, p. 67).
[7] Parece-nos sem propósito que Simon Critchley, seguindo Paul Davies, discuta a hipótese de uma narrativa linear em Levinas, apenas com o fito de refutá-la: “agora, ler Levinas dessa forma seria adotar o que Paul Davies chamou de ‘narrativa linear’, que começaria com uma (‘má’) experiência de neutralidade no il y a e terminaria com outra (‘boa’) experiência de neutralidade na ileidade, após ter passado pelo momentos mediadores do Sujeito e do autrui (grosso modo, Seções II e III de Totalidade e Infinito). Ler Levinas desse modo seria seguir uma linha do il y a ao Sujeito, ao autrui, à ileidade” (2005, p. 78). Contudo, Levinas jamais dá a entender em seu texto que se trata de um desenvolvimento linear. Além disso, ele mesmo chama atenção para a ameaça constante do há, que pretende submergir tudo em si: “mas essa identidade das coisas permanece instável e não impede o retorno das coisas ao elemento” (1971, p. 148). Além disso, Levinas explica que a ação de uma iluminação momentânea não extingue o fundo opaco a partir do qual ela se dá: “se o vazio que a luz faz no espaço de que ela afasta as trevas não equivale ao nada, mesmo na ausência de todo objeto particular, há esse vazio mesmo”, “a luz ao dissipar as trevas não para o jogo incessante do há” (1971, p. 207-208). Mais precisamente, em Da existência ao existente, Levinas enuncia que “na hipóstase do instante [...] – é possível distinguir o retorno do há [le retour de l’il y a]” (1998, p. 101), de modo que a própria hipóstase acaba por participar do há. Dessa forma, o “acorrentamento” do eu ao si não diz outra coisa senão ligação fundamental e inexorável entre o existir e o , “entre o espírito e o fato do há que ele assume” (LEVINAS, 1998, p. 101).
[8] Simon Critchley (2005) e Kris Sealey (2013) manifestam uma predileção em aproximar o rosto do horror do il y a, através de uma relação com Maurice Blanchot, embora Levinas seja bem explícito sobre a diferença entre a infinitude do primeiro e a falta de limitação do segundo.

Author notes

[a] Doutor em Filosofia
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