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Um diálogo inaudito entre Canguilhem e Foucault
Caio Souto
Caio Souto
Um diálogo inaudito entre Canguilhem e Foucault
An unheard dialogue between Canguilhem and Foucault
Revista de Filosofia: Aurora, vol. 33, núm. 60, pp. 861-878, 2021
Pontificia Universidade Catolica Parana
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Resumo: O artigo aborda algumas das diferenças entre a “história epistemológica” de Georges Canguilhem e a “história arqueológica”, tal como praticada por Michel Foucault. Prioriza-se o estudo do conceito de a priori biológico (ou fisiológico), cuja criação Canguilhem atribui a dois autores da tradição filosófica e fisiológica francesa: Auguste Comte e Claude Bernard. Em textos não muito frequentados, Canguilhem recorre a essa tradição para elaborar uma outra interpretação do empreendimento crítico kantiano, que compreende as condições de possibilidade do conhecimento (a priori) num sentido diverso daquele proposto por Foucault.

Palavras-chave: A priori histórico, A priori biológico, Canguilhem, Foucault, Kant.

Abstract: This article examines some of the differences between Georges Canguilhem's “epistemological history” and Michel Foucault´s “archeological history”. Priority is given to the study of the concept of biological (or physiological) a priori, whose creation Canguilhem attributes to two authors from the French philosophical and physiological tradition: Auguste Comte and Claude Bernard. In texts that are not very frequented, Canguilhem resorts to this tradition to elaborate another interpretation of the critical Kantian enterprise, which understands the conditions of possibility of knowledge (a priori) in a different sense from that proposed by Foucault.

Keywords: Historical a priori, Biological a priori, Canguilhem, Foucault, Kant.

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Dossiê

Um diálogo inaudito entre Canguilhem e Foucault

An unheard dialogue between Canguilhem and Foucault

Caio Souto
Instituto Federal do Amazonas, Brazil
Revista de Filosofia: Aurora, vol. 33, núm. 60, pp. 861-878, 2021
Pontificia Universidade Catolica Parana

Recepção: 08 Outubro 2020

Aprovação: 08 Novembro 2021

Assim como no século XIX, a questão do fundamento das matemáticas foi tarefa dos próprios matemáticos, em fisiologia é a um fisiologista que se deveu a responsabilidade do fundamento de sua ciência.

GeorgesCanguilhem (2018[1967a], p. 145).

Canguilhem1 nunca deixou de reconhecer o quanto lhe haviam surpreendido os trabalhos de Foucault, a quem pôde homenagear em muitas ocasiões. No “Colóquio História da loucura 30 anos depois”, por exemplo, Canguilhem dizia-se orgulhoso por ter dirigido a tese magistral de Foucault: “Se há um momento em meu trabalho de universitário do qual me felicito, ainda hoje, por poder me gabar, é o de ter sido o relator da tese de doutorado de Michel Foucault” (CANGUILHEM, 2018 [1991], p. 1234). Canguilhem, que orientou tantos trabalhos, alguns deles de superior qualidade, reservou essas palavras apenas ao autor de História da loucura. Aos que poderiam ver nessa frase um mero recurso retórico com o qual se homenageava uma celebridade recém-falecida cuja obra já estava consagrada, lembremo-nos também do relatório, escrito ainda em 1960, com o qual Canguilhem dava seu assentimento à publicação e à submissão a júri do manuscrito de um jovem então desconhecido, onde não era outro seu entusiasmo: “Estamos verdadeiramente em presença de uma tese”, afirmava, “que renova não apenas as ideias, mas também as técnicas de apreensão e de apresentação dos fatos, em matéria de história da psiquiatria” (CANGUILHEM, 2015 [1963], p. 913). Ainda uma vez, numa publicação de 1986, Canguilhem celebrava a importância que o doutorado de Foucault exercia, por ter apresentado aos seus leitores o conceito de acontecimento histórico, que mesmo entre certos historiadores havia caído em desuso: por tal renovação no seu domínio de estudos, a obra de Foucault deveria ser considerada, ela mesma, como um acontecimento (cf. CANGUILHEM, 2018 [1986], p. 1039-1045).

