Dossiê
O combate ao racismo e a descolonização das práticas educativas e acadêmicas
The fight against racism and the decolonization of educational and academic practices
O combate ao racismo e a descolonização das práticas educativas e acadêmicas
Revista de Filosofía Aurora, vol. 33, no. 59, pp. 435-454, 2021
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Received: 07 March 2021
Accepted: 10 July 2021
Resumo: O processo de descolonização das mentes e das práticas como ação de combate ao racismo nas sociedades é tenso e conflituoso. A educação talvez seja o espaço em que essa tensão é mais visível. Há apagamentos históricos e epistemológicos presentes nos currículos, nas propostas e nas práticas educacionais, tanto na Educação Básica quanto no Ensino Superior que só serão superados se o campo educacional e a produção científica compreenderem-se como espaços que precisam descolonizar-se. Esse artigo discute o desafio da Educação Básica e do Ensino Superior na realização de práticas pedagógicas e epistemológicas que combatem o racismo e a desigualdade racial na escola e na universidade. Compreende esse processo como parte da descolonização das mentes, do conhecimento e dos currículos, tão necessários em países com histórico colonial e estruturalmente desiguais como é o caso do Brasil. Dialoga com o contexto político antidemocrático, instaurado no país após as eleições de 2018, com a ascensão da extrema direita ao poder e o seu processo de desmonte das políticas sociais e de igualdade racial implementadas pelos governos anteriores de cunho progressista. Questiona até que ponto o antirracismo se faz presente na sociedade e na educação brasileira, revelando um movimento contraditório presente nas ações e no imaginário social diante do racismo: as pessoas se mostram indignadas, porém, tendem a permanecer imóveis diante de um fenômeno tão perverso. Discute, ainda, que o combate e a superação ao racismo parecem uma boa proposta para colocar a descolonização em ação, tanto na sociedade quanto na educação, desde que não se invisibilize e silencie as negras, os negros e o Movimento Negro – suas lutas, memórias propostas políticas alternativas –, enquanto os principais sujeitos sociais e coletivos que nos reeducam nesse processo e com os quais temos muito ainda a aprender.
Palavras-chave: Racismo, Descolonização, Currículos, Educação básica, Ensino superior.
Abstract: The process of decolonizing minds and practices as an action to combat racism in societies is tense and conflicting. Education, perhaps, is the space where this tension is most visible. There are historical and epistemological erasures present in curricula, proposals and educational practices, both in Basic Education and in Higher Education that will only be overcome if the educational field and scientific production are understood as spaces that need to be decolonized. This article discusses the challenge of Basic Education and Higher Education in carrying out pedagogical and epistemological practices that combat racism and racial inequality at school and university. It understands this process as part of the decolonization of minds, knowledge and curricula, which are so necessary in countries with colonial and structurally unequal backgrounds, such as Brazil. It dialogues with the anti-democratic political context, established in the country after the 2018 elections, with the rise of the extreme right to power and its process of dismantling the social and racial equality policies implemented by previous progressive governments. He questions the extent to which anti-racism is present in Brazilian society and education, revealing a contradictory movement present in actions and in the social imaginary in the face of racism: people are indignant, however, they tend to remain immobile in the face of such a perverse phenomenon. It also argues that combating and overcoming racism seems to be a good proposal to put decolonization into action, both in society and in education, as long as black women, blacks and the Black Movement are not made invisible and silent - their struggles, memories of alternative political proposals - while the main social and collective subjects that re-educate us in this process and with which we still have a lot to learn.
Keywords: Racism, Decolonization, Curricula, Basic education, Higher education.
Introdução
O processo de descolonização das mentes e das práticas como ação de combate ao racismo nas sociedades é tenso e conflituoso. A educação talvez seja o espaço em que essa tensão é mais visível. Há apagamentos históricos e epistemológicos presentes nos currículos, nas propostas e nas práticas educacionais, tanto na Educação Básica quanto no Ensino Superior, que só serão superados se o campo educacional e a produção científica compreenderem-se como espaços que precisam descolonizar-se[2].
Quando a educação insiste em reforçar a ideia de civilização como algo próprio do mundo Ocidental; quando trabalha com a lógica de que a ciência ocidental é a única forma de conhecimento legítimo e validado; quando subjuga os conhecimentos produzidos no eixo Sul do mundo a meros saberes rudimentares; quando reforça valores, idiomas, padrões estéticos e culturas ocidentais e urbanas, apagando a diversidade de formas de ser e de constituição linguística, de formas de Estado, de processos culturais e políticos; quando despreza os conhecimentos locais, não ocidentais, as culturas produzidas pelos setores populares, as religiões que não se baseiam na visão cristã de mundo e a diversidade de heranças e memórias, ela atua de forma excludente e violenta. E ao fazer isso, organiza-se, reproduz e perpetua a colonialidade.
