Entrevista

Entrevista com o Filósofo Timothy Morton

Thiago Pinho
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil

Entrevista com o Filósofo Timothy Morton

Revista de Filosofía Aurora, vol. 34, núm. 61, pp. 307-325, 2022

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Recepción: 08 Octubre 2021

Aprobación: 26 Diciembre 2021

Thiago Pinho: Hoje, tenho o prazer de receber aqui o filósofo Timothy Morton. Timothy Morton é professor na Rice University em Houston, EUA. Ele escreveu mais de quinze livros, tais como “Ecology without Nature” (2009), “Hyperobjects: Philosophy and Ecology after the End of the World” (2013) “Dark Ecology” (2018), “Being Ecological” (2019), e muitos outros importantes livros. Ele escreveu mais de 200 ensaios sobre filosofia, ecologia, literatura, música, arte, arquitetura, design e alimentação. Além disso, o trabalho de Morton foi traduzido em 10 línguas. Hoje vamos discutir muitas coisas, especialmente a interessante relação entre Filosofia e Ecologia. Professor Morton, muito obrigado por aceitar meu convite.

Timothy Morton: É uma honra e um prazer. Obrigado por ter me convidado.

Thiago Pinho: A minha primeira pergunta é: Eu sei que os rótulos não são confiáveis, pois normalmente simplificam bastante a outra pessoa e as suas ideias. Sei também que você é um pensador transdisciplinar, indo além das fronteiras da própria filosofia, o que dificulta qualquer tentativa de colocar você em alguma caixa epistêmica. De qualquer forma, preciso fazer essa pergunta mais básica: como você se define no universo filosófico? Posso te chamar de um ontologista orientado ao objeto (OOO)?

Timothy Morton: Pode me chamar disso. Também pode me chamar de filósofo, embora eu nunca tenha me chamado assim. Acho que seria um pouco arrogante da minha parte usar esse rótulo. Também é interessante para mim, na medida que envelheço, o quanto a palavra filosofia é composta por duas emoções. Se você tivesse que escolher entre se é uma emoção ou uma ideia, você teria que dizer que a sabedoria (sophia), é mais uma emoção do que uma ideia, e, obviamente, o amor é uma emoção. Penso que, no geral, de uma forma muito interessante e fenomenológica, os sentimentos vêm do futuro, enquanto as ideias vêm do passado, e, por esse motivo, você pode me perguntar: o que isso significa? Pense por um momento... quando você vai à terapia, é porque você está tendo um sentimento, e você ainda não sabe o que é, como descrevê-lo, nem sabe como lidar com isso. Um sentimento é uma ideia que ainda não foi articulada, enquanto que uma ideia é mais como o recibo que sai da caixa registradora do processo de pensamento. Sempre pensei que as emoções são mais importantes do que as ideias. É como um tipo de movimento, certo? O amor é um tipo de movimento. Emoções, em geral, são movimentos. Também está na própria palavra “emoção” (Ação). É como dirigir seu carro na rua da sabedoria... não sei qual pode ser a metáfora perfeita aqui, mas, de qualquer forma, você não precisa se envolver com os postes de luz, sendo que eles são as ideias. Você não quer se concentrar muito neles; caso contrário, você vai se envolver com os postes de luz. De qualquer forma, você pode me encaixar como um pensador na loja de discos, você também pode me colocar na seção da OOO (Ontologia Orientada ao Objeto). Se houver uma seção de desconstrução, você pode me colocar lá também.

Thiago Pinho: Nos últimos tempos é possível perceber uma nova retomada do realismo com implicações interessantes, seja no campo filosófico ou na teoria social. Muitas pessoas compartilham dessa atitude, como podemos ver na própria OOO. A proposta é ir além dos limites sufocantes da linhagem transcendental kantiana, não tendo medo de mergulhar na própria realidade e seus contornos mais sutis. Isso significa que não estamos presos no domínio humano e suas representações, o que abre espaço agora para todo um universo de agentes, ou actantes, no sentido latouriano, como coisas, animais, etc. Qual é a importância do realismo e da OOO na sua escrita?

Timothy Morton: A diferença entre a OOO e outras novas formas de realismo é que eu realmente concordo que estamos indo além de Kant. Ainda assim, ao mesmo tempo, não estamos indo além dele, pois não queremos explodir a barreira transcendental que ele ergue entre as coisas e os dados. O que nós fazemos é uma remoção do antropocentrismo. Não há nenhuma justificativa para que os não-humanos também não possam ter esta estranha diversão que os humanos têm de serem radicalmente excluídos do real e apenas capazes de acessar dados. Os dados são muitos tipos de coisas, certo? Há dados científicos, que normalmente vêm na forma de medidas como velocidade, rotação, frequência, mas há outros tipos de dados, como, por exemplo, “isso tem um bom sabor”, ou “isso me fazer lembrar a minha avó”, ou “é engraçado quando o lambemos”. Como “lamber” é algo que os caramujos são capazes de fazer, e como “lamber” é tão válido ou inválido quanto medir algo ou pensar em algo, essa é a razão pela qual eu acho que os caramujos provavelmente também podem ter esse tipo de diversão kantiana, e perceber, de uma maneira que é própria do universo dos caramujos, que existe uma espécie de rachadura transcendental no universo, ou seja, existe uma rachadura que você não pode apontar.