Mas o que haveria de tão impressionante nessa obra, a ponto de Canguilhem dizer: “A leitura de Foucault me apaixonou, revelando-me meus limites” (CANGUILHEM, 2018 [1986], p. 1042)? Primeiramente, cabe lembrar que Canguilhem, ele mesmo, já havia desferido seu golpe contra as pretensões de cientificidade da psicologia, notadamente na conferência de 1956, onde levava a cabo uma desconfiança que vinha desde a juventude por influência de Alain e de Comte2. Isso lhe valera um desentendimento com Daniel Lagache, de quem fora colega e que encarnava justamente esse esforço de cientificidade e de unidade ao discurso psicológico3. Contudo, o que Foucault lhe mostrava é que, como Canguilhem mesmo reconhecerá, “para além do patológico orgânico”, haveria uma dimensão social da constituição da anormalidade, que se apoiava na “existência histórica de um poder médico equívoco” (CANGUILHEM, 2018 [1991], p. 1235). E tal história teria sido marcada por um acontecimento, havendo assim uma descontinuidade na percepção histórica da loucura, cujo momento Foucault bem pôde situar na passagem da Renascença para a Idade Clássica. O que a tese de Foucault demonstrava ter acontecido nessa época foi a emergência de um poder jurídico e policial que se apoderou de uma antiga imagem que as sociedades europeias haviam constituído a respeito da loucura para transformá-la profundamente. Até a Renascença, a percepção da loucura estivera relacionada a certos valores simbólicos relacionados, segundo Foucault, ao mar: o louco era percebido, em geral, como uma espécie de “filho do mar” (FOUCAULT, 1961, p. 13), mar que, por sua vez, consistia numa “grande incerteza exterior a tudo” (FOUCAULT, 1961, p. 12), imagem da imensidão de um exterior que se estendia para além das margens da cultura e da sociedade. Com efeito, era ao destino desse mar infindo que se lançavam, numa barca (a nau dos loucos), aqueles aos quais o regime de percepção da Renascença atribuía o estatuto de loucos: “grande viagem simbólica” (FOUCAULT, 1961, p. 9); “naus de peregrinação, navios altamente simbólicos de insanos em busca da razão” (FOUCAULT, 1961, p. 10); “exílios rituais” (FOUCAULT, 1961, p. 11); “situação liminar do louco” (FOUCAULT, 1961, p. 12); enfim, um espaço que fazia do louco um “prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas” (FOUCAULT, 1961, p. 12): “o interior do exterior, e inversamente” (FOUCAULT, 1961, p. 12). Não há melhor descrição do que seja o fora no pensamento de Foucault, o mesmo fora que, em seus escritos sobre literatura, será constituído na imanência da linguagem e segundo suas próprias regras, na medida em que tais regras se vergam sobre si mesmas ao ponto de constituírem dentro da linguagem como que um oco: (“o interior do exterior” da linguagem, “e inversamente”!); um fora correlato ao que atravessará a filosofia de Foucault até culminar em suas reflexões sobre o exercício de si na constituição do sujeito em seus últimos textos4.

Se “até a Renascença”, como analisa Foucault, “a sensibilidade à loucura estava ligada à presença de transcendências imaginárias”, isso será alterado a partir da Idade Clássica, cujo início Foucault situará no limiar do século XVII, quando, “e pela primeira vez, a loucura é percebida através de uma condenação ética da ociosidade e numa imanência social garantida pela comunidade de trabalho” (FOUCAULT, 1961, p. 73). E para tornar legítimo o internamento, tanto do louco quanto dos demais ociosos, surgiu na Idade Clássica, um poder de polícia: “Polícia”, dizia Foucault, “no sentido preciso que a era clássica atribui a esse termo, isto é, conjunto de medidas que tornam o trabalho ao mesmo tempo possível e necessário para todos aqueles que não poderiam viver sem ele” (FOUCAULT, 1961, p. 63). Ao dizê-lo, Foucault vinculava a qualificação do anormal com um poder jurídico que, por sua vez, tinha sua condição de possibilidade numa exigência, a um só tempo, “econômica e moral” (FOUCAULT, 1961, p. 72). Econômica, pois tinha como finalidade combater o absenteísmo, considerado a fonte de todos os males numa sociedade que passaria a ter progressivamente suas instituições controladas pela burguesia, o que Foucault abordaria com mais detalhes na década seguinte em Vigiar e punir (1975) e nos cursos do Collège de France que lhe são contemporâneos. Moral, porque o trabalho passava a assumir o sentido de garantia ética, “como ascese, como punição, como signo de uma certa atitude do coração” (FOUCAULT, 1961, p. 74). E o que a tese de Foucault propôs, nos termos do próprio autor, foi refazer a história desse processo, isto é, “fazer a arqueologia de uma alienação” (FOUCAULT, 1961, p. 82). Além disso, como condição para que, mais tarde, surgisse sobre a loucura uma ciência específica, que irá buscar apoderar-se de seu segredo e reduzi-lo a um saber meticuloso e soberano, foi necessária a criação de um “a priori concreto” (FOUCAULT, 1961, p. 163): um espaço em que se tornasse visível ao saber esse novo tipo social que seria, doravante, apartado dos demais; um espaço que alteraria a percepção sobre a loucura, antes associada a outros “valores”, a outras “imagens” e a outras “estruturas” (FOUCAULT, 1961, p. 6). É essa mutação que permitiu a criação de um a priori cujas condições de emergência a tese de Foucault buscará reconstituir.

Canguilhem, como se viu, entusiasmou-se com esse monumental estudo desde a primeira leitura. Com efeito, alguns elementos de seu próprio pensamento estão presentes em História da loucura, e nesta obra ainda não se afiguram, ao menos em todos os seus contornos, as críticas que os trabalhos subsequentes de Foucault dirigirão, de modo mais ou menos velado, à epistemologia histórica. Como o próprio Canguilhem respondeu a D. Lagache, o valor dessa tese residia em mostrar que a psiquiatria seria, não uma ciência, mas uma técnica de normalização dos indivíduos. Além disso, Foucault teria confirmado como há sempre uma precedência das técnicas sobre as teorias (fossem elas científicas ou pseudocientíficas), o que se comprovava a partir da anterioridade da criação do espaço do asilo para que surgisse a percepção sobre a loucura. A psiquiatria, não sendo ela uma ciência, emprestaria certos métodos experimentais pretensamente científicos para instituir, sobre os indivíduos, um modelo social e político, impondo sobre eles uma conduta moralizante e restritiva à sua própria normatividade. Em sua nova terminologia, esta que Canguilhem passaria a empregar no final da década de 1960, ele poderia bem ter designado a tese de Foucault como um exemplo de descrição de uma ideologia científica.