Segundo Grosfoguel (2019, p. 59):
[...] Contrário ao pensamento de que o racismo é uma ideologia ou uma superestrutura derivada das relações econômicas, a ideia de ‘colonialidade’ estabelece que o racismo é um princípio organizador ou uma lógica estruturante de todas as configurações sociais e relações de dominação da modernidade. O racismo é um princípio constitutivo que organiza, a partir de dentro, todas as relações de dominação da modernidade, desde a divisão internacional do trabalho até as hierarquias epistêmicas, sexuais, de gênero, religiosas, pedagógicas, médicas, junto com as identidades e subjetividades de tal maneira que divide tudo entre as formas e o seres superiores (civilizados, hiper-humanizados, etc, acima da linha do humano) e outras formas de seres inferiores (selvagens, bárbaros, desumanizados, etc., abaixo da linha do humano).
Entender o racismo como um princípio organizador, na perspectiva apontada por Grosfoguel (2019), é construir um processo de descolonização na educação. Mas estamos muito mais próximos de uma indagação discursiva do processo de descolonização na sociedade e na educação do que realmente de sua efetivação como políticas sociais e educacionais, currículos e práticas. O combate e a superação ao racismo parecem uma boa proposta para colocar a descolonização em ação, tanto na sociedade quanto na educação, desde que não se invisibilize e silencie as negras, os negros e o Movimento Negro — suas lutas, memórias propostas políticas alternativas —, enquanto os principais sujeitos sociais e coletivos que nos reeducam nesse processo e com os quais temos muito ainda a aprender.
Como nos alerta Meneses (2009, p. 12), “se aceitamos que a descolonização é o questionar do impacto das relações de violência e exploração, as nossas heranças e memórias estão ainda muito aquém de sua descolonização”.
A descolonização das mentes insta-nos a construir práticas pedagógicas e epistemológicas antirracistas. Consiste em uma tomada de posição emancipatória diante de si mesmo e do outro, bem como na desconstrução da lógica racista presente na nossa socialização e nos processos formativos construídos na vida privada e pública.
Indago se hoje, principalmente, após a sanção da Lei nº 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e introduziu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas da Educação Básica, a formação inicial e continuada de professoras e professores tem proporcionado aos docentes maior consistência pedagógica, didática e teórica no trato com a questão racial e às situações de racismo na escola.
Indago se a maior presença de estudantes e docentes negras e negros nos cursos de licenciatura, com uma consciência racial e política afirmativa do seu próprio pertencimento racial, tem contribuído para a descolonização das práticas educativas. Questiono, também, se os currículos da escola básica e da universidade, nesse século XXI, têm avançado na inclusão do antirracismo como princípio pedagógico e político das suas bases teóricas, das práticas e da gestão.
As mudanças que poderão advir de uma tomada de posição, na formação de professoras e professores sobre a questão racial e o combate ao racismo, fazem parte do processo de descolonização das mentes e do currículo, tão necessário à escola básica e à universidade em que cada vez mais vem crescendo o número de estudantes, docentes e familiares que se orientam pelo fundamentalismo religioso e o conservadorismo político.
Um dos avanços da educação, ao compreender e se posicionar contra o racismo e seu enraizamento nas sociedades capitalistas no mundo, em especial no Brasil, está na paulatina compreensão de que é contraproducente estabelecer hierarquias entre raça, gênero e classe. Assim, é urgente entender a imbricação dessa tríade.
Os estudos de feministas negras, tais como Crenshaw (2002), Collins (2019) e Akotirene (2019), ajudam a compreender a interseccionalidade de raça, gênero e classe e como ela afeta, com contornos e formas diferenciadas, a vida das mulheres negras e não negras e da classe trabalhadora. A interseccionalidade nos permite partir da avenida estruturada pelo racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, em seus múltiplos trânsitos, para revelar quais são as pessoas realmente acidentadas pela matriz de opressões (AKOTIRENE, 2019, p. 47).
Ao compreendermos o racismo e seus efeitos nesse cruzamento interseccional, damos mais um passo na descolonização das mentes, do conhecimento e dos currículos.
Indignados, porém, imóveis
Não há como negar que, frente à exclusão e desigualdades sociais que atingem a maioria da população brasileira, muitas brasileiras e brasileiros têm manifestado um sentimento de indignação crescente. Isso também acontece no campo da educação, porém, por mais contraditório que possa parecer, essa indignação não é a mesma quando nos referimos à perpetuação do racismo.
Situações como o genocídio da juventude negra; o feminicídio que assola a vida das mulheres negras; as balas perdidas que só encontram os corpos negros das vilas e favelas; a violência policial, que historicamente marca a vida da população negra são noticiadas cotidianamente pela mídia, denunciadas pelos movimentos sociais, discutidas pelas influenciadoras e pelos influenciadores digitais negros e não negros comprometidos com a luta antirracista. Muitas pessoas interagem nas redes sociais escrevendo comentários de espanto, de solidariedade, de indignação, mas nada muda na realidade dura de violência vivida pelas negras e negros no Brasil.
