Editorial
Editorial
O diálogo não é apenas um dos primeiros modos de fazer filosofia ou de se expressar filosoficamente, como nos mostraram os pensadores originários, Sócrates, Platão e, depois, a partir deles, Santo Agostinho; como também a melhor forma de a própria filosofia se realizar enquanto tarefa do pensamento. Em diálogo, os argumentos se esclarecem e purificam; contraditas, as boas ideias se fortalecem e os erros vêm à tona; confrontados, os autores se autoiluminam, compreendem-se e esclarecem-se mutuamente. O diálogo constitui, não por acaso, um método filosófico e uma metodologia de ensino e aprendizagem de filosofia. Ele está por trás do nosso gosto especial por simpósios, congressos, encontros e reuniões de estudo e debate. Embora certa visão romântica tenha dado prioridade para a imagem do filósofo como um solitário em sua caverna, iluminado apenas pela luz das suas próprias ideias, o certo é que essa é apenas uma parte da tarefa do pensador: sua solidão, quase sempre, é só o momento (imprescindível, é verdade) de seu parto, mas a criança, essa vem à luz do público e cresce na forma de seus escritos ou de suas ações. Artigos e livros são testemunhos dessa criação e se nutrem dos leitores que cativam e convocam para a própria atividade do pensamento.
A Revista de Filosofia Aurora quer, com o presente dossiê Filosofias em Diálogo, celebrar essa maneira própria da Filosofia fazer-se enquanto forma de conhecimento. Porque todo escrito é um tipo de diálogo, que conecta e confronta. Este número da Aurora coloca em diálogo autores e correntes de diferentes tempos e prismas e, com isso, resgata o que muitos deles mesmos fizeram, quando tomaram emprestados conceitos e argumentos uns dos outros, como forma de levar adiante a sua tarefa. O que seria de um Schopenhauer sem um Kant, de um Rousseau sem um Voltaire, de um Nietzsche sem um Platão, de um Agostinho sem um Plotino, assim por diante e vice-versa? A filosofia é, nesse sentido, a história de um diálogo interminado, interminável.
No presente volume, o conceito de autoridade dos antigos é confrontado com aquele dos modernos, o ceticismo de Leibniz é resgatado por Reid, a tradição filosófica é confrontada por Nietzsche, a sombra megárica é identificada no Parmênides de Platão enquanto o sofrimento social é analisado em Schopenhauer e em Horkheimer, a um tempo que a presença de Lamarck é identificada na obra de Freud. Traz-se à tona, além disso, diálogos inauditos (Canguilhem e Foucault) e outros que são provocados para iluminar o tempo atual (Nietzsche, Feyerabend e Foucault, juntos, mostram que esse não é um diálogo de mortos).
Não desfazendo-se, é claro, das sutilezas e provocações do diálogo, o Fluxo Contínuo ainda dispõe de textos sobre o pensamento de Hobbes, Locke, Hegel e Habermas. Obviamente, mais do que intimidades conceituais entre os autores, os artigos ali publicados são expressão de que a maturidade do diálogo também é um exercício desconstrutor e reformador.
Depois disso, este volume da Aurora apresenta duas entrevistas (a forma moderna do diálogo, por excelência): a primeira, com Yuk Hui, o filósofo chinês de ampla repercussão hoje nos estudos da filosofia da tecnologia; a segunda, realizada por Valeria Campos-Salvaterra com o professor Iván Trujillo, a fim de celebrar a memória da visita de Jacques Derrida ao Chile, em 1995. Por último, publica-se a tradução do texto de Eric Weil sobre Violência e Linguagem, realizado por Judikael Castelo Branco.
Tudo isso levou os editores a optarem pelo plural Filosofias, para dar vazão ao fato de que esse diálogo produz pluralidades, algumas convergentes, outras não. E que nisso mesmo reside a arte de pensar: construir pontes sobre os abismos. Em épocas como a nossa em que o diálogo é interrompido tão facilmente em nome dos ódios e seus gabinetes, das intolerâncias e desavenças de quem, por não ter nada a dizer, perde-se no palavrório espinhento das ideologias polarizantes, o presente número da Aurora é também um gesto político, que quer mostrar do que somos capazes e, principalmente, do que a Filosofia pode nos fornecer como arte da compreensão - esse, afinal, é o conteúdo da relação amorosa com o saber que a etimologia da palavra evoca.
Prof. Dr. Léo Peruzzo Júnior - PUCPR
Prof. Dr. Jelson Oliveira - PUCPR
Prof. Dr. Antonio Valverde - PUCSP
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