Contudo, os próximos livros arqueológicos de Foucault trariam outros problemas a Canguilhem. O nascimento da clínica (1963), por exemplo, investiga as condições da percepção, não mais da loucura ou da doença mental, mas da doença orgânica. Agora entramos propriamente no domínio de Canguilhem, portanto. O período histórico em que se concentra esse estudo também será mais curto, compreendendo um intervalo de apenas 50 anos entre o final do século XVIII e o início do século XIX, quando surge a medicina experimental moderna. Era justamente esse o período que Canguilhem demarcara como o do estabelecimento de uma determinada concepção de doença que teria triunfado sobre outra. Lembremos como em O normal e o patológico Canguilhem já atribuía uma precedência ao espaço da clínica sobre a conceituação da doença, pretendendo reverter o equívoco consistente na identificação entre os estados fisiológicos normal e patológico. Tal equívoco seria resultado de uma herança, e Canguilhem analisara alguns momentos da transmissão dessa herança, priorizando a constituição, por Broussais, de um determinado “princípio”. O que O normal e o patológico propunha, em sua primeira parte, era reconstituir a história da transmissão desse “princípio de Broussais” (originado numa confusão entre as doutrinas de Brown e de Bichat) a partir da análise das obras de Comte, Claude Bernard e René Leriche, autores nos quais este “princípio” ainda estaria presente. Canguilhem tentava encontrar a superação desse impasse numa restituição do papel do campo das práticas na produção do conhecimento científico, reconhecendo-se à experimentação clínica sua precedência sobre o conhecimento científico. Sendo a medicina uma técnica, ela seria segunda com relação à normatividade vital, e o epistemólogo deveria levar isso em conta se quisesse bem compreender como deveria ser pensada a diferença entre os estados fisiológicos normal e patológico. O nascimento da clínica (1963), por sua vez, buscará outro nível de análise, terminando por destituir a clínica do sentido e do valor que Canguilhem lhe havia atribuído. A clínica médica exercerá para a medicina moderna, segundo essa obra, o mesmo papel que o asilo para loucos exercera com relação à psiquiatria. A possibilidade de efetivação da normatividade vital, tal como a pensava Canguilhem, será compreendida por Foucault como antecedida e condicionada por um a priorihistórico.

Vejamos um exemplo de como Foucault se posicionará, nesta época, com relação à epistemologia histórica, como o de uma ocasião em que discutia com Canguilhem, Dagognet e outros sobre a recepção da obra de Cuvier, num colóquio junto ao Institut da Rue de Four então presidido por Canguilhem. Antes de propor, em A arqueologia do saber (1969), certos limiares de transformação pelos quais passaria o discurso até que se formalizasse enquanto ciência5, Foucault já buscava designar os diversos níveis de análise possíveis, dentro do que ele então denominava como uma epistemografia: “descrição daqueles discursos que, em meio a uma sociedade, funcionaram e foram institucionalizados como discursos científicos” (FOUCAULT, 2001 [1970], p. 896). E Foucault observa ter chegado a um novo domínio a partir de exemplos concretos, os quais se poderiam encontrar em História da loucura, em O nascimento da clínica, ou nas empiricidades que discutirá em sua próxima obra As palavras e as coisas (as da economia política, da biologia e da linguística). O diagrama construído por Foucault, como ele mesmo afirma, pretendeu fazer uma epistemografia em quatro níveis: epistemonômico; epistemocrítico; epistemológico; arqueológico. O primeiro deles, o nível epistemonômico, definiria o modo como o próprio discurso científico exerce uma autorregulação sobre si mesmo: “controles epistemológicos internos que um discurso exerce sobre si mesmo”. No próximo nível, o epistemocrítico, analisa-se a organização em termos de verdade e de erro do discurso científico a partir de suas próprias leis de ordenação e de seu próprio regime de veridicção, mas sem atentar-se ainda para sua evolução histórica, restringindo-se ao seu “contexto de justificação”. É o que faz uma epistemologia não-histórica. Já o nível seguinte, chamado epistemológico, diria respeito às estruturas teóricas de um discurso científico e à sua aplicabilidade a partir do conhecimento das regras que governam o seu uso. Aqui entra em jogo a recorrência praticada por Bachelard e Canguilhem, uma vez que introduz a evolução histórica de determinado discurso científico como componente de sua constituição, integrando o “contexto de descoberta” efetivamente no “contexto de justificação”. Enfim, há o nível arqueológico, que Foucault prefere não nomear neste debate, embora diga que é num outro domínio que ele procura se situar: este é o nível da “análise das transformações do campo do conhecimento”. É deste nível que se poderia analisar, segundo ele, o funcionamento epistemonômico de uma ciência, sendo o objeto desta nova análise a historicidade dos discursos que aspiram a - ou que são dotados de - cientificidade.

