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O racismo e a hegemonia do privilégio epistêmico
Racism and the hegemony of epistemic privilege
Revista de Filosofía Aurora, vol. 33, no. 59, pp. 417-434, 2021
Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Dossiê


Received: 06 March 2021

Accepted: 10 July 2021

DOI: https://doi.org/10.7213/1980-5934.33.059.DS05

Resumo: Este artigo analisa a forma como o racismo epistêmico se configura e se reproduz em nossa sociedade e argumenta que isso não pode ser lido fora de uma estrutura que racializa corpos, histórias, conhecimentos, saberes e sujeitos. Ao mesmo tempo, mostra como a matriz epistêmica hegemônica desloca, cala e neutraliza outros sistemas de conhecimento, enquanto sustenta o privilégio epistêmico, cultural, racial e material de determinados grupos, os quais têm muita representatividade nos espaços escolar, acadêmico e institucional. Por fim, mostra a função que o racismo epistêmico desempenha na reprodução de privilégios que distribuem posições na estrutura social e como isso contribui para o esvaziamento ontológico, histórico e subjetivo das populações negras.

Palavras-chave: Raça, Racismo epistêmico, Privilégio epistêmico.

Abstract: This article examines the ways in which epistemic racism is configured and reproduced in our society and suggests that it cannot be read outside of a structure that racializes bodies, stories, knowledges and individuals. At the same time, it shows how the hegemonic epistemic matrix displaces, silences and extinguishes others’ knowledges systems, and shows sustaining the epistemic, cultural, racial and material privilege of certain groups, which are over-represented in school, academic and academic and institutional spaces. Finally, it shows the role that epistemic racism plays in the reproduction of privileges that distribute positions in the social structure, and how this contributes to the ontological, historical and subjective emptying of black populations.

Keywords: Race, Epistemic Racism, Epistemic Privilege.



A riqueza de uma cultura global será então expressa nas particularidades de nossas diferentes línguas e culturas, como em um jardim universal de flores de diferentes cores. A diversidade do jardim permeará cada uma de suas flores, se tornará parte delas, como um de seus atributos, e elas se polinizarão. E cada uma delas conterá as sementes de um novo amanhã.

Source: Ngũgĩ wa Thiong’o, 2015 [1993], p. 64



É fundamental que todas as pessoas conheçam a história dos Africanos, ela diz respeito a todos os seres humanos, uma vez que, em África, se situa o berço da humanidade. Se assim é, por que a história da África quase nunca é ensinada?

Source: Petronilha Gonçalves e Mwalimu J. Shujaa, 2018, p. 20

I. Raça. A instabilidade de um conceito

No meio acadêmico há um consenso no sentido de considerar que raça e conceitos raciais são uma construção histórica que extrapola os limites do racismo científico do final do século XIX e primeira metade do século XX (ARIAS; RESTREPO, 2010). O conceito de raça não possui uma definição única. Seu uso e sua história são anteriores às definições invocadas pelo racismo biológico do século XIX. Assim, mais do que um conceito inequívoco, a história do termo mostra uma pluralidade de usos em diferentes períodos. Também não há consenso sobre o momento em que o conceito começa a operar (MARTINELLI, 2010). Nas palavras de Burns, raça constitui “um termo que há muito organiza noções de estabilidade, mas que em si nunca foi fixado” (BURNS, 2007, p. 35).

Na Europa, dos séculos XVI até XVIII, a raça era construída a partir da exclusão de grupos e culturas que não faziam parte do mundo cristão. Essa exclusão, produto da conquista e colonização da América e do nascimento do capitalismo mercantil, vai impondo, gradativamente, a formação de novas relações de alteridade. Sendo assim, a experiência colonial será decisiva para instalar a ideia de povos indígenas e africanos como selvagens e inferiores. Como aponta o filósofo camaronês Achille Mbembe:

Ao reduzir o corpo e o ser humano a uma questão de aparência, pele e cor, ao conferir à pele e à cor o status de uma ficção de raiz biológica, os mundos euro-americanos transformaram o negro e a raça dois aspectos de uma mesma figura: a loucura codificada. Categoria originária, material e fantasmagórica ao mesmo tempo, a raça foi, ao longo dos séculos, origem de muitas catástrofes, causa de inusitadas devastações psíquicas, além de inúmeros crimes e massacres (2016, p. 27).

Para diversos autores(as), a raça é uma construção sócio-histórica que remonta à conquista da América. É o caso de Quijano (2000), para quem raça e racismo são produzidos nesse contexto. Nessa conceituação, fenômenos como a experiência colonial, o capitalismo e sua expansão, bem como o surgimento do pensamento racial estão diretamente relacionados. Para o autor, a raça não pode ser vista fora da relação colonial; a raça constitui um instrumento de dominação que surge entre os séculos XV e XVI, precisamente no início da formação e dominação capitalista na América. Em sua análise, a raça é uma estratégia de poder característica do projeto de modernidade, produzida no mundo colonial para justificar e expandir a hegemonia da Europa.