Thiago Pinho: Como uma extensão da pergunta anterior, normalmente encontramos muitos conceitos interessantes na OOO, como undermining (subminação), overmining(supraminação), allure (encanto), onticologia, democracia dos objectos e, no seu caso, a noção de hiperobjeto. Eu sei que ele tem muitas características, cinco, se bem me lembro, mas como posso definir? E para aprofundar um pouco mais essa pergunta: posso entender a covid-19 como um hiperobjeto? Se sim, o que isso significa?

Timothy Morton: Certo. Na verdade, eu ia dizer, de certa forma, que a palavra “hiperobjeto” exemplifica essa coisa sobre ideias e sentimentos. Afinal, não precisamos da palavra porque todos nós temos um sentimento chamado “coronavírus”. No início da pandemia, duas pessoas no estado de Washington nos Estados Unidos pegaram Covid, e acho que morreram. E quando isso aconteceu, lembrei da minha mãe, que costumava ser assistente social, dizendo que se você vê dois ou mais casos de abuso em uma família que você está visitando, então provavelmente está em todo lugar. Então, quando essas duas pessoas morreram no Estado de Washington, eu pensei que esse vírus estava em todas as superfícies dos Estados Unidos, o que acabou sendo verdade. Era muito mais difundido do que as pessoas acreditavam. Infelizmente, descobrimos isso um pouco tarde demais. Covid é uma coisa que está em todo lugar e em nenhum lugar, então é uma espécie de hiperobjeto. Não se pode tocá-lo diretamente ou vê-lo diretamente, mas pode-se pensar sobre isso. Também está dentro e fora de você, tal como você faz parte dela. Parece que ele estrutura o seu mundo, até certo ponto. O hiperobjeto é algo relativo. Se você fosse um elétron, e se os elétrons fossem capazes de pensar e falar, você seria capaz de falar sobre esse iPhone em que você está dentro agora. Seria um hiperobjeto para você. É por isso que hiperobjeto é um termo relativo. Certamente, o Covid-19 e o crescimento de casos de coronavírus, e assim por diante, seria um bom exemplo de um hiperobjeto.

Outro detalhe sobre os hiperobjetos é que eles acontecem com coisas diferentes em escalas diferentes. Então, em uma escala individual, eu estou aterrorizado, já que tenho um problema pulmonar e posso facilmente morrer se eu tiver Covid. Numa escala planetária, é como naquele filme chamado Avatar, onde os humanos de repente têm uma consciência política planetária. Seguindo a mesma estrutura, surge o Black Lives Matter que também acontece em escala planetária, sendo uma consciência política planetária. Como o movimento Me Too, eles são movimentos incrivelmente importantes para a política ecológica. De uma forma curiosa, é algo incrível quando se pensa sobre isso em grande escala. Na verdade, mesmo numa escala intermédia é algo interessante porque é como se estivéssemos fenomenologicamente próximos das pessoas novamente. O distanciamento social nos aproxima porque é uma espécie de intimidade. Em outras palavras, você tem que seguir as medidas sanitárias, já que precisa ficar a um metro de distância das outras pessoas. Como consequência, você não quer ir ao supermercado ou à sua escola, e então você quer usar uma máscara e assim por diante. Mas fenomenologicamente falando, isso o aproxima porque você e a outra pessoa estão sinalizando um para o outro que não querem sofrer e morrer. Quando você coloca sua máscara, algumas pessoas acabam interpretando isso como uma restrição ao seu discurso, mas o que você realmente está fazendo é enviar uma mensagem muito forte: “Eu tenho piedade de você”, que é um tipo diferente de intimidade. Por isso, acho que o lockdown é um tipo de opening up (abertura). Eles são equivalentes e fazem parte do mesmo padrão. E essa é outra coisa que os hiperobjetos fazem; eles mudam radicalmente e desafiam sua consciência diária e suas suposições sobre as coisas.

Thiago Pinho: Quando li o seu livro, reparei imediatamente no seu estilo de escrita. Ele é muito claro e flui muito bem. Na verdade, percebemos essa característica na OOO em geral, ou seja, essa forma diferente de lidar com a linguagem. Além disso, essa dimensão estética não é algo aleatório para vocês, muito menos um simples floreio linguístico, mas algo que desempenha um papel ontológico fundamental, sendo até mesmo a base de tudo o que vocês fazem e pensam. Você pode falar sobre isso, por favor?