Ora, a “descoberta” deste outro nível de análise parece pôr em xeque a epistemologia histórica tal como praticada por Bachelard e Canguilhem. O juízo normativo operado pela recorrência será substituído pelo juízo de existência de uma positividade. Posteriormente, em A arqueologia do saber (1969), quando voltar a mencionar a diferença entre sua história arqueológica e a história epistemológica de seus antecessores, Foucault dirá: “quero designar um a priori que não seria condição de validade para juízos, mas condição de realidade para enunciados” (FOUCAULT, 1969, p. 144). Para a arqueologia de Foucault, como comenta François Delaporte, “o progresso não regula nada; ele não ordena nada e não tem nenhum caráter normativo” (DELAPORTE, 2007, p. 101). O presente apenas permitirá observar uma mutação histórica, tendo um valor de índice, não de norma, uma vez que permite delimitar um campo no qual alguma mudança ocorreu, como no caso, por exemplo, do nascimento da clínica. Quando tal mudança ocorre, passa-se a organizar um discurso que terá, ele, um valor normativo: trata-se da análise da constituição disciplinar do discurso de verdade da ciência. Mas ao situar sua análise no nível arqueológico, Foucault também se separaria do presente, uma vez que os valores do presente não têm mais, ao contrário do que parecia ocorrer no caso da epistemologia histórica, qualquer critério normativo ou avaliativo. É nesse sentido que Foucault teria descoberto uma outra dimensão na qual o discurso arqueológico poderá se situar: o da atualidade. Pois a atualidade de Foucault não se ordena propriamente segundo as normas discursivas da ciência cujas condições de emergência a arqueologia buscaria reconstituir, como o da anátomo-patologia no caso de O nascimento da clínica, ou o da psiquiatria no caso de História da loucura. O discurso arqueológico buscará se situar no nível em que, estando ainda dentro de determinada episteme, está-se ao mesmo tempo o mais próximo daquilo que se anuncia como o seu fim.

Não se pode objetar a Canguilhem ter negligenciado que a obra arqueológica de Foucault destruísse as promessas do progresso científico. É ele mesmo quem diz, na elogiosa resenha a As palavras e as coisas (1966 para o livro de Foucault, 1967 para a resenha) em que combatia os inimigos comuns a Foucault e à epistemologia histórica:

Em todo caso, por que recusar […] a qualidade de histórico a um discurso que relaciona a sucessão bruta, indedutível e imprevisível das configurações conceituais dos sistemas de pensamento? É porque uma tal disposição sucessiva exclui a ideia de um progresso (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 196).

Na mesma página, Canguilhem ainda notava: “A História do século XIX é o Progresso do século XVIII substituído pela Ordem do século XVII, mas essa emergência do Progresso não deve ser tida, aos olhos da História, por um Progresso” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 196). Não há dúvida de que Canguilhem compreendeu Foucault. A objeção que sua resenha lhe propõe - se é que se trata de uma objeção: “Há, no entanto, uma questão, mais ainda que uma objeção, que não me parece possível deixar no silêncio” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 207) é de ordem bastante diversa daquela que comumente é feita. Começa por uma constatação: Foucault teria sabido distinguir, se quisesse, nas linhas de sucessão próprias a cada ciência, teorias que teriam sobrevivido às rupturas epistêmicas ocorridas em seus respectivos domínios. Todavia, o fato de Foucault não ter se dedicado a investigar cada ciência segundo as necessidades que lhe são inerentes, preferindo fixar suas análises no a priori histórico que as teria tornado possíveis, convém melhor a Canguilhem que seja compreendido como a constatação de que se trata de um outro gênero de estudos. Com efeito, Canguilhem menciona uma passagem em que Foucault deixa clara sua opção metodológica:

Não se tratará, portanto, de conhecimentos descritos no seu progresso em direção a uma objetividade na qual nossa ciência de hoje pudesse enfim se reconhecer; o que se quer trazer à luz é o campo epistemológico, a episteme onde os conhecimentos, encarados fora de qualquer critério referente a seu valor racional ou a suas formas objetivas, enraízam sua positividade e manifestam assim uma história que não é a de sua perfeição crescente, mas, antes, a de suas condições de possibilidade; neste relato, o que deve aparecer são, no espaço do saber, as configurações que deram lugar às formas diversas do conhecimento empírico (FOUCAULT, 1966, p. 13).

Feita essa distinção, é lícito perguntar se não estaria resguardado ainda à epistemologia histórica um papel. Canguilhem insiste, por exemplo, no caso da física matemática ou no da biologia. Desde que se estabeleça um caminho para a busca de uma generalização ou uma integração de conhecimentos em física, pode-se recuar até Huygens (1629-1695) ou Fresnel (1788-1827), arrancando-os ao seu solo originário, isto é, às suas condições de possibilidade histórico-epistêmicas, para reencontrar suas teorias conservadas como elementos das teorias contemporâneas da física de partículas. O mesmo ocorreria em matéria biológica: como os estudos de Canguilhem bem puderam mostrar, a “teoria genética” integrou autores como Darwin, Mendel, Claude Bernard e Pasteur num mesmo e único conhecimento científico coerente, ainda que as condições epistêmicas fossem hostis a alguns deles na época de seu surgimento (casos de Mendel e de Pasteur com relação, respectivamente, a Darwin e Claude Bernard). Já era essa a desconfiança que Canguilhem manifestara com relação às obras anteriores de Foucault, quando constatava: “Em duas de suas obras, História da loucura e O nascimento da clínica, Michel Foucault, iluminadamente, estabeleceu em que os métodos da botânica forneceram aos médicos do século XIX o modelo de suas nosologias” (CANGUILHEM, 2002 [1966], p. 340). Mas não lhe pareceu suficiente que se notasse uma tal similaridade ou um empréstimo de modelos para que se apagassem todas as dissimetrias entre os conhecimentos: “Mas, diremos nós, há racionalidades e racionalidades” (CANGUILHEM, 2002 [1966], p. 340), advertia Canguilhem. E o autor afirmava como, em certas passagens de As palavras e as coisas, o próprio Foucault reconhecia essa continuidade progressiva encontrada em certos conhecimentos científicos nas sucessões entre epistemes por ele investigadas, ou ao menos a supunha com relação às matemáticas, por exemplo. Claro que Foucault poderia se defender dizendo que não estava em jogo, para ele, a verdade do discurso, mas sua positividade. Ao que Canguilhem replica:

Mas será possível negligenciar o fato de que certos discursos, como o discurso da física matemática, não possuem outra positividade senão aquela que eles recebem de sua norma e que esta norma combativamente conquista a pureza de seu rigor depositando na sucessão epistêmica dos discursos, cujo vocabulário aparece, de uma episteme a outra, desprovido de significação? (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 208)6.

Ocorre que Foucault responderia, em seu livro seguinte - A arqueologia do saber (1969) -, que não haveria exceção quanto ao fato de que, para um discurso se transformar em ciência, ele devesse superar determinados limiares de transformação discursiva, o primeiro sendo o de positividade, pelo qual os enunciados passariam a se ordenar segundo uma “regularidade discursiva”. Mas sobre a medicina experimental construída por Claude Bernard, por exemplo, Canguilhem dirá que se trata de uma “ciência a priori” (CANGUILHEM, 1977 [1971], p. 105), isto é, de um saber “pré-positivo”, ou que não aguardou suas condições de possibilidade numa regularidade discursiva antes de se epistemologizar. Daí porque pôde constituir um obstáculo às ideias de Pasteur, obstáculo que só seria superado quando uma nova descoberta os pudesse integrar (a da estrutura do DNA) numa teoria mais coerente e rigorosa. Foucault, ao caracterizar as ciências como discursos positivados, referiu-se a esse mesmo exemplo, dizendo: “a medicina experimental de Claude Bernard, depois a microbiologia de Pasteur, modificaram o tipo de cientificidade requerido pela anatomia e fisiologia patológicas, sem que a formação discursiva da medicina clínica, tal como fora estabelecida na época, tivesse sido posta fora de cena” (FOUCAULT, 1969, p. 210). Era a prova de que uma ciência, qualquer fosse ela, só poderia existir dentro de uma positividade (no vocabulário do livro anterior, de uma episteme). Mas Canguilhem desconfia que as coisas não se tenham passado exatamente assim: “Ao contrário de Michel Foucault, parece-me que a medicina experimental bernardiana e a microbiologia pasteuriana não estão em pé de igualdade no que diz respeito à insuficiência da sua contribuição para a cientificidade da medicina clínica” (CANGUILHEM, 1977, p. 10).

Os leitores de Canguilhem bem conhecem qual é a posição atribuída a Claude Bernard com relação às ciências da vida: trata-se do primeiro fisiologista-filósofo, aquele que, na linha aberta por Auguste Comte, realizou a verdadeira Revolução copernicana na esfera do pensamento, substituindo a relação ainda idealista em Kant entre sujeito e objeto por aquela, agora autenticamente fisiológica, entre organismo e meio. Claude Bernard, para Canguilhem, é portanto o autor que postula o conceito de a priori biológico, em substituição ao a priori transcendental kantiano. É nesse sentido - a mero título de exemplo - que a epistemologia histórica, tal como Canguilhem a pratica, pôde compreender a síntese efetuada com o advento da teoria genética, conservando-se a perspectiva bernardiana de uma autonomia (ainda que relativa) do organismo fisiológico perante o meio com as inovações da microbiologia pasteuriana. Seguindo o mesmo raciocínio, Canguilhem não aceitará que todas as ciências sejam condicionadas indistintamente por um mesmo limiar de positividade, reivindicando também, com isso, a irredutibilidade da epistemologia histórica perante as análises arqueológicas:

Não se poderia contudo sustentar que a medicina fisiológica de Claude Bernard, estando o seu autor afetado de filosofemas, oferece à análise o caso de uma investigação cuja epistemologização está mais “avançada” ou é mais “acentuada” do que a própria positividade? Ao passo que, inversamente, Pasteur, químico e não médico, se atém antes de mais à positividade das suas investigações, sem se preocupar demasiado com a coerência da sua epistemologização (CANGUILHEM, 1977, p. 10).

Tais palavras se encontram no significativo preâmbulo do livro Ideologia e racionalidade na história das ciências da vida, em que se elaboram as razões da proposição do conceito de “ideologia científica”. Esse preâmbulo apresenta este conceito como tendo sido formulado, em grande medida, como resposta a Althusser e a Foucault. Com efeito, no capítulo “Ciência e saber” da obra com que Foucault encerrava sua trajetória arqueológica, afirmava-se que “a ideologia não exclui a cientificidade” (FOUCAULT, 1969, p. 208). Isso porque, para Foucault, mesmo ao retificar seus erros e se tornar mais rigorosa, condensada e formalizada, uma ciência nunca anularia sua relação com a ideologia. Ao contrário, para ele, “o papel da ideologia não diminui à medida que cresce o rigor e que se dissipa a falsidade” (FOUCAULT, 1969, p. 208). Assim, o que a arqueologia deveria examinar, com relação a uma ciência enquanto mera “formação discursiva”, eram as suas condições de existência como “prática entre outras práticas” (FOUCAULT, 1969, p. 208). E, mais à frente, logo após distinguir a “história epistemológica” de Bachelard e Canguilhem da sua “história arqueológica”, Foucault concluía: “No enigma do discurso científico, o que ela põe em jogo [a episteme] não é o seu direito de ser uma ciência, é o fato de que ela existe” (FOUCAULT, 1969, p. 215). Canguilhem não se fez de rogado e, sentindo que a ocasião se prestava a uma réplica, respondeu - bem ao seu estilo - ironizando a si mesmo:

Quanto a saber se a minha indiferença relativamente à gestação de uma história que substitua a igualdade entre ciências e ideias, ou seja, literatura, pela sua intuscepção recíproca, me valeria ou não a qualificação de fóssil conceitualista, devo confessar que essa indiferença não tem cura (CANGUILHEM, 1977, p. 9).

Canguilhem aceita que o conceito de episteme, bem diferentemente de ser uma espécie de poder totalizante que submeteria todas as empiricidades a seu império, como querem certas leituras desatentas, é antes uma chave ou grade (Foucault usa o termo grille7) de inteligibilidade do saber produzido por uma determinada cultura numa determinada época. Em busca dessa chave, o objeto que a arqueologia elege para si não são disciplinas especificamente consideradas, mas sim aquilo que se estabelece “na encruzilhada de disciplinas” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 205): “Para perceber a episteme”, dizia Canguilhem na resenha a As palavras e as coisas, “foi necessário sair de uma ciência e da história de uma ciência, foi necessário desafiar a especialização dos especialistas esforçando-se para se tornar um especialista, não da generalidade, mas da inter-regionalidade” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 203-204). A proximidade com a análise dos mitos tal como praticada por Georges Dumézil é manifesta. Esse espaço inter-regional, ao qual Foucault denominou a episteme, exercerá nessa obra a função de a priori histórico (agora imaterial, embora ainda espacial) que os espaços do asilo e da clínica exerciam nas duas obras anteriores. Contudo, cabe questionar, como o faz Canguilhem, se o meio aberto em direção a essa encruzilhada, sem dúvida resultado de um empreendimento notável que poucos tiveram coragem e competência para perseguir, não seria também um caminho a ser trilhado, e que poderia tê-lo sido ou não. Um caminho é um método, segundo a etimologia. Mas será um caminho apenas uma necessidade objetiva imposta àquele que se propõe chegar a algum lugar? Não seria também, e sobretudo, o resultado de uma decisão subjetiva (de um sujeito que é primeiro um vivente, antes de vir a ser um sujeito de conhecimento) daquele que se propõe segui-lo? Para obter essa chave que permitiria a Foucault descriptografar o que se passa na encruzilhada dos caminhos, não teria sido necessário “esse elã de originalidade subjetiva que não é próprio a todos” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 206)? Não seria esse caminho criado ou descoberto - o do “método” arqueológico, ainda que Foucault insista em notar que não se trata de um método no sentido tradicional - também um caminho rumo à encruzilhada dos caminhos? Ora, desde que se estabelece um caminho, há obstáculos no percurso, que o caminhante pode ou não conseguir superar. E traçar um caminho não é, pois, e justamente, o próprio do vivente?

Afora as possíveis divergências (ou não seriam antes, também, encruzilhadas de caminhos?) entre a “história epistemológica” e a “história arqueológica”, não se deve perder de vista uma convergência que Canguilhem ele mesmo quis apontar, conduzindo os resultados dessa arqueologia das ciências humanas às questões que lhe convinham. O que essa leitura pôde revigorar em Canguilhem foi uma antiga tentativa, que talvez sempre tenha sido a sua: a de reformular o estatuto do homem na filosofia. Com efeito, Canguilhem comenta, desde a primeira linha dessa resenha, que um outro autor poderia ter sido lembrado nas discussões tão necessárias e bem-vindas que Foucault animara com seu livro. Outro que poderia, se quisesse, ter escrito uma história da loucura (não seremos nós a discordar8). Outro que, se o tivesse feito, certamente teria atribuído a Dom Quixote um lugar de destaque: “Foucault só citou Comte uma vez. Era, no entanto, um caso a se seguir mais de perto” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 210), lamenta Canguilhem. E se não foi Comte o verdadeiro autor de História da loucura, foi ele que quis - o primeiro - inverter a relação “sujeito-objeto”, ainda metafísica em Kant, por esta outra “organismo-meio”, agora sim fisiológica e científica. Que possamos sorrir com o fato de ele ter buscado sua tábua de categorias na neuro-fisiologia (hoje caduca) de Gall, e sua filosofia da história em Condorcet e na herança iluminista, Canguilhem quer reconhecer como inovador, ao menos, seu esforço em tentar imergir o a priori transcendental kantiano num outro a priori, agora biológico9. Fazendo-o, Comte pôde afirmar que é o pensamento impessoal da “humanidade” (em sentido biológico) que é pensado pelo Eu penso, e não o inverso. E Canguilhem quis ir mais longe ainda ao dizer, logo em seguida, que o a priori histórico de Foucault também repousa num a priori biológico. Seria ingenuidade pensar que Canguilhem ignorasse a crítica antecipada que Foucault dirigiria a uma tentativa como essa de recalcar do empírico (o biológico-científico) as condições para um a priori transcendental. Mas As palavras e as coisas, obra magnânima, não foi suficiente para impedir Canguilhem de afirmar: “A filosofia de Comte é o exemplo típico de um tratamento empírico do projeto transcendental conservado” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 211). Interpretou-se esta passagem como se Canguilhem estivesse sustentando, quanto a si, o empreendimento transcendental kantiano10. Cremos, contudo, que a “conservação” de que fala Canguilhem seria mais bem compreendida no sentido da superação de um obstáculo epistemológico - em sentido bachelardiano -, que nunca se faz, segundo o próprio Canguilhem, sem a conservação de uma herança. Assim, o “projeto transcendental kantiano” teria sido conservado no projeto empírico-científico que Comte fundou e que, por sua vez, teria sido ainda retificado por uma série de acontecimentos epistemológicos posteriores.