Nessa mesma direção, Segato (2010) acrescenta que a racialização opera não só no nível dos grupos étnicos, mas também na organização subalterna das economias dos países. Essa atribuição de não-branquitude ou não-europeidade tem desvalorizado o trabalho de grupos raciais e países cuja produção econômica e acadêmica é desvalorizada e no qual “a branquitude opera como um ‘capital racial’” (SEGATO, 2010, p. 30). Diante desse panorama, “o caráter permanentemente histórico da invenção da raça também faz com que, o que entendemos como raça passível de dominação e exclusão, mude ao cruzar fronteiras nacionais e em diferentes contextos regionais dentro das nações” (SEGATO, 2010, p. 34). Desse modo, a raça é o resultado da seleção de traços que marcam os sujeitos e os organizam em estruturas sociais hierárquicas que inscrevem relações de dominação no corpo[2].

A relação entrelaçada entre racismo e capitalismo já havia sido apontada pelo historiador afro-caribenho Eric Willians, nos anos quarenta do século passado, para quem a escravidão “não foi um evento acidental na história econômica moderna [...] foi, ao invés, uma peça crucial nos primeiros momentos de formação do capitalismo mundial” (WILLIANS, 2011, p. 21). Achille Mbembe (2016) também se refere à relação indissociável entre o capitalismo e a objetificação da população de origem africana. Ele mostra como a partir do século XVII começa a se dar o que chama de invenção do negro como “sujeito de raça”, época em estes não são legalmente reconhecidos como pessoas, mas como bens imóveis. A partir daí:

O negro é, com efeito, a engrenagem que, ao permitir criar através da plantação uma das formas mais eficazes de acumulação de riquezas daquela época, acelera a integração do capitalismo mercantil, das máquinas e do controle do trabalho subordinado. A plantação na época representava uma grande inovação, e não apenas do ponto de vista da privação de liberdade, do controle da mobilidade da mão de obra e da aplicação ilimitada da violência (MBEMBE, 2016, p. 54).

Ao mesmo tempo ele acrescenta que:

Produto de uma máquina social e técnica indissociável do capitalismo, do seu surgimento e da sua expansão planetária, o Negro foi inventado para significar exclusão, brutalização e degradação, inclusive para significar um limite conjurado e odiado ao mesmo tempo. Desprezado e profundamente desonroso, no contexto da modernidade ele foi o único ser humano cuja carne se transformou em coisa e seu espírito, na sepultura viva do capital, em mercadoria (MBEMBE, 2016, p. 33).

É importante destacar que o tráfico transatlântico inseriu a população de origem africana nas estruturas exploradoras da economia capitalista/colonial. Esses povos foram categorizados pela raça e subjugados, enquanto “a escravidão confiscou seu passado [...] desmantelou seu mundo, tradições, artes e lendas” (De ROUX, 1992, p. 13).

II. Raça um objeto de debate: da naturalização à invenção



“O primeiro princípio do racismo é a crença na raça”[3].

Source: FIELD; FIELD, 2012

Raça é um conceito moderno que começou a se delinear com o surgimento de uma economia mundial, em cuja genealogia a conquista da América, a criação de impérios marítimos e a escravidão dos africanos constituem pilares (WINANT, 2000). A palavra “raça” tem sido objeto de vários debates. Durante o século XIX, houve tentativas de estabelecer a raça em uma teoria científica. Essas teorizações, dentre as quais se encontram o darwinismo social, o spencerismo e a eugenesia, atribuíram as desigualdades sociais aos traços fenotípicos e às leis naturais. É precisamente no século XIX “que, em virtude do ‘auge’ colonial na África, ocorre uma biologização decisiva da raça no Ocidente. O século XIX é também a época em que, por meio do pensamento evolucionista darwiniano e pós-darwiniano, as estratégias eugênicas se espalham por muitos países e se generaliza a obsessão pela degeneração e pelo suicídio” (MBEMBE, 2016, p. 56).

A grande recepção dessas ideias só diminuiu após a experiência do genocídio do nazismo. Será a partir de suas consequências que a comunidade científica elimina a raça como categoria explicativa das diferenças entre os seres humanos. Cientificamente, ficava demonstrado que a raça não estava relacionada a um fato biológico[4], abrindo caminho para a discussão que a postula como uma construção sócio-histórica.