Timothy Morton: Perfeito, com certeza. Estou honrado. É interessante que tenha dito isso. No outro dia, o meu filho estava na escola secundária, conversando com um menino no refeitório. Em certo momento, o menino disse: “Uau, o teu pai é o Timothy Morton?”. Quando o meu filho me disse isso, pensei comigo mesmo: “Isso é incrível... um menino de 12 anos interessado no meu trabalho”. Claro que existem pessoas de 15 ou 18 anos que me escrevem e se identificam com muitas coisas, mas um rapaz de 12 anos? Isso é muito importante para mim, isto é, poder dizer coisas profundas e complexas a qualquer um. Isso é, de certa forma, como brincar com o tempo. É como ser um comediante. Os comediantes são muito espertos no uso do tempo. Você pode dizer qualquer coisa a qualquer um, desde que encaixe no tempo certo. De certa forma, fazer ou receber uma piada não é apenas como ter uma ideia; é um sentimento de ter uma ideia. A forma como a coisa que você inconscientemente não sabe se liga à coisa que sabe é uma espécie de libertação de energia sob a forma de riso ou uma espécie de “uau”. E como você disse, é uma espécie de momento estético. Há algo de interessante nisso... não é uma algo superficial. Todos nós (da OOO) pensamos que a dimensão estética é onde está a causalidade. Isso parece estranho, mas na verdade é algo básico que você encontra em David Hume, e é por isso que é a base da ciência moderna. Um fato é sempre uma interpretação dos dados e, de forma curiosa, o mesmo acontece com um fato científico. Quando eu disse isso a milhares de engenheiros em Singapura, eles tentaram me matar durante três dias porque pensaram que eu os insultei.

Mas, na verdade, eu disse algo muito importante. Desde 1750 na filosofia branca europeia, sempre foi impossível olhar para debaixo do capô dos dados e ver a realidade por baixo, como se a realidade por baixo fossem engrenagens escondidas por trás das aparências. Na verdade, está à sua frente, por assim dizer. Diz respeito a uma observação de padrões nos dados, uma vez que os padrões são coisas estéticas. Portanto, tudo é muito estético, de certa forma. As coisas não se tocam umas às outras ontologicamente. Elas apenas se influenciam esteticamente umas às outras. O interessante nisto é que, de um jeito empírico, as coisas não se tocam umas às outras. A teoria quântica nos diz que o toque é realmente apenas a sensação de resistência eletromagnética. Então, quando se toca em algo, é como se não estivesse tocando. É como se tivesses dois ímanes de polos iguais repelindo um ao outro. Eles são incapazes, realmente, de se tocarem. Se você fosse capaz de tocar, isso significaria que as partículas do seu dedo se tornariam as mesmas que as partículas da coisa que está tocando, sendo que você tampouco estaria tocando alguma coisa. O interessante sobre a ontologia é que ela fornece boas razões pelas quais as coisas são como são. O estudo desse espaço ontológico é o estudo de como as coisas existem ao invés do que existe. Talvez temos que dizer: “Eu não sei... talvez exista uma coisa no universo, talvez existam trilhões”. Mas, em todo o caso, como é que elas existem se elas, de fato, existem? O que significa “existir”? Esse é o tipo de coisa que a ciência realmente não te explica, assim como as religiões da ciência, e as religiões das religiões, que tentam te dizer o que é real. A pergunta-chave é, nesse caso, “como é que as coisas existem?” Se existe um Deus, ou algo do género, ou não existe, como é que ele existe ou não existe?

Thiago Pinho: Expandindo um pouco mais sobre o tema do estilo e a dimensão estética da sua escrita, normalmente você usa o pronome “eles”, em vez de “ela”, ou “ele”, para escrever os seus ensaios. Poderia explicar um pouco, por favor?

Timothy Morton: Como uma pessoa não binária, e alguém que tem cuidado em rotular as pessoas, hoje em dia costumo dizer “eles”, em vez de “ele” ou “ela”. E isso é apenas uma espécie de convenção fortemente politizada, bem como uma forma de educação.

Thiago Pinho: Isso é interessante. Eu percebo o quanto você é cuidadoso com a linguagem que está usando, ou seja, a linguagem como um todo e não apenas com os elementos metafísicos por trás dela. Como eu disse no início dessa entrevista, você é uma pessoa transdisciplinar, geralmente indo além da própria filosofia. Baseado nisso, tenho duas perguntas rápidas. A primeira: qual é a importância dessa abordagem para você? E a segunda: quais áreas do conhecimento você considera relevantes para compreender o que está acontecendo ultimamente no mundo?

Timothy Morton: É interessante porque não penso em mim como um filósofo que vai além da filosofia. Eu penso em mim como sendo super interessado em algumas coisas e em falar sobre elas. Algumas pessoas dizem: “Ei, olha aqueles caras da filosofia falando sobre aquele assunto”. Então, é muito interessante para mim. Não estou indo além de nada. Só estou super curioso sobre as coisas. A minha área de especialização, o meu doutoramento, é, na verdade, literatura inglesa. Tenho muita familiaridade com a história da literatura e como ler poemas. O estudo da arte e das humanidades é a verdadeira matriz. Na Idade Média, eles acertaram... você aprende a criar significado, e isso é chamado de gramática. Você aprende a criar um significado coerente e correto, o que eles chamam de lógica. Você aprende a estabelecer o significado correto para se comunicar consigo mesmo e com os outros... e isso é chamado de retórica. Esse fundamento foi chamado de “trivium”, como na palavra “trivial”. Naqueles dias, tudo isso significava o básico, a matriz, a base sobre a qual tudo seria amparado. Depois disso, você pode fazer fatos científicos, mas antes de qualquer coisa, você precisa saber o que é um fato sem referência à ciência. Em suma, esse é o tipo de universo de onde eu vim. Venho de uma ampla perspectiva humanista com um enorme interesse pela ciência. É por esse motivo que eu leio o máximo de coisas científicas que posso. Eu também venho de uma espécie de treinamento em teoria marxista, teoria feminista, e, como eu disse antes, eu também venho de uma linhagem de desconstrução. Todas essas três coisas juntas formam o que eu faço. Nos últimos dez anos, desde que comecei a seguir a OOO, comecei a levar muito a sério algo que Fredric Jameson disse na Duke University (EUA), assim como Slavoj Žižek. Ou seja, o que temos que fazer agora é chamado de mapeamento cognitivo. Esqueça por um minuto a dimensão política. Vamos apenas descrever onde estamos na Terra. O que está realmente acontecendo? Então podemos descobrir uma resposta. Não manifesto muitos sinais óbvios de que sou esquerdista em livros como “Ecology without nature” ou “Hyberobjects”. Eu me abstive de fazer isso. De uma forma curiosa, também estou conseguindo inserir um certo tipo de emoção na minha escrita.