De acordo com Bueno e Lima (2020), coordenadores do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Brasil, quando comparado a outros países, é o que mais mata crianças. Em 2019, segundo dados do Anuário, quase 5 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta e intencional e quase 26 mil sofreram estupro. Chama a atenção quando os dados são desagregados por cor/raça: do total das quase 5 mil crianças e adolescentes, 75% que representavam os negros de 0 a 19 anos (o anuário segue o limite de idade recomendado pela Organização Mundial de Saúde) foram vítimas de mortes violentas intencionais. Além disso, em todas as faixas etárias, o número de vítimas negras é maior que o número de vítimas brancas.
Em artigo publicado em conjunto com a professora Cristina Teodoro é afirmado, enfaticamente, que:
As crianças negras são consideradas fora do padrão que privilegia uma concepção universal de infância. Por isso, a sua morte violenta não choca, não causa indignação social e política! Como bem diz a filósofa Judith Butler, é necessário recuperar a capacidade HUMANA, de não apenas não “deixar morrer”, mas, de se indignar pela morte do outro, entrar em luto por aqueles que não conhecemos, por aqueles que não têm os nomes nas mídias. Um luto coletivo, político, que reconhece que todas as vidas são viáveis e importantes, por isso, devem ser choradas, igualmente.
É necessário chorar e se indignar pelas crianças que tiveram suas vidas ceifadas pelo racismo e pela insegurança pública. Choramos e nos indignamos por todas elas. Um choro político que mistura dor, indignação, denúncia e resistência (GOMES; TEODORO, 2020, p. 2).
O que essa situação alarmante revela? Que as desigualdades raciais fazem parte da estrutura desigual da sociedade brasileira e foram naturalizadas pelo racismo e pelo capitalismo, além de estarem imersas nas relações de poder. As pessoas negras não são marcadas somente pelo seu lugar na desigualdade de classe, mas são consideradas e tratadas como inferiores e não humanas devido ao peso do racismo. Isso as torna muito mais do que vulneráveis: são tratadas e consideradas como não humanas e, por isso, passíveis de violência e extermínio.
Descolonizar a naturalização da violência implica compreender como ela opera de forma mais pesada e cruel sobre os sujeitos negros, ou seja, aquelas e aqueles que mais necessitam de proteção do Estado, em especial, as crianças, os adolescentes e jovens negros.
De acordo com o Atlas da Violência 2020, coordenado por Cerqueira e Bueno (2020), os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram em 11,5% de 2008 a 2018, enquanto a de não negros caiu 12%, no mesmo período. Ainda segundo a pesquisa, ao todo, os negros somam 75,9% dos brasileiros assassinados no período analisado, em um cenário em que mortes de mulheres negras e jovens negros e negras lideram os casos. Tais dados apenas reforçam e deixam transparecer o racismo estrutural que ainda perdura no país.
A pesquisa analisou, ainda, os efeitos da desigualdade de raça no Brasil e concluiu que o país precisa avançar, destacando que os homicídios de adolescentes e jovens atingem, especialmente, os moradores homens de periferia e áreas metropolitanas dos centros urbanos.
Segundo Cerqueira e Bueno (2020, p. 31):
de acordo com o Atlas da Violência de 2019, em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio eram pretas ou pardas. Entre os adolescentes e jovens de 15 a 19 anos do sexo masculino, os homicídios foram responsáveis por 59,1% dos óbitos.
Cerqueira e Bueno (2020, p. 48) afirmam: “quando o assunto é vulnerabilidade à violência, negros e não negros vivem realidades completamente distintas e opostas dentro de um mesmo território”.
Quando se articula racismo, LGBTfobia e violência, os resultados são também assustadores. A publicação da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA, 2018, p. 72) traz um dado alarmante: “82% dos casos foram identificados como pessoas afrodescendentes. Esse dado revela o quanto a branquitude, associada à cisgeneridade, permite a morte de determinadas vidas quando não correspondentes ao padrão cis-branco-heteronormativo”. O estudo, que reúne dados consolidados sobre transfobia no Brasil e entrevista vítimas da violência transfóbica, ressalta que além do preconceito de identidade de gênero, a população LGBTQIA+ no Brasil sofre com o fator racismo.
No mês de maio de 2020, muitas pessoas foram às ruas do Brasil entoando o lema “vidas negras importam”. Indignadas com as cenas de violência do assassinato de George Floyd, entidades do Movimento Negro e partícipes da luta antirracista no Brasil manifestaram, à época, estranheza diante do fato de que essa mesma comoção e indignação pública não são manifestadas pela nossa sociedade diante do genocídio da juventude negra, da violência policial em relação às pessoas negras e do racismo no mercado de trabalho, situações que fazem parte do cotidiano de negros e negras em nosso país.