No entanto, o legado histórico da raça como conceito permaneceu, mesmo quando as ideologias políticas foram confrontadas e a ciência proclamou a futilidade da associação de raça e biologia. Assim, “a ciência não eliminou o legado histórico do conceito, nem seu hibridismo conceitual, nem sua força estrutural na distribuição do poder e na organização política” (DE LA CADENA, 2008, p. 8). Não superada aí, sua prática foi mantida, sendo o apartheid uma expressão clara disso. Sem dúvida, a raça continua presente nas relações sociais cotidianas, a ponto de estruturar hierarquias, estereótipos e preconceitos raciais que justificam o racismo. O racismo se alimenta de ideologias que postulam a existência natural de raças superiores com maior adaptabilidade que outras. Essa concepção faz parte de uma imposição hegemônica que justifica a exploração de algumas sociedades sobre outras e legitima as desigualdades econômicas e sociais. Diremos que “[…] o racismo tem uma base política, ideológica e cultural e não biológica, embora seu principal suporte sempre tenha sido o corpo humano, a cor da pele, as características físicas e as evidências” (BELLO; PAIXÃO, 2009, p. 42).

O racismo, as leis e proibições racistas, assim como as devastadoras experiências genocidas (em nome das supostas diferenças raciais que a humanidade viveu), foram gerando um deslocamento da categoria “raça” em muitos dos trabalhos acadêmicos. Em troca, seu uso foi substituído por termos como etnia ou grupo étnico (ARIAS; RESTREPO, 2010). No entanto, há acadêmicos que reivindicam o uso da categoria “raça” na medida em que permite explicar os processos sociais. Em entrevista, Wade levanta a necessidade de preservá-la porque, como categoria analítica, “se refere a uma história específica, se refere à história do colonialismo e às diferenças específicas que se formaram ao longo dessa história, as distinções feitas pelos europeus entre eles mesmos e os habitantes de outros continentes” (GONZÁLVEZ, 2007, p. 421). É justamente nesta história que se define analiticamente o conceito de raça, o que não implica ignorar que raça é uma construção social. É por isso que o autor insiste que deve ser usada para análise, uma vez que os efeitos que tem não podem ser ignorados, pois produz por sua vez “os grupos sociais que nomeia” (GONZÁLVEZ, 2007, p. 421).

Arias e Restrepo (2010) argumentam que é necessário atribuir carácter histórico não apenas a raça, mas também as categorias analíticas que utilizamos para descrever as situações a ela associadas, uma vez que “termos como negro ou pureza de sangue podem encapsular conceituações raciais, sem que apareça a palavras raça. Mas nem sempre que nos deparamos com os termos negro ou pureza de sangue, nos deparamos com um conceito de raça” (ARIAS; RESTREPO, 2010, p. 49). O leve conforto com que a categoria racial circula hoje — ao contrário do ressentimento produzido em outras décadas na América Latina — se deve em grande parte à expansão ou circulação de pesquisas de contextos intelectuais norte-americanos, nos quais o termo transita como instrumento político e acadêmico sem grandes objeções (ARIAS; RESTREPO, 2010).

Contudo, se o conceito de “raça” consegue se constituir a partir dos discursos biologizantes, é o surgimento desses uma das condições de possibilidade do discurso racial. Assim, a desnaturalização da raça nos leva a olhar para os processos que a objetivaram, no intuito de inseri-los nas construções sócio-históricas.

Desse modo, raça é enunciada a partir da ciência moderna e dos discursos naturalísticos e biológicos que inventam classificações raciais. Consequentemente, “o que a ciência moderna faz a partir de sua suposta autoridade e de seus recursos científicos é elevar, no nível da experiência autorizada, as longas histórias de discriminação e hierarquização entre os povos, por meio do racial” (ARIAS; RESTREPO, 2010, p. 60). Com efeito, então, como diz Mbembe:

Por muitos séculos, o conceito de raça - que sabemos originalmente provir da esfera animal - servirá principalmente para nomear as humanidades não europeias. O que então é chamado de "estado de raça" corresponderia a um estado de degradação e abandono de natureza ontológica. A noção de raça permite que as humanidades não europeias sejam representadas por meio da impressão de um ser inferior. Elas seriam o reflexo empobrecido do homem ideal de quem estariam separados por uma distância temporal intransponível, por uma diferença quase insuperável. Referir-se a elas seria antes de mais nada sublinhar uma ausência - a ausência do mesmo (MBEMBE, 2016, p. 51).