Que Foucault tenha de certo modo encontrado uma homologia epistêmica entre o positivismo e a fenomenologia, isso não constitui um problema aos olhos de Canguilhem, mas ele convida a analisar os dois casos mais de perto. E é neste ponto que Canguilhem pode opor a Foucault o quanto a arqueologia devia, ainda mais profundamente, à epistemologia histórica: à lição de Cavaillès e à de Bachelard (senão, através deles, à do próprio Comte). Por exemplo, a crítica mais contundente às pretensões exorbitantes do Cogito husserliano no âmbito de um “pensamento puro”, fora Cavaillès quem a fizera duas décadas antes, no texto póstumo Sobre a lógica e a teoria das ciências (1942):

Cavaillès havia indicado os limites do empreendimento fenomenológico, antes mesmo que a fenomenologia exibisse, mesmo na França (portanto, com certo atraso), suas ambições ilimitadas, e ainda indicou, vinte anos antes, a tarefa que a filosofia está hoje reconhecendo como sua: substituir o primado da consciência vivida ou refletida pelo primado do conceito, do sistema ou da estrutura (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 212).

Quanto a Bachelard, ainda que se restringisse ao âmbito científico e epistemológico, fora ele quem já levara a cabo “a tarefa de extrair das novas teorias físicas as normas de uma epistemologia não-cartesiana” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 213), invertendo o Cogito segundo a expressão Cogitatur ergo est (BACHELARD, 1934, p. 168, apud CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 213n)11. Também em Bachelard já se encontra formulada a postulação de uma epistemologia “não-kantiana”12. Se, contudo, a epistemologia histórica parece ter um lugar na arqueologia foucaultiana, ela é considerada como uma prática discursiva entre outras que examina as condições de possibilidade históricas de emergência de certos discursos, mas que não levaria em conta as condições de sua própria positividade. Sua especificidade seria examinar, para além do mero contexto de justificação científica, também as lutas e aventuras travadas entre as ideologias discursivas que já atingiram o limiar de epistemologização, antes de superaram os outros dois limiares (os de cientifização e de formalização). E se Foucault poderá incluir a ciência entre as demais formas de produção do verdadeiro em nossa sociedade, o que ele um dia denominará com o termo aleturgia13, nada impede, porém, que a epistemologia histórica compreenda a tarefa levada a cabo por uma arqueologia das ciências humanas como a extensão da “obrigação de não cartesianismo, de não-kantismo, à reflexão filosófica” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 213). Daí que Canguilhem possa ter dito de As palavras e as coisas que “essa obra é, para as ciências do homem, o que a Crítica da razão pura foi para as ciências da natureza” (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 214). Porém, depois de limitar a possibilidade das ciências humanas no âmbito do conhecimento teórico, Canguilhem questiona se não valeria agora lançar-se a um novo empreendimento. Não mais buscado nas limitações da razão teórica, mas na liberação à razão prática com vistas à superação do Cogito no homem:

A não ser que, não se tratando mais da natureza e das coisas, mas dessa aventura criadora de suas próprias normas à qual o conceito empírico-metafísico de homem, senão mesmo a própria palavra, poderia um dia não mais convir, não haja qualquer diferença a ser estabelecida entre o apelo à vigilância filosófica e este trazer à luz do dia - um dia até mais cru do que cruel - suas condições práticas de possibilidade (CANGUILHEM, 2018 [1967b], p. 214).

A título conclusivo, meditemos um pouco mais sobre essas palavras. O grifo sobre o termo “práticas” é do próprio autor, indicando o seu uso específico. Deste modo, se todo o empreendimento filosófico de Canguilhem, desde a juventude até aqui, nunca abandonou a perspectiva de um pluralismo coerente dos valores, é verdade também que seu vitalismo havia, desde há muito tempo, destituído a posição do sujeito transcendental para encontrar, em seu lugar, essa figura errante e cuja unidade da experiência não pode nunca ser definitivamente afigurada: o vivente. “Morte do homem ou esgotamento do Cogito?”, perguntava-se Canguilhem no título de sua resenha. Assim, quanto a esse vivente ao qual o termo ou o conceito atuais de homem poderão em breve não mais convir, Canguilhem propõe uma nova exigência: a de que se vejam libertas, para além da tarefa crítica de uma “vigilância filosófica” (o termo substitui a “vigilância epistemológica” bachelardiana) a limitar a razão teórica que anseia tomá-lo como objeto de conhecimento, as condições práticas de possibilidade de sua ação.