Portanto, para mim, o ponto já não é gerar ideias. Trata-se muito mais de explorar e modelar emoções. Eu também acho que essas emoções que eu exploro e modelo são sobre viver, em vez de sobreviver. Eu não estou mais interessado em chocar as pessoas. Acho que esse momento político de consciência ambiental acabou. O que está acontecendo nesse momento no planeta já é chocante demais para todos. Portanto, não precisamos de mais ninguém tentando nos impressionar ou nos chocar. O que as pessoas realmente precisam é nos encorajar a não nos matarmos e a não nos enroscarmos na posição fetal sem fazer nada, porque é assustador e chocante. É isso que me interessa nesse momento. Estou trabalhando com uma espécie de dinâmica psíquica multinível da situação em que estamos envolvidos, tentando encontrar alternativas de intervir de certa forma, especialmente no que eles chamam Geração Z, ou seja, pessoas como meu filho e minha filha, pessoas que herdaram de gerações passadas (e isso significa milhares de anos de gerações passadas), uma biosfera aterrorizante... assustadora. O que fazer e como não se sentir como se todos os dias você quisesse se matar? Eu conheço esse sentimento, de qualquer maneira, já que sofro de depressão. Estou tentando encorajar as pessoas e fazer com que elas não se sintam tão desprovidas de poder. A ideia é não agir como se você estivesse assistindo tudo pela televisão, embora eu entenda que é uma forma de se proteger do desastre... se dissociar de tudo.

Thiago Pinho: A fenomenologia é uma importante tradição continental, especialmente quando pensamos na OOO e como ela atualiza o debate filosófico. Ao contrário dos filósofos recentes, como Meillassoux e outros pensadores do Realismo Especulativo, você e Harman não retiram a fenomenologia do horizonte, mas reconhecem a sua importância, como me disse anteriormente no início dessa entrevista. Que papel a fenomenologia desempenha na sua escrita, em geral?

Timothy Morton: Obrigado por perguntar. Antes de ir para a universidade, quando eu tinha 17 anos, li a palavra fenomenologia pela primeira vez. Pensei comigo mesmo, embora não soubesse o que significava: “Uau, o que é isso? Eu preciso saber sobre isso. É incrível”. Tive uma reação muito semelhante quando ouvi a palavra “meditação” quando tinha 7 anos. Pensei: “Isso é o que eu preciso fazer com a minha vida”. Aos poucos fui descobrindo o que era. É literalmente... é apenas um gesto de levar o mundo contemporâneo mais a sério. É como aquela frase da teoria quântica, quando as pessoas aprendem a teoria. Eles dizem: “do the math”, e isso basicamente significa: “não se sabe exatamente o que está acontecendo. Basta olhar para os dados, quebre os números, e depois descubra como funcionam os padrões”, e é assim na fenomenologia. Não assuma que existe um sujeito e um objeto, um aqui e um ali, um para cima e um para baixo, um homem e uma mulher, um preto e um branco. Não assuma esses rótulos. Em vez de assumir a existência de fatos pré-fabricados, que são sempre interpretações dos dados, basta olhar para o fenômeno, olhar para os dados por um minuto. Basta ver o que está acontecendo lá. A forma como algo acontece diz muito sobre o que ele é. Isso é o que define a fenomenologia. O slogan básico dela é: o “como” substitui o “o quê”. A química é um tipo de fenomenologia que se aplica a elementos químicos. Pode-se descrever, por exemplo, o sal em termos de como ele é, já que se dissolve na água — esse é o “como” do sal. E isso nos diz algo sobre o que ele é, sendo, de certa forma, incrível. As ideias e os pensamentos também têm um “como” e um mecanismo de entrega, da mesma forma que um copo de vinho tem uma espécie de “como”. Seguramos de certa forma para beber o vinho, da mesma maneira que uma ideia tem um jeito próprio de ter a si própria. É por isso que o livro de Hegel é chamado de “fenomenologia do espírito”, já que é tudo sobre como o fato de ter uma ideia já faz parte da ideia. O meu exemplo favorito é o seguinte: o mal é uma atitude dirigida para algo que se chama mal.