Consequentemente, não basta afirmar que existem identidades racializadas ou que a raça é uma produção histórica. Também não se trata de uma história da verdade ou falsidade da raça ou a definição final dela. Trata-se, sim, de demonstrar em que contexto ela é produzida, inventada, e como e porque a raça se converteu em um critério de diferenciação das populações, sustentada a partir de definições biológicas, a ponto de ser naturalizada como elemento constitutivo e diferenciador das populações. De fato, como afirma Morey (1983, p. 23), “não buscamos fazer aparecer a verdade de nosso passado, mas mostrar o passado de nossas verdades”. Isso requer atenção aos discursos e saberes que emergiram a partir da segunda metade do século XVIII, em nome da história natural e da biologia, procurando explicar o mundo, bem como as diferenças e relações entre os seres humanos, a partir de leis retiradas do mundo natural. Esses discursos são, sem dúvida, parte do passado da “raça”, ou seja, fazem parte do contexto em que ela surge e opera.

Mesmo sem existir em termos científicos, a raça tem efeitos de realidade, pois estrutura as relações entre os indivíduos e afeta suas oportunidades sociais. Esta situação é claramente observável na América Latina, onde a estrutura social é racializada. Também está claro que categorias raciais e significados de raça são produzidos em relações sociais e históricas específicas e são continuamente transformados[5].

III. O racismo e o privilégio epistêmico



“Não se tratava de substituir um centro por outro. O problema se manifestou quando alguém tentou usar a perspectiva de um centro (seu) e, a partir dela, estabelecer a realidade universal” Ngũgĩ wa Thiong’o.

O racismo epistêmico é uma forma de dominação baseada na hierarquia do ser humano, suas práticas, sua história e seu conhecimento. Historicamente, a exploração global do capitalismo racializou e feminilizou os corpos a fim de explorá-los e extrair maior lucro deles. A exploração e a racialização correm paralelas, não apenas à imposição de uma cultura, ou grupo de poder, mas também ao estabelecimento de uma matriz epistêmica hegemônica. Isso se articula a um projeto de dominação global que, ao impor a episteme ocidental como única forma válida de conhecimento, destrói outras epistemes, retirando seu poder de serem reconhecidas como tais.

O positivismo tem sido um grande aliado dessa matriz epistêmica; diríamos, inclusive, que mais do que um aliado, tem sido um dos seus gestores, pois é uma das narrativas legitimadoras deste discurso que tem contribuído para a construção de fronteiras entre o que pode ou não ser considerado conhecimento, atribuindo-lhe objetividade e universalidade inquestionável para o pensamento eurocêntrico.

Como sistema de pensamento, o racismo epistêmico subordina, inferioriza, oculta e torna outros saberes e conhecimentos invisíveis. Essa matriz epistêmica hegemônica desloca, silencia e extingue outros sistemas de conhecimento e, em muitos casos, os combate com a intenção de aniquilá-los para consolidar a dominação cultural desses povos. Esse processo garante que essa matriz possa perdurar. O racismo epistêmico ganha força e se reproduz por meio do silenciamento de outras epistemologias, de outras culturas.

A hegemonia do saber eurocêntrico foi imposta juntamente com a desapropriação e, em muitos casos, o aniquilamento de outras formas de conhecer e habitar o mundo. O racismo epistêmico impõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, a ponto de assimilá-la, negá-la ou suprimi-la (OCORÓ, 2019). Tem uma estreita relação com a primazia da monocultura hegemônica ocidental, eurocêntrica e científica, em que certos saberes, tradições e culturas foram invisibilizados ou inferiorizados. É o caso das epistemologias africanas, indígenas e afro-diaspóricas, que se ligam a outros repertórios culturais, e nas quais o saber e o conhecimento são indissociáveis do território e se fundem com ele. São epistemologias holísticas, plurais, que entendem que a condição humana não pode se reproduzir e se manter em equilíbrio sem pensar no território e sem pensar nos outros seres e ecossistemas que também o habitam. Com efeito, “o profundo silenciamento e subalternização do pensamento negro-africano, reflete a justificada exclusão da superioridade dos europeus sobre a raça negra, estabelecendo relações incessantes de dominação colonial (MATOS DA ROCHA, 2014, p. 9).

O racismo epistêmico não pode ser lido fora dessa estrutura de racializar corpos, histórias, saberes, sujeitos, para sustentar o privilégio epistêmico, cultural, racial e material de certos grupos. O privilégio epistêmico é aqui entendido como um conjunto de práticas que favorecem as formas de enunciar, ver o mundo e interpretá-lo dos grupos detentores de poder nos espaços de produção e difusão do conhecimento. Esses grupos têm excessiva representação nos espaços escolar, acadêmico e institucional e a episteme hegemônica os ajuda a reproduzir seus privilégios na estrutura social. O privilégio epistêmico opera como capital epistêmico e manifesta seu poder por meio da produção de conhecimento que circula e é reproduzido pela escola, pela historiografia, pela mídia e pelos diferentes espaços acadêmicos que apresentam como natural a visão de mundo, as práticas e a história da cultura europeia, branco-cêntrica, patriarcal e heteronormativa. Consequentemente, a distribuição dos cargos na estrutura social, bem como dos lugares sociais a serem ocupados no mundo, é organizada a partir desses privilégios e marcada pela aceitação “natural” desse conhecimento.