Material suplementar
Referências
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BACHELARD, G. Noumène et microphysique. In: BACHELARD, G. Études. Paris: Gallimard, 1972[1931-1932].
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BRAUNSTEIN, J.-F. La critique canguilhemienne de la psychologie. Bulletin de psychologie, tome 52, n. 2, p. 440, mars/avr. 1999.
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CANGUILHEM, G. Mort de l´homme ou épuisement du Cogito?. In: CANGUILHEM, G. Œuvres Complètes, vol. V: histoire des sciences, épistémologie, commémorations (1966-1995). Paris : Vrin, 2018[1967b].
CANGUILHEM, G. Sur l´histoire des sciences de la vie depuis Charles Darwin. In: CANGUILHEM, G. Idéologie et rationalité dans l´histoire des sciences de la vie. Paris: Vrin, 1977[1971].
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CANGUILHEM, G. Ouverture [du Colloque L´histoire de la folie 30 ans après]. In: CANGUILHEM, G. Œuvres Complètes, vol. V: histoire des sciences, épistémologie, commémorations (1966-1995). Paris : Vrin, 2018[1991].
DELAPORTE, F. Foucault, Canguilhem et les monstres. In: BRAUNSTEIN, J.-F. (org.). Canguilhem. Paris: PUF, 2007.
FOUCAULT, M. Histoire de la folie à l´âge classique. Paris: Plon, 1961.
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FOUCAULT, M. L´archéologie du savoir. Paris: Gallimard, 1969.
FOUCAULT, M. La situation de Cuvier dans l'histoire de la biologie (discussion). In : FOUCAULT, M. Dits et écrits, vol. II, 1976-1988. 2ª ed. Paris: Gallimard, 2001[1970].
FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants: cours au Collège de France. Paris: EHESS/Seuil/Gallimard, 2012[1979-1980].
ROTH, X. Georges Canguilhem et l´unité de l´expérience. Paris : Vrin, 2013.
Notas
Notas
1 Este artigo reformula algumas passagens de minha tese de doutorado em filosofia defendida pela UFSCar sob a orientação de Thelma Lessa da Fonseca no ano de 2019 que teve como título Georges Canguilhem: o devir de um pensamento. A pesquisa contou com financiamento da CAPES.
2 Ver, quanto a isso, Jean-François Braunstein (1999).
3 Por sua autoridade no campo de estudos ao qual a tese de Foucault se cingia, D. Lagache não poderia estar ausente de sua defesa. Com efeito, Canguilhem narra as desavenças que tiveram lugar durante a sustentação, ainda mais bem documentadas na biografia de D. Eribon.
4 É também como Canguilhem interpreta a última deriva do pensamento foucaultiano: “Era normal, no sentido propriamente axiológico, que Foucault empreendesse a elaboração de uma ética. Face à normalização, e contra ela, O cuidado de si” (CANGUILHEM, 2018 [1986], p. 1045).
5 São eles: limiar de positividade, limiar de epistemologização, limiar de cientificidade e limiar de formalização (Cf.FOUCAULT, 1969, p. 208-209).
6 A fundamentação das matemáticas foi tarefa dos próprios matemáticos, o que ocorreu com a formulação da teoria dos conjuntos cuja história Jean Cavaillès nos ofereceu em Observations sur la formation de la théorie abstraite des ensembles (1937).
7 Sobre a tradução desse termo nessa obra de Foucault, como observa o tradutor da resenha de Canguilhem: “Foucault faz alusão à criptografia […] Em criptografia, o termo ‘chave’ designa o código ou senha que permite a um receptor abrir uma mensagem criptografada, como uma porta só pode ser aberta com a chave específica que corresponde ao código de sua fechadura” (ALMEIDA, 2012, p. 20n).
8 Sobre as relações entre Comte e a loucura, ver: Jean-François Braunstein (2008).
9 Mais condenáveis parecem ser as tentativas hodiernas de se fazer o mesmo, emprestando-se ao desenvolvimento atual das neurociências as categorias do pensamento humano. Para uma crítica das neurociências, que prolonga aquela que o mesmo autor fazia ao behaviorismo em 1956, ver: Canguilhem (2018 [1980], p. 895-932).
10 Xavier Roth (2013), por exemplo, propõe uma interpretação desta resenha de Canguilhem num sentido um pouco diferente do nosso, encontrando nesta passagem o índice de uma manutenção, por Canguilhem, da perspectiva transcendental kantiana.
11 Noutro estudo, o mesmo autor explicava-se: “Cogitatur, ergo est, estando entendido que o fato de ser pensado matematicamente é a marca de uma existência ao mesmo tempo orgânica e objetiva. E é apenas porque ela é orgânica que se crê em sua objetividade. Nada de gratuito e de subjetivo, por um lado, nada de simples e de desconexo, por outro, pode encontrar lugar no ser da Física matemática” (BACHELARD, 1972 [1931-1932], p. 17).
12 Tais palavras não nos parecem deixar dúvidas a respeito da reformulação do kantismo que a filosofia de Canguilhem propõe, ainda que sua herança do neo-kantismo tenha vindo pela Wertphilosophie (via Escola de Baden e Heidelberg), e não pela epistemologia (via Escola de Marburgo).
13 “O que chamamos o conhecimento, isto é, a produção do verdadeiro na consciência dos indivíduos por procedimentos lógico-experimentais não é, depois de tudo, mais do que uma das formas possíveis de aleturgia. A ciência, o conhecimento objetivo é apenas um dos casos possíveis de todas essas formas pelas quais se pode manifestar o verdadeiro” (FOUCAULT, 1980, p. 8-9).
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