Suponha que você pensa no mal como uma espécie de espaço objetivado para onde você pode pilotar um avião. Nesse caso, se você pensa que é algo que você pode sobrevoar um drone e lançar uma bomba para se livrar dele, essa atitude em si é o mal e isso é o que o mal é. Nesse tipo de pensamento, é possível ter um raciocínio interessante: as ideias sempre têm maneiras de possuírem. Também significa que elas não são apenas sintomas do cérebro. Husserl partiu dessa ideia, ou seja, questionando essa noção que normalmente é chamada de psicologismo. Segundo ela, as proposições lógicas são sintomas de um cérebro saudável, sendo ao mesmo tempo esse tipo de coisa que um cérebro saudável faz. Essa era uma crença muito popular no século XIX, mas o problema é o seguinte: “o que é um cérebro?” É algo que se pode descobrir usando a ciência. O que é a ciência? É a coisa que se pode validar usando a lógica. O que é a lógica? É um sintoma de um cérebro saudável. O que é um cérebro saudável? É a coisa que se pode entender usando a ciência. O que é a ciência? É o processo de pensamento baseado na lógica. O que é a lógica? É o sintoma de um cérebro saudável e blá, blá, blá, blá, blá. Depois entramos numa espécie de loop infinito. Então, as proposições lógicas são de domínio da mente. Como resultado, pode-se dizer que uma ideia é como um meme ou um tweet e nunca algo que está no vácuo. Deve ter algum tipo de “como” relacionado com ela. Na verdade, isso não é apenas uma adição opcional, mas uma parte crucial. Parece muito como quando às vezes você está lendo Graham Harman, e é muito legal quando ele diz: “Você não vê o vermelho. Você vê uma escova de dentes vermelha. Não se vê marrom, mas uma vaca marrom”. O “como” do vermelho está na forma da escova de dentes. Enxergamos o vermelho na escova de dentes e isso é incrível. Eu adoro essa ideia.

Thiago Pinho: A relação entre filosofia e ciência é complicada, sem dúvida. Por exemplo, quando pensamos na OOO, Harman muitas vezes não considera a ciência como algo realista. Ele pensa que ela é normalmente uma atitude subminadora (undermined attitude), ou seja, uma simplificação excessiva do reino dos objetos. Mas eu percebo que você está em constante diálogo com a ciência, usando metáforas e outros elementos da linguagem científica. Portanto, a minha pergunta é: qual é o papel da ciência no seu trabalho? E qual é a relação entre a ciência e a filosofia?

Timothy Morton: Não acho que Harman esteja sempre dizendo que a ciência está apenas subminando (undermining) as coisas e as transformando em elementos simplificados. Isso é muito mais um tipo de cientismo. A física pode dizer que Tim é feito de átomos, mas a física não diz que os átomos são mais reais que Tim. Isso é cientificismo, e, infelizmente, alguns cientistas ainda o abraçam. Mas também é um tipo de ciência religiosa, onde você pega a ideia de ciência e diz que é, na verdade, sobre o real, em vez de ser uma interpretação dos dados. Eu acho que é isso que Harman realmente quer dizer.

Estou em diálogo com a ciência porque toda a minha família é composta por cientistas do lado da minha mãe. No século XIX, eles eram pessoas da química. Todos ficaram um pouco irritados quando eu decidi fazer humanidades em Oxford, em vez de química em Cambridge. Mas eu sinto que estou levando a missão da família de uma maneira diferente, porque, como eu disse, existe uma fenomenologia de tudo que diz respeito ao “como”, e existe um “como” em ser um cientista. Sinto que é muito importante para o mundo nesse momento encorajar mais pessoas a se sentirem cientistas sem precisarem de dinheiro para pagar por seus diplomas. Na verdade, se nos sentirmos como cientistas, seria muito bom para a biosfera nesse momento. A ciência e a fenomenologia são muitas coisas, mas, em geral, graças a elas, eu consigo pensar comigo mesmo: “Eu posso estar errado. Talvez as ideias na minha cabeça não estejam corretas”. Claro que essa postura não é muito popular agora nesse mundo de QAnon (teoria da conspiração) e Fake News. As pessoas não pensam: “Eu posso estar provavelmente errado”, mas essa é uma atitude super saudável. Estou disposto a ficar surpreso e chocado com os dados.