Por mais que o discurso antirracista tenha aumentado nas redes sociais entre políticos, artistas, escritores, religiosos e em manifestações públicas nas ruas, ainda é só comoção, com poucas reações efetivas de mudança em relação à vida, saúde, trabalho e segurança da população negra.
Reconheço que esse sentimento sinaliza algo diferente. Mas a comoção não é suficiente para alterar estruturalmente a situação de violência, exclusão e abandono historicamente vivida pela população negra brasileira.
A expectativa (e esperança) é que estejamos diante de uma crescente reação antirracista na sociedade que envolva muitos sujeitos, negros e não negros, organizações progressistas, mídias alternativas, movimentos sociais e instituições democráticas. E que esse processo ajude a desencadear, tanto no público quanto no privado, um maior compromisso do país com o combate ao racismo estrutural e institucional alicerçado na construção de alternativas políticas, sociais, econômicas, culturais e educacionais para a sua superação. Talvez os tempos antidemocráticos que vivemos ajudem a despertar nas pessoas e nas organizações progressistas que não é possível reconstruir a democracia e implementar políticas antirracistas e de igualdade racial sem lutar contra o racismo.
Os avanços que fizemos na construção das políticas de igualdade racial, tais como, Lei nº 10.639/03 (alteração da LDB ao introduzir a obrigatoriedade e história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas da Educação Básica); Decreto nº 4887/03 (regularização dos processos de reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas); Lei nº 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial); Lei nº 12.711/12 (Lei de cotas sociais e raciais nas Instituições Públicas de Ensino Superior); Lei nº 12.990/14 (Lei de cotas raciais nos concursos públicos federais); Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, dentre outros) são extremamente relevantes, pois ajudaram a introduzir a questão racial no campo dos direitos e a pautar politicamente o combate ao racismo como um dever do Estado. Todas essas ações do governo brasileiro contribuíram para implementar uma série de leis e projetos de ações afirmativas para a população negra que jamais deveriam ter retrocedido[3]. Estamos desafiados a lutar contra os retrocessos e desmonte das políticas de igualdade racial desencadeados pelas forças conservadoras, fundamentalistas e de extrema direita.
As políticas de igualdade racial, juntamente com as demais políticas sociais, causaram impactos importantes na vida da população negra. Elas produziram uma melhoria parcial na vida de parte da população negra na educação, no acesso a bens de consumo e no direito à moradia digna. Segundo Campello (2017):
O Brasil, a partir de 2003, ainda que mantendo níveis profundos de desigualdade, começou a reverter um ciclo histórico de injustiça social, marcado pela crescente exclusão dos mais pobres e pela concentração de privilégios nos setores mais ricos da sociedade. O aumento real do salário mínimo, a crescente formalização do mercado de trabalho, a incorporação dos mais pobres ao orçamento federal, através de políticas de inclusão social e distribuição efetiva de renda, e a promoção de uma política social integrada, explicam, em boa medida, essa transformação (CAMPELLO, 2017, p. 11).
Campello (2017, p. 13) também destaca que:
Estamos falando de milhões e milhões de pessoas. Entre 2002 e 2015 foram 12 milhões de famílias negras cujos pais e mães passaram a ter ensino fundamental completo, 22 milhões de lares a ter acesso a água de qualidade, 24 milhões de domicílios a possuir geladeira. Não tinham e passaram a ter.
Contudo, todos esses esforços não foram capazes de transformar estruturalmente a sociedade desigual em que vivemos. E nem de superar o racismo e a desigualdade racial que imperam historicamente sobre esse segmento étnico-racial. Se tal mudança acontecesse, teríamos chegado ao fim desses fenômenos perversos e não conviveríamos com a contradição entre a melhoria parcial das condições de vida da população negra e, ao mesmo tempo, uma intensa violência e desigualdades raciais como os dados estatísticos atestam.
Os dados sobre a violência racial, aqui registrados, mostram o quanto ainda se faz urgente e necessária a continuidade da luta do Movimento Negro contra o racismo, a desigualdade e a discriminação racial. Desvelam que o projeto de sociedade e de poder construído pelas elites econômicas, políticas e intelectuais em nosso país está pautado na perpetuação dos excludentes padrões de poder, de trabalho, de saúde e de conhecimento que possibilitam uma série de injustiças. Estas recaem, com mais contundência, sobre os coletivos diversos com maior histórico de exclusão.
A recusa ao racismo é um dos elementos que contribui para a sua naturalização. Resulta em uma reação perversa que atinge o cotidiano do nosso país: as desigualdades raciais, misturadas com a perseverança do mito da democracia racial, vão se naturalizando e sedimentando de tal forma, que são capazes de produzir inércia e indiferença raciais. O racismo e as desigualdades raciais são capazes de provocar a indignação nas pessoas, mesmo quando são percebidos ou reconhecidos, mas não promovem uma mudança radical de postura. Em contextos reacionários e conservadores, como o que vivemos desde as eleições de 2018, a imobilidade pode ser ainda maior.