IV. A reprodução do racismo epistêmico e o esvaziamento ontológico, histórico e subjetivo das populações negras

O racismo epistêmico desempenha um papel central na naturalização e reprodução das hierarquias raciais, e tem contribuído para o esvaziamento ontológico, histórico e subjetivo das populações negras. O historiador caribenho Michel Trouillot mostra, ao analisar a revolução haitiana, como ela “entrou para a história com a característica inusitada de ser inimaginável mesmo quando estava acontecendo” (1995, p. 354). Era inimaginável porque, como aponta esse pensador afro-caribenho:

A visão de mundo da escravidão que subjugava os africanos e seus descendentes não considerava que sua liberdade fosse algo possível, muito menos que estratégias pudessem ser traçadas para alcançá-la, porque mais do que em evidências empíricas estava baseada em uma organização ontológica e imóvel do mundo e de seus habitantes. Embora essa cosmovisão não fosse de forma alguma monolítica, a maioria dos europeus e americanos brancos e muitos fazendeiros não brancos a compartilhavam. Entre as variações possíveis que se permitia não estava a possibilidade de um levante revolucionário nas fazendas de escravos, e muito menos que este tivesse sucesso e levasse à criação de um estado independente (TROUILLOT, 1995, p. 354).

Assim, Trouillot (1995) questiona as bases epistemológicas da tradição historiográfica e nos mostra como ela, em muitos casos, coexiste e serve ao poder. Isso nos lembra o papel que o poder desempenha na produção da história e como essa historiografia contribuiu para silenciar a revolução haitiana. Trouillot ilustra como os debates ocorridos na França, no mesmo período em que ocorria a revolução de Santo Domingo, “mostram a incapacidade da maioria dos contemporâneos de compreender aquela revolução como ela foi. Eles liam a notícia na perspectiva de categorias pré-estabelecidas, que eram incompatíveis com a ideia de uma revolução escravista” (1995, p. 354). Tal era o esvaziamento ontológico que existia, que era impensável que seres escravizados, animalizados, coisificados pudessem ter agência política. Na realidade, eram vistos como incapazes de produzir a sua própria emancipação: “os povos não europeus ocupavam uma posição de inferioridade social, ou mesmo o lugar do subumano e do bestial, e, portanto, lhes era impossível agir politicamente” (TROUILLOT, 1995, p. 73).

Isso nos leva a atentar para as condições históricas da produção teórica. As teorias sobre a existência de raças não só possibilitaram justificar a distribuição desigual da força de trabalho e legitimar a desigualdade social, mas também obter privilégios epistêmicos. É por isso que precisamos mostrar o racismo epistêmico, mostrar a forma como ele opera e detectar em que condições ele surge e se reproduz. Lembremos que a dificuldade “de identificar o racismo não é apenas funcional para o racismo, mas é também uma importante parte do racismo em si” (KILOMBA, 2019, p. 162). O racismo precisa se esconder, misturar-se ao tecido social e cultural para se naturalizar e se estabelecer na sociedade.

Em entrevista que Walsh (2003) concede a Mignolo, ele afirma que, de certa forma, o conhecimento funciona de forma análoga à economia: baseia-se na existência de “centros de poder” que são a referência no interior, e “regiões subalternas” que dependem dos primeiros (p. 4). “Pode-se acrescentar que essa relação de superioridade é atravessada também por uma questão racial: o conhecimento é racializado. [...] Quando o corpo de quem o enuncia é negro, o conhecimento é considerado pseudocientífico, o que não é o caso quando se trata de ‘brancos’ que estudam negros” (OCORÓ, 2019, p. 25). Em outras palavras, se racializa como inferior o conhecimento cujos corpos, culturas e histórias não são “representativos” da cultura ocidental (FANON, 1973). Essas situações constituem mais um exemplo do racismo epistêmico presente nas sociedades latino-americanas. Essas hierarquias que construíram a população indígena e negra como seres inferiores por meio de mecanismos de classificação desiguais continuam a operar com grande força no meio acadêmico (OCORÓ, 2019).

