Editorial

Editorial

LÉO PERUZZO
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil
JELSON OLIVEIRA
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Brasil
ANTONIO VALVERDE
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

Editorial

Revista de Filosofia: Aurora, vol. 34, núm. 62, pp. 1-03, 2022

Pontificia Universidade Catolica Parana

Com o sintagma “niilismo europeu”, Nietzsche designa um processo histórico que culmina na perda de validade e força vinculante por parte dos valores e bens supremos que, em nossas sociedades ocidentais, ao longo de séculos, serviram de alicerce cultural e diretrizes normativas para o pensamento e da ação. “O que eu narro”, escreve Nietzsche entre 1887 e 1888, “é a história dos próximos dois séculos ... Aqui, não louvo, nem censuro, [o fato de] que ela venha: creio numa das maiores crises, num instante da mais profunda auto-reflexão do homem.” (Nietzsche, F. Nietzsche, F. Sämtiche Werke. Kritische Studienausgabe [KSA]0. Ed. G. Colli; M. Montinari. Berlin; New York; München: de Gruyter; DTV. 1980, Vol.13, p. 56s). Por conseguinte, aquilo que a autorreflexão de Nietzsche apreende, com sua refinada percepção e senso crítico, são os movimentos, cada vez menos larvares, de uma crise profunda e permanente que afeta todos os setores da vida na sociedade contemporânea, e cujos efeitos mais disruptivos fazem-se sentir justamente em nossos dias.

Nesse horizonte, o diagnóstico por Nietzsche a respeito da escalada do niilismo constitui para nós um legado filosófico da mais alta relevância e atualidade, pois nele estão implicados os mais urgentes problemas, desafios e dilemas da razão teórica e prática, num momento em que a crise desestabiliza os pilares sobre os quais se apoiou, ao longo de séculos, a edificação jurídico-política de nossa sociedade. Mas, com o referido diagnóstico, a crítica nietzschiana nos auxilia também a pensar alternativas e soluções que possam nos conduzir para além do cenário sombrio em que nos encontramos, à sombra do niilismo, sem os confiáveis sustentáculos que a tradição religiosa e ético-moral nos legara como terra firme e porto seguro.

Tendo em vista tal conjuntura, Heidegger escreveu certa vez - justamente em uma reflexão a propósito da filosofia de Nietzsche: “O niilismo é um movimento histórico, não uma qualquer visão e uma qualquer doutrina, representadas por quem quer que seja. […] O niilismo é, antes, pensado em sua essência, o movimento fundamental da história do Ocidente. Ele mostra uma tal profundidade que o seu desenrolar apenas pode ter como consequência catástrofes mundiais. O niilismo é o movimento histórico-mundial dos povos da Terra que entram no âmbito de poder da modernidade. Daí que ele não seja só um fenômeno da era presente, nem sequer só o produto do século XIX, no qual desperta certamente um olhar mais agudo para o niilismo e em que também o nome se torna usual. O niilismo tampouco é apenas o produto de nações singulares cujos pensadores e escritores falam propriamente do niilismo. Aqueles que se presumem livres dele empreendem talvez do modo mais fundamental o seu desenrolar. É inerente à inquietude deste mais inquietante de todos os hóspedes que a sua proveniência própria não possa ser mencionada” (HEIDEGGER, M. Nietzsches Wort ‘Gott ist tot’. In: Holzwge. 6. Auflage. Frankfurt/M: Vittorio Kolstermann Verlag, 1980, p. 252s.).

Com essa preocupação, este número da Revista de Filosofia Aurora oferece o presente dossiê Nietzsche, dedicado à problemática que recobre o campo de significação desse conceito, sua relevância, atualidade e as consequências daí derivadas, tanto para a história da filosofia como para a compreensão de nosso presente. Os artigos aqui reunidos, cada um a seu modo e em perspectiva original, dedicam-se à análise e à reflexão acerca de problemas estreitamente ligados ao niilismo e aos seus desdobramentos. Sobre a base da contribuição de Nietzsche, eles procuram examinar os múltiplos aspectos que tornam tais questões imprescindíveis para a filosofia e as ciências humanas de nossos dias. O presente dossiê foi organizado pelo Prof. Dr. Oswaldo Giacoia Jr. (PUCPR/Unicamp) e pelo prof. João Constâncio (Universidade Nova de Lisboa), a quem os editores da Aurora agradecem e parabenizam efusivamente.

Além do dossiê, o presente número da Aurora dá a lume outros artigos publicados no seu fluxo contínuo, uma tradução e três resenhas, cumprindo assim com sua vocação de despertar e alimentar o debate filosófico em suas diferentes perspectivas.

Aos leitores e leitoras fazemos votos de que essas ideias frutifiquem.

Prof. Dr. Léo Peruzzo Júnior - PUCPR

Prof. Dr. Jelson Oliveira - PUCPR

Prof. Dr. Antonio Valverde - PUCSP

Editores

Autor notes

a LP - Doutor em Filosofia, e-mail: leo.junior@pucpr.br
b JO - Doutor em Filosofia, e-mail: jelson.oliveira@pucpr.br
c AV - Doutor em Filosofia, e-mail: ajrvalverde@uol.com.br
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