Na educação, a naturalização do racismo e das desigualdades raciais contribuem para negar ou omitir o fato de que esses fenômenos perversos foram construídos nos processos sociais, históricos e políticos de dominação colonial, cuja colonialidade perdura até hoje. Esse jogo complexo, que se dá imerso em complexas relações de poder, não contribui em nada na construção de uma pedagogia da diversidade e acaba reforçando os seculares preconceitos contra as pessoas negras. Não faz a educação avançar em uma perspectiva emancipatória, antirracista e descolonizadora.
Sendo assim, torna-se comum, no Brasil, especialmente na educação escolar básica, julgar e tratar uma situação de discriminação racial como questão de ordem socioeconômica, emocional, dificuldade de aprendizagem, intolerância ou como resultado de uma família “desestruturada”. É comum, ainda, no Ensino Superior o pensamento de que estudantes negros e cotistas tenham desempenho acadêmico baixo e rebaixem o nível da propalada excelência acadêmica.
Por isso, as professoras e os professores que desejem sair do lugar do imobilismo frente à questão racial, desnaturalizando as desigualdades raciais, descolonizando as mentes, o conhecimento e os currículos, e construir-se como sujeitos que se indignam perante as práticas discriminatórias devem mover-se para sair da inércia racial. Deverão, portanto, partir para a ação concreta, construindo práticas pedagógicas, acadêmicas e epistemológicas emancipatórias e antirracistas. Trata-se de uma postura pessoal, profissional, política e epistemológica, que recusa toda e qualquer forma de racismo e discriminação, e que produz mudanças efetivas na vida dos sujeitos com o rompimento das hierarquias raciais.
A indignação, seguida de ações efetivas, poderá nos orientar à explicitação de que as práticas racistas e discriminatórias na sociedade, na Educação Básica e no Ensino Superior são insuportáveis, inadmissíveis e revoltantes.
A aplicação da criminalização do racismo aprovada constitucionalmente e a realização de mudanças na gestão escolar e acadêmica, nos currículos, na pesquisa, na extensão, na internacionalização e na relação com a comunidade precisam ser resolvidas mediante a pressão sobre o Estado para a implementação e a continuidade de ações afirmativas já garantidas por lei. Além disso, a construção de novas políticas e práticas antirracistas terá ainda que manter diálogo e parceria com o Movimento Negro na construção de novos caminhos.
A realidade de desigualdade e da violência racial evidenciada pelas estatísticas estão presentes em nossas práticas mais cotidianas; e a inércia racial também está. Nesse âmbito, muitos de nós, professoras e professores, pesquisadoras e pesquisadores, lemos e discutimos essas mesmas estatísticas sobre a situação do negro em nossa sociedade. Também nos sentimos ultrajados diante desse histórico de exclusão e de racismo, principalmente no momento de democracia em risco que vivemos, mas, continuamos imóveis e cômodos em nossa casa ou apartamento, vivendo em condomínios fechados, comprando casas de campo ou de praia confortáveis construídas em contato direto com o meio ambiente. E assim continuamos, imóveis nas escolas, universidades públicas e particulares, atrás de computadores, smartfones ou tabletes e, nos tempos de isolamento social, devido à pandemia da Covid-19, escrevemos belas crônicas, lemos o jornal e pagamos o salário da trabalhadora doméstica negra, que coloca o lixo para ser recolhido todos os dias pelos lixeiros — todos negros —, os quais, em sua maioria, moram na periferia, não concluíram o ensino fundamental e lutam para terminar de construir sua casa.
Em nosso dia a dia estamos tão acostumados com a cena violenta de pessoas negras nos lugares subalternizados, que não compreendemos essa situação como resultante do processo de perpetuação do racismo nem como reprodução das desigualdades racial e social. Mesmo que as demandas históricas do Movimento Negro sejam, hoje, comprovadas pelas pesquisas oficiais e acadêmicas, ainda existem docentes na Educação Básica e no Ensino Superior que insistem em afirmar que tal situação é exclusivamente um produto da exploração capitalista. Sequer tocam no fato de que a configuração das classes, no Brasil, tem também como base a exploração racial. Não pontuam que a formação da classe trabalhadora em nosso país, assim como o processo de exclusão social, implantado pelo capitalismo, estão intimamente ligados à escravidão, e nem analisam que a economia brasileira e o enriquecimento das elites se construíram sob a exploração do trabalho escravo. Nem mesmo falam sobre a resistência negra durante e após a escravidão. Não reconhecem o protagonismo do Movimento Negro, de Mulheres Negras, Quilombolas e da Juventude Negra. E menos ainda, reconhecem que se o Brasil avançou nos últimos anos, rumo ao antirracismo, isso se deve, primeiramente, às lutas sociais travadas pela população negra, quer seja como Movimento Negro ou de negras e negros em movimento. Em segundo lugar, deve-se aos governos democráticos que, no período de 2003 a 2016, cumpriram com o seu compromisso de implementação de ações afirmativas, firmado com o Movimento Negro e seguindo as orientações internacionais, tais como o Plano de Ação de Durban.