O racismo epistêmico nega a capacidade de agência histórica da população negra e contribui para reproduzir a dominação e desvalorização dos conhecimentos que eles produzem, de forma que reforça o silenciamento e o apagamento da produção científica e cultural do povo negro. Ao negar a história dos grupos subalternos, também ajuda a sustentar as práticas que permitem manter uma estrutura desigual no acesso ao poder, e contribui para reproduzir, nas relações cotidianas, práticas e estruturas de pensamento que legitimam a desigualdade entre as pessoas.

¿Mas quem se beneficia com o racismo epistêmico? Sem dúvida, esta forma de racismo está a serviço e beneficia a determinados setores que dele obtêm privilégios simbólicos e materiais. O racismo epistêmico opera nas sombras. Como artesão vai moldando nossas mentes com os conhecimentos oriundos da imposição cultural eurocêntrica, patriarcal, branca, androcêntrica e heteronormativa. Através da escola, dos diferentes espaços acadêmicos e dos meios de comunicação, entre outros, esta estrutura molda diariamente as nossas formas de pensar e de como vemos o mundo, como vemos os outros e a nós mesmos. O racismo epistêmico ajuda a fixar as hierarquias entre as culturas e seus saberes, a naturalizá-las, apagando os vestígios da história, e diluindo o substrato social e histórico em que essas hierarquias foram produzidas.

O Mestre Ngũgĩ wa Thiong’o observa muito bem como o controle e o domínio sobre o povo africano não vieram apenas do poder econômico e político, mas também da dominação cultural e mental. Como diz:

O imperialismo, a conquista e subjugação absoluta da força de trabalho de outros países através da concentração do capital, ou do poder econômico, nos ensinou que a exploração econômica e a dominação política de um povo não podem ser efetivas sem a subjugação cultural e, portanto, mental e espiritual. A conquista econômica e política da África foi acompanhada por uma subjugação cultural e pela imposição da tradição cultural imperialista, cujos terríveis efeitos perduram até hoje (WA THIONG'O, 2015 [1993], p. 90).

Podemos então supor, seguindo Ngũgĩ wa Thiong’o, que o racismo epistêmico atua nesse nível, no campo da cultura, especificando a subjugação de todas aquelas alteridades que não representam a medida do humano construída a partir de discursos eurocêntricos. É assim que “o controle político e econômico não pode ser total ou eficaz sem o domínio das mentes. Controlar a cultura de um povo é dominar suas ferramentas de autodefinição em relação com outros” (WA THIONG'O, 2017 [1986], p. 49). O autor denuncia o impacto do colonialismo na cultura e no pensamento dos colonizados em decorrência da influência da língua inglesa no cotidiano dos povos africanos. Assim, ele aponta:

Os oprimidos e os explorados da Terra mantêm seu desafio: a liberdade frente ao roubo. Mas a arma mais perigosa que empunha o imperialismo e, de fato, usa todos os dias contra esse desafio coletivo é a bomba de cultura. O efeito de uma bomba cultural é aniquilar a crença de um povo em seus nomes, em suas línguas, em um ambiente natural, em sua tradição de luta, em sua unidade, em suas capacidades e, em última análise, em si mesmos. Faz com que vejam seu passado como um terreno abandonado carente de realizações, fazendo-os querer se distanciar dele. Faz com que queiram se identificar com o que lhes é mais distante, por exemplo, com as línguas de outros povos e não com as suas (WA THIONG'O, 2017 [1986], p. 26).

Isso é o que o racismo epistêmico faz; expulsa nossa história do passado e nosso passado da história. A língua faz parte da cultura, transmite-a e com ela os valores, as formas de ver o mundo e de nos ver. O aprendizado da língua colonial alterou a percepção que os povos africanos tinham de si mesmos. O colonialismo os separou de sua própria língua e com ela tomou parte de sua vida, de sua história, de suas visões de mundo e de sua humanidade. Consequentemente, “a forma como as pessoas se percebem a si mesmas afeta a forma como concebem a sua cultura, as suas políticas e a produção social da riqueza, todas as suas relações com a natureza e com os outros seres humanos. A linguagem é, portanto, inseparável de nós mesmos como comunidade de seres humanos com forma e caráter distintos, uma história específica e uma relação específica com o mundo” (WA THIONG'O, 2017 [1986], p. 48). É por esta razão que o colonialismo tentou, a todo custo, apagar a história dos povos locais, animalizar sua condição humana e alienar os povos nativos. Esses povos passaram a interpretar sua realidade por meio da linguagem do colonizador, o que permitiu manter a hegemonia cultural do sistema colonial.

V. A academia centrada na raça branca e a reprodução da superioridade epistêmica europeia

Antes de entrar na escola, alguns saberes e conteúdo são arrastados da historicidade, recortados e perdem sua relação com a história negra e indígena, ou seja, com as histórias subalternas. Esses saberes são adaptados ao poder, se adequam à linguagem e ao formato permitido: o eurocêntrico. O saber científico hegemônico tem cor, a tal ponto que os saberes não reconhecidos pelo olhar eurocêntrico são ignorados, desvalorizados e silenciados.