Eu estou disposto a ficar enojado, assim como admirado. Meu exemplo disso são os biólogos que ouvi na rádio em Houston no ano passado. Eles disseram: “Eu estava emocionado com uma mãe leão marinho que demostrava amor no oceano e isso era tão bonito, mas também era tão nojento, porque ela estava alimentando os filhotes com pinguins mortos”. Aquela combinação engraçada de beleza e um pouco de repugnância é uma combinação química fantástica. Na verdade, é isso que na poesia se chama “ennui”[b]. É uma mistura de beleza e uma grande descoberta. É uma espécie de oscilação entre prazer e repugnância. Acho que é uma química fenomenológica muito especial porque não é só o sentimento da ciência, é também uma fenomenologia da simbiose. O que significa ser uma forma de vida? Imagine que você é um organismo mononuclear através do oceano, e também imagine que você pode de alguma forma falar, e de repente “BOOM” e então você diz: “ah... merda, eu acabei de engolir veneno?”. Nesse momento, 30 milhões de anos depois, os teus descendentes dirão: “Não, isso não era veneno. Era uma bactéria aeróbica que evoluiu para um animal e se transformou em uma mitocôndria....”. Contudo, naquele momento quando o organismo mononuclear absorve acidentalmente aquela coisa, e é isso que as células fazem, há um tipo de incerteza. Por exemplo, nos apaixonamos por alguém, e depois pensamos: “Será que essa vai ser a tóxica que vai me impedir de voltar a ter novas relações?”. Claro que você não pode saber isso com antecedência a menos que queira construir um muro, interrogar as pessoas e ter suposições sobre quem vai entrar e quem pode ser autorizado a entrar. É óbvio que estou falando do ex-presidente (Trump) e de suas ideias que fizeram parte de uma guerra fascista. Então, eu acho que isso é algo muito importante para o mundo... esse sentimento de incerteza, mas também é preciso estar pronto para o incerto e pronto para se relacionar com algo que você não tem certeza do que é, embora você esteja à vontade com tudo isso. Vamos falar sobre os geólogos... Todos eles dizem que estavam passando por esse processo quando começaram o doutorado. Imagine que eles estão segurando uma pedra em suas mãos e de repente eles percebem: “Caramba, isso tem bilhões de anos. Eu estou segurando bilhões de anos na minha mão. Eu tenho que ser responsável por isso agora, porque sou doutoranda em geologia” e todos eles entram em pânico. Eles ficam com uma sensação fantástica de vertigem. Eles pensam: “Preciso ser responsável agora por essa gigantesca escala de tempo”, e aprendem, já que são humanos flexíveis, que também podem se acomodar nessa incrível escala temporal. É maravilhoso e oferece algum tipo de esperança. Isso significa que os seres humanos podem realmente se acomodar no planeta e a outras formas de vida. Isso significa que não somos simplesmente Pac-men, como se fôssemos monstros negativos que flutuassem ao redor comendo o universo com nossos pensamentos. Na verdade, somos muito mais como camaleões que assumem coloração, metaforicamente falando, não importa em que superfície devemos estar. Temos uma grande flexibilidade que pode ser expandida para incluir mais coisas, uma vez que descobrimos como fazer isso. Se não conseguirmos, então algo não muito prazeroso vai acontecer. Mas, se pudermos, algo de agradável vai surgir. O objetivo de tudo isso é ter uma sociedade mais ecologicamente sintonizada para humanos e não-humanos.

Thiago Pinho: Eu sei que a OOO não está caminhando sozinha no solo filosófico. Podemos pensar em muitas ligações entre o seu fundo metafísico e outras tradições dentro e fora da filosofia. No que diz respeito à importância da Teoria do Ator-Rede (TAR) e do novo materialismo para a OOO, qual é a sua relação com essas contribuições?

Timothy Morton: Não muito, essa é a resposta. Para mim, a Teoria do Ator-Rede é como parafrasear algo e não a descrever o suficiente. Quando a leio, há muitas descrições de relações entre as coisas, mas posso imaginá-las e visualizá-las sem a ajuda da Teoria do Ator-Rede. É engraçado porque essa é a mesma reação que eu tenho quando leio Deleuze. Eu posso pensar em muitas coisas que Deleuze está descrevendo sem usar a linguagem dele. Eu não tenho que falar de coisas emergentes quando penso em uma chaleira fervendo. Consigo pensar em elétrons saltando para órbitas maiores. Eu não preciso parafrasear isso. Eu tenho uma preferência estética por outros tipos de linguagem, então acho que eles descrevem algo que não estamos realmente entendendo ou interpretando. No que diz respeito ao novo materialismo, não sou materialista nesse sentido. A tradição da OOO parece falar sobre coisas físicas, tudo sendo físico, de certa forma. Mas se pensarmos um pouco mais, não se trata realmente disso. Eu acho que, em geral, o novo materialismo nesse sentido é como... Eles acham que a matéria é mais real do que as coisas que são exemplos de matéria, como televisões ou chapéus ou você e eu. Na minha opinião, isso é uma forma de crença, é como um tipo de elemento religioso. Marx estava provavelmente certo ao dizer que isso é uma espécie de “materialismo metafísico”, sendo que ele não era esse tipo de materialista. Ele falava sobre as relações económicas entre as pessoas. É por isso que ele se dizia um materialista de uma maneira diferente. Eu acho ótimo que os estudiosos de humanidades queiram pensar sobre coisas que a física, a química e a biologia pensam, mas geralmente a maneira como fazemos isso tem muito a ver com a tradução para a nossa própria língua e não ser honesto o suficiente sobre o conteúdo desses outros campos. Eu acho que temos que ser um pouco mais humildes e falar a nós mesmos: “Eu preciso de lições de matemática e ciência. Eu tenho que ir ao departamento de matemática. Preciso me lembrar como fazer somas complicadas e aprender teoria quântica”.