Se é de consenso que a inércia racial e social não é aceitável para qualquer cidadã e cidadão brasileira(o) que acredita na construção de uma sociedade democrática e com justiça social, mais evidente é para nós, educadoras e educadores da Educação Básica e do Ensino Superior, profissionais responsáveis pelo processo de socialização do conhecimento, de formação e humanização.
Precisamos superar a postura de “indignados, porém, imóveis” frente ao racismo na sociedade, na Educação Básica e no Ensino Superior. Se acreditamos, escrevemos e apregoamos que a educação é um direito de todas e todos; se falamos em alto e bom som que nos colocamos contra o neoliberalismo, contra o capitalismo, o patriarcado, a LGBTQIA+fobia, contra a privatização, contra a injustiça social, também teremos que nos colocar publicamente contra o racismo. E, com isso, partir para ações antirracistas, de fato, saindo da inércia.
Descolonizar as práticas pedagógicas e acadêmicas
Inserir o tratamento da questão racial como uma tarefa da educação escolar básica e superior pode ir mais além. Significa, também, assumir que estamos em um país racista e que precisamos nos posicionar contra essa realidade. Mas só isso não basta! É preciso entender o racismo ambíguo que aqui se desenvolve, e se afirma por meio da sua própria negação. Essa armadilha do racismo brasileiro possibilita a sua diluição nas questões sociais e econômicas. É muito comum encontrarmos entre nós afirmações do tipo: “o negro no Brasil é discriminado porque é pobre” ou “a questão do negro é social e não racial”.
Para a esquerda ocidentalizada, primeiro vem a economia e segundo o racismo, como epifenômeno da primeira. Ao contrário, na perspectiva decolonial o racismo é um princípio organizador, o que não significa que seja um fator determinante em última instância, que substituiria a determinação da classe pela racial. Na perspectiva decolonial, o racismo organiza as relações de dominação da modernidade, mantendo a existência de cada hierarquia de dominação sem reduzir uma às outras, porém, ao mesmo tempo sem poder entender uma sem as outas. O princípio de complexidade é o seguinte: não se pode reduzir como epifenômeno hierarquia de dominação à outra que determine em ‘última instância’, porém tampouco pode entender uma hierarquia de dominação sem as outras. Esse princípio de complexidade é o que Anibal Pinho (1976) chamou de ‘heterogeneidade histórico estrutural’, Kyriakos Kontopoulos (1993) chamou de ‘heteraquia’ e as feministas negras chamam de ‘interseccionalidade’ (GROSFOQUEL, 2019, p. 59-60).
Juntamente com essa compreensão mais ampla e complexa do que é o racismo e os seus efeitos, precisaremos entender também o mito da democracia racial, a ideologia do branqueamento, a diferença entre manifestações de preconceito e de práticas discriminatórias. Devemos entendê-los não só como temas das nossas aulas na escola básica ou das pesquisas na graduação e pós-graduação, mas como práticas sociais que se expressam na sociedade, na escola, na universidade, no currículo, no material didático e nas relações estabelecidas entre os sujeitos da educação.
Assim, poderemos avançar no entendimento do racismo, impregnado em nossa formação social, econômica, cultural, histórica e política, e veremos que de cordial ele não tem nada.
Não é nada cordial constatar que 90% da população de rua dos grandes centros urbanos é negra (preta e parda) ou entrar na sala da Educação Básica e ver que as crianças e os adolescentes chamados de “multirrepetentes” são, na sua maioria, negras (pretas e pardas). Também não é nada cordial para uma criança negra praticante do candomblé ou da umbanda ser discriminada pela professora em sala de aula e ver a sua religião e de sua família ser considerada como demoníaca. Não é nada cordial o estilo de cabelo black power ou rastafari, de adolescentes e jovens negros, ser motivo de chacota pelos colegas de escola diante de um corpo docente inerte à discriminação racial.
Também não é cordial que a juventude negra cotista de universidades públicas ouça de professoras e professores renomados e Phd’s nas suas áreas que, após a implementação das ações afirmativas no Ensino Superior as instituições passaram a contar, nas suas turmas, com estudantes “sem mérito” acadêmico. E não é nada cordial, após a divulgação da cena bárbara de violência racial praticada por seguranças privados de uma importante rede internacional de supermercados, nas redes sociais e na mídia hegemônica, ouvir o Vice-Presidente da República, em cadeia nacional, dizer aos repórteres que não há racismo no Brasil.
