Editorial

Como citar: PERUZZO, J.; OLIVEIRA, J.; VALVERDE, A. Editorial. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v. 34, n. 63, p. 01-03, out./dez. 2022
O Tractatus Logico-Philosophicus, publicado há cem anos, representa a expressão daquilo que se tem denominado na cultura filosófica como “virada linguística”. Trata-se de uma obra que, escrita em comedidos aforismos, foi capaz de despertar um olhar crítico até mesmo de figuras mais ortodoxas da Filosofia e das ciências em geral. Tentando estabelecer os princípios do Simbolismo e das relações necessárias para que se possa dizer algo com sentido, o Tractatus persegue, pelo menos em um primeiro momento, as condições que deveriam ser satisfeitas por uma linguagem logicamente perfeita. Entretanto, da afirmação anterior desdobram-se vários dissensos, muitos dos quais derivados da mudança ocorrida no próprio pensamento de seu autor e que estão apoiados em seus escritos póstumos.
O fato é que o dissenso, em Filosofia, constitui parte de sua atividade essencial, é seu substrato. Por isso, o pensamento de Wittgenstein é fecundo quando pretende mostrar que, embora a Filosofia não seja uma das Ciências da Natureza, compete a ela a elucidação lógica dos pensamentos ou, como escreve o autor, “em Filosofia a pergunta ‘Para que fim utilizamos esta palavra, esta proposição?’ conduz sempre a descobertas valiosas” (Tractatus, 6.211). O compasso de tais incursões
torna-se ainda mais aguçado quando propõe que “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo” (Tractatus, 5.6) e que “o mundo e a vida são um” (Tractatus, 5.621) indicando, então, que a afirmação encontrada no Prólogo deve provocar um desassossego filosófico em seu leitor e sua leitora: “Este livro será talvez apenas compreendido por alguém que tenha uma vez ele próprio já pensado os pensamentos que são nele expressos – ou pelo menos pensamentos semelhantes”.
Nesse sentido, o Tractatus cumpre sua função na medida em que dissolve os problemas da Filosofia e mostra “que a posição de onde se interroga estes problemas repousa numa má compreensão da lógica da nossa linguagem” (Prólogo). Aliás, como ponderará na sequência, o livro desenha a linha da fronteira do pensamento, isto é, da expressão do pensamento, pois “a proposição é uma imagem da realidade. A proposição é um modelo da realidade tal como nós a pensamos” (Tractatus, 4.01). Entretanto, a mesma obra que afirma que “a lógica enche o mundo” (Tractatus, 5.61) é aquela que, ao final, adverte que “o mundo do homem feliz é diferente daquele do homem infeliz” (Tractatus, 6.43) e “a contemplação do mundo sub specie aeterni é a sua contemplação como um todo limitado” (Tractatus, 6.45). Ao que parece, portanto, a obra é muito mais um campo aberto e produtivo do que a tradicional imagem neopositivista dos cumes gélidos da lógica. Assim, o Tractatus parece reabilitar, mais uma vez, a confissão de Wittgenstein ao seu Editor de que a parte mais importante da obra é aquela que não havia sido escrita.
Celebrando o centenário de publicação do Tractatus Logico-Philosophicus, este número da Revista de Filosofia Aurora oferece o presente dossiê, organizado pelos professores Luigi Perissinotto (Università Ca’ Focari, Veneza, Itália) e Léo Peruzzo Júnior (Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil), o qual é dedicado aos vários temas que compõem a obra e às leituras (lógicas, antimetafísicas, éticas, estéticas, místicas etc.) que daí se depreendem. Os artigos aqui publicados, portanto, são reflexões cuja gênese retoma a importância do trabalho de Wittgenstein no cenário da filosofia contemporânea.
Este número ainda, publicado em sua integralidade em língua inglesa, apresenta quatro artigos no seu fluxo contínuo e uma resenha, cumprindo seu papel de disseminar o conhecimento filosófico e avançar nas fronteiras da internacionalização da pesquisa.
Aos leitores e leitoras fazemos votos de que, especialmente na celebração do centenário de publicação do Tractatus Logico-Philosophicus, novas ideias e reflexões possam encorajar o debate filosófico e o amadurecimento da produção intelectual.
Prof. Dr. Léo Peruzzo Júnior – PUCPR
Prof. Dr. Jelson Oliveira – PUCPR
Prof. Dr. Antonio Valverde – PUCSP
Notas de autor