Antes mesmo de entrar na OOO, eu li muitos livros de teoria quântica porque estava muito interessado na teoria quântica. Por isso, procurei por aulas que me ensinassem sobre isso. Eu também li muitos livros e ensaios de física, tentando compreender mais. Eu pensava: “Esse é o meu mundo. Não tem motivo para não tentarmos compreender ou, pelo menos, ter alguma noção do que a ciência nos diz”. Mas mais uma vez, isso é diferente de ser um novo materialista. Isso também é diferente de pensar nas coisas como definidas por suas relações, como na Teoria do Ator-Rede. E, em termos mais específicos, isso não é OOO. A Teoria Ator-Rede diz que as relações entre as coisas definem ontologicamente essas coisas, enquanto nós na OOO dizemos que, de fato, as coisas podem ser o que são sem estarem relacionadas a outras coisas. Isso é teoricamente correto de um ponto de vista quântico. Quando você isola um objeto nesse nível, e isso significa colocá-lo num vácuo próximo do zero absoluto, o que você observa é que ele vibra por si mesmo. Ele não precisa ser empurrado por nada. Ele tem o que eles chamam de “ground state”. A teoria quântica não é sobre tudo estar conectado. A teoria quântica está literalmente dizendo que não existe tal coisa como energia transparente e neutra. Existe energia vermelha, energia verde e energia azul. É, na verdade, uma teoria rápida e amigável da finitude, e uma que eu gosto muito. O novo materialismo também está dizendo que a matéria, seja lá o que isso for, é mais real do que as coisas que a matéria forma e eu não consigo entender isso. É um tipo de crença... Não funciona para mim, mas ler trabalhos científicos funciona para mim, e eu penso comigo mesmo: “Como é que essas coisas científicas existem?”, ou seja, a ontologia, e isso funciona para mim.

Thiago Pinho: Considerando tantos problemas que estão acontecendo nesse momento, e não falo aqui apenas do Covid-19, mas também de outros obstáculos, como grupos reacionários, teorias da conspiração, Fake News, dentro outros, você se considera um pessimista ou um otimista quando pensa no nosso futuro nesse planeta?

Timothy Morton: Eu sigo aqui com Antonio Gramsci, um ex-líder do Partido Comunista Italiano, quando ele diz uma frase famosa. Ele disse: “Pessimismo do intelecto, otimismo da vontade”. Na verdade, essas duas coisas andam juntas. O fato de ver que tudo está ruim nos encoraja a fazer algo a respeito. Saber que essas limitações existem é muito libertador. Saber, por exemplo, que pode não existir muita esperança, também significa que pode não existir muito medo, porque a esperança e o medo andam juntos.

Eu estudei budismo e é algo que pratico muito. Grande parte da minha escrita não resulta apenas da OOO, mas também é o Budismo traduzido em outras formas de falar sobre as coisas. Eu acho que a OOO é muito consistente com o Budismo, permitindo a mim oferecer às pessoas uma espécie de esperança. Se você pensar... “Esperança” é uma palavra muito melhor do que “desespero”. Claro, ainda não é uma palavra perfeita, mas está definitivamente na direção certa. Esse é o tipo de sentimento que faz parte da frase “Black Lives Matter”. Essa é uma frase brilhante, porque vem do futuro. Não seria ótimo se isso fosse verdade? A palavra “vida” nessa frase não se refere a um conceito biológico de vida como se fosse apenas oposto a “não-vida”, nem sequer se refere a um conceito legal de vida ou de ter direitos. Para usar palavras gregas, Zoé ou Bios não são as formas de vida que você encontra na frase “Black Lives Matter”. Do que estamos falando aqui quando dizemos “vida” é a palavra grega antiga Thumos, da qual extraímos a palavra “ritmo”. Significa “palpitar”, “movimentar”, “tremer”. Se disser a palavra “thumus”, vai apontar para o seu peito. É o fato do seu corpo dizer “voom, voom, voom”.

A forma de arte padrão para mim é a dança, porque toda a arte é sobre mover o corpo de alguma forma. Mesmo com a poesia é assim... mexer os quadris, a cara e tudo mais. A dança padrão é chamada de “vida”. Você se levanta, escova os dentes, depois vai para o metrô, e isso é uma dança. É irritante, mas é uma dança. A dança padrão da “vida” chama-se “sono”, quando está apenas descansando na cama e o seu corpo faz “voom, voom, voom, voom”. E o teu cérebro faz “voom, voom, voom, voom, voom” até entrar no campo dos sonhos, sendo que depois está no “ground state” como um ser sensível. Seu corpo vibra por conta própria. Esse é o tipo de vida de que estamos falando. Isso é também o que realmente acontece durante ações diretas e não-violentas na rua. Você se permite estar no grau mínimo de vida, e esse é o grau mínimo de dança.

É um tipo de afirmação política que é uma afirmação artística porque, na política, as coisas ocorrem da mesma maneira. Isso é muito bonito. É uma tentativa de abrir um espaço político onde a vida pode acontecer. E isso é a coisa básica que podemos falar: “Poderíamos, por favor, viver em público? As pessoas poderiam deixar de apontar armas só por termos colocado os pés na rua?”. Essa pergunta é uma coisa muito poderosa. Acho que não tem a ver com uma ideia de vida. Tem a ver, na verdade, com um tipo de sentimento de vida.

Eu acho que as formas de vida estão dizendo algo verdadeiro sobre o universo. Isto é, que não é um movimento mecânico. Como pode a vida evoluir a partir da química? Eu acho que a vida está dizendo algo verdadeiro sobre a Teoria Quântica, como estamos profundamente imersos no universo, e como coisas genuinamente novas podem acontecer. Isso também é o que se aprende quando se estuda a evolução, já que a evolução é aleatória. Como é que é aleatória? Isso é incrível. As mutações genéticas são aleatórias.