Não é nada cordial um músico negro, no Rio de Janeiro, indo com a sua família para um chá de bebê, no dia de domingo, ser assassinado por forças do exército com 80 tiros de fuzil ao ser “confundido” com um assaltante, e nenhuma punição exemplar acontecer com os responsáveis pelos disparos.
Como diz a música do conjunto Legião Urbana:[4]
Nas favelas, no Senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Source: Legião Urbana
Quando a escola básica e a universidade não explicitam a questão racial existente em nossa sociedade, com seus conflitos, complexidades, politização, tensões, negociações, positividades e dilemas, elas reforçam práticas racistas, discriminatórias e o preconceito e não fortalecem o sentimento de responsabilidade e solidariedade entre os sujeitos pertencentes aos diferentes grupos étnicos e raciais. E mais: negam às pessoas negras o direito de serem quem são. E mais: o direito de viverem a vida com dignidade.
Há professoras e professores não negros que escamoteiam o seu preconceito, adotando diferentes estratégias para negar o racismo e não se posicionar diante de práticas discriminatórias na escola e na universidade. Existem, também, professoras e professores negros que, para evitar o confronto diante de situações de discriminação racial, mostram-se temerosos, escolhem não se expor, diluindo os conflitos raciais, fingindo não os enxergar, fugindo do debate quando são chamados para falar do seu lugar como professor (a) ou pesquisador (a) negro (a). E, há docentes negros e não negros que indagam, questionam, partem para a ação, realizam projetos pedagógicos, pesquisa, extensão, internacionalização e reconhecem o protagonismo do Movimento Negro, atuando em uma perspectiva antirracista e emancipatória.
Tratar a questão racial e realizar o combate ao racismo na sociedade, na escola básica e na universidade não é uma tarefa fácil. Mexe com as nossas subjetividades, valores, histórias de vida, crenças, posicionamentos políticos e epistemológicos. Insta-nos a sermos corajosas e corajosos diante das relações e hierarquias de poder. Também fazem brotar sentimentos de justa ira, nos dizeres de Paulo Freire.
Trata-se de um processo no qual estão em jogo a formação das identidades raciais, desde a infância, construídas no contexto do racismo. Mexemos com os processos complexos de formação das identidades sociais, raciais, com as hierarquias de poder, com o racismo estrutural e epistêmico e as desigualdades raciais e econômicas. Tudo isso indaga a nossa identidade profissional como docentes e pesquisadores (as): Como capacitar-nos para uma tarefa pedagógica, política e acadêmica tão complexa?
Mas, as mudanças estão em curso. À exemplo, tem-se as cotas raciais, garantidas como direito nas Instituições Públicas de Ensino Superior, elas têm possibilitado a formação intelectual e política de uma parcela de jovens negras e negros que chega ao Ensino Superior, principalmente o público, comprometida com a luta antirracista. Alguns jovens negros que entram na universidade pelas cotas raciais passam a vivenciar um processo de afirmação da sua identidade negra por meio do contato com outros colegas cotistas, construção de coletivos de estudantes negros, apoio de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, aprendizado de participar da política estudantil com recorte racial, enfrentamento do racismo epistêmico e mediante o apoio e solidariedade de colegas negros e não negros antirracistas.
Uma nova geração de negras e negros vem se formando. Uma geração que interage intensamente com as redes sociais e o mundo on-line e que sabe aproveitar as vantagens das novas tecnologias e das mídias alternativas, não somente para se divertir, mas, também, para fazer política e realizar formação política. Blogs, Instagram, Facebook, Twitter, Youtube e as mais diversas plataformas virtuais são hoje instrumentos de luta política e acadêmica da juventude negra. Essas estratégias também são realizadas por uma parcela da juventude negra na Educação Básica, que reeduca e enfrenta, muitas vezes de forma tensa, as suas famílias, as igrejas, a mídia e os docentes. São mais do que formadores e formadoras de opinião: são novos militantes negras e negros formados nos tempos das ações afirmativas. E, assim, têm reconfigurado o próprio Movimento Negro e o ajudado a repensar estratégias de resistências e de formação em tempos antidemocráticos.
Esses processos formadores e políticos, principalmente os vivenciados pela juventude negra com consciência racial, poderão ajudar a sociedade brasileira na luta contra o racismo. A expectativa e esperança é que esses sujeitos e as mudanças por eles/elas produzidas contribuam na construção e na formação de outras crianças, adolescentes e jovens negros mais orgulhosos da sua raça e das suas diferenças. E possibilitem às crianças, adolescentes e jovens não negros a oportunidade de vivenciarem uma educação democrática e voltada para as relações raciais que se contraponha ao racismo. Para que nenhuma criança negra tenha que ouvir xingamentos racistas sobre sua cor, corporeidade, sinais diacráticos ou então, tenha que viver a cena que vivi na minha infância, de ter o cabelo crespo chamado de bombril. E, caso isso aconteça, que possa reagir com segurança e veemência e tenha professoras e professores competentes e com formação adequada para que saibam intervir positivamente reeducando não somente ao estudante que cometeu o ato racista, mas toda a sala de aula.