Universidades e sistemas de ciência e tecnologia têm privilegiado o eurocentrismo como paradigma de formação e pesquisa, legitimando os discursos que qualificam os conhecimentos e saberes ancestrais ou tradicionais como folclóricos, exóticos, pré-científicos ou como obstáculos ao conhecimento (CASTRO-GÓMEZ, 2007; LANDER, 2000; MATO, 2008). Assim, “o discurso hegemônico eurocêntrico e as relações de poder que administra, por meio das quais se hierarquizaram os saberes e os conhecimentos dos povos negros, permitem a reprodução das desigualdades sociais, pois legitima e autoriza apenas uma cultura, uma história, impondo sua superioridade epistêmica, política e histórica da Europa” (OCORÓ, 2020, p. 174).

Por muito tempo, as ciências sociais privilegiaram os saberes produzidos no âmbito científico-acadêmico e contribuíram para considerá-los “universais”, rotulando como “locais” os modos de produção de conhecimento dos povos indígenas e afrodescendentes (OCORÓ, 2019). A visão hegemônica do conhecimento científico e sua expressão positivista da ciência acabaram por subordinar o fazer científico a um princípio “superior”, não contaminado ou “mais profundo”, dominando o debate científico. Um dos maiores mitos do pensamento científico é sustentar que o conhecimento científico é capaz de operar sem um sujeito condicionado pelas estruturas sociais[6]. Lembremos que a ciência é e sempre foi uma construção política na medida em que é agenciada por sujeitos. Não existe ciência sem história, sem sujeito e sem contexto[7].

Os espaços acadêmicos não são alheios ao racismo que prevalece na sociedade. O racismo, arraigado nos espaços acadêmicos, não reconhece precisamente o status de igualdade cognitiva do outro; ele subalterniza seus conhecimentos e cultura, contribuindo para aumentar e reproduzir suas relações desiguais nos campos de produção de conhecimento e nas estruturas da sociedade (OCORÓ, 2019). Definitivamente, essa racialização do conhecimento deve ser lida em termos estruturais, uma vez que não é produzida apenas por indivíduos ou grupos que assumem as formas de conhecimento de outros como inferiores, mas também é constitutiva da tradição de pensamento ocidental. Precisamente o “Ocidente é considerado como a única tradição legítima para produzir conhecimento, e a única com acesso à ‘universalidade’, ‘racionalidade’ e ‘verdade’. O racismo epistêmico considera o conhecimento ‘não ocidental’ como inferior ao conhecimento ‘ocidental’” (GROSFOGUEL, 2012, p. 54). O racismo epistêmico é contrário a todas as formas não ocidentais de perceber e interpretar a realidade. Para tanto, se serve das ciências, que contribuem para subordinar, silenciar e negar a produção intelectual, epistêmica e filosófica de culturas e povos não brancos.

Nas últimas décadas, as visões hegemônicas da ciência, e a visão da mesma como um processo linear, inequívoco e universal, têm sido questionadas (ÁVILA, 2004). Isso tem levado a que as situações a estudar, mais que realidades ontológicas, sejam consideradas construções culturais (ÁVILA, 2004). A ciência aparece como um processo histórico e não como mera acumulação de conhecimentos (KUHN, 1971). Esta é vista como uma prática social condicionada histórica e socialmente, cujo grande triunfo tem sido o de mostrar uma pretensa objetividade e neutralidade do conhecimento, evitando os debates políticos e sociais de que surgiram seus fundamentos (PIOVANI, 2008). Assim, inscrever as práticas científicas dentro dos assuntos políticos permite compreender a ciência como parte de uma construção humana que, em muitos casos, cooperou, foi tolerante ou colocada a serviço de projetos de dominação (LANDER, 2000).

Conclusão

Podemos dizer que o racismo epistêmico não é um mero epifenômeno do racismo estrutural. Ao contrário, é um eixo central na estrutura de dominação cultural, política e epistêmica que tem operado sobre as populações negras. É fundamental que possamos desenvolver estratégias ativas, conscientes e cotidianas para enfrentá-lo na escola, nos espaços acadêmicos e na sociedade em geral. Este é um dos grandes desafios para romper as epistemologias hegemônicas e avançar na construção de uma justiça epistêmica afro-diaspórica. O racismo epistêmico precisa ser evidenciado para possibilitar discursos e práticas contra-hegemônicas que possam enfrentá-lo. É imprescindível recuperar a história como instrumento de luta para desnaturalizar as hierarquias raciais, por meio das quais vemos o mundo e que condicionam nossas práticas e o modo como vivemos.