Quando se trata dessa dimensão estética, ela está nas formas de vida, até mesmo nos besouros. Isso porque há casos de escaravelhos com asas luminosas, e eles só têm essas asas porque é sexualmente atraente para certas fêmeas de escaravelhos. Então, você começa a pensar sobre isso e começa a deduzir certas conclusões. Eu leio muito sobre a teoria da evolução, e alguns dos seus argumentos dizem que toda a biosfera, o seu aspecto, os pássaros, as árvores, as flores e tudo o mais que se vê lá fora, assim como os gatos, as cidades, as casas, os jardins... tudo isso é feito de desejo feminino. Pense sobre isso... desejo feminino sem propósito. Apreciação estética feminina sem propósito e, portanto, queer. Não é sobre ter bebés... é apenas sobre “uau... isso é sexy... uau”. É assim que o mundo é. É porque o mundo está vivo que ele pode fazer isso. Isso é uma coisa importante para saborear, esse sentimento chamado “vida”.

Desde que valorizemos esse sentimento e o protejamos em nós mesmos e em outras pessoas, incluindo outras formas de vida, isso nos ajudará a superar os problemas e a continuar até o próximo momento. Afinal de contas, não é o fim do mundo. É o fim da ideia do fim do mundo. Esse é o problema... às vezes pensamos que existe esse vazio, um tipo de deserto de chamas ao estilo Mad Max. Mas a vida está sempre em movimento, sempre vibrando, incluindo todas as formas de vida que ainda não estão extintas. E se isso inclui os seres humanos... como viver? O que fazer? Como fazer isso? Eu penso que essa noção de vida é realmente importante, não a vida em oposição à não vida, mas a vida como um tipo de vibração, como um tipo de movimento. Também está em constante mudança, ou seja, a possibilidade de que exista realmente um futuro como um futuro real que não se pode prever e que às vezes eu chamo de futuro do futuro.

Portanto, isso está além da esperança. Está estruturado dentro de um universo onde as coisas podem ser genuinamente diferentes e que existe, de fato, um futuro. Mas o que fazemos com essa informação depende de nós, nesse momento.

Thiago Pinho: Obrigado. Minha última pergunta para terminar esta entrevista é: qual seria a sua mensagem para a nova geração de cientistas sociais e filósofos que nos leem nesse momento?

Timothy Morton: Adoto aqui uma postura mais humilde, e não quero ditar nada às pessoas. Mas uma coisa que eu gostaria de dizer agora, em geral, é... O mundo não precisa de mais ideias. Precisa de mais filosofia, e isso porque a filosofia é diferente de ideias e, em particular, o trabalho que a filosofia precisa fazer é decolonizar: grande parte do Antropoceno é por causa do colonialismo e do imperialismo. O colonialismo e o imperialismo também estão dentro do espaço da filosofia, e nosso trabalho é decolonizar a filosofia agora. Eu tenho tentado fazer isso entrando na tradição filosófica ocidental, removendo algumas das coisas que realmente são uma porcaria, como o antropocentrismo.

O que é surpreendente ... ou melhor, o que é incrível é que quando você remove rapidamente essas pequenas coisas, começa a soar como todo o resto, como uma espécie de “surpresa!!”. É uma espécie de conjunto de consciência ecológica. É apenas o homem branco percebendo o que todos no planeta passam por causa do homem branco. Eu concordo com o meu amigo Amitav Ghosh... Ele diz: “Ok, o capitalismo é o grande problema, mas como é que ele é o grande problema?". Essa é a pergunta interessante. Qual é a sua identidade? Qual é a fenomenologia do problema?

Como sabemos, o cerne do problema é sobretudo o imperialismo colonial. Na verdade, existe a ideia de que se pode, em termos filosóficos, devorar o mundo. Como quando eu fui ao supermercado no outro dia, e havia uma tempestade tropical chegando e, como de costume durante este período Covid, há sempre crianças brancas na casa dos 20 e poucos anos. Eu nunca os vi no supermercado antes, e eles estavam enchendo seus carrinhos com pilhas intermináveis de coisas, e que nem sabiam o que eram. Eu pensei comigo mesmo: “Uau, isso é o que se chama, em teoria, acumulação primitiva e tudo se passou no supermercado”. Um ser de acumulação primitiva. Vamos construir uma enorme pilha de dinheiro construindo uma enorme pilha de escravos e uma enorme pilha de produtos como noz-moscada, canela, gengibre, prata e ouro e podemos automatizar isso e transformar tudo em uma versão industrial, mas antes de tudo, vamos conseguir uma enorme pilha. Essa ideia de acumular uma enorme pilha indiscriminadamente por todo o lado, como uma pessoa branca ocidental... isso é tóxico... a aposta mais tóxica. Então, precisamos remover todos os vestígios possíveis disso da forma como os seres humanos pensam. Portanto, eles nunca mais poderão usar esses truques para magoar outros humanos e o resto da biosfera.

Thiago Pinho: Professor Morton, muito obrigado pelo seu tempo.

Timothy Morton: Ótimo, muito obrigado. Foi uma honra.

Notas

[a] TP - Doutor em Ciências Sociais
[b] Termo criado pela poetiza norte-americana Sylvia Plath.

Notas de autor

[a]
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