O crescimento do debate racial e a maior presença de negras e negros, por direito, na graduação e na pós graduação, o crescente número de egressos das cotas raciais que já estão na disputa por um lugar no mercado de trabalho, o crescimento do número de intelectuais negros e negras e a paulatina presença de negras e negros nos pleitos eleitorais com vitórias significativas nas eleições municipais de 2020, entre outros fatores, têm proporcionado uma situação interessante: tem indagado a branquitude.
A pergunta é: diante de tantas mudanças, mesmo em tempos de aumento das desigualdades, da pobreza e da opressão que passamos a viver após a ascensão da extrema direita nas eleições de 2018 e a sua escancarada opção pelo neoliberalismo e pelo fundamentalismo religioso de mercado, que mudanças teremos na construção da identidade racial das pessoas brancas em nosso país? Teremos mais brancos antirracistas?
Relembro as sábias análises de Fanon (1983, p. 11): “O branco é escravo da sua brancura”. Será que as pessoas brancas, no Brasil, que têm se autointitulado antirracistas estão dispostas a deixar de ser escravas da sua brancura?
O combate ao racismo na sociedade e, em especial na Educação Básica e no Ensino Superior não depende apenas de um processo de transformação ou afirmação identitária das pessoas negras. Ele passa, também, pela reconstrução da identidade racial do branco. Conforme Bento (2003), o reconhecimento do privilégio simbólico da brancura, o comprometimento com a superação das desigualdades raciais, a luta por uma sociedade mais justa para todas e todos, com destaque para a compreensão de como o racismo ainda tem colocado a maioria de negras e negros nos escalões mais baixos da sociedade são pontos importantes no repensar a branquitude[5]. Uma postura política e pessoal antirracista é o mínimo que se exige de uma pessoa branca que revê o seu lugar na hierarquia de poder e no imaginário social.
Em suma, descolonizar as mentes, a educação, o conhecimento e os currículos não é olhar somente para nós, negras e negros, mas focar também nas pessoas brancas e a reprodução histórica do confortável lugar da branquitude. É ver essas pessoas sair da inércia racial e abdicar do seu lugar de colonizador. Será que estão realmente dispostas?
Conclusão
O trato das semelhanças e diferenças com dignidade deveria ser o eixo orientador de todos os currículos, da formação, das práticas e da competência pedagógica e acadêmica de todas e todos que se dedicam à educação e à pesquisa no Brasil. Reconhecer e respeitar o outro é mais do que um discurso moral: é um desafio e um dever político e ético de todas e todos que lutam por democracia e justiça social.
O combate[6] e a superação do racismo na sociedade e na educação é tarefa para todos nós, negros e não negros. Se concordamos que a escola é um direito social, temos que avaliar seriamente se ela de fato tem se realizado dessa forma para negros e brancos. Lamentavelmente, não é o que os dados da pesquisa do IBGE, do IPEA e dos Atlas da Violência mostram. Ainda falta muito para revertermos esse quadro, embora se reconheça que muitas educadoras e educadores, pesquisadoras e pesquisadores, ainda na maioria negra, já estão desenvolvendo trabalhos pedagógicos, pesquisas e projetos significativos com a questão racial (SANTANA, 2001; GOMES, 2001; GOMES, 2012). É preciso apoiá-los, dar visibilidade a essas práticas que contribuem para a mudança de mentalidade da escola, retirando-as do anonimato e da marginalidade.
Importante citar o intenso trabalho da Associação Brasileira de Pesquisadoras e Pesquisadores Negros (ABPN)[7] e dos vários Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e grupos correlatos existentes nas universidades públicas e privadas, nos Institutos Federais de Educação e CEFETs. Todos desenvolvem ações, projetos e pesquisas antirracistas com a Educação Básica.
Já é passada a hora de se corrigir as desigualdades históricas, sociais, econômicas, pedagógicas e acadêmicas que incidem sobre o povo negro. Por isso, a implementação de políticas públicas de igualdade racial deverá sempre fazer parte da luta por democracia.
Se não for combatido e superado, junto com a nossa luta anticolonial, anticapitalista, antineoliberal, antifascista, antipatriarcal e antiLGBTQIA+fóbica, o racismo continuará estruturando a nossa vida social, alimentando as relações de poder e produzindo ainda mais desigualdades raciais e educacionais. Por fim, continuaremos vivendo a contradição de lutar pela democracia e permitir a existência desse fenômeno perverso incrustrado em nós e nas estruturas sociais e na educação, inviabilizando a efetivação radical da própria democracia e colonizando as nossas mentes e ações.
Referências
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Notas
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