Precisamos quebrar o silenciamento da história negra, da história indígena, das histórias dissidentes nas quais se baseia o privilégio epistêmico. Muitas dessas histórias foram esquecidas com o tempo e ninguém mais ouviu falar delas, ninguém as revisitou. É tão importante rememorá-las quanto determinar o motivo pelo qual e sob que circunstâncias foram esquecidas. O racismo epistêmico opera assim: silenciando nossa história. Daí a necessidade de contribuir para revelar como se fez e como se faz, para desnaturalizá-lo e para que, quando as portas se abram, apareça o rosto da nossa história.

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Notas

[2] Para outros como Mignolo (2001), a classificação racial nem sempre foi baseado em questões fenotípicas. Este autor mostra como, no século XVI, não há registro da existência da categoria “raça” na política de Castela. A classificação das pessoas era baseada em sua condição religiosa e raça era considerada a pureza ou impureza do sangue. Essa purificação do sangue desencadeou perseguição e extermínio daqueles que não eram portadores da fé, prática e herança cristã.
[3] Texto original: “And the first principle of racism is belief in race”.
[4] As últimas descobertas do genoma humano também desmistificaram a existência de raças, deixando claro que todos os seres humanos compartilham o mesmo genoma.
[5] Nesse ponto, a síntese proposta por Wade (1997) nos parece relevante. O autor britânico propõe traçar a raça a partir de três momentos históricos em que, segundo ele, se construiu um sentido para o termo em diferentes contextos sociais. O primeiro deles é denominado por Wade como a fase de “naturalização das diferenças”, em que o mecanismo utilizado para classificar aos grupos e culturas derivava do mundo animal ou vegetal, naturalizando as diferenças sem biologizá-las. Num segundo momento, que ele denomina de "era do racismo científico", se classifica com tipologias raciais e se estabelecem escalas de nível de desenvolvimento e inteligência, raças superiores e inferiores e os graus de evolução das mesmas, formadas dentro das teorias de Darwin sobre a evolução das espécies. E, por fim, a fase que o autor indica como a “construção social da raça”, em que o conceito foge dos marcos da biologia para se inserir na ordem das construções sociais (WADE, 1997).
[6] Essa afirmação é caracterizada por Castro-Gómez (2007) como “hybris do ponto zero”. Para o autor, a partir de 1492 existe uma visão que separa a natureza do ser humano, dando a este último a autorização para intervir, modificá-la e dominá-la. Inaugura-se um paradigma que tem em sua história intrínseca o poder de se mostrar como o ponto zero; o conhecimento objetivo que também tem o poder de classificar outros conhecimentos com base em sua própria lógica, criando disjunções e hierarquias. Nesse modelo “Como o Deus da metáfora, a ciência ocidental moderna se coloca fora do mundo (no ponto zero) para observar o mundo, mas, ao contrário de Deus, não consegue obter uma visão orgânica do mundo, mas apenas um olhar analítico” (CASTRO-GÓMEZ, 2007, p. 83). Assim, “o ponto zero seria, então, a dimensão epistêmica do colonialismo, que não deve ser entendida como um simples prolongamento ideológico ou "superestrutural” dele, como queria o marxismo, mas como um elemento pertencente à sua "infraestrutura “, ou seja, como algo constitutivo” (CASTRO-GÓMEZ, 2007, p. 88).
[7] Grosfoguel (2006), também questiona a ideia de sujeito desistoricizado e desumanizado na produção e apropriação do conhecimento, destacando o mito ocidental da neutralidade e da objetividade sem sujeito e sem lugar. De seu argumento, a “ego-política do conhecimento”, como ele a chama, disfarça e oculta o sujeito para sustentar que existe um conhecimento não situado, portanto, “desvinculando a localização epistêmica étnica / racial / de gênero / sexual do sujeito falante. A filosofia e a ciência ocidentais podem produzir um mito sobre um conhecimento universal confiável que encobre, ou seja, oculta a quem fala, assim como sua localização epistêmica geopolítica e corpo-política nas estruturas de poder/conhecimento [...]”. A argumentação do autor evidencia as relações de poder nas quais estamos inscritos e nas quais participamos, de tal forma que “[...] falamos sempre de um determinado lugar nas estruturas de poder. Ninguém escapa da classe, do sexual, do gênero, do espiritual, do linguístico, do geográfico e das hierarquias raciais do ‘sistema mundo moderno/colonial, capitalista / patriarcal” (GROSFOGUEL, 2006, p. 20-21).

Author notes

[a] Doutora em Ciências Sociais


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