Editorial

Editorial

Léo Peruzzo
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brazil
Jelson Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brazil
Antonio Valverde
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil

Editorial

Revista de Filosofía Aurora, vol. 33, no. 59, pp. 346-348, 2021

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Editorial



“Eu quero ver Angola, Congo, Benguela Monjolo, Cabinda, Mina Quiloa, Rebolo Aqui onde estão os homens...”

Source: (Jorge BEN, “Zumbi”)[1]



“Faz força com o pé na África...”

Source: (Caetano VELOSO, “Two Naira Fifty Kobo”)[2]

O presente número da Aurora traz o dossiê acerca do pensamento africano, organizado por Sérgio L. Nascimento (PUCPR) e Renato Noguera (UFRRJ). Circunscrito à esfera da decolonização ou descolonização, termos expressivos da viravolta de um problema filosófico antigo e emergente, necessário e justíssimo, da atualidade, o dossiê Filosofia Africana e Pensamento Decolonial é resultado de um trabalho de cooperação de pesquisadoras e pesquisadores que têm procurado mostrar uma filosofia pluriversal, isto é, a partir de uma perspectiva não hegemônica. Configura-se, assim, como um processo de subtrair a caracterização colonial super imposta pelo invasor europeu sob a perspectiva de aquisição gradual ou não de independência.

A explicitar e interrogar pela recepção acrítica da Filosofia desde o Brasil Colônia, o presente número, de par com a necessidade de se considerar os saberes de outras matrizes de pensamento, no caso, o da Africana, mostra que o desafio é a descolonização do pensamento e a reconstrução de outras formas de poder e conhecimento. A matriz africana compõe um dos pilares de embasamento da cultura brasileira, dentre outras coisas, por ter amaciado e adocicado a Língua Portuguesa através da fala das mulheres negras, amas de leite de sinhozinhos, como registrado por Gilberto Freyre, além da musicalidade, dança, mitologia, — com dezesseis vezes dezesseis enredos míticos, entrelaçados —, a sustentar a religião Candomblé, em que os orixás seguem vivos e atuantes. Mais a imensa vontade de viver e de vencer adversidades. — Agô!

O dossiê abre-se com o artigo “Enegrecer a Universidade para vivenciar o conhecimento”, de Luís Thiago Freire Dantas, autor da tese Filosofia desde África: perspectivas descoloniais, defendida em 2018, tese inaugural para a penetração do tema em pauta nas pesquisas filosóficas acadêmicas em âmbito nacional. O título do artigo relembra a constatação do sociólogo Francisco Weffort: “em um dia na Universidade de Columbia (EUA) vi mais negros que em trinta anos na USP”. Em seguida, adentram artigos que analisam temas relativos à literatura infantil e à desobediência epistêmica (SILVA); pensamento oxunista e a matripotência (NASCIMENTO); filosofia africana do encantamento (MACHADO); racismo e hegemonia do privilégio epistêmico (LOANGO); combate ao racismo e a descolonização da educação (GOMES); interdito do reconhecimento, em Frantz Fanon (FAUSTINO); estudos brasileiros de literaturas africanas (ALVES); vozes do nosso tempo em Munguambe e Joshua (BAHULE); abertura da jaula linguística, em Ngũgĩ wa Thiong' (REYNA); ontologia menfita vista de modo afrocêntrico (DUARTE) e quilombo, utopia e decolonialidade, em Beatriz Nascimento (FALLAS-VARGAS e SOLORZANO-DAMASCENO).

Por certo, o dossiê em tela é um dos primeiros publicados em revista científica para tema-problema tão relevante e auspicioso, o que poderá disparar a possibilidade de alguma produção autoral filosófica, made in Brazil. Assim, o trabalho empreendido por filósofos/as, sociólogos/as e críticos/as literários/as permite pensar o movimento hegemônico e, consequentemente, a divisão dos homens entre opressores e oprimidos. Por isso, a atitude que os acadêmicos pátrios da área de filosofia precisam reconhecer é que não se consegue produzir com originalidade quando se ignora aquilo que ocorreu em outros lugares, particularmente na África.

A sessão Fluxo Contínuo apresenta os artigos: “O que é, o que é: a morte? Notas e reflexões sobre o conceito de morte, em Heidegger”, de João Cardoso de Castro e Murilo Cardoso de Castro; “Deus está morto? Considerações sobre fundamentalismo, fechamento identitário e violência na contemporaneidade”, de Diogo Bogéa; “Realismo ingênuo e objetos da consciência alucinatórios são conciliáveis?”, de Daniel Borgoni; “A teoria do esforço de Maine de Biran como contraposição à impossibilidade da cientificidade da psicologia em Kant”, de André Renato Oliveira; “O murmúrio da existência: apontamentos sobre il y a, em Lévinas”, de Roberto Wu e “Giving Birth, transhumanism and human nature”, de Eduardo R. Cruz.

A última parte, finaliza com as entrevistas de Dimas A. Masolo, professor do Departamento de Filosofia da University of Louisville, realizada por Sergio Luis Nascimento e David Scarso, e Renaud Barbaras, intitulada “Uma cosmologia fenomenológica”, cedida a Reinaldo Furlan. O número encerra-se com a tradução do artigo “Ici la voix d’Algérie...”, de Frantz Fanon, de 1959, por Jeferson da Costa Vaz.

- À boa leitura! - Axé!

Editores

Prof. Dr. Léo Peruzzo – PUCPR

Prof. Dr. Jelson Oliveira – PUCPR

Prof. Dr. Antonio Valverde - PUCSP

Notas

[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a6mCEyrwI2Q. Acesso em: 15 ago. 2021.
[2] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gO4at5wgxwI. Acesso em: 15 ago. 2021.
HTML generated from XML JATS4R by